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Caen Contee viajou literalmente numa trotinete elétrica até ao palco principal da Web Summit, que se realizou este mês em Lisboa. Chegou para falar da Lime — a startup americana que cofundou em 2017 –, mas sobretudo para discutir e explicar que mercado é este que continua a crescer. Em outubro, quando a empresa tinha acabado de atingir o marco de 11,5 milhões de viagens (com o foco essencialmente nos Estados Unidos), Lisboa foi a cidade portuguesa escolhida para receber entre 200 a 400 trotinetes elétricas da Lime.
Em entrevista ao Observador, o cofundador refere que há um princípio transversal a todas as plataformas de mobilidade elétrica que têm surgido: “A realidade é que encontramos algo que é universal”. A mobilidade, diz Caen Contee, “é uma alavanca” que permite fazer com que “o dia a dia funcione”, com “o objetivo de ser livre de carbono e de reduzir o número de carros nas estradas”. Apesar de a plataforma ainda estar “nos primeiros dias”, o empresário vê o projeto como “uma solução a longo prazo” para a mobilidade nas cidades. E uma solução que não passa apenas pelas trotinetes e pelas bicicletas: “A nossa expectativa é que possamos ir para as cidades oferecer um grande leque de opções com a ideia de ser a melhor solução para as necessidades das cidades”.
Mas a viagem da Lime não está a ser feita apenas de sucessos. A regulação — ou a falta dela — e problemas de segurança são entraves que a empresa tem enfrentado nos últimos tempos. Em Lisboa, há relatos de trotinetes estacionadas no meio dos passeios e a circular no meio da estrada. Nas restantes cidades, o cenário é semelhante. E nos Estados Unidos houve ainda o risco de explosão de baterias em algumas trotinetes, obrigando à retirada alguns veículos das ruas. O cofundador da startup assegurou: “Nós somos muito pró-regulação. Acreditamos que a regulação permite criar uma conversa de dois lados, onde ambos podemos entender como ser bem-sucedidos juntos”. Para isso, explica, a empresa ainda está a “descobrir quais são as formas para continuar a melhorar”, mas garante que a maior questão é trabalhar “com os oficiais da cidade para criar uma regulação forte e positiva”, sublinhando o diálogo com as autarquias e um programa em que o utilizador assume o compromisso da utilização correta dos veículos.
Sobre a segurança, Caen Contee garantiu que a empresa desenvolveu veículos com melhorias, que as trotinetes que circulam nas ruas são seguras e que a forma de recolha mudou: agora os veículos vão ter à própria empresa para serem carregadas.
“Nós chegamos e removemos as barreiras da cidade”
A Lime chegou a Lisboa no início de outubro. Como tem corrido?
Lisboa tem sido um mercado ótimo para nós. Desde o primeiro dia que temos colaborado com a cidade para descobrir como desenvolver um produto que possa continuar a crescer. Penso que temos sido muito colaborativos nesse esforço. Tentamos fazer tudo desde tentar perceber como será o crescimento, a criar hotspots na cidade e temos visto, no geral, uma boa utilização de passageiros e estamos muito entusiasmados por ver até onde o programa pode ir.
E já estão a pensar noutras cidades portuguesas?
Definitivamente, vamos aumentar a nossa presença cá. E queremos assegurar que conseguimos garantir o sentimento de que podem encontrar uma trotinete e utilizá-la como forma de circular, independentemente do sítio da cidade em que se encontram, e tornar o dia a dia possível. Vemo-nos a criar uma rede nacional, já estamos em conversações e esperamos continuar a colocar o nosso produto noutras cidades em Portugal, nos próximos meses.
Hoje, vemos as trotinetes e bicicletas elétricas em todo o lado. Na Web Summit, falou-se de este ser um mercado de mil milhões. Como tem acompanhado este crescimento?
Tentamos sempre mantermo-nos humildes para continuarmos a aprender através dos nossos utilizadores e desenvolver o nosso produto. Mas acho que a realidade é que encontramos algo que é universal. Todo o tipo de paisagens urbanas no mundo precisam de nós como uma ferramenta para se empoderarem. A mobilidade é uma alavanca pelo modo como conseguimos fazer com que o dia a dia funcione. As pessoas têm de sair das cidades para ir para o trabalho ou têm de se movimentar dentro da cidade… Tudo isto são problemas universais e encontrámos uma solução que chega a todos.
Como nos focamos em entender as necessidades urbanas, não somos apenas uma empresa de trotinetes, somos uma plataforma de mobilidade. Utilizamos os benefícios do sistema dockless [sem local fixo de estacionamento] e smart para encontrar diferentes tipos de veículos: bicicletas elétricas, trotinetes elétricas, anunciamos agora que vamos investir nos carros elétricas e a nossa expectativa é que possamos ir para as cidades oferecer um grande leque de opções com a ideia de ser a melhor solução para as necessidades das cidades. Penso que, como temos conseguido mostrar que estamos focados no utilizador, na cidade, quando resolvermos os problemas podemos impulsionar esta solução a nível global muito rápido.
Vimos as cidades tentarem resolver isto antes com uma solução de bicicletas dock-based ou outras que eram caras e exigiam muito tempo para serem implementadas. Não criavam a conveniência necessária para serem bem-sucedidas e nós chegamos e removemos as barreiras da cidade. Tiramos o custo e criamos um sistema que não exige muito planeamento ou estruturas que levam demasiado tempo.
É um meio de transporte que veio para ficar?
Penso que sim, especialmente em Lisboa, em cidades na Europa, onde já há um entendimento sobre as necessidades elétricas, a necessidade de veículos sustentáveis. Há o objetivo de serem livres de carbono, de reduzir o número de carros nas estradas e estamos a resolver todas estas coisas. Acho que esta é uma solução a longo prazo que ainda está nos primeiros dias para provar a sua funcionalidade.
“É mais uma questão de trabalharmos com os oficiais da cidade para criar uma regulação forte e positiva”
Apesar do sucesso, têm surgido alguns problemas associados a este tipo de transportes. Em Lisboa, por exemplo, há trotinetas deixadas em passeios, a circularem no meio da rua. Em Sevilha também houve problemas. Como estão a lidar com estas questões da regulação?
Nós somos muito pró-regulação. Acreditamos que a regulação permite criar uma conversa de dois lados, nos quais ambos podemos entender como ser bem-sucedidos juntos. A questão é entender quais são as expectativas, o que podemos fazer para nos tornarmos responsáveis para criar essa conversa de longo prazo e a oportunidade de melhorar de forma consistente e criar feedback nos dois lados da mesa. A realidade é que esta ainda estamos a descobrir quais são as formas para continuar a melhorar nos dois lados.
Sabemos que temos a melhor operação, os melhores veículos, e por isso temos o melhor serviço. E estamos dispostos a provar isso na rua. A regulação ajuda-nos a fazer isso. Mas o espaço ainda está a crescer. É necessário encontrar e resolver os problemas principais que as cidades têm neste momento, seja problemas como o congestionamento do trânsito, como os automóveis privados ou a poluição. Como estamos a resolver estes problemas, ainda estamos num local em que as oportunidades estão a encontrar a procura e estamos a fazer isto de uma forma em que temos de ter em conta todas as considerações para melhorar.
Mas é um dos grandes desafios que têm enfrentado?
Estamos menos preocupados com a regulação, é mais uma questão de trabalharmos com os oficiais da cidade para criar uma regulação forte e positiva. E acho que isso passa por perceber o que pretendem os cidadãos, quais são as necessidades, qual é a melhor forma para eles conseguirem deslocar-se.
O problema passa pela forma como as pessoas são educadas a utilizar estes veículos?
Sim, a educação é um valor chave. Vamos lançar um programa este mês que se chama “Respect the ride” [em português, “respeita a boleia”]. É a nossa oportunidade para dar mais educação na estrada, comprar capacetes e, ao mesmo tempo, promover a assinatura de um compromisso onde os utilizadores dizem que vão guiar a trotinete da forma certa, estacioná-la no local certo, ter cuidado com a segurança. O programa vai permitir ao utilizador regular ter um capacete grátis se assumir este compromisso. O objetivo é estarmos por detrás destas coisas, ter uma equipa segura e de confiança.
Quando chegaram a Lisboa houve um diálogo com a Câmara Municipal. O que foi estabelecido?
O objetivo principal foi perceber os números, como poderíamos explorar um possível crescimento, o que seria bem-sucedido na cidade, o serviço ao cliente que iríamos responder. Demos pro-ativamente todos estes diferentes fatores em relação às expectativas de serviço que tínhamos. Também trabalhamos com eles na criação de hotspots à volta da cidade, ou seja, áreas designadas onde colocamos as nossas trotinetes, especialmente nas áreas mais movimentadas, onde eles queriam ter certeza que estariam concentradas em determinadas localizações. Acho que a habilidade em criar e trabalhar lado a lado é a razão para vermos Lisboa como um programa tão bem-sucedido.
Este diálogo acontece em todas as cidades a que chegam?
Sempre. Falamos sempre com os oficiais da cada cidade, para tentar entender o que estão à procura, quais são os seus objetivos. Algumas cidades têm objetivos muito claros sobre o que querem em termos de percentagem de mobilidade elétrica num determinado período de tempo. Na Lime, tentamos entender quais são as necessidades, tentamos criar programas que chegam aos espaços mais pedidos e depois escalá-los pela cidade.
Como escolhem a próxima cidade que recebe as trotinetes da Lime?
Começamos por analisar muitos dos comportamentos chave: densidade populacional, o número de transportes, públicos ou privados, tudo isso são fatores que temos em conta. Mas também queremos perceber quais são as cidades que nos convidam a entrar. A realidade é que sabemos que este tipo de serviço funciona em grande parte de qualquer cidade que tem estas necessidades básicas. Depois, a questão passa por saber quais são as cidades com mais potencial de crescimento e, com o tempo, acreditamos que estas cidades vão servir como pontos de referência para outras cidades.
Além da regulação, houve um problema recente com as baterias presentes nas trotinetes da Lime nos Estados Unidos, onde cerca de 2.000 foram retiradas das ruas por suspeitas de risco de explosão da bateria. O que foi feito para resolver esta questão?
O problema das baterias de lítio afetou todas as empresas de trotinetes. Temos sido pró-ativos, em primeiro, ao escolher novos vendedores que nos permitam ter um veículo completamente novo. Por isso é que lançamos uma versão 3.0, mesmo antes de detetarmos este problema. Criamos uma versão que tem diferentes melhorias, incluindo os problemas que enfrentamos com aquelas trotinetes em particular. Mas, mesmo com essas trotinetes que encontramos, enviamos imediatamente uma mensagem, recolhemo-as, testámo-las com os nossos próprios algoritmos, fizemos testes elétricos e mecânicos, e voltámos a colocar na estrada aquelas que foram considerados seguras. Mas mesmo com essas, passamos a ser nós próprios a carregá-las.
Por exemplo, aqui em Lisboa os “Juicers” [cidadãos que recolhem as trotinetes para carregá-las] podem continuar a recolher a trotinete, mas trazem-nas de volta para a nossa equipa [ao invés de as levarem para casa] e, depois, colocamos o veículo a carregar e voltamos a deixá-lo na cidade.
Risco de explosão das baterias levou à recolha de 2 mil trotinetes elétricas da Lime nos EUA
Esta situação mudou a forma como encaram a segurança das trotinetes nos outros países?
Respondemos imediatamente em todos os países onde tínhamos este tipo de trotinetes ao fazer exatamente o mesmo que fizemos nos Estados Unidos. Isto é sobre criar confiança e garantir que continuamos a ter essa confiança com o utilizador e com a cidade.
Todas as trotinetes da Lime que estão nas ruas atualmente são seguras?
Sim.
“Estamos focados em criar a nossa própria empresa, criar a nossa marca e crescer globalmente”
Em relação aos preços que a Lime pratica em Portugal [um euro para desbloquear e 0,15 cêntimos por minuto de utilização], como estabelecem o preço para cada país?
Adaptamos de país para país, mas mais especificamente fazemos programas. E vemos os programas como uma oportunidade para dizer: se são estudantes ou se têm uma renda menor, então poderão ter acesso a este tipo de preços. Estes programas tornam as trotinetes acessíveis a cada um na cidade.
Recentemente, anunciaram uma parceria com a Uber. Como surgiu esta junção entre uma plataforma de carros com as vossas trotinetes e bicicletas elétricas?
Eles foram um investidor menor na Lime. Penso que nos viram como alguém que teve a capacidade de responder às principais necessidades de mobilidade na cidade, que é o que estão a tentar entender e resolver. Também temos parcerias que desenvolvemos para manter a nossa própria frota, para ter uma cadeia de mercado verticalmente integrada, para que possamos controlar e interagir e criar produtos de alta qualidade. Penso que a Uber viu esses aspetos como únicos, num espaço que muda muito rápido e deram-nos a oportunidade de lhes provar que sabemos trabalhar com cidades. Ouvimos falar de relações a longo prazo, e muitos deles estão à procura de parceiros.
A Uber seria um exit ideal, caso esse cenário surgisse?
Quando olhamos para as plataformas que estão a resolver este problema, há muitas formas de olhar para este espaço: há o espaço da mobilidade de transportes, há o espaço para mapear e direcionar, há as telecomunicações e todos querem ter uma forma de colaboração. Há muitas plataformas diferentes que seriam interessantes para nós e que estaríamos abertos a ter uma conversa, mas estamos focados em criar a nossa própria empresa, criar a nossa própria marca e crescer globalmente.
Como imagina a Lime e este mercado daqui a dez anos?
O foco é no facto de que a cidade vai sempre precisar de formas de transporte e nós procuramos cada vez mais por formas mais eficientes. As empresas de trotinetes ou bicicletas criaram uma plataforma que é multimodal desde o início, com a ideia de que um destes diferentes veículos encontra diferentes usos e vão sempre interagir com o que o novo tipo de veículo e como é que isso resolve um problema. Falamos sobre o futuro dos carros, como é que vamos para o ar, como é que estes veículos vão ser. O nosso objetivo é criar a plataforma, a confiança e as oportunidades para continuar a encontrar as necessidades e os tipos de veículos mais adequados.
O que destaca mais nesta experiência da mobilidade?
Por um lado, tudo isto ajuda-nos a perceber o potencial e o poder da tecnologia e como ela muda as nossas cidades. Trabalhar lado a lado com o setor público e privado é uma das coisas que mais gosto, além de ver um potencial para mudança.
A verdade é que temos uma responsabilidade maior do que nunca, temos as mudanças climáticas e todas essas coisas à nossa frente e temos de encontrar maneiras de utilizar o negócio para fazer o bem. Penso que a Lime mostrou um caminho para fazer isso e é incrível ver isso a acontecer e todo o impacto gerado.
(Texto editado por Ana Pimentel)