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Diz o ator sobre o "star system" e o efeito que tem numa primeiro visita a Cannes: "A única coisa que nos mantém acordados e que nos faz perceber o que está a acontecer é o que recebemos das pessoas de fora"

AFP via Getty Images

Diz o ator sobre o "star system" e o efeito que tem numa primeiro visita a Cannes: "A única coisa que nos mantém acordados e que nos faz perceber o que está a acontecer é o que recebemos das pessoas de fora"

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José Condessa em Cannes: "Um bom ator pode fazer qualquer papel. Não quero ficar refém da imagem de galã"

Dia 26 protagoniza a série "Rabo de Peixe", na Netflix. Antes, esteve em Cannes com a curta "Estranha Forma de Vida", de Almodóvar. Falámos com o ator sobre o deslumbre do "showbiz" e o futuro.

José Condessa não quer ser só a cara bonita que pousou ao lado de Pedro Almodóvar e de Ethan Hawke na passadeira vermelha da 76.ª edição do Festival de Cannes. Não quer ser só a versão jovem de Pedro Pascal no novo filme do realizador espanhol, “Estranha Forma de Vida”. Não quer ser só o protagonista da segunda série portuguesa da Netflix, “Rabo de Peixe”, com estreia marcada para o próximo dia 26 de maio.

Diz que quer muito mais, quer sujar-se, não tirar o pé da porta internacional depois de duas produções com calibre mundial e arrumar as malas para voos mais altos. Mas não se pense que tudo não passa de um estado puro de deslumbramento de um ator portugueses entre estrelas de Hollywood.

Na curta de cowboys de Almodóvar, que esta semana foi recebida com aplausos na Sala Debussy, José Condessa faz de jovem Pedro Pascal, um mexicano que volta, 25 anos depois, ao rancho do seu antigo amante, o xerife Jake (Ethan Hawke). A história de amor e desamor está repleta de um desejo masculino escondido, que o ator português abraçou enquanto rodava “Rabo de Peixe” (que se estreia em breve na Netflix). Não acusou pressão, partilhou histórias de teatro — foi assim que se formou e é aí que volta sempre que pode para nunca “perder as raízes” — com Pedro Pascal (o português fez de Hamlet, o chileno-americano de Horácio) e meteu-se em Madrid para fazer um casting com Jason Fernandéz (ator espanhol de 28 anos que fez parte de “Praxx”, série portuguesa da Opto). Enviou a selftape, chegou ao casting e esteve seis minutos diante da câmara a discutir, a gritar e a chorar de frente para o seu antigo amante. Conta que “fez o melhor casting da sua vida”. Sem ensaios, sem nada, só com outro ator — aliás, com outro ser humano diante dele. É essa a grande aprendizagem que traz na bagagem: a do lado do humano do filme e de Almodóvar, que, apesar do estatuto pop star, “tratou e trata os atores com muito carinho”.

No hotel Marriott em Cannes, José Condessa parece encaixar que nem uma luva na roda viva de entrevistas. Fala, fala, sorri, está devidamente instalado. O próximo Nuno Lopes? O próximo Albano Jerónimo? O próximo galã português? Não, nada disso. “Um bom ator pode fazer qualquer papel. Se alguém puxar por ele, consegue. Quero ser esse gajo. Não quero ficar refém da imagem de galã. Gosto de me sujar quando me permitem”. Quem se atreve?

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[o trailer de “Estranha Forma de Vida”:]

O seu percurs levou um grande embalo este ano: “Rabo de Peixe” [Netflix] e “Estranha Forma de Vida” de Pedro Almodóvar. Esteve na passadeira vermelha de Cannes. É demasiado para absorver?
É. É demasiado. A única coisa que nos mantém acordados e que nos faz perceber o que está a acontecer é o que recebemos das pessoas de fora. Da família, dos amigos, da namorada. Aqui estamos a trabalhar, temos sempre algo para fazer, como escolher a roupa, ir à passadeira vermelha, fazer as fotografias e, de repente, recebo uma mensagem de colegas antigos do teatro a dizer que estão felizes por me ver aqui.

Os de teatro que serão os mais antigos.
Sim, sim. Os do teatro foram os que cresceram comigo e que tiveram um percurso diferente. E de repente, bate-me: estou aqui. Entro pela primeira vez em Cannes logo com um filme do Pedro Almodóvar, não tenho comparação em nada do que fiz até agora.

Alguém lhe deu algum conselho antes de vir ao festival?
Não. Vou ser sincero: conheci amigos que vieram cá com algumas curtas-metragens, mas este é um registo diferente. É a primeira semana.

É a elite da elite do cinema.
Sim. Mas, como digo, não tinha comparação. Só que para nós, como jovens atores, ter a oportunidade de começar logo com um filme do Almodóvar é começar pela porta grande. Os meus outros colegas, como o Jason, também começaram muito cedo. Olho para trás e vejo o que alcancei. Sinto orgulho. Tenho de o sentir.

Falemos dessa juventude. Na rodagem teve de “fingir” os seus 26 anos para o levarem a sério?
Na relação entre atores, foi incrível. Tendo a experiência toda do Ethan Hawke e do Pedro Pascal mais o Almodóvar, não foi preciso fingir que era mais velho. Ou que sabemos mais ou menos. Ou ser muito humildes. Numa cena de tiroteio tivemos a oportunidade de propor algo ao Almodóvar. E pensei: “o que é que estou a fazer?” Falei com ele e pediu-me para dizer o que queria dizer.

Qual foi a ideia?
Foi a ideia de dizer “1,2,3” [faz o gesto de tiroteio com os dedos]. Como somos muito amigos foi quase como um truque nosso. Dar um pouco mais de realidade em vez de seguir o que cada um diz. De repente eu, com 25 anos, estou a dar uma ideia e a criar com o Almodóvar. E a ser normal. Sem ser aquela coisa do realizador a aparecer na rodagem e a dizer como se faz. É de uma humildade… identifico-me muito com isso.

"Foi muito bom defender este universo do western, que é duro, de masculinidade tóxica, e mostrar, através do Almodóvar, que é possível olhar para o género de outra forma mesmo sendo um clássico. São dois homens que se amam num western, onde estão a fazer a cama."

Não sentiu a pressão de estar num filme dele?
Senti na fase de casting. Até chegar lá. Sabia que ia entrar no “Estranha Forma de Vida”. Enviámos selftapes e depois, no final, fomos até Madrid, onde fiz uma cena com o Jason Fernández de seis minutos com sete páginas do Ethan e o Pascal a falarem. Foi essa cena, mas com as personagens deles mais novas. Porque no filme voltam a encontrar-se mais de vinte anos depois. Enquanto gritam, discutam e choram. Estão os dois  nesse cenário depois de uma noite de sexo.

Já sabiam que iam contracenar?
Quando chegámos lá a diretora de casting disse: “Vamos filmar, têm aí a câmara”. Não ensaiámos, não falámos. Só “ação”. Foi possivelmente o melhor casting que já fiz.

Porquê?
Estávamos a descobrir quem éramos na cena. As próprias personagens estavam a rever-se, estava a olhar para o Jason pela primeira vez. Gostava de ficar com esse casting um dia.

Almodóvar falou sobre um desejo masculino que se revela poucas vezes ou mesmo nunca no género do western. Como é que se trabalha esse desejo? De falar do que se está a sentir? Há um protótipo de jovem e também de ator que não joga bem com o revelar as vontades, ser sensível, mostrar que se é forte.
É uma realidade que de outra forma acabamos por sentir. Ser jovem, ter de parecer mais forte do que se é. Em certos ambientes de trabalho — que felizmente não foi o caso — por vezes, quem é novo não tem voz. Até podemos ter uma boa opinião, estudos, ou um ponto de vista válido, mas não nos vão ouvir porque somos novos. Então é preciso reprimir, parecer forte, mandar para baixo as emoções para não mostrar fragilidade. Foi muito bom defender este universo do western, que é duro, de masculinidade tóxica, e mostrar, através do Almodóvar, que é possível olhar para o género de outra forma mesmo sendo um clássico. São dois homens que se amam num western, onde estão a fazer a cama.

Rabo de Peixe, série Netflix

José Condessa em "Estranha Forma de Vida", "Rabo de Peixe" e "Crime do Padre Amaro"

Inspirou-se em filmes do género?
Revi o “Brokeback Mountain”. Tenho as cenas do início da relação, em que os amigos se começam a envolver. Primeiro uma brincadeira, depois uma luta e finalmente beijos. E estão ali. Era algo muito animal, de muita paixão, quando não estamos à espera de ver dois homens a beijarem-se.

Está nos antípodas. Mas voltando às referências.
Exactamente. É muito bonito. Não havia este imaginário. A proximidade que tive com o Pascal e o Jason com o Ethan foi de tentar perceber as referências para podermos manter o sotaque espanhol, por exemplo, mas foi mais para nos aproximarmos da personagem e não ao género do western.

Esse lado animal de que fala, onde se encontra para um ator?
Foi um clique. Sabíamos que tínhamos de fazer, não havia coreografia. Era deixarmo-nos levar. Não me lembro do beijo que dei ao Jason, por exemplo.

O José já tinha trabalhado a sensualidade no “Crime do Padre Amaro”, mas não a este nível com um homem.
Sim, mesmo cenas de casais gays já tinha feito. A novidade é esta crueza de que ninguém estava à espera. E estar com a pessoa perfeita para trabalhar este universo, que é o Almodóvar, com imagens lindas. Antes, como atores, definimos os limites corporais, o que é normal e cada vez mais importante. E depois fazemos.

"Em momento algum me preocupei com a câmara, preocupei-me em dar a entender que um pequeno olhar faz toda a diferença, sendo que ele nos deixa ver o antes e depois das sugestões que faz. Lembro-me da preocupação do Almodóvar em ensinar, de passar o testemunho."

O que é que aprendeu com este realizador?
Um lado humano, que é possível chegar ao mais alto nível do cinema e manter-se humilde. É carinhoso com os atores. Sempre ouvi histórias desse trato. Onde estamos nós agora? Apesar de ser uma curta-metragem, o Almodóvar quis trazer os atores. Para partilhar a experiência que está a ter, apesar de ser ele a estrela. Ele deixa sempre definido que cada um tem um papel nos seus projetos. De toda a gente ter uma opinião. Às vezes nem em Portugal acontece. Comigo, sim. Mas pode não acontecer. Nem sequer se sente esse espaço. Mas sim, essa simplicidade fez-me crescer. Em momento algum me preocupei com a câmara, preocupei-me em dar a entender que um pequeno olhar faz toda a diferença, sendo que ele nos deixa ver o antes e depois das sugestões que faz. Lembro-me da preocupação dele em ensinar, de passar o testemunho.

Sentiu esse salto em relação às produções portuguesas?
O Augusto Fraga, realizador de”Rabo de Peixe”, também tem uma proximidade de câmara. Mas o início dos ensaios fiz durante a rodagem nos Açores. Foi o Augusto que me permitiu vir rodar. Aliás, os dois rodaram ao mesmo tempo.

Intenso.
Sim, o Augusto disse que ia conseguir fazer os dois trabalhos. Ia para Espanha fazer os últimos ensaios, voltava para os Açores. Assim foi. Lembro-me de voltar e perceber algumas indicações que o Augusto me pedia para fazer. OK, este era o olhar que o Almodóvar me pedia para fazer. Conseguia usar isso nesta série.

Conseguiu não estar a pensar em “Rabo de Peixe” enquanto estava em Espanha e vice-versa?
Consegui. Quando fui para Espanha também fiz tudo seguido. Ou seja, parei um pouco, fiz durante uma semana, acabei e voltei. Três dias de rodagem.

Este formato de curta-metragem interessa-lhe?
Sim. Foi especial. Imagino mais o que vai acontecer porque o filme fica mais em aberto. Histórias curtas que não têm de ter um final, mas que transmitem algo. É a diferença entre ler um romance e um conto. Podem ou não ter um final fechado. É quase como uma crónica.

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O ator português (à esquerda) em Cannes, com Pedro Almodóvar (ao centro) e Ethan Hawke (à direita)

AFP via Getty Images

Trabalhar com atores de Hollywood dá tempo para se conhecerem, ficarem amigos, partilhar histórias?
Identifiquei-me muito com o Pascal. Primeiro por causa da proximidade com a personagem, falámos para saber o que ele queria. No dia em que cheguei a Madrid, já estavam em rodagens, e ele saiu da carrinha dele e apresentou-se. Não houve distância nenhuma.

Ficou surpreendido?
Fiquei feliz. Lembro-me de ter esta preocupação quando comecei a trabalhar em televisão: há atores que admiro, que vejo crescer e penso: “Será que mudaram?” Fico a pensar se não vou ficar também arrogante e de nariz empinado. Não quero isso de, para trabalhar, ter de abdicar do lado humano. De repente, chego ao pé do Ethan e do Pascal e percebo que é possível manter os pés assentes na terra. Há outro stress e outra responsabilidade, mas consigo ser boa pessoa e dar a mão aos mais novos. Falámos de teatro, porque eu fiz Hamlet e ele Horácio, mas também falámos sobre como funciona a ficção portuguesa e porque é que não há mais. De sermos pequenos nesta indústria, mas termos muito talento.

Pode ser que compre casa em Portugal.
Era, era!

Como é que o José não se deixa deslumbrar com tudo isto?
Manter as raízes muito bem assentes. Comecei no teatro amador com o meu pai. Volta e meia gosto de voltar lá, ver, perceber que já não me identifico com algumas coisas dessa realidade.

Por exemplo?
De algumas pessoas estarem no mesmo lugar, fazer o mesmo trabalho há anos. Também tem um lado bonito, de, por exemplo, ter a história de um senhor que, a vida toda, vai para ali preparar o cenário. Ou as senhoras, mestres costureiras, que abdicam do trabalho para fazer o guarda roupa para o teatro. E é este pequeno amor que me faz agora estar a falar consigo e pensar: está tudo certo. Aquele lugar que é a minha casa, é o meu ninho e onde posso voltar a ter os pés no chão. Só que também tenho de saber aproveitar, de que parece que tudo está a acontecer. Tenho de os viver, não posso deixar que a vontade de não perder a humildade não me faça aproveitar os meus momentos. É um meio termo.

"Quero trabalhar no meu país, mas não quero ficar preso. Quero poder colocar às costas uma mochila e ir com outros atores e realizadores. Pegar na ficção nacional e levá-la para o mundo. Em vez de a abandonar."

Tem medo de ser catalogado como um homem bem parecido e de só ser avaliado por isso?
Sem dúvida. Numa das primeiras entrevistas que dei quando comecei em televisão disse algo de que me arrependi. Acho que não me expliquei bem. Dizia que não queria ser galã. Mas o que eu não queria era ser rotulado como galã. Um ator não deve ter rótulos. Um bom ator pode fazer qualquer papel. Se alguém puxar por ele, consegue. Quero ser esse gajo. O Nuno Lopes e o Albano Jerónimo são algumas das minhas referências, fizeram desde um travesti a um homem que viveu na rua. Não quero ficar refém de uma imagem de galã. Por isso é que gosto de me sujar quando me permitem.

O que é sujar?
Não ficar tão bonito como aconteceu no “Crime do Padre Amaro”. Parei o ginásio, tentei engordar, não havia padres musculados nessa altura. Tentei sujar a personagem. Tirei a barba para não ser galã. Se me disser que em Portugal não há tempo para isso, de trabalhar um lado físico feio, sim, quero fazê-lo. Quero ser testado. É um músculo. Se não formos estimulados como atores, ficamos com os ramos cada vez mais apertados.

Por falar em engordar, o José engordou o seu currículo com estas duas produções. O que acha que tem de fazer para que não seja um epifenómeno? Já se está a preparar para uma carreira internacional progressiva?
Estou a preparar-me a mim, como ator e pessoa. Para que, quando as oportunidades apareçam, eu consiga agarrá-las. Interessa-me, sem dúvida, ter estes trabalhos internacionais. Faço parte de uma geração em que posso tomar os atores mais velhos como exemplo de atores e pessoas, mas não de carreira. Não estamos no mesmo tempo. Acho que se o Albano Jerónimo e o Miguel Borges tivessem a minha idade, fariam o mesmo que estou a fazer: pegar na forma mundial de trabalhar e tentar alargar o nosso trabalho. Quero trabalhar no meu país, mas não quero ficar preso. Quero poder colocar às costas uma mochila e ir com outros atores e realizadores. Pegar na ficção nacional e levá-la para o mundo. Em vez de a abandonar.

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