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Jaime Magalhães, 55 anos, acumula 21 títulos em 15 anos de Porto
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Jaime Magalhães, 55 anos, acumula 21 títulos em 15 anos de Porto

Jaime Magalhães, 55 anos, acumula 21 títulos em 15 anos de Porto

Jaime Magalhães além do futebol e do FC Porto. “Se perdesse o jogo, nem saía de casa até ao jogo seguinte"

No mundo da bola, acumula 408 jogos pelo FC Porto e vai ao Mundial 86. Fora dos relvados, é um apaixonado pelos desportos motorizados e vê as vitórias de Senna no Estoril de Mouton em Ponte de Lima

Travessa dos Inglesinhos, sede do jornal Record, mil nove e picos. Sou um dos escolhidos para fazer um trabalho aaaaarghhhhhhhhh de peso sobre um Benfica-FC Porto qualquer do campeonato e é preciso falar com ex-jogadores, dar voz a quem de direito sobre os seus tempos de juventude. Um dos números de telefone emprestados é o de Jaime Magalhães, a par de outras figuras daqueles anos 80/90 como Rui Águas, Dito, Secretário, Domingos, blá blá blá yada yada yada. Ao telefone, Jaime Magalhães é o mais sucinto possível sobre as suas memórias dos clássicos como adepto e despacha as perguntas com um “ò Miguel [engraçado quando as pessoas só memorizam o segundo nome de três], não me lembro nada desses jogos, eu só ia às Antas para ver corridas de carros e motos”. Aquilo martela-me a cabeça durante dias, meses, anos. Até que lhe resolvo telefonar em Janeiro 2018, directamente do Campo 24 de Agosto, onde é agora o terminal de autocarros do Porto. Daí até à loja de Jaime Magalhães, fascinante. Mesmo, a loja chama-se Fascinante, ali na Damião de Góis.

Tenho uma pergunta para te fazer há mil anos. Ias às Antas para ver carros e motos?
Ahahahahahah. O Estádio das Antas tinha uma pista cinza e tinha também uma de asfalto, mais oval, onde se fazia o Torneio dos Minis. Sempre gostei de máquinas, seja carros ou motos. Por acaso, até tenho duas motos. Não devia ter.

Porquê?
Nós, profissionais do futebol, não podemos ter veículos de duas rodas.

Ai é?
Imagina que caímos e partimos um pé?

Pois, nunca tinha pensado nisso.
Pois é, era tramado.

Então mas tu tinhas moto enquanto jogavas no FC Porto?
[Jaime olha para o lado esquerdo e para o lado direito] Tive sempre moto, só que escondia-a dentro da loja.

E o capacete?
Escondia-o dentro de um café.

Então mas tu tinhas moto enquanto jogavas no FC Porto? [Jaime olha para o lado esquerdo e para o lado direito] Tive sempre moto, só que escondia-a dentro da loja. E o capacete?Escondia-o dentro de um café.Que moto é que tinhas naquela altura? Uma 125.E agora? Uma Harley. Ainda pensei em comprar uma Ninja, só aquilo é um caixão verde.

Foooogo, que mestre.
Mas nunca fui um daqueles malucos, sempre guiei com cuidado.

Que moto é que tinhas naquela altura?
Uma 125.

E agora?
Uma Harley. Ainda pensei em comprar uma Ninja, só aquilo é um caixão verde.

Um caixão verde, como assim?
Montes de gente morreu naquela moto, aquilo embala com uma facilidade. Chegas aos 300 assim [Jaime estala os dedos]. Adoro velocidade e adorava aquela moto, mas não disse nada à minha mulher. Um dia, fui fazer um test drive. Comecei a andar, depois acelerei aqui, acelerei ali e já estava a 300 numa recta. Só via a estrada assim [Jaime junta as mãos numa linha horizontal].

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E então?
Cheguei ao stand, entreguei a moto e disse ‘vou pensar’. Depois passei aqui num outro stand, fui ao catálogo da Harley e escolhi uma. Fiquei seis meses à espera, porque veio dos EUA. É uma Harley toda bonita, de estimação. E, pronto, eis o porquê de ir às Antas quando era miúdo. Não era para ver futebol, era para ver corridas.

Ias com quem?
Com os meus irmãos.

E o teu pai?
Era porteiro nas Antas e deixava-nos entrar. Quer dizer, quando estava de serviço.

E quando não estava?
Era aquela táctica de sempre: encostávamos a um senhor mais velho e pedíamos para dizer que era nosso filho, sobrinho ou o que fosse. Resultava sempre.

Também fiz isso muitas vezes em Alvalade.
Eheheheh, resultava sempre sempre sempre. Como aquilo era peão, não havia cá cadeiras nem lugares marcados. Era entrar malta e mais malta. A táctica era encostar o mais possível para caber o maior número de pessoas.

Ai as Antas também enchiam para ver corridas?
Se enchiam, era uma movida mais intensa que nunca.

E esse gosto das velocidade vem do teu pai?
Nada, vem de mim. Ahahahahah.

E é tudo, motos e carros?
Tudo o que é desporto motorizado.

Então e os Grandes Prémios de Fórmula 1?
Fui muitas vezes ao Estoril e até vi a primeira vitória de sempre do Ayrton Senna [21 Abril 1985].

Fui muitas vezes ao Estoril e até vi a primeira vitória de sempre do Ayrton Senna [21 Abril 1985]. É uma sensação que nunca mais se esquece. Na televisão, os carros parecem todos iguais. Lá, na pista, não é nada assim. A diferença é abismal. Agora o meu objectivo é ver uma corrida do Nascar. Já estive perto de concretizar esse sonho, com uma série de amigos, só que o senhor que nos ia ajudar a arranjar bilhetes e tal deu-tre o treco, um AVC, e ficou tudo em águas de bacalhau.

Uauuuuu.
É uma sensação que nunca mais se esquece. Na televisão, os carros parecem todos iguais. Lá, na pista, não é nada assim. A diferença é abismal. Agora o meu objectivo é ver uma corrida do Nascar. Já estive perto de concretizar esse sonho, com uma série de amigos, só que o senhor que nos ia ajudar a arranjar bilhetes e tal deu-lhe o treco, um AVC, e ficou tudo em águas de bacalhau.

E há aventuras com carros?
Ia ver muito o Rally de Portugal, lembro-me bem da vitória da Michèle Mouton [1982]. Vi-a em Ponte de Lima e aquilo ao vivo é uma coisa, pá. Fascinante. Imagina só, nós, jogadores, passávamos as semanas em estágios e mais estágios, jogos e mais jogos. De repente, havia uma aberta e lá ia eu para as velocidades. Boas motos, bons carros, o que gosto disso. Ainda hoje. E ver uma competição ao vivo é uma experiência inesquecível. Aquilo das três uma: ou estão malucos, ou estão bêbedos, ou estão drogados. Andar àquela velocidade, naquelas curvas, só os mais artistas.

Então e o futebol, entra quando na tua vida?
Aos 13 anos [1975]. Naquele tempo, não havia escolinhas nem nada disso. Os treinos eram aqui atrás, no campo da Constituição. Muito mau, pelado, velhinho. Foi o meu irmão quem insistiu que fosse treinar à Constituição e deu-me umas sapatilhas todas rotas ò c*****. Então cheguei lá e havia para aí uns mil e 500 miúdos. A medida que o treino foi evoluindo, eles iam chumbando rapazes e eu acabei por ficar nos últimos 20.

Foi o meu irmão quem insistiu que fosse treinar à Constituição e deu-me umas sapatilhas todas rotas ò c*****. Então cheguei lá e havia para aí uns mil e 500 miúdos. A medida que o treino foi evoluindo, eles iam chumbando rapazes e eu acabei por ficar nos últimos 20.

Havia alguém conhecido nesse grupo?
Não, só depois é que chegou o João Pinto, de Oliveira do Douro. Juntos, fomos por aí fora: iniciados, juvenis, juniores.

Campeões alguma vez?
Nunca perdi uma final, ganhei-as todas.

Em que escalão?
Todos: iniciados, juvenis e duas vezes nos juniores.

A sério?
A primeira de todas foi nos iniciados, a final foi com o Louletano. Num campinho pequenino, em Lisboa.

Tapadinha?
Olha, acho que foi aí.

E depois?
Final de juvenis com o Vitória de Setúbal, em Tomar.

Isso é só finais incríveis, não há Sporting nem Benfica.
Naquelas fases finais, até apanhava o Sporting. Agora o Benfica é que não. Aliás, há uma final de juniores com o Sporting. Ganhámos 2-0, nas Antas.

Antas?
Jogávamos no campo de baixo, onde cabiam umas 1500 pessoas, só que havia tanta gente para ver esse jogo que se transferiu para as Antas.

Imagino as diferenças.
O tapete das Antas era uma maravilha, parecia outra dimensão.

Sempre tu e o João Pinto?
Sempre. E é engraçado que o João era extremo-esquerdo nos iniciados. Já viste o futebol? Há coisas mesmo impressionantes.

E tu?
Sempre à direita.

E quando é que subiram a seniores?
Com o senhor Pedroto. Eles conhecia-nos melhor que ninguém, porque treinávamos muitas vezes com os seniores. Só que apareceu aquele Verão.

O de 1980?
Esse mesmo, e o Porto mudou. Como éramos juniores, não tínhamos bem a noção do que se estava a passar. Sabíamos que havia uma confusão e vimos o Oliveira, que era o capitão, a entrar no balneário com mais um dez jogadores e a sair logo a seguir.

E vocês, os mais novos?
A olhar uns para os outros.

E depois?
Depois entrou o Herman Stessl, um treinador austríaco.

E que tal, gostavam dele?
Lógico, então eles metia-nos a jogar. Ele já gostava de malta nova, ali então tinha muito por onde escolher.

Como é que ele era como pessoa?
Espectacular.

Falava português?
Não, tínhamos um tradutor.

E?
Ele não era mau, mas também não era muito bom. O Stessl falava muito e ele só dizia duas coisas em português. Naquele tempo, era tudo mais difícil. Até os próprios jogadores, eram poucos os que sabiam falar inglês. Espanhol, ainda vá. Agora inglês, pfffffff [Jaime abana sistematicamente a mão direita]. Mesmo assim, ficámos em segundo lugar, a dois pontos do Benfica, e ainda fomos à final da Taça de Portugal.

Com o Benfica?
Exacto.

E então?
Levámos 3-1, acho. Nós estávamos a fazer uma equipa, eles já tinham um onze extraordinário: Bento, Humberto Coelho, Carlos Manuel, Diamantino, Nené. O Nené, nessa final, marca-nos os três golos. Acho que é nessa final. Ele nem sujava os calções, mas era craque. Foi meu companheiro de quarto na selecção. Era o Nené ou o Jordão. Incrível, as coisas que um gajo se vai lembrando. O senhor Jordão.

Então?
Uma vez, dividi quarto de hotel com o Jordão e ele não largava o telefone. Falava, falava, falava e eu só queria telefonar à minha mãe para dizer-lhe que estava tudo bem. E o senhor Jordão, nada de desligar o telefone.

E?
Não havia como dizer nada, era o senhor Jordão e o respeito pelos jogadores antigos era enoooorme.

Quando chegámos à final da Taça das Taça em 1984, a malta perguntava 'quem é o Porto?'. Nunca tínhamos ganho nada nem feito nada de extraordinário e fizemos uma final espectacular com a Juventus. Jogámos para ganhar. Aliás, jogámos melhor mais tempo com a Juventus do que o Bayern em 1987. Na final de Viena, o Bayern foi superior na primeira parte e nós dominámos na segunda. Na final de Basileia, dominámos completamente a Juventus, só que era preferível o árbitro ajudar o Platini e o Boniek do que o Jaime Magalhães e o Gomes

Quem é que te chama pela primeira vez para a selecção?
Cabrita, depois Jesualdo, Peres Bandeira nos juniores, Torres nos seniores.

Ganhaste algum torneio nas camadas jovens?
Por acaso, aos 14/15 anos, ganhámos o Torneio Internacional do Algarve. Mais também joguei torneios lá fora pelo Porto. Lembro-me de um, em Itália: FC Porto-Milan. O nosso treinador era o senhor Feliciano, que fez história como jogador do Belenenses. Ele disse-nos isto, no balneário: ‘Pá, vocês olhem para as camisolas deles como se fosse o Sacavenense, não olhem como se fosse o Milan; eles são grandes mas não são grande coisa’. E não é que ganhámos 2-1. Eu, por acaso, fiz o segundo golo e o estádio todo a aplaudir. Nesse FC Porto, já jogou o Gomes. E nesse Milan estava o Maldini. Vê bem, o Maldini. Anos depois, jogámos juntos na Liga dos Campeões.

Tu viveste essa ascendência internacional do FC Porto.
Quando chegámos à final da Taça das Taça em 1984, a malta perguntava ‘quem é o Porto?’. Nunca tínhamos ganho nada nem feito nada de extraordinário e fizemos uma final espectacular com a Juventus. Jogámos para ganhar. Aliás, jogámos melhor mais tempo com a Juventus do que o Bayern em 1987. Na final de Viena, o Bayern foi superior na primeira parte e nós dominámos na segunda. Na final de Basileia, dominámos completamente a Juventus, só que era preferível o árbitro ajudar o Platini e o Boniek do que o Jaime Magalhães e o Gomes. Também é verdade que éramos inexperientes e pagámos caro essa factura.

Como?
Antes do jogo, ainda no hotel, andávamos a negociar as chuteiras com Adidas e Puma. Uma palhaçada do c*****. Uma confusão tremenda, tipo ‘dou-te mais 50 contos se calçares isto’ e o outro ‘dobro a proposta, dou-te 100 contos’. Três anos depois, em Viena, foi diferente. Fomos mais tranquilos para o jogo e até brincávamos uns com os outros ‘se levarmos três até nem é mau sinal’.

Na final com o Bayern, és tu quem cabeceias a bola para o 1-0 do Bayern.
Que golo esquisito pá. Ele faz o lançamento, eu tento desviar a bola e o miúdo, o Kögl, dá-lhe bem. Verdade seja, dita, o Josef [Mlynarczyk] não está bem posicionado. Não contávamos nada com aquele golo. Depois abrimos o livro na segunda parte. Foi uma jogatana do caraças e os golos foram um a seguir ao outro. A magia foi imensa, tanto dentro como fora do campo.

Fora do campo?
Tenho amigos que foram daqui até Viena de carro, num Fiat Punto, com cinco pessoas sem roda sobressalente e cheios de presuntos, latas de salsichas, bebidas e tal. Esse sentimento, esse portismo batia forte nos jogadores. Estávamos bem protegidos pelos nossos adeptos.

Para ti, como foi viver essas duas finais?
Há coisas históricas. Na final de 1984, com a Juventus, o nosso onze era todo português. Aliás, sou eu que saio para dar lugar ao único estrangeiro, o Walsh. Na final de 1987, com o Bayern, foi diferente nesse aspecto: já havia Mlynrazk, Celso, Madjer, Casagrande e Juary. Mas também é diferente na infraestrutura. Lembro-me de ficarmos num hotel que mais parecia um palácio. Aquilo em Viena estava um frio desgraçado e até nevou. Lá dentro do hotel, uma maravilha. Um hotel com restaurantes, casinhas, piscinas, jardins e uma clarabóia muito grande. E estávamos todos nervosos, ninguém dizia nada. Imagina, já tínhamos perdido uma final e aquela não era para perder, senão.

Senão.
Ninguém se lembra do segundo classificado pá. Não dava, perder não entrava na nossa cabeça. Então entrámos com aquela mentalidade à Porto. Outros tempos, como te digo. O plantel era maioritariamente português, com anos e anos de casa. O André esteve dez anos, eu 20, o João Pinto 20. Anos, falo de anos. Hoje, o plantel tem mexicanos, colombianos. Epá, sim senhor, profissionais, mas estão 20 dias, 30, um ano e vão-se embora.

Ainda por cima, na final de 1987, o FC Porto joga sem os dois capitães.
Pois é, o Lima Pereira lesiona-se e o Gomes também.

Isso faz mossa no subconsciente?
Faaaaaaz [Jaime leva o sobrolho]. O Lima era um líder do caraças, o Gomes era o nosso ponta-de-lança, o homem metia a cabeça onde muitos não ousavam meter o pé e fazia golos de qualquer jeito, de traseiro, de cabeça. Bastava cruzar, o Gomes era impressionante. Ainda me lembro do senhor Pedroto dizer ‘o que é que estás a fazer no meio-campo?’.

Em que situação?
Quando o Gomes recuava e queria fazer passes a desmarcar, o senhor Pedroto interrompia o treino e dizia-lhe ‘vai lá para a frente que tu sabes é marcar golos’. Ahahahahah.

O Gomes também funcionava porque os extremos eram bons.
Quando chegou o Futre, então, foi um fartote. Ele na esquerda, eu na direita.

E antes do Futre, também. Quer dizer, o Jacques é melhor marcador do campeonato.
Exactamente. Havia Jacques, Walsh, Gomes, Rui Águas. O Rui chegou aqui e foi logo campeão. Era uma época em que o Porto saía campeão ano sim, ano sim. Isso também valia para os treinadores. Bobby Robson chegou aqui, campeão. Carlos Alberto Silva chegou aqui, campeão. Fernando Santos chegou aqui, campeão.

Qual era o segredo?
O apoio incondicional da estrutura e nós, os jogadores. A gente treinava de caneleiras. Se tu visses um treino nosso, pensava ‘estes gajos são malucos’. Quem ficava na equipa dos suplentes, arranhava-se todo para conquistar um lugar nos titulares. Aquilo era assim mesmo, com caneleiras e pitons de alumínio. Não havia cá pitons de borracha, era de alumínio. Era de cortar à faca e o público, do lado de lá, umas duas/três mil pessoas, vibrava com aquilo. Imahina, a gente lançava-se à bola de carrinho e pé em riste, não havia lei nem nada. Era duro, durinho. E havia dois ou três jogadores válidos para cada posição.

Quem eram os seus rivais?
Felizmente, nunca tive muita gente. Houve o Tozé, depois o Secretário, que ficou com o meu lugar quando me aleijei uma vez já em fim de carreira. O Secretário é meu amigo, mas toda a gente sabe que ele era fraquinho. Corria era muito.

E tu jogavas sempre na direita?
Sempre, não é como agora.

Não podíamos ser muito vagabundos, percebes? Não era tipo Quaresma que vai para a esquerda e depois descai para a direita e depois cruzava de trivela. Naquela altura, com o Artur Jorge, levava um estaladão se eu fosse para a esquerda. Éramos muito rigorosos, o João lá atrás, eu à frente e era assim o jogo todo, a época inteira. Esticávamos o jogo pelas alas, nada como hoje. Hoje o futebol é muito afunilado

Então?
Não podíamos ser muito vagabundos, percebes? Não era tipo Quaresma que vai para a esquerda e depois descai para a direita e depois cruzava de trivela. Naquela altura, com o Artur Jorge, levava um estaladão se eu fosse para a esquerda. Éramos muito rigorosos, o João lá atrás, eu à frente e era assim o jogo todo, a época inteira. Esticávamos o jogo pelas alas, nada como hoje. Hoje o futebol é muito afunilado. Se vires bem, e excepção feita aos guarda-redes, toda a gente está a fechar qualquer coisa e então toda a malta está no meio. No meu tempo, o Artur Jorge berrava-me para abrir mais e mais o jogo. A minha missão era puxar o defesa-esquerdo para a linha e assim abria espaço para alguém.

E quem era os laterais-esquerdos mais tramados?
Epá, o Álvaro. Era lixado e defendia a dama dele como ninguém. E era uma rivalidade engraçada, porque ele agigantava-se na Luz e eu agigantava-me nas Antas. Fomos juntos para o Mundial do México, em 1986.

Como é que soubeste da convocatória?
Olha, foi numa altura complicada em que tive uma pubalgia. Naquele tempo, a pubalgia era uma coisa estranha e rara. Só para ver, ninguém da 1.ª divisão portuguesa tinha feito uma operação do género, só um da 2.ª. Normalmente, íamos à Jugoslávia porque ninguém aqui em Portugal queria ter a responsabilidade de operar o jogador. Ainda por cima, um internacional em vias de ir ao Mundial. Reuni-me com a malta do FC Porto e acho que foi o doutor Póvoas que me disse ‘Ó Jaime, é melhor irmos à Jugoslávia’. Só que depois acabei por ser operado aqui em Portugal, passei quatro meses a recuperar, mais dois a jogar e entrei no México ali no limite. Faltavam dois jogos para acabar a qualificação e havia muita indecisão sobre se ia ou não.

Imagino.
Na altura, a minha mulher era ainda namorada. Então fizemos uma aposta muito engraçada. Como eu estava algo pessimista quanto á convocatória, ela disse-me ‘se fores à selecção, dás-me um carro; se não fores, dou-te eu um carro’. Passado um mês ou o que foi, sai a convocatória e eu estou lá. Foi uma alegria imensa e lá tive de dar um carro à minha namorada. Foi a única parte negativa da ida ao México.

E jogaste no México?
Com a Inglaterra, não. Com Polónia e Marrocos, sim. Éramos tão ingénuos, as coisas faziam-se de uma maneira.

Então?
Epá, ficámos um mês em Lisboa a fazer nada, depois fomos para o México a treinar em condições horríveis, a fazer 80 quilómetros para jogar com empregados do hotel, num campo todo esburacado, cheio de toupeiras, os jornalistas ali com os jogadores, os dirigentes da federação também, todos a comer e a beber.

De volta ao Porto, como é que que foi?
O que passou, passou. Paciência. No Porto, a estrutura era outra, dai que tenhamos ganho a Taça dos Campeões no ano seguinte ao México. A partir daí, começámos a coleccionar campeonatos e Taças de Portugal.

O Jaime marcou
No Jamor?

Sim.
Marquei ao Boavista e perdemos. Marquei ao Vitória de Guimarães e ganhámos. Marquei ao Beira-Mar e ganhámos.

Três golos em três finais da Taça, espectáculo.
Ganhei quatro Taças, perdei outras quatro – três delas com o Benfica.

Ganhaste aquela ao Sporting, na finalíssima, em 1994?
Não, aí já estava fora. Quer dizer, faço parte do plantel mas não joguei essa final.

Então porquê?
Já me estavam a pôr de parte. Há um fim para tudo, não é? As pessoas assim o decidem, embora seja da opinião de quem devíamos ser tratados de outra forma. Infelizmente, e em todo o lado, nem que uma pessoa esteja lá um ano ou 20, é sempre a mesma coisa para quem manda. Mas custou-me um bocadinho.

Como é que era o Bobby Robson?
Espectacular, um dos melhores treinadores que tive. Deus o tenha. O que ele fazia todos os treinos enchia-nos de prazer e alegria. Havia bola de início ao fim, nada a ver com a tradição dos anos 70/80, com corridas, mais corridas e pouca bola.

Com o Pedroto, por exemplo, como é que era?
Também era assim, muita bola, muitas peladinha, muitos treinos conjunto. Havia situações em que apitava penálti a três metros da área para a equipa dos titulares, caso a dos suplentes estivesse a ganhar.

E os suplentes não protestavam?
Claaaaaro. Quantas vezes fui eu quem protestei.

E o Pedroto?
‘Quem manda aqui sou eu. Penálti’. Era para dar moral à equipa que ia jogar. O senhor Pedroto inventava faltas e mais faltas até os titulares marcarem um golo. Ahahahah, era assim. E ai daquele que se aleijasse, ia logo para o banho. Eram treinos do caraças.

Tu falavas com o Pedroto fora do treino?
Nãããã. Eu era muito novo, praticamente não lhe falava. Havia um medo e um respeito enormes. Ainda me lembro de como foram feitos os meus primeiros contratos: eu sentado à mesa, com o presidente Américo de Sá de um lado e o senhor Pedroto do outro, ao lado do adjunto. Só a ouvi-los. E o senhor Pedroto dizia ‘o meu menino vai ganhar isto’. E era mesmo aquilo que eu ia ganhar daí em diante, até ao próximo contrato.

E o que acontecia nesse próximo contrato?
O mesmo cenário e o senhor Pedroto dizia ‘o meu menino vai ganhar mais 50’ ou ‘mais cem’ e assinava ali na hora. Só queria sair dali, tal era o respeito.

A mesma coisa no balneário?
Mal o senhor Pedroto entrava, nem se ouvia uma mosca.

Não me lembro de perder um jogo nas Antas com o senhor Pedroto. Lembro-me, isso sim, de sermos eliminados da Taça, já não sei por quem, 2-1, e foi uma vergonha do c*****. Nessas situações, a gente nem saía de casa durante oito dias, até ao jogo seguinte. Nem aparecíamos no café. Era uma vergonha, não queríamos passar ao lado de um portista na rua ou assim. Então era casa, treino, treino, casa. Se empatássemos em Alvalade ou na Luz, vá que não vá. Agora se perdêssemos em casa com Benfica ou Sporting, era retiro em casa pela certa

E se perdessem um jogo em casa?
Não me lembro de perder um jogo nas Antas com o senhor Pedroto. Lembro-me, isso sim, de sermos eliminados da Taça, já não sei por quem, 2-1, e foi uma vergonha do c*****. Nessas situações, a gente nem saía de casa durante oito dias, até ao jogo seguinte. Nem aparecíamos no café. Era uma vergonha, não queríamos passar ao lado de um portista na rua ou assim. Então era casa, treino, treino, casa. Se empatássemos em Alvalade ou na Luz, vá que não vá. Agora se perdêssemos em casa com Benfica ou Sporting, era retiro em casa pela certa.

Mai’nada.
Houve um ano em que perdemos a final da Taça de Portugal em casa, com o Benfica. A final era para ser jogada não sei onde, depois não sei onde e, no fim de contas, foi aqui nas Antas. Perdemos 1-0, golo do Carlos Manuel, e foi uma vergonha do caraças. Como aquele 1-0 do Sporting na meia-final da Taça, a duas semanas de ganharmos a Taça dos Campeões em Viena. Também aí foi uma vergonha. Às vezes, a vergonha nem era perder. Bastava estar 0-0 ao intervalo e éramos arrasados.

Por quem?
Artur Jorge. Uma vez, 0-0 em Coimbra, com a Académica, e ele chamou-nos de chulos para cima. ‘Uma vergonha pá, uma vergonha estarem empatados com a Académica. Só um jogador nosso dá para pagar a todos eles’. Felizmente, as vitórias são mais que muitas e superam essas escassas derrotas ou empates ao intervalo, ahahahahah.

Última pergunta.
Por amor de Deus, estamos aqui na conversa, sem pressa.

Eu é que tenho um comboio para apanhar.
Ah bom, aí já não posso fazer nada.

Só se me levasses na Harley.
Ahahahahah.

Última pergunta: no seu tempo, havia Paneira. Que tal?
Era um problema, no bom sentido. Dois extremos-direitos fortes, diz bem da força de Portugal nessa matéria. Houve um período em que se falou de uma troca.

O Jaime no Benfica e o Vítor no Porto?
Nem mais.

Na altura do senhor Pedroto, começámos a ter uma aversão maior ao Benfica. Não era ódio, era aversão. E não podíamos levar nada vermelho para as Antas. É assim em todo o lado. O Barcelona, por exemplo, não tem toalhas brancas na sala de jantar.

E então?
Falhou, porque era impensável. Nunca na vida ia para o Benfica. Podia ir para todos os clubes, menos para o Benfica. Nada me tirava do Porto. E o maior rival do Porto era o Benfica. Nem pensar ir para a Luz. Ainda por cima, era tão bom ir ganhar à Luz, ahahahahah. Na altura do senhor Pedroto, começámos a ter uma aversão maior ao Benfica. Não era ódio, era aversão. E não podíamos levar nada vermelho para as Antas. É assim em todo o lado. O Barcelona, por exemplo, não tem toalhas brancas na sala de jantar.

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