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Italexit? Ponha o cinto para (mais um) referendo decisivo

Domingo, a Itália vota um referendo capaz de colocar a Europa de novo em sobressalto. Se Renzi perder pode gerar-se o caos político com a ascensão do comediante Beppe Grilo. Euro pode ficar em risco.

Texto publicado originalmente a 14 de novembro.

Uma Europa mal refeita do trauma do referendo do Brexit e da vitória do magnata Donald Trump para a Casa de Branca, tem este domingo mais um evento de risco: o referendo a alterações constitucionais que pode lançar Itália num pântano político.

Para muitos, o britânico David Cameron cometeu um erro de cálculo de proporções históricas ao anunciar o referendo sobre a União Europeia. Outros defendem que não tinha como fugir a ele. Agora, com (mais) um referendo decisivo, agora em Itália, a visão predominante é que o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, não tinha grande alternativa a este referendo, que pretende simplificar o processo legislativo no país.

Mas Renzi partiu para este processo cometendo o erro de garantir que se demitia caso as mudanças não fossem aprovadas. Ao fazê-lo, transformou o referendo num voto à sua governação e não à matéria em causa. Desde então, Renzi emendou a mão e já não diz claramente que se demite se perder o referendo. Mas, com o Movimento Cinco Estrelas à espreita, liderado pelo comediante Beppe Grilo, o risco de mais um terramoto político na terceira maior economia da zona euro é real.

Newly appointed Italian Prime Minister Matteo Renzi looks on during a debate ahead of a confidence vote at the Italian Senate on February 24, 2014, in Rome. Italy's new Prime Minister Matteo Renzi was to unveil details of his ambitious government programme on February 24 as he faced a confidence vote in parliament in a key test of his power to unite warring factions and secure a solid majority. The new premier is expected to present plans for rapidly overhauling the tax system, job market and public administration in his speech to the Senate, which will put his newly-formed cabinet to a confidence vote. AFP PHOTO / ANDREAS SOLARO (Photo credit should read ANDREAS SOLARO/AFP/Getty Images)

Matteo Renzi, que não foi eleito diretamente para o cargo, arrisca transformar o referendo num voto de protesto à sua governação. (Foto: ANDREAS SOLARO/AFP/Getty Images)

O referendo vai perguntar aos italianos se aceitam um conjunto de alterações constitucionais que acabem com o atual equilíbrio de poderes entre o Congresso de deputados e o Senado. Renzi quer diminuir o peso do Senado, que passaria de ter 315 assentos para 100 e deixaria de conseguir vetar orçamentos públicos e derrubar governos através de moções de censura.

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Passam, por vezes, vários anos ou mesmo décadas até que uma proposta de lei seja aprovada (ou posta no lixo), depois de várias passagens do Senado para o Congresso, e vice-versa, como uma bola de ténis. O sistema bicamarário foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, para evitar o surgimento de um novo déspota como Benito Mussolini. Mas o modelo contribui para a famosa ingovernabilidade crónica de Itália: 63 governos em 70 anos, desde que nasceu a república.

Na opinião de Matteo Renzi e de vários outros críticos do sistema atual, ele contribui, também, para a dificuldade que existe em Itália de fazer reformas em várias áreas importantes da política económica. Além disso, Renzi acrescentou uma reforma constitucional que torna virtualmente impossível interromper o mandato de um primeiro-ministro. O problema é que Matteo Renzi, que não foi eleito diretamente para o cargo (herdou o cargo de Enrico Letta), aparece aos olhos de muitos italianos como um político demasiado unipessoal, um one man show, e há quem receie dar-lhe demasiado poder.

O referendo quer, também, alterar a forma como se organiza o poder entre o governo central e as administrações regionais.

As sondagens, que inicialmente davam a vitória ao “Sim”, já inverteram o sentido e continua a existir um elevado número de indecisos.

"Se querem que este país mude -- não para mim, não para vocês, mas para os nossos filhos. Se querem que exista um sistema mais simples, fiquem do meu lado, porque não consigo fazer isto sozinho. Se o referendo não passar, ao longo dos próximos 30 anos quem quer que seja primeiro-ministro vai ser um escravo de vetos, chantagem e burocracia".
Matteo Renzi, primeiro-ministro de Itália

O primeiro-ministro tentou fazer passar as alterações no Parlamento, mas não conseguiu a necessária maioria de dois terços, pelo que teve de passar a decisão para as mãos do povo. Um povo que desespera perante o crescimento pálido da economia — apenas 0,7% no ano passado, cerca de metade de Portugal em 2015 — e que vive sob uma Espada de Dâmocles que é o sistema bancário e o entulho de créditos em falta que lá se concentra.

Joseph Stiglitz, Nobel da Economia e conhecido comentador sobre a crise europeia, diz que a Europa está a caminhar para um “evento catastrófico“, sobretudo se continuar a existir a perceção de que o governo de Renzi pode cair, e que pode criar-se uma crise política em Itália. O economista chegou mesmo a recomendar que se cancelasse o referendo, para evitar um “resultado desastroso“. Um ministro do governo de Renzi admitiu, nas últimas semanas, adiar o referendo por causa dos terramotos, mas a ideia foi rapidamente descartada pelo primeiro-ministro.

Mas o referendo pode trazer um terramoto político, receiam vários observadores. Num artigo de opinião publicado no Financial Times, logo após o referendo do Brexit, Wolfgang Münchau afirmou que o país arrisca cair num “pântano” que só beneficiará o Movimento Cinco Estrelas, o partido anti-Europa fundado pelo comediante Beppe Grillo. Esse partido, que já disputa a liderança das sondagens com o Partido Democrático de Renzi e, caso chegue ao poder, garante que a prioridade será um referendo à permanência na zona euro. Depois do Grexit e do Brexit, Italexit já é uma expressão com muita popularidade nos motores de pesquisa.

“Os italianos estão a começar a culpar o euro pelos problemas na economia. Uma saída da zona euro por parte de Itália levaria ao colapso total da união monetária num período de tempo muito curto. O que levaria, provavelmente, ao choque económico mais violento da História, maior do que a bancarrota do Lehman Brothers em 2008 e do que o crash de 1929 em Wall Street”, diz Wolfgang Münchau.

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Um “pântano político” em Itália que resultasse na saída do país da zona euro levaria a um colapso global bem pior do que a falência do Lehman Brothers, acredita Wolfgang Munchäu.

Renzi percebeu rapidamente que ficaria a perder se associasse o resultado do referendo à sua governação. Mas, ao seu estilo, voltou a indicar que não terá condições para governar caso perca o referendo. “Se tiver de ficar no parlamento e fazer aquilo que toda a gente fez, antes de mim, que é arrastar-me e pairar por ali, isso não serve para mim“.

Com a eleição de Donald Trump pelo meio, os juros da dívida de Itália já superaram os 2% no mercado, um valor elevado tendo em conta os volumes de dívida italiana que o BCE compra, todos os meses, no mercado. Depois do Brexit e da vitória de Trump, agora é que os investidores não querem, mesmo, ser apanhados em contrapé.

No mês passado, o Observador entrevistou Megan Greene, economista da gestora de ativos Manulife que trabalhou com Nouriel Roubini. A especialista vê um grande risco de que Renzi não consiga a vitória. Nesse caso, o cenário mais provável é que Matteo Renzi peça a antecipação das eleições legislativas para 2017, um ano antes do previsto. “Neste momento [em outubro], acredito que Renzi irá perder o referendo, mas ainda há muitos indecisos, as coisas podem mudar”, afirmou Megan Greene. “Se Renzi perder, julgo que isso irá gerar muita instabilidade política — é muito pouco claro o que pode acontecer se ele se demitir”, acrescentou a economista.

“É possível que haja novas eleições e o Movimento Cinco Estrelas irá, provavelmente, vencer. Isso seria incrivelmente negativo para os mercados”, nota, ainda, Megan Greene, concluindo que “mesmo que Renzi aceite formar um novo Governo, nos próximos meses as questões políticas vão ocupar toda a atenção dos protagonistas, deixando pouco tempo para avançar com as reformas de que o país precisa”.

Este artigo foi originalmente publicado a 14 de novembro

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