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José Afonso tem 82 anos e é o funcionário mais antigo do Hotel Estoril Palácio
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José Afonso tem 82 anos e é o funcionário mais antigo do Hotel Estoril Palácio

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

José Afonso tem 82 anos e é o funcionário mais antigo do Hotel Estoril Palácio

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

José Afonso. 65 anos no mesmo hotel, figurante num filme de James Bond e testemunha de uma birra de Zsa Zsa Gabor

Aos 82 anos José Afonso é o mais antigo funcionário do Hotel Estoril Palácio. Encontrou um cliente morto, viu Zsa Zsa Gabor aos gritos, entrou num filme do 007 e gastou 8 escudos para ver a Revolução.

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Era um dia de inverno e o sol ainda não tinha nascido. Como todas as manhãs, José Afonso saiu pelas traseiras da cozinha do pessoal do Hotel Estoril Palácio para ir buscar o carvão que ia servir para acender os fogões da cozinha. O saguão estava mal iluminado, mas José Afonso já conhecia de cor o caminho até às tulhas. Sabia por isso que havia um desnível antes de chegar ao compartimento onde se guardavam as pedras de carvão, uma espécie de lancil. Naquela manhã, porém, tropeçou.

“Era um homem que estava ali caído, estava morto. Fui a correr à cozinha chamar o meu tio que estava de serviço, ele chamou o diretor e tomaram conta daquilo. O homem era um cliente do hotel, um turco, e ninguém sabe como foi ali parar. Devia andar por ali, falhou-lhe o pé por qualquer motivo e caiu. Ficou assim, a cabeça para um lado e os pés para o outro. A notícia saiu no jornal e tudo, com o meu nome, porque tinha sido eu a encontrá-lo. Foi um grande susto.”

Sessenta e quatro anos depois deste episódio, José Afonso continua no Hotel Estoril Palácio. Já não trabalha na cozinha do pessoal, onde esteve depois de passar pela copa e pela cafetaria, já não está na cozinha dos clientes, já não é bagageiro. Desde 1963 que ocupa o cargo de voiturier. Todos os dias está na entrada do hotel a receber os clientes. Abre a porta do carro, dá-lhes as boas vindas, acompanha-os até à porta de entrada e aponta o caminho para o check in. Caso seja necessário, estaciona as viaturas.

José Afonso com o cartão que tem a data de admissão no hotel: 15 de agosto de 1951 @HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

Tem 82 anos, faz mais um em maio, e há doze que mete os papéis para a reforma, ano após ano, mas nunca sai.

“Quando fiz 70 anos escrevi a carta para a administração para me ir embora. Organizaram-me um cocktail, chamaram a família e todos os diretores. No final da festa, perguntaram-me: ‘Porque queres ir embora?’. Eu disse, quero ir porque já tenho idade, tenho 70 anos. ‘Ah, mas tu fazes falta aqui, nós gostávamos que continuasses. Essa carta fica sem efeito, vais continuar. Sentes-te bem?’. Eu sinto-me bem, respondi. E assim, desde esta altura que todos os anos digo ao diretor que me vou embora. Ainda este novembro do ano que passou lhe disse: ‘Olhe que eu no fim do ano…’. Não me deixam ir, mas eu acho que está a chegar a altura, porque realmente são 82 e para maio já faço 83…”

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Fugir da “escravidão”

José Afonso chegou pela primeira vez a Lisboa em 1948, estava a um mês de fazer 14 anos. A vida em Caldelas, uma aldeia do concelho de Amares, Braga, era de muito trabalho e pouco sustento. “Trabalho quase desde que nasci. Naquele tempo trabalhávamos as terras e os patrões recebiam o produto, a uva ia para o lagar, era toda preparada, desde que entrava até à feitoria. Eram duas medidas para o patrão e uma para nós. O trabalho era todo nosso. O milho era uma quantidade certa, estipulavam xis alqueires. E o azeite a mesma coisa: duas medidas para o patrão e uma para nós.”

Para José e os seus sete irmãos, escola só depois do trabalho feito. “No tempo de mais trabalho, em vez de irmos para a escola íamos ajudar os pais na agricultura, era assim mal nascia o dia. Ir para a escola só lá para as onze horas, meio dia, com uma lousa, um pedaço de pão de milho e descalço. Quando lá chegava já estava no intervalo. Foi assim a minha escola”, conta, sentado agora numa das sumptuosas salas do Hotel Estoril Palácio, sofás de veludo e chão de mármore, grandes quadros na parede, reposteiros imponentes.

O Hotel Estoril Palácio visto do jardim @HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

HENRIQUE CASINHAS / OBSERVADOR

Quando na Páscoa de 1948, a caminho da capital para visitar uns amigos da família, o pai lançou a pergunta “Zé, gostavas de ir para Lisboa?”, a resposta foi um sonoro sim. Fugiu de “uma escravidão”, mas encontrou outra no seu primeiro trabalho na grande cidade.

“Vim para marçano. E era muito penoso. As mercearias naquele tempo tinham também uma taberna e quando fechava a mercearia aviava-se pela taberna, mercearias e copos. Não havia sábados nem domingos, nem folgas, nada. Fiquei cheio de Lisboa e voltei para a terra.” Não sem antes pedir ao tio que trabalhava no Hotel Estoril Palácio para lhe arranjar um emprego. Pouco tempo depois, voltou com trabalho garantido na copa. Estávamos em 1951. José Afonso tinha 17 anos.

As histórias de espiões e a realeza do Estoril

Acabara-se a vida do campo e das tabernas lisboetas, José Afonso aterrava num dos mais exclusivos hotéis de toda a Europa. Tinha um salário, tinha uma casa e em 1951 circulavam ainda pelo Hotel as mirabolantes histórias dos espiões que durante a II Guerra Mundial ali se tinham alojado. Passando pelo bar que ainda hoje permanece igual ao que era nos anos 30 e 40, consegue imaginar-se o fumo dos cigarros e o som do tilintar dos copos misturado com as várias línguas que falava quem por ali se reunia em segredo. Ingleses, alemães, iranianos. Ian Flemming, jornalista, funcionário dos serviços de inteligência da marinha britânica, criador da personagem de James Bond, esteve no Palácio em 1941, ainda José Afonso andava por Caldelas. Voltou mais tarde para o encontrar, mas essa história fica para depois.

Era aqui que se reuniam os espiões durante a Segunda Guerra Mundial @HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

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Seis anos tinham passado desde o fim da Guerra. Os espiões saíram, mas os refugiados ainda por lá andavam. Refugiados da realeza. “O rei de Itália [Humberto II] e a filha Maria Pia de Saboia moravam em Cascais, o conde de Barcelona [pai de Juan Carlos] vivia aqui, a rainha da Bulgária morava ao pé do Hotel Inglaterra e o rei Carol [da Roménia] também. Portugal era neutro, isto era um paraíso”, conta José Afonso.

A família real espanhola nunca mais se desligou do Estoril. “Há uma filha do Conde de Barcelona que vive aqui, a infanta Margarida. Tem cá um apartamento e no verão vem para a piscina, mas já está muito velhinha… Os outros, o antigo rei e o rei Filipe aparecem de vez em quando e ficam sempre admirados quando me vêem aqui.”

"Quando vim para cá talvez 50% dos quartos não tinham casa de banho, usava-se o bacio Vista Alegre. Havia algumas casas de banho para se tomar banho e o aquecimento era feito através de caldeiras alimentadas a carvão, a nafta e depois a gasóleo. Agora é a gás."

Embora não vivessem no Hotel, estes aristocratas usufruíam dos serviços ali prestados. Cabeleireiro, barbeiro, massagista, restaurante, bar. Naquela época, o restaurante do Hotel servia 250 almoços e 300 jantares por dia. Um salão que agora foi transformado em sala de pequenos almoços, dividido para dar lugar ao Grill Four Seasons. O Hotel mudou muito desde que José Afonso chegou.

“Quando vim para cá talvez 50% dos quartos não tinham casa de banho, usava-se o bacio Vista Alegre. Havia algumas casas de banho para se tomar banho e o aquecimento era feito através de caldeiras alimentadas a carvão, a nafta e depois a gasóleo. Agora é a gás.”

Ainda assim, a sumptuosidade imperava e o Palácio era palco de festas, muitas festas. E casamentos da realeza. O mais imponente foi o da princesa Maria Pia de Sabóia, filha do rei Humberto II de Itália, que ali casou com o príncipe Alexandre da Jugoslávia em 1955.

Maria Pia de Sabóia e Alexandre da Jugoslávia cortam o bolo de casamento, em 1955 @HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

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José Afonso trabalhava por esta altura na cozinha dos clientes e participou como ajudante de cozinheiro na elaboração da enorme e sofisticada ementa para o grande evento real. As fotografias da festa onde esteve muita da realeza europeia podem ver-se numa galeria que existe num dos corredores do Hotel, mas José Afonso tem outras histórias para contar daquele dia. Histórias que não se vêem nas fotos.

“Lembro-me que sobrou tanta, mas tanta comida, que teve de se queimar a maior parte dela nos fogões a carvão. Metia-se tudo lá para dentro e pfffffffff!!!!…. Até lagostas foram para ali.”

— Mas podiam ter dado essa comida a quem precisasse…

— Sim, mas não se usava lá muito isso. Davam ao pessoal para comer, mas para levar não. E havia muita gente que tinha família e que podia levar a comida se lha dessem. Só que sem autorização ninguém levava nada. E como o pessoal já não dava conta de tanta comida que sobrou, a única forma era queimá-la, porque depois começou a haver preocupação de que se estragasse e intoxicasse quem a comesse.

Uma herança e o filme de Bond, James Bond

Quando chegou às funções de voiturier José Afonso já estava casado. A mulher, amiga de infância de Caldelas, com quem foi namorando por carta até a levar ao altar em 1957, chegou mais tarde a trabalhar no Hotel. Por lá haveriam de passar também os seus dois filhos — ele foi groom e ela esteve na secção dos telefones –, mas já não trabalham ali. Quanto aos três netos, só conhecem o Hotel de visita.

José Afonso, à esquerda, em 1965

D.R.

O salário não era elevado, mas as gorjetas — gratificações, como diz José Afonso, num tom sempre meigo e pausado — eram o equivalente ao rendimento mensal pago pelo Hotel. E, por vezes, havia ainda um bónus inesperado.

“Nos anos 50 morreu aqui no Hotel um senhor chamado Jayme Thompson. Viveu cá durante os últimos anos da sua vida e por isso deixou em testamento a todas as secções do Hotel um determinado valor. Àquelas pessoas que estavam permanentemente com ele deixou uma gratificação maior, aos outros, e a mim, calhou-me um mês de ordenado.”

Outra herança veio de Benito Garcia, um dos patrões da família Fausto Figueiredo (os primeiros donos do Hotel), que lhe deixou 500 escudos em testamento.

Desde 1963 que José Afonso veste a farda de voiturier. Camisa branca, casaco e calças azuis, com punhos vermelhos e botões dourados, uma capa vermelha e um chapéu que levanta sempre que recebe alguém no Hotel. Calça luvas brancas, seja inverno ou verão.

Foi precisamente no ano em que José chegou ao cargo que ainda hoje ocupa que Ian Flemming publicou o décimo livro de histórias de James Bond, On Her Majesty’s Secret Service (Ao Serviço de Sua Majestade). O livro que viria a dar um filme cinco anos mais tarde e no qual José Afonso iria participar.

Cena do filme "James Bond. Ao Serviço de Sua Majestade", de 1969. José Afonso está à esquerda a dar as boas vindas ao espião britânico mais famoso do mundo

D.R.

Quando o ator George Lazenby surge no seu Aston Martin e estaciona à porta do Hotel Palácio é José Afonso que lhe abre a porta do carro. “Foi um filme normal”, relativiza, tendo já perdido a conta às entrevistas que deu sobre esta sua aparição no grande ecrã — mesmo sendo este um dos filmes menos famosos da saga do espião britânico. “Abri a porta, fechei a porta. Não recebi cachet, não me pagaram nada, mas eu também não fazia caso disso. O hotel pagava-me, eu estava ao serviço do hotel”.

Cena do filme "James Bond. Ao Serviço de Sua Majestade", de 1969

D.R.

José Afonso só viu o produto final anos depois. E, aí sim, apercebeu-se da dimensão da sua pequena participação. “Foi muito bom, foi praticamente uma promoção. Hoje em dia, por exemplo, acham estranho que uma pessoa que entrou naquele filme ser viva e estar ao serviço da mesma unidade hoteleira. Já tenho dado muitas entrevistas para o estrangeiro por causa disso”.

Atrizes aos gritos e jogadores de futebol em fúria

1968 foi um ano muito atribulado no Estoril, ou seja, um ano profícuo em histórias que ficaram na memória de José Afonso. Já depois da rodagem do filme, em setembro, haveria de se lhe atravessar à frente uma atriz falida que queria sair do hotel sem pagar. Mal ouve falar de Zsa Zsa Gabor, José Afonso começa a rir — não ri às gargalhadas, ri baixinho.

A “bomba de Budapeste”, ex-miss Hungria, nove maridos (em 68 contava apenas cinco) e um mau feitio proporcional à beleza que ostentava, tinha vindo a Portugal a convite do milionário boliviano Atenor Patiño, que organizara uma festa de arromba com estrelas de Hollywood, princesas da realeza europeia, muita gente rica e alguns playboys. Zsa Zsa já tinha causado furor no Ritz de Lisboa, de onde tinha saído sem pagar a conta e onde havia ficado a dever ao motorista que a transportava quase três contos. Zsa Zsa saiu de Lisboa e foi hospedar-se no Hotel Estoril Palácio. Três dias mais tarde, nova cena.

"Ela [Zsa Zsa Gabor] saiu, fez um escândalo. Desatou aos gritos e deitou-se em cima da bagagem a dizer que queria ir embora. Acabaram por deixá-la ir porque já chegava de escândalo."

“Ela veio a uma festa que deu o Atenor Patiño e houve muitos convidados sonantes. Mas quando chegou a altura de ir embora, não pagava a conta. Exigiu a bagagem lá fora, mas a ordem era para não se meter a bagagem dentro do carro enquanto ela não fosse pagar. Eu estava de serviço, já era voiturier. Então estava eu à entrada do hotel com as malas dela todas ali à minha frente. Ela saiu, fez um escândalo. Desatou aos gritos e deitou-se em cima da bagagem a dizer que queria ir embora. Acabaram por deixá-la ir porque já chegava de escândalo.” Zsa Zsa partiu, mas José Afonso não se lembra de lhe ter fechado a porta do carro em que seguiu para o aeroporto de Lisboa.

Zsa Zsa não foi a primeira nem a última cliente a sair sem pagar. “Agora é raro acontecer, mas houve várias situações, até de hóspedes que deixavam as malas no quarto e nunca mais apareciam. Eram ricos falidos…”

A atriz húngara de má memória para o hotel não foi a única beldade a passar pelo Palácio. “A miss Kelly? [Grace Kelly] Também a apanhei por aqui. Era muito querida.”

— E tão bonita como diziam?

— Oh sim, eu na altura era muito novo, tinha de fazer o meu trabalho e não estar com muitas atenções. E não era para mim, não eram para mim essas coisas… Miss Kelly…

Grace Kelly, à esquerda, numa das suas passagens pelo Hotel Estoril Palácio @HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

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Entre o hóspede turco que José Afonso encontrou morto e a birra de Zsa Zsa Gabor, houve outros percalços no Palácio. O que falta na equação que envolve realeza, espiões e atrizes? Talvez futebol…

No dia 18 de março de 1964, o Estádio de Alvalade recebeu o Manchester United de George Best para o jogo da segunda mão dos quartos de final da então Taça das Taças. O primeiro jogo, em Old Trafford, tinha terminado em goleada: 4-1 para os ingleses, que chegavam a Lisboa confiantes. Alojaram-se no Hotel Estoril Palácio e foi ao hotel que regressaram depois de eliminados. O Sporting venceu o colosso de Manchester por 5-1 e passou às meias finais da competição que viria a vencer.

E os jogadores chegaram zangados. Tão zangados que na manhã seguinte, quando José Afonso chegou ao seu posto de trabalho, começou a ver objetos estranhos no chão. Ou o que restava deles. “Eram copos partidos, chávenas, pratos, tudo atirado pela janela dos quartos dos jogadores.”

Oito escudos para ver a Revolução

Desde que assentou no Hotel Estoril Palácio a vida de José Afonso tornou-se cada vez melhor. Casou em 1957, foi pai de um rapaz em 1964 e quatro anos depois de uma menina. “Tenho passado uma vida muito feliz aqui, porque consegui atingir todos os objetivos da minha vida. Eu sem o hotel não seria nada.” Quando chegou Abril de 1974, José Afonso estava mais do que estabelecido. Tinha casa, tinha carro. E foi por causa do carro, um MG comprado em segunda mão, que assistiu à Revolução.

No dia 24 de abril tinha ido até ao representante da marca, em Lisboa, para uma revisão. Deixou lá o carro e disseram-lhe para voltar no dia seguinte. “Estava de folga nesse dia. Levantei-me, vim para a estação do Estoril, e tirei o bilhete para o Cais do Sodré. Já se falava, as pessoas murmuravam, percebia-se que alguma coisa estava a acontecer. E eu lá fui para ver o carro, que estava numa oficina na Defensores de Chaves. Quando cheguei ao Cais do Sodré estavam lá os militares todos, e dali para diante, para a Rua do Arsenal, não se passava. Ainda tomei o carro elétrico para o Arco do Cego. Cheguei lá fui a pé para a Defensores de Chaves. O representante estava aberto, mas disseram-me que o carro ia precisar de uns rolamentos e tal e por isso ainda não estava pronto.”

José Afonso esteve no Largo do Carmo no dia da Revolução

D.R.

Já muito curioso para ver ao certo o que estava a passar-se, José Afonso pôs pés ao caminho. “Passei pelo Patriarcado, Campo dos Mártires da Pátria, depois subi ali a Rua do Carmo, até que cheguei ao Quartel. Soube logo aí, mal cheguei ao Largo, que ele [Marcelo Caetano] já estava detido e se o apanhassem matavam-no. Fiquei lá a ver durante um tempo e depois decidi descer a Rua do Alecrim, mas os militares não deixavam ninguém passar para a baixa. Quando achei que o problema já estava resolvido, ainda ouvi uns tiros ali para o lado do Terreiro do Paço e pensei: vou mas é embora.” Meteu-se no comboio de volta ao Estoril e guardou até hoje os dois bilhetes da viagem desse dia: “Custaram oito escudos, quatro para cada lado”.

A reforma vai chegar

José Afonso não trabalha mais nem menos do que qualquer outro funcionário do Hotel. Cumpre o seu horário, sem privilégios que os seus quase 83 anos lhe poderiam dar. “Estive a trabalhar no dia 24 de dezembro e no dia de Natal, na passagem de ano a mesma coisa. Tenho horário como todos os outros, não dou hipótese a nada. Como me dão muita responsabilidade ao me convidarem e ao quererem que eu continue, eu não posso relaxar, tenho de mostrar que estou a desempenhar as funções como outro qualquer.”

José Afonso tem 82 anos. Há 12 que mete os papéis da reforma, mas ninguém o deixa sair @HENRIQUE CASINHAS/OBSERVADOR

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E estar todo o dia em pé, não custa? “Vai custando um bocado, mas isto vai tudo do hábito. Quando uma pessoa faz as coisas com gosto nada custa”, diz.

José Afonso veste o uniforme para as fotografias e sai para o lado de fora do lobby, enquanto a pessoa que está de serviço entra com um cliente. Nesse espaço de tempo, chega um carro com hóspedes. Faz um gesto de pausa com a mão para o fotógrafo, dirige-se ao carro e abre a porta, levantando o boné da cabeça e dando as boas vindas aos clientes. Quando se apercebe de que o seu colega já está no seu posto, volta a colocar-se à disposição do fotógrafo.

— Senhor Afonso, e o que é que vai fazer quando se reformar?

— Quando me reformar? Quando me reformar vou-me lembrar muito disto, mas também vou procurar esquecer.

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