Apresenta-se como o candidato da moderação e é essa a bandeira que agita contra Pedro Nuno Santos, que acusa estar agora a fazer uma “operação de cosmética” para apelar ao eleitorado do centro. Com pouco sucesso: “Já não é possível alterar esse posicionamento, basta andar na rua”, sentencia José Luís Carneiro.
Em entrevista ao Observador, no programa “Sob Escuta”, o candidato à liderança do PS admite, ainda assim, a sua surpresa por ter visto alguns dos “moderados” do PS a passarem para o lado de Pedro Nuno Santos, acusa camaradas de partido de fazerem “flic-flacs com mortal à frente e atrás” e ironiza sobre as justificações dadas por Álvaro Beleza sobre esse apoio: “Talvez se eu tivesse ligado primeiro tivesse merecido” esse apoio.
A sua visão para as questões orçamentais está alinhada com a de António Costa e Fernando Medina, apoiante da sua candidatura. Por isso defende as contas certas com unhas e dentes e deixa um aviso: não vai “prometer tudo a todos”, como, parece sugerir, Pedro Nuno Santos faz — até porque já fez as contas e só a promessa de recuperar o tempo de serviço das carreiras congeladas na Função Pública custaria mil milhões de euros em despesa. Ainda assim, compromete-se a encontrar uma fórmula para alargar o Complemento Solidário para Idosos a mais 160 mil pessoas.
Quanto a cenários de governabilidade, não há compromissos, ainda que aponte muitas críticas aos antigos parceiros de esquerda e até assuma que, enquanto secretário de Estado para as Comunidades, chegou a ouvir preocupações de outros países com a “viabilidade” da geringonça. Já o fato que veste agora, como ministro da Administração Interna, não é, para já, para despir — embora admita “ponderar” fazê-lo se vencer umas eleições internas que, assegura, Pedro Nuno não pode assumir que são “favas contadas”.
“Ministro e candidato? Tenho procurado separar as águas”
Assume-se como candidato da continuidade. Mas consegue identificar algum erro que António Costa tenha cometido?
Esta candidatura assume as políticas públicas e os seus bons resultados nas condições de vida dos portugueses, mas também dá um passo em frente em relação ao necessário impulso a novas políticas na adaptação de políticas públicas às necessidades e ao contexto que temos hoje que enfrentar, nomeadamente o contexto internacional, mas também com capacidade para dar resposta a problemas que temos que enfrentar. E particularmente na Saúde, que é uma das áreas onde nós temos propostas muito claras e muito objetivas, na habitação e também no apoio à criação de riqueza por intermédio de propostas de apoio
às pequenas e médias empresas. É só para dar três exemplos de três áreas de política onde temos a intenção de dar um impulso para aperfeiçoar as respostas de políticas públicas.
Portanto não respondeu à pergunta. Consegue identificar algum erro que António Costa tenha cometido?
Essa é a função da oposição não é a função de quem tem tido responsabilidades na execução do Governo. Ou seja, as oposições é que têm que procurar garantir o escrutínio da ação dos governos. A mim compete-me olhar para as políticas públicas que têm vindo a ser desenvolvidas, procurar avaliar os seus resultados na vida das pessoas, porque é para elas que nós temos a legitimidade democrática para procurar encontrar as melhores soluções, e procurar também avaliar a execução das políticas, procurando melhorar aquilo que pode ser melhorado. Há aqui três áreas onde entendo que podemos dar saltos qualitativos, nomeadamente na saúde, na habitação e também no apoio às pequenas e médias empresas. Mas há outras áreas onde podemos ter um impulso reformista, naturalmente assumindo o que de mais importante tem sido feito. A começar pela proposta do Orçamento do Estado para 2024.
Disse que queria separar as duas funções, a de ministro e a de candidato à liderança do PS. Mas já falou sobre a sua candidatura enquanto vestia o fato de ministro e em eventos do Governo. Não há aqui uma confusão entre papéis? Quando é que vai deixar de ser ministro, se é que pretende fazê-lo?
Tenho procurado separar sempre as águas entre uma função e outra. O Presidente da República quando foi recandidato não deixou de exercer as suas funções como Presidente da República, naquilo que tinha a ver com o seu caráter oficial. O mesmo acontece com o primeiro-ministro. Também já expliquei que se António Costa fosse neste momento o candidato a secretário-geral não deixaria as funções de primeiro-ministro.
Ainda assim não é a mesma coisa ter de substituir um primeiro-ministro e um Presidente da República ou um ministro.
Desde que haja separação de águas, como aliás aconteceu com os líderes do PPD, que sempre que foram candidatos à liderança do partido não deixaram as suas funções Executivas. Ou seja, o que importa é de facto ser capaz de separar águas no desempenho das funções.
Não está, portanto, a usar a visibilidade do cargo e os eventos em que está na representação do governo para fazer a campanha?
Também não posso dizer que os meus colegas que são candidatos, nomeadamente um dos candidatos que é deputado, também usa as funções de deputado para efeitos de campanha interna.
Se ganhar estas diretas sai do cargo de ministro ou é mesmo para continuar até às legislativas?
Vamos aguardar pelos resultados e depois terei que tomar decisões nessa altura.
Pelo menos essa essa hipótese está em cima da mesa?
Em função da exigência de disponibilidade que se vai colocar, naturalmente que essa é uma questão que tem de ser ponderada.
“Gostaria muito de contar com o voto de António Costa”
Dois dias depois da demissão inesperada do primeiro-ministro, tinha uma candidatura à liderança Do PS montada, Há quanto tempo estava a preparar a sucessão?
Nunca me coloquei nesta posição. Ou seja, nunca foi minha intenção. Depois da crise que se viveu no Governo, houve autarcas, militantes de várias zonas do país que me foram colocando essa hipótese. Ou seja, foram pelo menos colocando as questões nos termos em que deveria pensar sobre o assunto porque entendiam que tenho perfil para poder assumir uma responsabilidade dessa natureza. Honestamente, nunca foi algo que colocasse no meu horizonte porque estava muito concentrado nas funções que estava a desempenhar. E são funções muito exigentes.
Depois no dia 7 houve este volte face no Governo. Decidiu nesse dia?
Sim, foi quando decidi tomar a decisão. Devo dizer que tive uma conversa com o presidente do partido, fui-lhe comunicar a minha intenção e a minha disponibilidade. Depois, a partir daí, ouvi os meus camaradas na Comissão Política Nacional e tive o cuidado de lhes explicar as razões pelas quais entendia dever avançar com uma candidatura. Depois foi um esforço imenso. Foram 15 dias para edificar uma estrutura humana. É evidente que a candidatura do Pedro Nuno tinha já um trabalho muito organizado com as estruturas federativas e com as estruturas concelhias e também com muitos autarcas. Portanto, na medida em que a estrutura intermédia do partido estava já muito comprometida com essa candidatura, isso obrigou a um trabalho imenso.
Disse que falou com Carlos César e com António Costa? Também o avisou de que seria candidato?
Pedi uma reunião, na tarde da demissão, para comunicar ao presidente do partido que iria assumir esta responsabilidade, este sentido de serviço aos valores do PS.
Mas e a António Costa?
Também comuniquei a António Costa que iria colocar a minha disponibilidade aos militantes do PS, para servir o PS.
E eles acharam bem a sua candidatura quando já se sabia que iria existir outra?
Aquilo que posso dizer é que ouvi, em vários momentos, o próprio secretário-geral dar conta de que é muito positivo o debate democrático e a dinamização do debate democrático dentro do PS, na medida em que isso permite a discussão sobre as ideias, as propostas que temos para o PS e para servir o nosso país. Esse deve ser sempre o imperativo de quem serve os partidos políticos. Os partidos não vivem para si próprios. Essa é a razão porque entendo que devíamos ter tido um debate entre os candidatos, para discutirmos as nossas ideias as nossas propostas, os nossos projetos.
Acha que é o favorito de António Costa?
António Costa disse que iria votar, mas disse que não se pronunciaria sobre nenhum dos candidatos. Gostaria muito de contar com o seu voto.
“Se Medina tivesse concorrido, sentir-me-ia bem bem a apoiá-lo”
Em 2021, no Congresso do PS em Portimão António Costa pôs no palco quatro possíveis sucessores: Fernando Medina, Pedro Nuno Santos, Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva. Dois anos depois só um deles avança. Porquê que não estava nessas contas? Sente-se uma solução de recurso da ala moderada do partido?
Julgo que até houve outro nome, o de Marta Temido. Talvez não tivesse tanta necessidade de falar de mim, porque estava com a função de secretário-geral adjunto. Estava num papel de isenção e de imparcialidade no serviço ao meu partido. Esta candidatura é uma candidatura que tem ideias pelo país. Tenho, felizmente, um percurso que me proporcionou um conhecimento muito grande da vida das pessoas. Naquela altura, não era colocado como um potencial líder do PS, mas quando me começaram a propor essa ideia, para que refletisse sobre ela, foi porque reconheceram no meu percurso de vida e no meu percurso político uma experiência que é capaz de dignificar os valores e os princípios do PS.
Não foi porque outros faltaram à chamada, como Fernando Medina?
Devo dizer que tenho muito gosto em contar com o apoio de Fernando Medina nesta candidatura. E devo dizer que foi desde a primeira hora. Quando lhe transmiti que me iria candidatar, a sua disponibilidade para apoiar a minha candidatura foi imediata.
E perguntou-lhe antes se ele não estava interessado em concorrer?
Se ele tivesse intenção e essa vontade, sentir-me-ia bem a apoiá-lo nesse objetivo.
Mas não combinaram? Se um avançasse o outro não avançava?
Não se pode colocar as questões em termos de combinação. Julgo que houve um entendimento e uma convergência entre nós, e com outras pessoas que também me vieram entretanto apoiar, no sentido de entender que eu tinha condições para avançar com a candidatura. Temos de olhar para a candidatura e o que ela representa para as pessoas. Discutir o A ou o B, honestamente, com todo o respeito por todos, não tem interesse para as pessoas. O que as pessoas querem saber neste momento é se o país vai ter estabilidade política. Querem saber se vamos ter previsibilidade.
“Pedro Nuno tem usado linguagem polarizadora”
O diretor de campanha do seu principal adversário veio ontem acusá-lo de estar a “adotar o discurso da direita” e de “cometer o erro de glorificar conclusões de inquéritos sobre o que pensa quem não votou no PS nas últimas eleições legislativas”. José Luís Carneiro está a ler mal as sondagens?
Há uma coisa que leio bem: as pessoas. Tenho estado com as pessoas, na rua, e ouço-as, não passo por cima delas. Gosto de ouvir as pessoas, gosto de saber aquilo que elas sentem e aquilo que as pessoas querem nesta altura não é essa discussão estéril daquilo que é de direita ou que é de esquerda. As pessoas querem ter acesso à saúde, querem ter habitação.
Mas quando diz que Pedro Nuno Santos “está enclausurado à esquerda” está a colocar a discussão nesses termos. O José Luís Carneiro está enclausurado à direita?
Não, não estou. Nem é por mim que haverá blocos centrais. O PS tem uma marca desde a clandestinidade: lutou contra a ditadura e lutou pelas liberdades e consolidou as liberdades com Mário Soares. Isto num diálogo que fez com o PPD e com os democratas cristãos. Assim como se construiu o projeto europeu a partir desse diálogo entre os trabalhistas e os sociais-democratas. O projeto europeu foi construído a partir desses valores e dessa convergência de valores. Mas essa autonomia estratégica, que Mário Soares construiu desde 76 e desde a primeira Constituição em regime democrático, é a mesma autonomia que António Costa utiliza quando, em 2015, encontra um espaço para dialogar com a esquerda. E aquilo que nós temos defendido e que deve continuar a ser defendido é uma autonomia do PS para determinar a sua vontade na forma como constrói as soluções para o país. Construímos mais facilmente soluções relativas à valorização dos serviços sociais e à sua modernização ou ao investimento público com os partidos da nossa esquerda, assim como também construímos soluções com um ímpeto reformista e capaz de servir as dimensões estratégicas do Estado com os partidos do centro-direita.
Em que se baseia para dizer que Pedro Nuno Santos demoniza o centro político? A moção dele dá-lhe sinais nesse sentido? O que é que encontra de radical ali?
Divirjo de uma abordagem que seja permanentemente dicotómica ou polarizadora. E tem havido uma linguagem relativamente polarizadora na sua candidatura e na forma como ele também coloca as questões. Um dos pressupostos é partir para uma eleição com a ideia de uma coligação. Ora, isso quando aconteceu mo passado fragilizou Vítor Constâncio e fragilizou o Jorge Sampaio. Porquê? Porque há um eleitorado que dá vitórias e dá as maiorias absolutas. Já as deu ao PS e já as deu também ao PSD. É um eleitorado que avalia o interesse do país e quem, num momento histórico concreto, pode servir esse interesse. É importante não diabolizar esse eleitorado porque é um eleitorado essencial que já deu uma maioria a uns e a outros.
Tem visto propostas de Pedro Nuno Santos que lhe pareçam radicais ou que afastem o centro?
Tenho notado que tem havido de facto um esforço. E até vejo alguns camaradas meus a fazerem uma espécie de flic-flac, com mortal à frente e atrás. Tenho visto esse esforço.
Está a falar de Francisco Assis, de Álvaro Beleza?
Não quero nomear.
Já disse que estava surpreendido com Francisco Assis, por exemplo.
Sim, mas não quero nomear ninguém. O que tenho notado é que se trata de uma operação de cosmética e já não é possível alterar esse posicionamento em relação ao eleitorado, porque basta andar na rua, basta falar com as pessoas, basta falar com os militantes.
Então Pedro Nuno Santos é mesmo um esquerdista, não é um social-democrata como ele diz?
Veja, a minha candidatura é pela afirmação de uma proposta para o país, não se afirma em comparação.
Mas foi o que acabou de fazer nas últimas respostas.
Porque tenho que responder às vossas perguntas, por mim eu não responderia a essas perguntas.
Mas se é uma “operação de cosmética” é porque ele é um esquerdista e está a fazer parecer que não é.
Somos dois socialistas, mas o PS tem desde a sua origem também uma heterogeneidade muito grande de pensamento, como aliás têm também os sociais-democratas e o PPD. Havendo esta heterogeneidade não podemos demonizar quem está nos outros partidos, nomeadamente nos partidos democráticos, porque os democratas têm que estar unidos naquilo que é essencial, que é defender as liberdades e defender a democracia. Aquilo que acho é que uma candidatura com capacidade de diálogo e de construção de soluções políticas é a que neste momento serve melhor o país, em detrimento de uma abordagem polarizadora e que radicaliza o discurso. Porque a polarização conduz ao enquistamento. Ora, quando enquistamos posições, não conseguimos encontrar espaço para o diálogo e para a concertação.
“Seria hipocrisia não reconhecer erros de Pedro Nuno na TAP”
Disse que a gestão de Pedro Nuno Santos na TAP teve impactos muito negativos e que tem uma notoriedade positiva mais alta do que ele. Ele pode assustar o eleitorado? As “cicatrizes” de que Pedro Nuno falou ainda estão demasiado presentes na memória dos portugueses ?
Não quero estar a pronunciar permanentemente.
Só estamos a citá-lo.
Sim, julgo que a citação é verdadeira e é correta. Ele próprio reconheceu esses erros. Todos temos consciência que o que se passou com a TAP, quer primeiro com a decisão do aeroporto – uma decisão sem que o primeiro-ministro e os colegas do Governo tivesse conhecimento do que se estava a decidir – e depois a decisão da indemnização, teve efeitos muitos nocivos na imagem pública do Governo. Seria uma hipocrisia não reconhecer isso, porque é uma evidência.
Essas feridas não estão cicatrizadas?
Há uma coisa em que eu concordo com o Pedro Nuno: só não comete erros quem não governa. Porque erros todos nós cometemos. Agora, é evidente que os erros também têm efeitos, nomeadamente na forma como os outros apreciam o nosso trabalho e desempenho.
“Costa fez esforço imenso” para manter geringonça
Francisco Assis escreveu que alguns beneficiários líquidos da geringonça vêm agora exprimir reservas e lembrar que esses partidos são anti NATO, dizendo que é curioso que se tenham silenciado quando era oportuno. Quando é que José Luís Carneiro descobriu que a geringonça era uma má solução para o país?
Temos de separar momentos diversos. No momento de 2015-2019 havia um ambiente no país muito favorável a um acordo político, que era aquilo que as pessoas pediam na rua, porque entendiam que era preciso reconstituir direitos fundamentais – valorização dos salários, reposição de cortes e de serviços públicos. A direita, com a sua austeridade, encerrou os serviços de saúde, finanças, procurou mesmo encerrar e esvaziar tribunais. António Costa foi à Comissão Política Nacional e ao grupo parlamentar dar duas garantias: o PS manteria os seus compromissos com o Tratado Orçamental da União Europeia e os seus compromissos atlânticos. E é a partir deste pressuposto que teve o apoio dos órgãos do partido.
Mas porque é que aquelas questões, como a NATO, não lhe eram tão importantes na altura e são tão importantes agora?
Estamos a viver num quadro de guerra europeia, que implica um compromisso fundamental de Portugal. É aquilo que a minha moção assume de forma muito clara.
António Costa na altura conseguiu que o PS não violasse esses princípios e manter uma aliança à esquerda. Acredita que Pedro Nuno Santos não será capaz de o fazer?
Tivemos 2015-2019 um período que é avaliado por todos os portugueses como muito positivo. Mas é preciso lembrar as razões por que o governo caiu em 2021: os parceiros que suportavam o governo quiseram a ruptura com o PS.
Mas quando era secretário de Estado das Comunidades sentiu na comunidade internacional que aquela solução governativa era vista com desconfiança?
Sim. Aliás, participei em reuniões, várias, num contexto de visitas de Estado, em que havia dúvidas sobre a viabilidade daquela solução. Mas felizmente foi possível garantir isso. A questão dos compromissos com o Tratado Orçamental era a questão fundamental normalmente colocada.
O que dizia a quem o abordava com essas dúvidas?
Não dizia porque estava a acompanhar visitas de pessoas com responsabilidades superiores às minhas. Mas quero dizer que 2015-2019 é uma fase. E depois, mesmo durante a pandemia, o Bloco rompeu com o PS quando não aprovou o Orçamento. Fazia parte da coordenação [do Governo] e António Costa fez um esforço imenso para ir ao encontro às posições do PCP e do Bloco de Esquerda. Foram os parceiros que romperam a coligação. E PS caiu. Houve quem tentasse insinuar que a responsabilidade era de António Costa, mas não foi — por isso é que os portugueses nos deram uma maioria absoluta.
O PCP e o Bloco de Esquerda deixaram de ser de confiança e não contam mais?
Não quis dizer isso. Comecei por dizer que tenho para mim como firme que é possível construirmos soluções de aperfeiçoamento das políticas sociais, qualidade e prioridades do investimento público e matérias ambientais com os parceiros à nossa esquerda. Há outras dimensões que exigem que sejamos capazes de respeitar e dialogar com o grande centro político e social para encontrarmos soluções reformistas. Temos de ter esta capacidade de nos afirmarmos com esta autonomia estratégica, porque foi sempre aqui que o PS esteve. E por isso é que é o grande partido da sociedade portuguesa, interclassista, intergeracional, que cobre todo o território.
“Fiquei surpreendido com Francisco Assis”
Ficou surpreendido por ver Francisco Assis ao lado de Pedro Nuno Santos? Estava a contar com o apoio dele ou de nomes como Álvaro Beleza? Compreende as razões deles para não estarem ao seu lado?
São personalidades diferentes e com percursos diferentes. No caso do Francisco Assis, fiquei surpreendido.
Contava tê-lo ao seu lado?
Fiquei surpreendido.
E Álvaro Beleza?
Verifiquei os termos que ele utilizou para justificar o apoio ao Pedro Nuno. Disse que recebeu uma chamada telefónica e que, sendo médico, achou que devia corresponder. Encontra-se dentro de um dever deontológico. Respeito esse dever deontológico do meu camarada Álvaro Beleza de apoiar o Pedro Nuno.
Pelo menos não lhe ligou tão rápido como Pedro Nuno Santos.
Talvez se tivesse ligado primeiro tivesse merecido esse sentimento deontológico.
Chegou a ligar a Francisco Assis para o tentar trazer para o seu lado?
Não quero dizer mais nada. Disse o que tinha a dizer, e que foi sobretudo que me surpreendeu.
“Tenho condições para ganhar as eleições legislativas”
Durante o fim de semana desafiou Luís Montenegro a responder se apoiará um governo socialista minoritário para “servir o país”. Compromete-se a fazer o mesmo caso o PSD fique em primeiro? Sim ou não?
Comprometo-me a ganhar as eleições.
Isso não é um sim nem é um não. Se exige isso a Luís Montenegro, não era suposto que fizesse o mesmo com o PSD?
O PPD e o Luís Montenegro são os meus principais competidores, vou competir com eles. Houve quem procurasse desvalorizar com outras sondagens, mas a sondagem mais completa que apareceu nos últimos tempos mostra que estava com 42% das intenções de votos portugueses e o Luís Montenegro estava com 37%.
Mas as sondagens ainda não determinam eleições. Se ficar em segundo, viabiliza ou não um governo do PSD?
Vamos falar depois das eleições, avaliado o peso político de cada um dos partidos. Depois, como aliás aconteceu em 2015 com António Costa, temos o dever de ouvir os órgãos do partido.
Mas não tem uma posição própria? O secretário-geral do partido não toma decisões individualmente em matérias desta natureza.
Tem de ouvir a comissão política e o secretariado.
Mas António Costa, em 2015, levou uma proposta concreta à Comissão Política Nacional do PS. Disse-lhes que queria dialogar com a esquerda.
É verdade.
E o que é que fará?
Depois das eleições.
Mas percebe a incoerência de exigir clarificação ao seu adversário e depois não clarificar quando tem oportunidade.
Sim, mas já disse aquilo que tinha que dizer. Pelo PS, o Chega não irá para o poder. Mas não irá para o poder porque quero ganhar as eleições. Tenho condições para ganhar as eleições. Podem encontrar forma de maquilhar os estudos que estão a ser feitos. Aquilo que digo é que a sondagem que aparece com maior amplitude, com indicadores que são fiáveis, muito fiáveis, dão-me 42% e 37% a Luís Montenegro. Ora, é um capital político que aparece ao fim de 15 dias. Sei as mensagens que recebo todos os dias na nossa candidatura, vindas de não apenas de socialistas, mas de amplos setores da sociedade portuguesa. Olhem, por exemplo, de Manuela Eanes, dando conta de que se identificava com os valores e com as propostas. Veja, por alguma razão me ligou o Fernando Tordo a dizer que estimava imenso que tivesse aparecido com esta candidatura.
“Em primárias teria expressão muito mais ampla”
Acredita que Pedro Nuno Santos tem a vitória como um dado adquirido? Que acha que são favas contadas?
Entendo que ele partiu com esse pressuposto. Diria que ao fim de 15 dias talvez tenha agora razões para pensar de forma diversa. Mas, como é evidente, é uma campanha interna. Diria que se fosse uma campanha aberta como ocorreu com António José Seguro e com António Costa, aberto a simpatizantes, aí tinha uma expressão de vontade muito mais ampla do que na expressão interna. Agora, a cada dia que passa, os militantes fazem a sua análise e fazem a sua avaliação sobre quem está em melhores condições de ir buscar o apoio onde ele está. Se nos virarmos para a nossa esquerda, o Bloco de Esquerda terá crescimento com o eleitorado do PS. O PCP também. Apenas poderemos crescer se formos capazes de ir buscar o eleitorado ao centro político. E quando se faz a pergunta: quem é que dos dois candidatos está em melhores condições para construir com esse eleitorado? A resposta é evidente. E todos os dias a minha candidatura está a crescer.
Se existir uma maioria de esquerda, admite governar se ficar em segundo lugar?
Tenho de aguardar pelos resultados eleitorais, porque estar nesta altura a especular é limitar o meu grau de autonomia.
Portanto, admite.
É entrar num exercício especulativo sobre aquilo que vai ser o resultado eleitoral, a partir do pressuposto de que as realidades são estáticas. A realidade é dinâmica.
“Não podemos deixar futuro hipotecado para próximas gerações”
A sua moção traz alterações ao Complemento Solidário para Idosos. O que tenciona mudar em concreto na condição de recursos? Já fez as contas? A quantas pessoas é que isso poderia chegar?
Há dois compromissos claros que tenho: na Saúde, na Habitação. Em relação à Saúde, aquilo que proponho é um compromisso de natureza plurianual como hoje acontece, por exemplo, com as leis de programação militar.
Mas para o Complemento Solidário para Idosos fez as contas? Sabe o que é que mudaria na condição de recursos?
Há duas questões. Temos de olhar para os termos em que ela hoje é atribuída, é um pedido muito burocratizado e temos de olhar para os termos em que poderíamos automatizar a atribuição. Sem segundo lugar, há a questão da condição de recursos que faz depender a sua atribuição dos rendimentos dos filhos dos idosos. Sabemos que essa solidariedade, esse dever moral, nem sempre é cumprido. Temos de encontrar uma fórmula que garanta, com certeza, esse dever, que está previsto na lei dos filhos em relação aos seus pais, mas também encontrar um modelo que não deixe os pais totalmente dependentes.
Mas ainda não sabe a fórmula que vai usar?
Aquilo a que me comprometo é encontrar uma solução que procure responder a estes dois desafios. A prestação estava com 136 mil beneficiários e com as mudanças da condição de recursos, que está nos 1800 euros em relação aos rendimentos dos familiares, poderia passar para cerca de 300 mil beneficiários. É uma orientação política que depois exige um trabalho em sede de segurança social e orçamental.
“Não estou aqui para prometer tudo a todos”
Pedro Nuno Santos defende que é desejável uma devolução de rendimentos maior aos portugueses e mais investimento público, mesmo que isso signifique menos excedente orçamental e um ritmo menor de redução da dívida pública. Isto é recomendável?
Defendo a trajetória que temos vindo a assumir em termos orçamentais, plasmada no orçamento para 2024: uma redução da dívida para baixo dos 100% do PIB e superávite, que terá uma função de financiar um fundo de investimento público para assegurar condições ao país para que em transição de ciclos de fundos europeus consigamos manter condições de investimento, nomeadamente na modernização das nossas infraestruturas, na sua requalificação e manutenção.
Portanto, Pedro Nuno Santos está a hipotecar de alguma forma esse futuro e está a ser responsável com as propostas que faz?
Não estou a formular acusações ao meu camarada. Estou a defender aquilo que a nossa moção propõe.
Mas é responsável fazer promessas como a recuperação daquelas carreiras, não são só dos professores, mas as outras que pedem a recuperação de tempo de serviço por inteiro?
Em relação à questão do investimento público e da dívida pública, o facto de nós querermos manter contas certas, como disse o ministro das Finanças e bem, não é uma obstinação. Ou seja, é um compromisso com as futuras gerações. Nós não podemos deixar o país hipotecado para as futuras gerações caso queiramos que elas realizem os seus projetos de vida no seu país. Sabemos o que nos custou a assistência financeira entre 2009 e 2015.
Por isso mesmo, a recuperação de tempo de serviço das carreiras que ainda estão à espera, professores e não só, é uma irresponsabilidade e hipotecaria esse futuro?
Primeiro temos que lembrar que o Governo do PS foi o Governo que descongelou as carreiras e que acelerou as progressões. É muito importante lembrarmos este adquirido.
E pode fazer o resto? Pode fazer aquilo que Pedro Nuno Santos está a propor?
Houve duas afirmações públicas: uma foi sobre a recuperação de todo o tempo de serviço dos professores e a outra foi a recuperação de todo o tempo de serviço da Administração Pública. Mas houve vários períodos de congelamento. São os períodos de congelamento que ocorreram nos governos do PS ou aos tempos de congelamento que ocorreram no período da Troika? Tem a ver com períodos orçamentais diferentes e com custos diferentes. Segunda questão — e não sou eu que tenho que responder porque não fui eu que fiz essas afirmações: e aqueles que entretanto foram para a aposentação? Pessoas que já se aposentaram e a quem esses direitos não foram reconhecidos? Ficam com o direito de contestarem o Estado e invocarem prejuízos em relação à sua vida para efeitos de reconstituição de direitos que entretanto estão fechados. Portanto, são matérias de sensibilidade.
Relativamente aos professores especificamente. Concorda com a reposição do tempo congelado?
Em relação aos professores também tenho uma posição clara, só que é uma posição segura. Há um pressuposto, reconhecermos o esforço que foi feito até aqui. Há 20 mil vinculações de professores que passaram a deixar…
Essa parte o governo e António Costa têm dito. Pedíamos só que respondesse à pergunta relativa ao tempo congelado.
O Governo aplicou uma fórmula à administração pública e, entre a administração pública, também aos professores. Os professores continuam a entender que há nesta fórmula elementos que permitiram constituir algumas desigualdades dentro da mesma carreira de professores. O meu compromisso é sentar-me com os representantes dos professores, podermos avaliar se essas alegadas desigualdades se confirmam e, confirmando-se, estimar o valor orçamental para removermos essas alegadas desigualdades. E depois verificarmos se temos condições orçamentais para permitir que esta despesa que transforme numa despesa permanente.
Mas aí inclui a recuperação do tempo dos seis anos e seis meses? Tem condições para isso?
A avaliação que temos das duas propostas que apresentou o Pedro Nuno em relação a estas matérias é de que uma tem um custo de 300 milhões de euros, neste caso o tempo, a reposição integral dos professores. E que a reposição de todos os trabalhadores fora o abrir da porta para a tentativa de recuperação de direitos para aqueles que passaram à aposentação, que é sempre entrar no desconhecido, mas que representaria cerca de mil milhões de euros em despesa permanente. Não estou aqui para prometer tudo a todos.
E Pedro Nuno Santos está?
Estou a dizer que eu não estou.
Portanto isso não promete, não tem condições de fazer essa proposta?
Não tenho condições para estar a fazer promessas que criem expectativas que não são depois correspondidas no exercício de funções executivas porque isso é que descredibiliza a vida política e mina a confiança dos cidadãos nas instituições. É preciso saber dizer não, muitas das vezes na vida política. Agora, aquilo que assume uma posição de responsabilidade é avaliar os termos em que essa desigualdade ainda prevaleça e, demonstrando-se que ela existe, procurar encontrar meios orçamentais para remover essas desigualdades. Por exemplo, as forças de segurança também entendem que temos que valorizar mais as suas condições de segurança. Temos que pensar na administração no seu todo. E também nas carreiras especiais porque são carreiras que merecem uma atenção muito especial, particularmente aquelas que servem as funções de soberania do Estado.
“Reforma do Ministério Público? Proposta de Rio deve estar nessa discussão”
Na justiça fala da necessidade de “prestação de contas” do lado do Ministério Público. O que quer isto dizer?
Fundamentalmente, para já, temos que lançar um amplo debate na sociedade portuguesa e esse amplo debate nada tem que ver nem nada terá que ver com o momento político que estamos a viver.
O PS governa há oito anos e há dois anos tem maioria absoluta, porquê agora o debate se não está associado ao caso que envolve o primeiro-ministro?
Há muito tempo que defendemos que é necessária uma reforma do sistema político e também que é necessário dialogar com as forças políticas sociais, com as forças políticas democráticas sobre o modo de aperfeiçoarmos nomeadamente o sistema de administração da justiça. Por exemplo, na desconexão de processos, evitando os chamados megaprocessos.
E à composição do Conselho de Superior do Ministério Público, tal como defendia Rui Rio?
Essa é uma das matérias que devem estar nessa discussão, mas para essa discussão é importante que sejam também os atores do próprio sistema, nomeadamente da magistratura judicial e também a magistratura do Ministério Público porque há sempre que ter a garantia de respeito pela independência do poder judicial e pela autonomia do Ministério Público. Mas quando falamos de transparência, assumimos uma proposta muito concreta: há um relatório anual que na reforma anterior se defendia que pudesse ser apresentada à Assembleia da República, tem a ver com a prestação de contas do trabalho desenvolvido no Ministério Público que é apresentada à Procuradoria Geral da República e há ganhos democráticos se esse relatório for apresentado nomeadamente à primeira comissão. É evidente que todos os órgãos de soberania são objeto do escrutínio e devem ser partes ativas nesta cultura de confiança dos cidadãos nas instituições.