Índice
Índice
É um dos jovens quadros que mais rapidamente conquistaram um lugar de destaque no partido. Atualmente, João Oliveira exerce o cargo de líder parlamentar do PCP mas, em entrevista ao Observador, recusa que isso o coloque numa posição privilegiada para suceder a Jerónimo de Sousa. “Não, de forma alguma”. Garante que não é falsa modéstia e repetiu que esse é um cenário que não está nos seus planos pessoais.
No dia em que arrancam as últimas jornadas parlamentares do PCP nesta legislatura, que vão centrar-se no tema “Desenvolvimento e soberania”, o deputado comunista faz um balanço da legislatura e não hesita em afirmar que o verdadeiro apoio do Governo de António Costa foram PSD e CDS. Utilizando uma narrativa que já cheira a campanha, João Oliveira atirou o Bloco de Esquerda para o campo da extrema-esquerda – espaço a que recusa pertencer (na verdade, tal como Catarina Martins ) -, e colhe para o seu partido os grandes feitos desta legislatura. “Tudo o que foi positivo tem a marca do PCP”, assegura. Quanto às eleições, nada de estabelecer metas.
“Assumimos as responsabilidades que os portugueses nos quiserem dar”
Estas são as últimas jornadas parlamentares de uma legislatura atípica, em que um Governo minoritário do PS foi sobrevivendo com o apoio PCP e Bloco de Esquerda. Olhando para trás, a opção de apoiar o Governo de Costa foi a mais adequada?
Ainda esta sexta-feira tivemos um exemplo daquilo que, em momentos chave, foi verdadeiramente o apoio do Governo. A propósito das questões do ensino superior, quando se tratou de discutir o fim das propinas, o PS, que não tem maioria absoluta no Parlamento, contou com apoio do PSD e do CDS para que as propostas que foram apresentadas fossem chumbadas.O PSD e o CDS foram o suporte do Governo nas questões que eram determinantes e em que o PS não quis dar a resposta de que o país necessitava.
Mas para os Orçamentos do Estado, que também são um elemento determinante da governação, o Governo contou sempre com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda.
Mas o Orçamento do Estado não é só a votação na generalidade e a votação final global. Há pelo meio uma coisa decisiva que é a votação na especialidade onde houve propostas relativas à renegociação da dívida, ao aumento de orçamentos da saúde, da cultura, da educação que podiam ter permitido avançar na resposta a alguns problemas. O PS nunca precisou de se preocupar porque o PSD e o CDS garantiram-lhe sempre condições para fazer aquilo que entendiam. E, de facto, e não fazendo balanços – porque não é a isso que se destinam as jornadas parlamentares -, o que podemos constatar é que, em tudo aquilo que foram medidas positivas que deram resposta a problemas concretos dos trabalhadores e do povo, encontramos a marca do PCP. Encontramos as nossas iniciativas e as nossas propostas. Naquilo que é negativo não.
Acha que essa ideia sobre o contributo do PCP nesta legislatura está clara no eleitorado? Esse é o mesmo discurso que têm o BE e, também, o PS.
A batalha do esclarecimento nunca está completa. Estando aqui, tendo noção de como as coisas são construídas e sabendo como se chega a determinados resultados, temos uma noção muito clara disso. Mas é óbvio que nem todos os portugueses conseguem ter a noção exata de quem é que esteve por trás de cada proposta. Nas jornadas, aliás, vamos ter oportunidade de clarificar algumas dessas questões. Como o investimento na ferrovia, na saúde, os direitos dos trabalhadores…
Há tempo até às eleições para fazer esse trabalho de esclarecimento?
Julgo que sim. Essas medidas nunca foram tomadas desligadas da realidade ou das pessoas. Por exemplo, a gratuitidade dos manuais escolares é uma medida do PCP, mas foi uma proposta apresentada na ligação com os pais e com os encarregados de educação. Assim como o aumento das pensões também decorre dos contactos que fomos fazendo com os reformados e com as suas associações.
Por que temas se vai bater o PCP no que resta de legislatura?
Queremos afirmar que há um caminho para fazer na resposta aos problemas nacionais. Estas medidas que têm sido tomadas, sobretudo as de conteúdo positivo, não estão esgotadas e não esgotam as respostas que precisam de ser dadas aos problemas do país. Nos setores produtivos, na indústria, na agricultura e na pesca temos um conjunto de preocupações que se mantêm. O caminho a fazer não passa, naturalmente, por andar para trás nas medidas que foram tomadas nestes quatro anos.
Teme que essa tentação de voltar atrás com medidas tomadas durante esta legislatura possa acontecer se o PS tiver maioria absoluta?
Bem, esse risco resulta objetivamente das opções que o PS faz. E das opções que o PS fez, não apenas no passado, quando se apanhou sozinho no Governo, mas até daquelas que fez nesta legislatura, em que governou condicionado à esquerda.
E o PCP admite voltar a ser esse fator de condicionamento?
O contexto e o quadro em que esta legislatura se desenvolveu permite que os portugueses possam hoje compreender de uma outra forma aquilo que nós já dizíamos antes das eleições de 2015: que a força que a CDU tivesse seria determinante para condicionar o caminho no futuro. Nós temos 15 deputados em 230. Isso significa que não estamos em condições de determinar tudo aquilo que é aprovado nem podemos travar tudo aquilo que é negativo. Tivemos capacidade de influenciar as decisões que foram tomadas na Assembleia da República com o peso relativo que temos. Se a CDU tiver mais força, teremos outra capacidade para influenciar as decisões que são tomadas.
Então não rejeita uma segunda experiência deste tipo, mesmo sem acordos escritos?
É muito difícil repetir-se uma situação como a que tivemos em 2015. Aliás, diria que é mesmo impossível repetir-se a porque nós não vamos para eleições com um governo do PSD e do CDS. Vamos com um governo minoritário do PS condicionado à esquerda. E também porque esta legislatura não foi, como a anterior, uma legislatura de assalto aos direitos. Foi o oposto.
O país parte com uma perspetiva diferente, mas o PCP, perante este quadro diferente, pode ter uma postura semelhante à de 2015?
A nossa postura é exatamente a mesma que temos tido sempre: contribuir com a nossa força para tudo o que é positivo e para travar tudo aquilo que é negativo. O que varia aqui é a força que nos dão. Se os portugueses nos derem força para podermos contribuir para que haja uma política alternativa e um Governo que a execute, estamos disponíveis para assumir essas responsabilidades. Como sempre estivemos.
“Sem papel escrito, PSD e CDS deram muito mais apoio a este Governo”
Não teme que os eleitores do PCP tenham visto este apoio ao PS com algumas dúvidas e castiguem o partido nas urnas? Temos o exemplo das autárquicas…
Nós não encontramos ligação entre aquilo que são opções tomadas no plano nacional e aquilo que são os resultado autárquicos, que são decididos por fatores muito diversos e muito variados, com realidades muito distintas. Quando os portugueses forem votar em 2019, não o farão condicionados por uma boa parte da história da nossa democracia depois do 25 de abril. A ideia do voto útil e das eleições para primeiro-ministro é uma coisa completamente arrumada. As pessoas já perceberam que cada deputado conta. A força que os portugueses derem à CDU contará não apenas para a decisão em relação ao Governo, mas também em relação às decisões concretas que serão tomadas durante a legislatura. Mas julgo também que um “apoio” ao Governo foi coisa que não existiu.
Não?
Não. Nós posicionámo-nos em função daquilo que era positivo e do que era negativo para os portugueses, contrariando o Governo em tudo o que foi necessário. Os portugueses lembram-se que medidas como o apoio ao Banif com dinheiros públicos foi uma decisão tomada com o voto contra do PCP. Só foi concretizada porque o PSD deu ao PS a força que o PS não tinha para tomar essa decisão. Não houve apoio da parte do PCP em várias opções.
Mas o Governo só assinou posições conjuntas à esquerda. Há um apoio formal e escrito do PCP.
As posições conjuntas são coisas muito limitadas e de aspetos muito específicos em que esse entendimento foi passado a escrito.
À direita nem sequer há isso.
Era aí que queria chegar. É que sem papel escrito, o PSD e o CDS deram muito mais apoio a este Governo em matérias que eram decisivas. A ideia de haver apoios ao Governo em geral não tem tradução prática. O apoio que é dado a determinadas medidas é muitas vezes dado pelo PCP e encontramo-lo em tudo aquilo que é positivo para os portugueses. Naquilo que é negativo encontramos o lado oposto, o do PSD e do CDS.
Um tema que tem vindo a ganhar destaque e que deve marcar a próxima legislatura é o da regionalização. Qual é a postura do PCP?
A mesma de sempre, não temos nada a esconder. Temos tido uma posição coerente de intervenção para a concretização das regiões administrativas, ao contrário do PS, do PSD e do CDS, que foram sempre encontrado forma de adiar essa obrigação constitucional. Esta discussão acaba por surgir agora de forma a branquear aquilo que sobretudo o PS e o PSD, mas também o CDS, foram assumindo ao longo dos anos, que é ter um determinado discurso, mas depois ter uma prática completamente contrária. O facto de se vir agora recuperar os supostos regionalistas que existem dentro do PS e do PSD serve precisamente para isso: branquear as posições desses partidos, que são contrárias à regionalização. Nós continuamos a assumir que a regionalização é um aspeto essencial para o desenvolvimento do país.
“Partidos novos que são velhos trarão pouca novidade”
Este ano as eleições começam com as europeias. Acredita que o PCP vai conseguir manter os três eurodeputados?
Já temos esse processo adiantado, temos o nosso cabeça-de-lista anunciado, com um conjunto de elementos de referência da nossa intervenção na batalha para as eleições europeias. Isso passa pela defesa da nossa soberania e pela rejeição das imposições da UE. Temos todas as condições para continuar a merecer a confiança dos portugueses. Aqui também, quanto mais força tivermos em melhores condições estaremos para defender em Bruxelas os interesses dos portugueses.
Mas têm alguma meta definida?
Não definimos isso em termos de meta de eleição de deputados ou do número de votos. Aquilo que sentimos é um apoio crescente às nossas posições e à CDU.
São eleições que vão contar com novos partidos, sobretudo à direita. Estas novas forças políticas vão baralhar as contas?
Partidos novos que são velhos trarão pouca novidade ao debate político em Portugal. Ou seja, partidos que são novos porque foram criados agora, mas que assentam a sua intervenção na base de ideias velhas e com protagonistas em alguns casos até requentados de outros momentos da nossa vida política, acrescentam pouco ao debate político. Os portugueses já conhecerão suficientemente esses protagonistas e essas ideias velhas para que isso possa constituir efetivamente alguma novidade. É óbvio que na disputa do espaço político poderão introduzir alguns elementos de alteração, principalmente à direita.
Teme que possam funcionar como uma espécie de palco para que a extrema-direita, que tem crescido em toda a Europa, entre em Portugal?
Essa é uma preocupação para a qual nunca será de menos alertar. Ainda assim, o aproveitamento que, em algumas ocasiões, é feito desta ou daquela situação para promover sentimentos racistas e xenófobos e para criar um clima de ódio no debate político não são novidade. Em Portugal é que não têm tido espaço porque Portugal tem uma cultura própria e tem conceções democráticas assentes na experiência dramática dos 48 anos de ditadura no nosso país. Não há português nenhum que defenda o regresso à ditadura a não ser aqueles que eram os beneficiários diretos da ditadura e desse regime de corrupção do Estado. Da parte do PCP daremos o nosso contributo firme e determinado para que essas posições não tenham acolhimento na sociedade portuguesa.
“O espaço político da extrema-esquerda sempre foi ocupado pelo Bloco de Esquerda”
A extrema-direita não entrou no Parlamento, mas há quem defenda que a extrema-esquerda já lá está há muito, com o Bloco de Esquerda e com o PCP. Recentemente, Catarina Martins disse que essa conotação era um insulto. Para o PCP também é?
Bem, o PCP nunca foi conotado com a extrema-esquerda. É uma preocupação que não temos. Em Portugal, o espaço político da extrema-esquerda sempre foi ocupado pelo Bloco de Esquerda e pelas forças que lhe deram origem – a UDP, o PSR, os movimentos maoístas… Portanto, essa não é uma preocupação que se nos coloque. Aquilo que encontramos pela Europa fora é uma instrumentalização das classes trabalhadoras por partidos da extrema-direita, que são projetos políticos contrários aos seus interesses. Julgo que o facto de o PCP ter o reconhecimento e o espaço que tem entre os trabalhadores portugueses serve exatamente para o contrário, que é mobilizar os trabalhadores para soluções que dão verdadeiramente respostas aos seus problemas.
Portanto, o Bloco de Esquerda é de extrema-esquerda?
Por isso fala o seu próprio posicionamento político. Eu não estava ainda na Assembleia da República quando houve aquela disputa que o BE procurou fazer para se sentar nos lugares da extrema esquerda do hemiciclo. Mas lembro-me dessa reivindicação. Isso cabe ao BE definir e decidir. Não apenas do ponto de vista do discurso, mas do ponto de vista do seu posicionamento. É o Bloco de Esquerda que tem de clarificar essa questão.
Nesta legislatura, o Bloco de Esquerda e o PCP optaram muitas vezes por se ignorarem mutuamente. Dos dois lados houve sempre mais referências ao PS, ao PSD e ao CDS. Tratou-se de uma estratégia política premeditada?
Não há uma tentativa de ignorar. Há naturalmente consequências daquilo que é a definição de prioridades e da importância que, do ponto de vista do debate político, assume o confronto com os nossos políticos.
O PCP vê o Bloco de Esquerda como um adversário?
O Bloco de Esquerda não se coloca propriamente como um adversário. Está numa posição de concorrência com o PCP mais do que numa posição de adversário. Portanto, é natural que do ponto de vista do combate político a prioridade seja colocada sobre quem se coloca numa posição de adversário das nossas posições.
Notícias recentes, como o caso do genro de Jerónimo de Sousa ou o da chamada “rede vermelha”, expuseram vários casos de contratos de autarquias comunistas com empresas de militantes do PCP. De que forma é que isto abalou o partido?
Isso são tentativas de enlamear o PCP e o PCP não fica enlameado por quem vive na lama a fazer esse tipo de operações.
Mas estes casos não afetam a imagem do partido perante o eleitorado?
O facto de alguém ter padrões e critérios morais baixos, diria até rasteiros, no trabalho que faz diz mais dessas pessoas do que propriamente daqueles que são atacados por elas. Isso enlameia mais a imagem de quem se envolve nesse tipo de operações de difamação e calúnia do que quem é alvo dessas operações.
O PCP diz então que não há qualquer tipo de veracidade nestes trabalhos sobre o partido?
Como já demonstrado.
Mas onde é que isso ficou demonstrado?
Com as várias demonstrações que foram feitas na clarificação das falsidades em todos esses atos da mesma operação contra o PCP.
Nos comunicados que o PCP emitiu na sequência desses trabalhos jornalísticos o partido concentrou-se mais no ataque a quem os fazia do que no desmentido dos factos que se relatavam nas reportagens. Porquê?
Repare, foi utilizado um conjunto de entidades para funcionarem como arma de arremesso contra o PCP. E as várias entidades que foram envolvidas nessas operações de calúnia e difamação clarificaram e esclareceram que se tratavam de operações mentirosas. O que eu acho verdadeiramente notável é que haja quem, reclamando-se do estatuto de órgão de comunicação social, não tenha qualquer tipo de punição ou sanção por parte de quem tem competência de garantir padrões éticos e morais na atividade da comunicação social.
Nestes casos a comunicação social devia ter sido punida?
A clarificação das operações mentirosas que foram feitas contra o PCP é mais que evidente.
Acha então que houve uma instrumentalização dos órgãos de comunicação social?
Só os próprios é que podem responder a isso. As falsidades foram todas desmentidas. E sobre isso não tenho mais nada a dizer.
Vê-se como secretário-geral do PCP? “Não, de forma nenhuma”
O PCP tem apostado numa renovação geracional. Essa receita é importante para ser um partido com quase cem anos de história?
Aquilo que faz parte da identidade das pessoas não é propriamente uma condição temporária, como é a juventude. Diria que não é um argumento político muito sólido. Todos nós somos jovens e deixamos de o ser, pela força natural da vida. O esforço de rejuvenescimento do PCP, dos seus quadros dirigentes e dos seus eleitos na Assembleia da República é um esforço que se vai fazendo de forma a garantir e a manter características da nossa intervenção que exigem esse rejuvenescimento, mas não me parece que isso seja um elemento de particular destaque. Está presente hoje como sempre esteve.
Olhando para essa renovação e para o futuro do partido, vê-se como secretário-geral do PCP?
Não, de forma nenhuma. Acho que o meu partido nunca me vai colocar essa exigência.
Mas tendo em conta o seu perfil, não é normal que se pense em si como possível sucessor de Jerónimo de Sousa?
Eu diria que não. O conjunto de características e de exigências que se colocam para uma tarefa dessa natureza deixam muitos outros camaradas meus em muito melhores condições para assumir essa tarefa. Diria exatamente o contrário daquilo que me perguntou.
Isso não é falsa modéstia?
Não. Conhecendo como conheço a reflexão que é preciso fazer e o conjunto de elementos que se colocam para essa tarefa diria que há muitos camaradas meus em melhor posição.
Mas gostava de desempenhar esse cargo?
De forma nenhuma. Nunca tive nem tenho qualquer tipo de ambição pessoal para desempenhar esta ou aquela tarefa dentro do meu partido. Aquilo que tenho é uma disponibilidade para aquilo em que o meu partido precisar de mim. E estou mesmo convencido de que o partido nunca me vai colocar essa questão.