Reconhecido tanto pela sua capacidade intelectual como pelas palavras provocadoras, é considerado pelos seus pares, como Mario Draghi, como uma das mentes mais brilhantes do mundo da economia, dono de um currículo invejável. Fez parte, juntamente com Alan Greenspan e Robert Rubin, do chamado Comité para Salvar o Mundo no final dos anos 90, no seguimento da crise asiática e do default da Rússia. Foi secretário do Tesouro de Bill Clinton, diretor da equipa de conselheiros económicos de Barack Obama e é professor em Harvard, onde ainda é presidente emérito.
Lawrence H. Summers, mais conhecido como Larry Summers, está mais uma vez em Sintra para o Fórum do Banco Central Europeu (BCE), desta vez como convidado principal. Em entrevista ao Observador, desmonta os argumentos usados por Donald Trump para justificar as medidas adotadas contra os seus principais parceiros comerciais: China, União Europeia, Canadá e México. Diz que invocar motivos de segurança nacional para aumentar as taxas aduaneiras na importação de alumínio é um absurdo e que a estratégia de Trump vai prejudicar, sobretudo, os trabalhadores das empresas que trabalham com alumínio, uma vez que estes são 40 vezes mais do que os que trabalham nas empresas que o produzem alumínio. No longo prazo, diz, há um risco real de haver um vazio de liderança no mundo.
Em março dizia que havia riscos de uma guerra comercial. Já chegámos a esse ponto?
Continuo a achar que uma guerra comercial em grande escala, em que o volume do comércio mundial contrai de forma substancial devido a medidas tomadas pelos governos, é ainda uma aposta muito arriscada. Mas o risco é certamente maior agora do que o era há uns meses e essa possibilidade mais rebuscada está muito mais próxima do que parecia ser o caso há uns meses. As guerras refletem ciclos de escalada e erros de cálculo, e são conduzidas por desconfiança e atores imprevisíveis. Temos, certamente, muito mais disso agora do que parecia sequer provável há uns meses.
Vê alguma razão na lógica invocada por Donald Trump na imposição de taxas aduaneiras sobre produtos como o alumínio?
Penso que os Estados Unidos têm preocupações legítimas relativamente à “borla” que algumas nações estão a ter, têm razões de queixa legítimas em relação ao que se passa na China com a tecnologia, têm razões de queixa legítimas em relação à dimensão do crónico excedente externo da Alemanha como fenómeno macroeconómico, e têm razões de queixa legítimas relativamente a um vasto leque de práticas comerciais, em especial em várias economias emergentes, que eram apropriadas quando os países eram pobres e estavam a começar a fazer o seu caminho, mas que já não são legítimas à medida que [estes países] alcançaram a prosperidade.
Mas é positivo a algum nível para os Estados Unidos esta estratégia?
A abordagem do Presidente parece-me equivocada a vários níveis. Focar-se em excedentes comerciais bilaterais vai contra as bases mais elementares da economia. Eu posso ter um excedente comercial com Harvard e um défice comercial bilateral com o meu clube de golfe, mas isso não quer dizer que eu esteja a explorar Harvard ou que o meu clube de golfe me esteja a explorar. Mesmo que olhemos para excedentes globais ou défices globais, estes são determinados muito mais por fenómenos macroeconómicos, poupanças e investimentos, do que por determinadas práticas comerciais. Mesmo que aceitássemos a teoria mercantilista implícita ao que Donald Trump está a tentar fazer, haveria sempre razões enormes para duvidar em termos táticos.
O que está errado na tática de Donald Trump?
É bom ter objetivos claros e o senhor Trump parece mudar constantemente os seus objetivos principais. Nuns dias é a tecnologia, noutros são as práticas comerciais desleais, noutros são os excedentes de outros países. Numa negociação deste género a ideia é dividires os teus adversários e unires os teus aliados. Ao atacar o Canadá e a Europa, o Presidente Trump está a fazer o completo oposto. Numa negociação é boa ideia fazer ameaças que provoquem mais danos nos nossos adversários do que em nós próprios. Se os EUA limitarem as importações de alumínio da Europa e da China, o alumínio será simplesmente vendido para outro destino. Por outro lado, os Estados Unidos, que tem menos trabalhadores sem qualificações do que manicuras, tem 40 vezes mais trabalhadores em indústrias que vão perder competitividade devido ao aumento dos preços do alumínio do que nas que produzem alumínio. É muito, muito difícil defender as políticas comerciais que estão a ser colocadas em prática.
E o argumento usado de que o objetivo é proteger a Segurança Nacional do país?
É um absurdo. Apenas 4% do alumínio norte-americano é usado para fins relacionados com a Segurança Nacional. Nós produzimos muito mais que metade do alumínio nos Estados Unidos, não há nenhuma razão legítima para nos preocuparmos com uma eventual dependência. De qualquer forma, qual é a possibilidade de entrarmos em guerra com o Canadá ou com a Europa Ocidental? Se chegássemos a um ponto em que estaríamos assim tão isolados e num conflito desse tipo, a dependência de outros países para comprar alumínio seria a menor das nossas preocupações.
A administração Obama dizia que precisou de muito tempo para reparar as relações com os principais aliados depois dos anos Bush. Como é que vê o papel dos EUA no mundo depois dos anos Trump?
O resto do mundo vai seguir com muita atenção os Estados Unidos. Ele [Donald Trump] levou o ‘deixa andar Trumpista’ para um nível completamente novo. Quem acompanhou, literalmente, as reuniões do G7 no último quarto de século nunca viu nada como o que aconteceu na última reunião do G7 [no Canadá]. Acho que muito vai depender da forma como o sistema político dos Estados Unidos vai reagir a este problema, daquilo que os EUA farão depois das eleições intercalares [Novembro próximo] e da próxima eleição presidencial [2020].
Vê alguma reação a formar-se?
Existe uma grande preocupação em muitas partes dos Estados Unidos, mas também é verdade que o Presidente Trump conseguiu captar a atenção de muitas pessoas que estão zangadas, desiludidas, e que acreditam que o país não pode ser transformado sem uma grande rutura, algo que eu também penso que é muito improvável.
E vê alguma reação do lado do partido republicano, um defensor histórico do comércio livre?
O facto político que talvez me tenha deixado mais preocupado nos últimos meses foi saber que, de todos os presidentes ao fim dos primeiros 500 dias de mandato, em termos de popularidade no seu próprio partido político, o Presidente Trump ficou em segundo, perdendo apenas para George W. Bush depois da guerra do Iraque. Há naturalmente uma grande preocupação de que muitos dos principais aliados comerciais estejam a ceder à tentação política de ceder a Trump.
Acha que estas políticas podem colocar em causa o papel do dólar, como pode colocar em causa a posição do dólar como moeda de reserva mundial?
Para um americano é revelador visitar Guam e ver o que acontece quando um país líder no mundo sucumbe à demagogia e à decadência. Claro que nos preocupamos com o longo prazo, mas não acredito que, com a atual constelação de fatores, seja provável um afastamento em grande escala do dólar como consequência de deslocações comerciais. Se o mundo se tornar suficientemente polarizado, ou se os Estados Unidos explorarem excessivamente o papel do dólar, com políticas como sanções e outras, então qualquer coisa pode ser acontecer. Mas na minha lista de preocupações, que é grande, quanto às políticas económicas do Presidente Trump, a probabilidade de o dólar perder o seu papel central na economia mundial é relativamente baixa.
Pode a China assumir um papel de liderança que os EUA parecem estar a deixar vazio?
Há muitas pessoas preocupadas com o que se chama de armadilha de Tucídides [em que o crescimento de uma potência emergente passa a representar uma ameaça aos interesses da potência líder, ao ponto de causar uma guerra] no que diz respeito à China, que é uma potência em crescimento, uma potência tradicional, e essa é uma preocupação válida. Uma preocupação diferente, e igualmente válida, é o que se chama de armadilha de Kindleberger, que descreve como a Grande Depressão aconteceu quando o Reino Unido já não era capaz de liderar, devido às suas preocupações domésticas, e os Estados Unidos não estavam ainda preparados para liderar. Eu acredito no risco de acontecer algo desse género no que diz respeito à China. Acho que a China não está preparada para o tipo de liderança sistémica que os EUA têm dado nas últimas décadas.
Isso quer dizer que o risco de haver um vazio na liderança do mundo é real?
Acho que os riscos de um conflito derivado de um desentendimento ou de um sistema multipolarizado, com um vazio de liderança, são muito reais.