Quando nas últimas horas os inspetores da Polícia Judiciária abordaram na rua o suspeito de raptar Luana, a adolescente de Leiria que estava desaparecida desde maio, este nem reagiu. Foi já sob escolta que o empregado fabril de 48 anos entrou em sua casa, onde a menor estava há oito meses trancada. Encontrava-se, como quase sempre, num quarto sem luz exterior — de auscultadores e a jogar Playstation. Apesar de sozinha no quarto, tinha a companhia permanente da mãe do suspeito.
“A abordagem, tanto ao detido como à menor, foi pacífica. Ela estava onde nós calculávamos que estivesse: na cama com fones nos ouvidos, com o comando na mão, a jogar Playstation”, explica ao Observador Carlos Chambel, coordenador da Diretoria do Centro da Polícia Judiciária.
O caminho feito por Luana em maio entre Leiria e Évora foi rápido. Mas aquele que levou a Judiciária até lá foi longo e cheio de becos sem saída: a jovem, na altura do desaparecimento com 16 anos, pouco fala através de redes sociais ou por telemóvel, passando longas horas agarrada aos videojogos — era aí que estabelecia ligações com pessoas fora do círculo próximo, em conversas online a que dificilmente se poderá ter acesso.
“Não houve um clique, isto foi uma sequência de cliques. Foi um caso que, a partir de determinada altura, encarámos como um caso grave — inicialmente foi acompanhado pela PSP, tendo mais tarde sido encarado na perspetiva de um processo crime, um processo de rapto”. Foi aí que entrou a PJ, explica o coordenador da Diretoria do Centro.
Os meses sem qualquer pista
Os primeiros meses foram de muitas dúvidas, sem muitas peças para montar o puzzle. Contrariamente ao que é comum em muitos casos de desaparecimento de menores, aqui a PJ sentiu desde o início grandes dificuldades em encontrar uma linha forte de investigação.
“A dificuldade durante alguns meses foi não haver rigorosamente pista nenhuma, os indicadores eram zero — o que não era expectável, porque, normalmente, os jovens acabam sempre por contactar por redes sociais, por telemóvel ou são vistos por alguém”, explica a mesma fonte, lembrando que ainda chegaram a aparecer algumas pessoas que acreditavam ter visto a menor, mas com teses que, depois de despistadas, não tiveram resultado positivo.
Foi aí que a investigação entrou “numa espécie de buraco negro”, com os detalhes atípicos do caso a gerarem alguma preocupação. Luana só mantinha comunicações pela Playstation, porque era lá que passava horas, um vício que era conhecido da família.
A chegada da Polícia Judiciária ao Alentejo
A necessidade de encontrar pistas levou a PJ a fazer um rastreio informático aprofundado, que apenas trouxe pequenos indicadores. Havia um nickname (nome de utilizador) numa das plataformas que falava há muito com a jovem e que há muito tempo tinha enviado um emoji. Ao que o Observador apurou junto de várias fontes, tal detalhe estava longe de ser uma pista forte, mas levou os inspetores até ao Alentejo, a casa de um homem, aparentemente casado e com filhos.
Ao Observador, Carlos Chambel confirmou apenas que para se alcançar a primeira pista foi preciso “rastreamento eletrónico e pesquisas informáticas mais aprofundadas”. “Depois desse indicador, foi trabalho de terreno”, acrescentou.
Mas se a linha era ténue, mais ténue ficou com as primeiras diligências. “Era uma pessoa aparentemente integrada socialmente, com vida estável, casado e com filhos. Não se enquadrava no tipo de pessoa que poderia ter no seu domínio uma menor”, explica o coordenador responsável por este caso.
Foi já depois disso que os inspetores se aperceberam que o empregado fabril estava a viver já numa outra habitação e não com a mulher, de quem se tinha separado.
As vigilâncias à casa e a rotina normal
Há cerca de dois meses, as autoridades começaram a acreditar cada vez mais que aquele homem teria uma ligação ao desaparecimento, mas os trabalhos no terreno continuavam, sem que as vigilâncias à casa ajudassem, apurou o Observador. O suspeito saía de casa para trabalhar, ia às compras, sempre sozinho e sem comportamentos estranhos.
Foi, aliás, só com recurso a “meios de obtenção de prova mais sofisticados, incluindo perícias informáticas”, que a polícia conseguiu intensificar as suspeitas de que Luana estava dentro da casa: “Chegámos quase à certeza de que estaria lá e, por isso, partimos já com mandados de busca e detenção, na perspetiva de ele ter a menor no seu domínio”.
Que Luana estaria lá dentro, a Judiciária não tinha muitas dúvidas, só não sabia em que condições — nem se estaria a ser alvo de violência física ou psicológica.
O sótão onde se trancava e o contacto com o sol
As autoridades acreditam que, durante oito meses, as únicas pessoas com quem Luana contactou foi com o detido e com a mãe deste, que vivia na mesma casa. A idosa trataria a menor como a namorada do filho, não sendo, para já, certo se teria noção ou não da gravidade do caso.
“Havia um relacionamento amoroso entre o detido e a menor, um relacionamento afetivo. Jogava, comia, via uns filmes, dormia com o individuo. Viviam como se fossem um casal”, explica fonte da investigação, reforçando que, ao longo destes meses, houve sempre o cuidado de nunca deixar transparecer a presença da menor lá em casa — nem os vizinhos das casas geminadas se aperceberam. Luana esteve todo este tempo sem ver a luz do sol, e quando saiu, esta segunda-feira, “ficou até afetada com a claridade”.
Durante o tempo em que esteve fechada, a jovem de 17 anos recolhia ao sótão sempre que havia visitas, trancando a porta pelo lado de dentro. Nesse espaço havia “uma cama e um bacio para fazer necessidades fisiológicas”. Acontecia sempre que familiares do detido apareciam, incluindo os seus filhos.
A investigação acredita que as conversas com o suspeito já duravam desde que a menor tinha 14 anos, estando agora a tentar determinar a dimensão da dependência psicológica.