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ISCTE deixa cair a placa de homens e mulheres e passa a ter casas de banho não-binárias

Proposta foi feita pela associação de estudantes e aceite pela reitoria da faculdade. Entre mais de 30 casas de banho, ISCTE tem agora três espaços livres de placas que determinam o género.

Das mais de 30 casas de banho que estão espalhadas pelo ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa, três deixaram de ter as placas que identificam o género masculino ou feminino e podem ser utilizadas por todos os alunos, uma vez que são agora de utilização não-binária. A medida não é consensual entre os estudantes daquela faculdade e será novamente discutida na próxima assembleia geral dos estudantes, apesar de a associação de estudantes, responsável pela proposta, considerar que a existência de casas de banho não-binárias deverá manter-se.

Na última reunião da assembleia geral de estudantes do primeiro semestre, vários alunos pediram a abertura de casas de banho não-binárias — sobretudo para utilização por parte de pessoas transgénero, que não se identificam com o género que lhe foi atribuído à nascença, podendo ou não ter feito alterações no corpo. “Temos uma percentagem de estudantes que não se sentiam confortáveis a usar as casas de banho de género e, por isso, fizemos a proposta à nossa reitoria”, explicou fonte da associação de estudantes do ISCTE ao Observador. E a reitoria confirmou que foi a associação que “solicitou que alguns dos WC existentes no campus pudessem ter uma utilização não-binária, o que foi autorizado”.

Casas de banho são assunto sério para pessoas transgénero

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Os alunos que compõem o núcleo da associação de estudantes adiantam que o objetivo é criar medidas inclusivas e garantir que todas as pessoas “tenham um local onde possam fazer as suas necessidades dentro do ISCTE, já que esta acaba por ser a segunda casa de muitos alunos”, sublinhando o facto de existirem mais de 30 casas de banho, que podem continuar a ser usadas por quem não se sente confortável ao frequentar um espaço não-binário.

Quando foi feita a proposta, a reitoria deu também liberdade à associação de estudantes para escolher quais as casas de banho que deixariam de ser frequentadas de acordo com os géneros feminino ou masculino. E aqui o critério foi o de facilitar o acesso, “para não ser necessário ir até ao piso 8 de outro edifício”. Foram então escolhidos locais situados junto às entradas, por exemplo.

Desmistificar as críticas

As placas que identificam o género foram retiradas há duas semanas, numa altura em que muitos alunos se encontram em fase de exames, mas só esta semana começaram a surgir críticas, feitas através das redes sociais.

Entre as críticas, surge a questão da possibilidade de um espaço sem género poder aumentar os casos de assédio, por exemplo. Esta perspetiva é, no entanto, clarificada por quem estuda a identidade e expressão de género. “O assédio não está determinado nas formas das casas de banho, porque ele já acontece nas instituições universitárias há muitos anos e os dados recentes mostram isso”, explicou ao Observador Liliana Rodrigues, psicóloga e investigadora no Centro de Psicologia da Universidade do Porto.

Os balneários deverão ser pensados numa perspetiva individual, para que possa existir privacidade e “para proteger as pessoas, criando a ideia de que as casas de banho devem ser usadas para o fim que se usa uma casa de banho e não para associá-la a contextos de assédio e de violência", defende a psicóloga Liliana Rodrigues, investigadora no Centro de Psicologia da Universidade do Porto.

Neste caso, aponta a especialista, tanto as casas de banho como os balneários deverão ser pensados numa perspetiva individual, para que possa existir privacidade e “para proteger as pessoas, criando a ideia de que as casas de banho devem ser usadas para o fim que se usa uma casa de banho e não para associá-la a contextos de assédio e de violência, porque eles já ocorrem noutros espaços – nas salas de aula, nos intervalos”.

Não é pela proibição de avanços que vamos contribuir para a não violência. Pelo contrário, continuamos a reiterar essas formas de violência”, acrescentou.

Relativamente aos comentários negativos, a associação de estudantes reconhece que não foi partilhada muita informação sobre esta mudança. “Talvez tenha sido a nossa falha e vamos tentar explicar tudo isto aos alunos”, reconhece.

Ainda assim, aponta a psicóloga Liliana Rodrigues, esta medida é um reforço que “dá visibilidade a um conjunto de pessoas que continuamente têm sido violentadas de forma institucional, quando não se reconhece que as casas de banho devem ser usadas por pessoas, independentemente daquilo que é o seu género”. Além disso, retirar as placas reflete “precisamente o reforço de dizer que as casas de banho têm de ser usadas de acordo com o que a pessoa se sentir mais confortável a usar”.

Impacto da inclusão na saúde mental

Durante os últimos anos, Liliana Rodrigues tem ouvido histórias de pessoas transgénero que incluem, precisamente, episódios nas casas de banho. Os relatos incluem, por exemplo, situações de violência que aconteceram quando alguém quis ir à casa de banho rotulada com o género que se identifica, apesar de não ser a que corresponde ao seu sexo. Ou casos em que jovens transgénero evitavam ir à casa de banho fora de casa, com receio de serem confrontados com a razão pela qual estão naquele sítio.

Tanto a associação de estudantes como a investigadora da Universidade do Porto não têm conhecimento de que esta medida de inclusão tenha sido implementada noutras universidades, apesar de acreditarem que o ISCTE não é a única.

Estamos a falar de uma questão de base, que é o direito à não-discriminação e isto tem, de alguma maneira, implicações para o bem-estar das pessoas, nomeadamente ao nível da saúde mental”, explicou a psicóloga.

O facto de terem sido os estudantes do ISCTE a fazer o pedido para a criação de locais não-binários marca também “uma época de viragem”. Tanto a associação de estudantes como a investigadora da Universidade do Porto não têm conhecimento de que esta medida de inclusão tenha sido implementada noutras universidades, apesar de acreditarem que o ISCTE não é a única.

Mas em alguns países, esta já é uma realidade e noutros vai sendo uma discussão. Em vários estados norte-americanos já estão disponíveis casas de banho que são frequentadas independentemente do género masculino ou feminino. Por exemplo, a Universidade de Oregon disponibiliza um mapa interativo para que os alunos saibam onde estão as casas de banho não-binárias. Na Universidade de Boston, apesar de existirem locais que não estão identificados com os géneros binários, os alunos têm vindo a pedir mais casas de banho neutras.

Pela Europa, a Universidade de Edimburgo, na Escócia, tem também um mapa com a localização destas casas de banho. “Embora qualquer pessoa possa usar uma casa de banho neutra em termos de género, estas são particularmente importantes para estudantes e funcionários trans e não-binários, que podem sentir-se desconfortáveis ou incapazes de utilizar casas de banho de género”, lê-se na página desta faculdade.

França segue o mesmo caminho, com a Universidade de Tours a tornar-se a primeira instituição de ensino superior a ter casas de banho não-binárias, em 2017.

A discussão de 2019 e a proposta do PAN

A existência de casas de banho sem género nas instituições de ensino, incluindo escolas básicas e secundárias, deu origem a diversas discussões em 2019. Um ano antes, o Parlamento aprovou a lei que vincula o direito à autodeterminação da identidade de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa e, pouco tempo depois, deputados do PSD e do CDS pediram ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização sucessiva de vários artigos do diploma então aprovado.

A decisão surgiu no ano passado, com o TC a dizer que os n.ºs 1 e 3 do artigo 12.º da lei sobre a autodeterminação de género eram inconstitucionais e a ideia de que todas as escolas passariam a ter casas de banho sem género não passou disso mesmo.

Apesar de toda a discussão, o PAN apresentou, já durante a atual legislatura, a primeira alteração à lei que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género. No documento, entregue em março — logo após a tomada de posse da nova composição parlamentar —, o PAN propõe que “as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”.

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