Uma “surpresa agradável” e que deixou os ucranianos “muito entusiasmados”. O rumo das contraofensivas e o controlo de praticamente toda a região de Kharkiv pela Ucrânia, juntamente com a retirada das tropas russas, está a devolver um sentimento de esperança à população civil, que tem vivenciado a guerra de perto há mais de seis meses.
“Estamos muito entusiasmados pela atual fase da ofensiva na região de Kharkiv e os avanços em Lugansk”, reconheceu, em declarações ao Observador, Volodymyr Dubovyk, diretor e professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Odessa. “A retirada das tropas ocupantes russas não era esperada pela maioria dos cidadãos. Nem mesmo pelos especialistas.”
A contraofensiva em Kharkiv está “a dar esperança à população da Ucrânia, tornando-se num momento de orgulho e inspiração”, diz mesmo o docente universitário. E Olga Brusylovska, também professora de Relações Internacionais na Universidade Nacional de Odessa, partilha o entusiasmo. Ao Observador, diz que “Moscovo não pode parar mais com o processo de libertação” do resto do território ucraniano: “Nunca se foi tão patriota como agora”.
“Os ocupantes russos bombardearam as cidades, mas não quebraram a população. Nem vão intimidar com os seus ataques com mísseis”, afirma Olga Brusylovska, recordando que “milhões de ucranianos ainda aguardam” pela chegada das tropas ucranianas.
Ao Observador, Gwendolyn Sasse, analista política alemã do think tank Carnegie Europe, concorda que o sucesso das contraofensivas está a levantar o ânimo às “tropas ucranianas” e a funcionar como um “incentivo” para o comprometimento da “sociedade ucraniana” com a ofensiva — e com os tempos difíceis que aí vêm.
Até porque, embora os ucranianos se mantenham otimistas, existe a perceção de que a guerra em todo o território ucraniano está “longe do fim”. “A Rússia ainda permanece uma séria inimiga, apesar de estar ferida”, salienta Volodymyr Dubovyk, que antevê que “muito sacrifício ainda terá de existir para que este sucesso prossiga nas próximas semanas e meses”
Quando os ucranianos chegam, “há beijos, abraços e muitos agradecimentos”
Retirada de bandeiras e a população a receber os soldados calorosamente. Estas são as temáticas dos vídeos que órgãos afetos à Ucrânia têm publicado, nas redes sociais, sobre a tomada de 30 cidades — tais como Izyum, Balakiya ou Dnipro — nos últimos dias.
Cleaning up in Izyum
????: artur_asadov/Instagram pic.twitter.com/PSC7KpTtL9
— Anton Gerashchenko (@Gerashchenko_en) September 13, 2022
https://twitter.com/UkrxineLxfe/status/1568662421123768323
“Em todas cidades e aldeias libertadas, as bandeiras russas foram substituídas pelas ucranianas pelo exército ou pelos residentes locais”, conta Olga Brusylovska, que indica que muitas pessoas “ficam muito emocionadas, chorando de alegria”. “Há beijos, abraços e muitos agradecimentos ao nosso exército.”
Os habitantes de Kharkiv viveram sob ocupação russa durante mais de seis meses, após a cidade ter sido uma das primeiras a ser conquistada no decorrer da invasão, sendo que Moscovo nomeou uma administração alinhada com o Kremlin para a controlar. Tudo o que aconteceu desde março continua a não ser completamente claro — principalmente após a Rússia ter imposto um blackout informativo.
Ainda assim, os primeiros relatos da ocupação começam a surgir. “Eu estive com muito medo durante estes seis meses”, confessa Maria Hryhorora, uma das habitantes de uma das cidades libertadas à CBS News, lembrando também um episódio que a marcou na sequência dos conflitos: “Ainda consigo ver um grande mancha de sangue em frente aos meus olhos”.
Em Izyum, Valeriy — um residente da cidade — relata que a população saiu às ruas para “celebrar a libertação”. “Foi um bálsamo para a alma”, diz o homem à CNN Internacional. “Rezámos a Deus para libertar [os territórios] sem combates e sem sangue. E aconteceu dessa maneira.”
Os habitantes de Izyum não estavam satisfeitos com a administração pró-russa. Valeriy, por exemplo, revelou que os russos “roubavam tudo”. “Eles viviam como porcos. Entrei numa casa — e os porcos vivam melhor”, comentou. Para além disso, segundo o habitante da cidade, as tropas de Moscovo alegavam, inicialmente, que iriam “desnazificar” aquele território — mas com o tempo esse sentido de missão esmoreceu. “Eles até destruíram uma casa de um homem de Kursk [na Rússia].”
Durante o tempo que estiveram em Kharkiv, as tropas russas demonstraram uma “fraca liderança militar” aliada a uma “baixa moral”, concretiza Gwendolyn Sasse. E a situação, de acordo com a analista, tende a piorar ainda mais com a “perda de uma grande parcela do território”.
No que diz respeito à dimensão dos danos que trouxe a conquista e depois a ocupação russa, a Ucrânia ainda está a avaliar os prejuízos. De acordo com Maksym Strelnyk, vereador da cidade de Izyum, as primeiras contabilizações mostram que 80% das infraestruturas foram destruídas e aproximadamente mil pessoas morreram nos últimos seis meses.
During half a year of Russian occupation, almost 80% of the infrastructure in the city of Izium, Kharkiv Oblast, was destroyed, said Maksym Strelnyk, department head and deputy of the Izium City Council. According to preliminary estimates, about a thousand people died there.
— Hromadske Int. (@Hromadske) September 13, 2022
A fuga dos russos — e o que deixaram para trás
Momentos antes da reconquista das cidades por parte das forças ucranianas, as tropas russas terão entrado em pânico e fizeram uma retirada desorganizada. Prova disso, foi o facto de material de guerra — como tanques ou armas — ter ficado nos territórios recuperados pela Ucrânia.
Ao Financial Times, o comandante Petro Kuzyk, um dos responsáveis ucranianos pela contraofensiva em Kharkiv, contou que as tropas russas “fugiram como atletas olímpicos”, tendo abandonado os tanques e o equipamento militar: “Até pegaram em bicicletas para fugir”. “Tínhamos esperança de que íamos ter sucesso, mas não esperávamos um comportamento tão covarde. As forças russas estão completamente desgastadas, o que tornou o nosso trabalho mais fácil.”
A população residente também assistiu à retirada. À CBS News, Dmytro Hrushchenko recordou que os russos “começaram subitamente a gritar e a fugir, tentando sair com os tanques”. Muitos soldados foram feitos prisioneiros de guerra, enquanto outros — segundo os serviços de informação de Kiev — “estão a tentar escapar para os territórios temporariamente ocupados”. Alguns estão mesmo a tentar “atravessar a fronteira [com a Rússia] de forma a ir para a região de Belgorod”.
Os serviços de informação ucranianos denunciam também que alguns soldados russos, momentos antes de se retirarem, roubaram “telefones, computadores e geradores”. “Até assaltos a escola foram registados. Numa das aldeias libertadas, os russos roubaram um autocarro.”
Por agora, ainda não existe qualquer estimativa oficial de quantos soldados russos foram feitos prisioneiros de guerra. Porém, os dados são mais concretos no que diz respeito ao material de guerra que acabou por ficar para trás. De acordo com a imprensa ucraniana, a Ucrânia ficou com 140 peças de artilharia pesadas, entre as quais 40 tanques.