A bola azul que faz publicidade ao creme Nivea é o ponto de referência na praia de Espinho para se perceber que areias eram dominadas por Luís Montenegro. Dali para a frente era ele o responsável. Dali para trás a vigilância dos banhistas ficava a cargo do amigo Rui Torres.
Ser nadador-salvador não era uma vocação, mas antes uma forma de alcançar “dez diazinhos de férias no Algarve”. Com correntes fortes, ondas altas e águas com temperaturas baixas, era a sul que procurava mergulhos calmos e confortáveis.
O espírito reivindicativo que os mais próximos lhe reconhecem serviu para conseguir ganhar mais dinheiro com a profissão estival, quando reclamou junto do concessionário da praia justiça na política salarial. Ao ordenado base, Montenegro conseguiu juntar os extras por trabalhar ao domingo, nos feriados e horas extraordinárias.
“Foram mais 12 contos e 500 que conseguiu para ele”, conta o amigo e colega de areal que também beneficiou com isto. Rui Torres explica entre sorrisos que depois de fazer frente ao patrão o amigo espalhou a notícia para que todos pudessem beneficiar da valorização nos ordenados.
Os nadadores-salvadores da praia de Espinho tinham uma responsabilidade grande entre mãos em virtude das características do mar, mas a maioria dos veraneantes preferia usar o areal para desportos com bolas, a maior paixão de Luís Montenegro a seguir à política.
[Pode ouvir aqui o perfil de Luís Montenegro]
Luís Montenegro. O político “que se emproa”, mas “não é nenhum malandro”
O foco constante na água e em quem se atrevia a molhar mais do que os pés, muitas vezes dispersava-se. Quem o conhece bem sabe que não resistia a uma boa partida de voleibol e era frequente tirar a camisola para que ninguém percebesse que o nadador-salvador que devia estar em cima da cadeira estava a fazer passar uma bola por cima de uma rede.
O voleibol veio depois, antes foi a paixão pelo futebol que o fez estar ligado aos juniores do Sporting de Espinho durante cinco épocas, entre 1984 e 1989. A carreira desportiva seguiu com mais duas temporadas no Paços Brandão, antes de chegar a sénior no ADC Sanguedo.
“Falso lento, forte no jogo aéreo e muito forte na finalização”. É este o perfil formal do atleta descrito por um dos amigos que mais vezes jogou com ele. “Muito mau perder” é o perfil informal, mas que mais facilmente se compreende.
Paulo Mendes ressalva que quando o jogo acabava, acabavam-se as más disposições e os amuos, mas dentro das quatro linhas era difícil de conter enquanto a equipa não começasse a ganhar.
O que também era difícil de conter nestes tempos era a destruição na Casa Pinto, um restaurante de Espinho que já não existe, mas que tinha uma sala reservada. Na placa que identificava este espaço estava uma sigla: TMUC – Tuna Musical dos Unidos da Carriça, um grupo de pouco mais de 20 rapazes que todos os sábados faziam uma despesa que se dividia em “30% para comida, 50% para bebidas e 20% para louça partida”. “Eram jantares violentos no bom sentido”, desdramatiza Paulo Mendes.
Os jantares dos TMUC serviam para os amigos se divertirem, mas também serviam para descobrir dotes escondidos. O de Montenegro era a música. A partir do segundo ou terceiro copo começava a cantar.
O amigo de infância garante que ainda hoje canta e não ficou surpreendido quando o viu ao lado de Tony Carreira no programa de Cristina Ferreira, na SIC, a cantar ‘Sonhos de Menino’. “Já tínhamos visto alguns concertos do Tony, ele vai aos treinos. É a prova de que se prepara para tudo”, diz entre sorrisos.
Casa da Cristina e Tony Carreira, sinto que os sonhos de menino foram realizados. pic.twitter.com/nnOME9SGtq
— Cátia Domingues (@Cat_Domingues) December 20, 2019
Também Rui Rio tinha estado no programa matinal que liderava audiências e por onde todos os políticos tinham de passar numa espécie de ritual. António Costa, por exemplo, tinha lá ido fazer uma cataplana. Assunção Cristas um arroz de atum. Montenegro prometeu voltar se fosse eleito líder do PSD para fazer um arroz de cabidela.
Não ganhou as diretas, mas a promessa não era ousada porque também foi lida com a experiência de um prato que faz várias vezes para os amigos. “É uma cabidela em que a carne é servida sem ossos, comemos aquilo à colher e é uma delícia”, explica Paulo Mendes garantindo que também há outras especialidades, como uma canja alaranjada – “chamamos-lhe canja do PSD” – e um cabrito no forno “que lhe saem muito bem”.
Foi na cozinha que também ganhou uns trocos, mas com receitas mais modestas. Nos tempos do secundário fazia tostas mistas e cachorros quentes num bar que anos mais tarde se veio a transformar na Casa do Benfica de Espinho. “A mãe sempre foi contra este trabalho”, revela um amigo de infância, o mesmo que nos diz que quando era mais novo, Luís Montenegro era conhecido como “Ervilha”.
A alcunha vem dos olhos verdes e da “cara rechonchuda” que tinha quando era criança e ajuda a diversificar a paleta de cores que fazem parte da vida de Montenegro. O laranja da canja e do PSD, o azul do FC Porto e o verde dos olhos e de um fato de treino berrante de que era inseparável na juventude. “Era um verde pêssego e numa altura em que não havia telemóveis era perfeito para sabermos onde estava o Luís. Via-se ao longe”, conta Paulo Mendes.
O dragão que só usa avental na cozinha
Conhecido adepto do FC Porto, foi no clube azul e branco que se refugiou quando quis fugir a uma pergunta sobre a alegada pertença à Maçonaria. No programa de Ricardo Araújo Pereira, Isto é Tudo Muito Bonito Mas, foi ao bolso buscar um avental onde se lia “Atenção, Dragão na cozinha” para deixar claro que aquele era o único avental que costumava usar.
Vincando o gosto pela cozinha não consegue afastar de vez a ideia de que fez parte daquela organização secreta. O programa humorístico foi transmitido em 2015, durante o período de campanha eleitoral para as eleições legislativas que viriam a abrir caminho à geringonça, mas a notícia de que pertencia à Loja Mozart foi publicada pelo jornal Expresso três anos antes.
Já em 2019 o tema tinha sido trazido para a mesa do debate entre os candidatos à liderança do PSD. Rui Rio puxou o tema, Miguel Pinto Luz assumiu ter pertencido à organização, mas Luís Montenegro reafirmou que nunca foi membro, apesar de ter participado num jantar: “Não sou da Maçonaria”.
Mais clara é a associação ao FC Porto. É presença habitual nas bancadas do Dragão e Pinto da Costa nutre uma grande amizade por ele. O histórico presidente não faz mais comentários sobre a relação que têm porque “não gosta de se meter em política”, diz uma fonte próxima ao Observador. Mas se for ao contrário, já não há problema.
Pinto da Costa escolheu Luís Montenegro para o Conselho Superior, um órgão consultivo do qual fazem parte mais políticos no ativo, como o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, ou o presidente da Câmara Municipal de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues.
O futebol é mesmo a fonte da maior polémica em que o novo presidente do PSD se viu envolvido. Foi constituído arguido pelo alegado recebimento indevido de vantagem numa investigação levada a cabo pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa às viagens ao Euro 2016. O caso acabou por não ir a julgamento, depois de ter sido arquivado pelo Ministério Público.
Viagens ao Euro2016. Luís Montenegro suspeito de falsificação
O “matemático” que nem sempre soube fazer contas
Luís Montenegro não fez bem as contas aos apoiantes quando se candidatou à Câmara de Espinho, não somou as espingardas todas quando desafiou Rui Rio e esteve muitas vezes ao lado de candidatos que tinham as contas mal feitas quando se lançaram para a liderança do PSD. Apesar de tudo, teve um período em que tinha queda para os números e até lhe chamavam “o matemático”, porque tinha sempre 100% a matemática no quinto ano.
Mas não foi nos números que se aventurou quando teve que escolher um curso superior. Entrou em Direito em 1992 na Universidade Católica do Porto, mas atrasou-se um ano a acabar a licenciatura porque a política atrapalhava mais os estudos do que ajudava.
Apesar de tudo, “perspetivava-se que podia vir a ser um grande profissional”, destaca o amigo e sócio Paulo Sousa Pinheiro, com quem começou a partilhar escritório de advocacia numa primeira fase, para depois juntarem formalmente as togas numa sociedade de advogados.
Precisamente a toga de Luís Montenegro ainda está pendurada no bengaleiro do escritório que mantém no Mercado do Bom Sucesso. Herdou-a do pai, mas veste-a cada vez menos, especialmente nas últimas semanas em que esteve mais envolvido na campanha interna das diretas do PSD.
Com a nova morada laboral na São Caetano à Lapa, este espaço vai ficar em segundo plano, mas o sócio não quer deixar de o ver por aqui. Mesmo com o título de presidente do maior partido da oposição, Paulo Sousa Pinheiro quer poder contar com o sócio e amigo, ainda que de forma menos ativa do que quando decidiu tirar uma licença sabática da política.
Depois de desafiar a liderança de Rui Rio e perder, ninguém viu Montenegro na política durante vários meses até à aparição no congresso de Santa Maria da Feira. Nesse período, era na Sousa Pinheiro & Montenegro que era possível encontrá-lo. Era a sua principal ocupação e fonte de rendimentos.
Em 2018 foi também fonte de dores de cabeça quando se tornou público que a sociedade que detém em 50% faturou 400 mil euros em ajustes diretos das autarquias de Espinho e Vagos, ambas lideradas por executivos do PSD. O conflito de interesses chegou a ser debatido numa subcomissão de Ética na Assembleia da República, tendo os deputados chegado à conclusão de que não havia qualquer “impedimento”.
Da sala de reuniões é possível ver a praça central do Mercado do Bom Sucesso. As bancas de peixe e de fruta deram lugar a restaurantes modernos que servem refeições em tabuleiros. Os pregos do Lado B compuseram muitas vezes o almoço, mas as idas ao Café Passatempo ou ao Restaurante Casa Agrícola eram privilegiadas para que ambos pudessem caminhar mais um pouco ou ficar numa esplanada.
A aventura autárquica do político que se “emproa”, mas “não é nenhum malandro”
A 8 de setembro de 2005, o jornal local Defesa de Espinho fazia manchete com uma frase de Luís Montenegro. A um mês e um dia das eleições autárquicas, o candidato da coligação PSD/CDS-PP “Juntos por Espinho” acusava o autarca em funções de mentir no processo de construção do estádio do Sporting de Espinho.
À distância de quase duas décadas, José Mota associa a agressividade das palavras à idade do candidato que estava a concorrer pela primeira vez a um cargo daquela dimensão. “Era muito novo e se fosse hoje não acredito que dissesse isso. Às vezes as pessoas falam primeiro e pensam depois”.
Em Espinho, o sítio escolhido para a construção do estádio ainda é um estaleiro de obras de onde sobressaem alguns pilares de betão que devem dar suporte às bancadas, mas as máquinas estão paradas e há mais de dois meses que os operários não calçam as botas nem põem os capacetes. Está parada porque “quando se trata de construir uma obra destas há sempre muitos interesses”, acusa o autarca.
Ao Observador ainda houve quem apontasse o aumento dos preços dos materiais de construção como uma causa provável para este estado, mas quando a obra parou a guerra na Ucrânia tinha acabado de começar.
José Mota acredita que o projeto que tinha para o Sporting de Espinho quando estava à frente da autarquia “permitia que o clube tivesse o seu estádio, o seu campo de treinos, o seu pavilhão e fosse feliz”, mas alguém decidiu de forma diferente e três executivos depois ainda não se pode ir à bola no novo complexo.
O falhanço num dos projetos que mais marcou a campanha das autárquicas de 2005, não afastam o autarca socialista dos louros que muitos em Espinho lhe atribuem. Mesmo figuras do PSD, ligadas a Luís Montenegro, afirmam que se este concelho do distrito de Aveiro tem tantos políticos mediáticos e bem sucedidos, é também a ele que o devem.
“Tive muito prazer em ver crescer o Luís politicamente, apesar de estarmos em lados opostos, reconheço-lhe mérito e sei que foi evoluindo muito até chegar onde está hoje”. Sem ser capaz de lhe apontar defeitos, admite apenas que quando está com o fato de político vestido “emproa-se um bocado, mas não é nenhum malandro”.
O “bom rapaz” atira-se para a candidatura autárquica com dois anos à frente da JSD de Espinho e mais quatro de vereador no currículo. Aposta forte na juventude, no desporto e nas zonas mais urbanas do concelho de Espinho, acusando o adversário de apenas conseguir votos junto do eleitorado mais envelhecido.
A campanha é lançada num mega-jantar para centenas de apoiantes numa tenda montada em frente à praia onde tinha sido nadador-salvador. Logo aí se percebeu que a candidatura poderia não ter a energia suficiente para o levar à cadeira do poder porque faltou a luz, o jantar foi servido à luz das velas e o candidato teve que forçar as cordas vocais porque sem eletricidade o sistema sonoro não funcionava.
O homem sem experiência que vai unir o PSD
O grande foco foi apontado a Luís Montenegro por Pedro Passos Coelho que o escolheu para presidente do grupo parlamentar do PSD, em junho de 2011. Trazia a experiência de um ano como vice-presidente de Miguel Macedo, que lhe dava o lugar para ir ser ministro da Administração Interna.
O antigo primeiro-ministro não quis fazer comentários à carreira política do homem que todos apontavam como seu sucessor natural quando decidiu demitir-se.
Apesar de o líder parlamentar do partido em funções governativas ser muitas vezes relegado para segundo plano, o chefe da bancada do PSD nos tempos da troika transformou-se num dos rostos mais visíveis da política de austeridade. A defesa que fazia do governo levou-o à frase: “A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor”. Talvez por palavras como esta, teve de enfrentar o desagrado dos eleitores que se cruzavam com ele na rua.
Amigos que presenciaram alguns destes momentos de tensão garantem que sempre soube ouvir e responder com “educação”, mas era evidente que “estava muito associado à ideia do ir além da troika” e do “vivemos acima das nossas possibilidades”.
Montenegro nunca recusou o passado e hoje ele próprio se assume como “o sucessor de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro”. Defende que o PSD precisa de chegar ao governo, “apesar de o Partido Socialista fazer uma governação que melhore a vida das pessoas”, explicando que sempre que o partido teve o país nas mãos foi para resolver os problemas deixados por António Guterres, primeiro, e José Sócrates, depois.
O homem a quem quer suceder deu-lhe o palco parlamentar, mas o grande criador terá sido Miguel Relvas. O antigo ministro dos Assuntos Parlamentares recusa a ideia de que haja “um criador e uma criatura”, mas admite que sendo ministro e secretário-geral do PSD, “era natural que a minha opinião fosse ouvida pelo líder do partido”.
Quando pedimos a Miguel Relvas que destaque as características mais relevantes de Montenegro, uma das primeiras que lhe vem à cabeça é uma das que vai poder usar pouco, a “grande capacidade de debate”.
O novo presidente do PSD não está no Parlamento porque não quer, o próprio admitiu, numa entrevista à RTP, que foi convidado para fazer parte das listas às legislativas de janeiro, mas recusou. É um erro que agora se transforma num “problema sério”, garante Luís Marques Mendes.
O comentador televisivo aponta esta como uma das fragilidades, associada à “grande fragmentação da direita” com o surgimento de partidos como a Iniciativa Liberal e o Chega, em particular este último com o qual o novo líder ainda não traçou uma posição clara.
Num partido em constante convulsão são já muitas as eleições que se transformaram em guerras fratricidas e Marques Mendes esteve em algumas. Numa delas, frente a Luís Filipe Menezes, Montenegro recuperou os dotes para a matemática que lhe vinham da escola primária e apostou no cavalo certo. O antigo autarca de Gaia ganhou à justa e Marques Mendes ficou apeado. Hoje não quer recordar esses tempos: “Não sei porque é que ele me apoiou nas primeiras diretas e depois passou a apoiar Menezes, mas mesmo que soubesse não ia falar sobre isso”.
Há mais uma fragilidade que pode limitar as ambições do novo líder: a falta de experiência. Nunca fez parte de um Governo e perdeu as autárquicas a que concorreu, ou seja, nunca conseguiu acumular horas de governação. “Passos Coelho também não tinha tido nenhum cargo governativo quando chegou a primeiro-ministro e não foi por isso que não foi corajoso e marcante”, atira o comentador televisivo.
Já Miguel Relvas assume que “seria uma vantagem ter experiência governativa, mas não vai ser por aí que não vai ser um bom líder do PSD numa primeira fase e depois um bom primeiro-ministro”.
Os dois antigos dirigentes nacionais social-democratas olham com muitas cautelas para o futuro do partido que tem pela frente mais quatro anos de oposição, se tudo correr como planeado. Ninguém quer ouvir falar em mais guerras internas nem desafios à liderança do novo presidente. Acreditam que o foco agora deve estar em mudar a política de terra queimada de Rui Rio e unir o partido.
Agora que o verão está a chegar, está na hora de Luís Montenegro voltar a vestir a camisola para tentar salvar o PSD das correntes fortes.