Uma reunião entre amigos com ” alegria”. Este foi o clima que trespassou primeiro na reunião de Lula da Silva com o seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, e depois com António Costa. Em São Bento, o primeiro-ministro surpreendeu ao fazer um ‘L’, o gesto de apoio à candidatura do Presidente eleito, que não fez apenas uma visita para marcar o reencontro entre Portugal e Brasil depois de quatro anos de afastamento — confessou também que veio aprender com a “esperteza política” do seus anfitriões e estudar a gerigonça.
“Vim aprender com o primeiro-ministro, porque eles inventaram uma tal de gerigonça que ganhou as eleições”, afirmou Lula da Silva, destacando que António Costa foi capaz, posteriormente, de “consertar a economia portuguesa”. E depois, continuou, o Presidente eleito brasileiro disse ter visto notícias de que o chefe do executivo português “ia perder”, mas acabou por “ganhar sozinho” e conseguir maioria.
Assim, a visita a Lisboa de Lula da Silva teve como objetivo, em parte, “para aprender com os sucessos do Presidente e do primeiro-ministro”. O motivo? “Para ver se a gente consegue fazer o mesmo no Brasil e dar certo”, assumiu. Isto num cenário em que o candidato do PT não dispõe de uma maioria no parlamento — essa está nas mãos da direita, que promete complicar-lhe o mandato.
“Dar certo” e trazer o país de “volta” são prioridades de Lula no próximo mandato. Ao lado de António Costa, lamentou que o Brasil tenha passado de ser um “país alegre” para “triste”: “É um país onde a esperança desapareceu, que fazia questão de não falar com ninguém e de não se entender com ninguém”. Apontando o dedo ao Chefe de Estado ainda em funções, Jair Bolsonaro, o Presidente eleito descreveu um cenário em que o próprio governo “se isolou”. “Ninguém queria visitar o Brasil, havia um sentimento anti-Brasil.”
Durante o mandato de Bolsonaro, as relações com o “parceiro histórico, o irmão e pátria mãe” — Portugal — ficaram beliscadas, declarou Lula da Silva, que prometeu mudanças para quando regressar ao poder. Ou seja, esse cenário distante vai mudar a 1 de janeiro, em que a relação voltará a ser “carinhosa”. “Tenham a certeza de que o Brasil vai voltar a Portugal. Temos uma cimeira para fazer, o encontro da CPLP e vamos entregar o prémio Camões ao nosso querido Chico Buarque” – o artista nunca o recebeu das mãos de Jair Bolsonaro, em 2019.
O clima e o Conselho de Segurança: as prioridades de Lula na política externa
Para além de querer restaurar os laços com Portugal, Lula da Silva assegurou que, no futuro, vai focar-se na questão climática. “Vamos cuidar do ambiente e da Amazónia. Precisamos de partilhar com o mundo o potencial da diversidade da mais importante floresta do mundo”, apontou o Presidente eleito, garantido que vai “preservar as zonas onde moram os povos indígenas”. “O mundo pode ter a certeza: o Brasil está a cumprir a sua tarefa junto à Humanidade”, sublinhou, dizendo que o aquecimento global é um “desafio para a Humanidade”.
“Não temos dois planetas Terras, temos um único. Vamos cuidá-lo com muita responsabilidade”, declarou o Presidente eleito. Aos países mais ricos deixou um recado: devem também comprometer-se na mesma questão. “Precisamos de uma governação global com mais representatividade”, pediu. Para que isso se concretize e para alertar para a situação na Amazónia, Lula da Silva já pediu à Organização das Nações Unidas para organizar a COP30, em 2025, no estado do Amazonas, desejo que António Costa assegurou que Portugal vai apoiar.
No campo da política externa, Lula da Silva defendeu que as Nações Unidas têm de ser alteradas: “A ONU de hoje não pode continuar a ser a ONU de 1948. O mundo mudou, a geopolítica mudou, as pessoas mudaram, a cultura mudou, o conceito de segurança da ONU precisa de mudar. Precisa de ter mais gente a representar mais continentes e um país não pode ter direito de veto, uma vez que ninguém é superior a ninguém”, disse o Presidente eleito. Mais uma vez, António Costa voltou a concordar — e também acredita que o Brasil deve ter um lugar no Conselho de Segurança, o órgão mais importante das Nações Unidas.
A política interna: a pressão das bolsas, o jato e o novo governo
No domínio da política interna, e perante jornalistas brasileiros e portugueses, Lula da Silva voltou a frisar desejos de que na “sociedade volte a reinar a paz” e que se conviva “democraticamente na adversidade”. “Sem tranquilidade, não é possível fazer o país a crescer”, sublinhou, acusando depois Jair Bolsonaro de “ter aumentado a fome” durante o seu mandato.
Questionado sobre a queda da bolsa a pouco mais de um mês de tomar posse, o Presidente eleito decidiu desvalorizar, referindo que não existe “nervosismo”. E lembrou que, enquanto foi Presidente, diminuiu a taxa de inflação de 12 para 4,5%, diminuiu a dívida interna e pagou o empréstimo que devia ao Fundo Monetário Internacional (FMI). “Aprendi com a minha mãe analfabeta”, recordou, assegurando que vai cuidar do “povo brasileiro com muito respeito e autoridade em alto e bom som”.
“Vou aumentar o salário mínimo, vou gerar emprego, vou voltar ao sistema financeiro de quando eu fui eleito e vou aplicar a responsabilidade fiscal que aprendi com a minha mãe”, vincou Lula da Silva, que tentou tranquilizar os mercados: “Não há nenhuma razão para essa flutuação, é apenas ter cuidado para não se ser vítima da especulação”.
Outro dos tópicos abordados foi a viagem que Lula da Silva fez num jato privado ao Egito para assistir à cimeira do clima. O Presidente eleito explicou que “não podia arcar com as despesas” da deslocação e que “tinha um amigo com um avião bom de muita qualidade”. Também assinalou que é “muito importante cuidar da segurança”, sobretudo porque “existem bolsonaristas raivosos espalhados pelo mundo fora”.
“Segurança é uma coisa séria”, reforçou, culpando depois Jair Bolsonaro. “Se o Estado brasileiro fosse democrata”, Lula da Silva afirmou que teria ido num “avião oferecido” pelas Forças Armadas. Como tal não aconteceu, o Presidente eleito brasileiro destacou que é “muito grato ao amigo” que lhe emprestou o avião.
No final, Lula da Silva anunciou que, assim que chegar ao Brasil, vai acabar de “montar o governo” e o “grupo de transição”. Sublinhou também que “nunca teve problemas com as Forças Armadas Brasileiras” e que, durante o seu mandato, as forças de segurança viveram um “momento excecional”.
Costa e Lula celebram reencontro dos dois países depois do “isolamento” de Bolsonaro
Lula da Silva esteve em Lisboa e encontrou-se primeiro com o Presidente da República, no Palácio de Belém, e depois com António Costa, em São Bento. Nos dois locais, um grupo de manifestantes apoiantes do Presidente eleito e outro contra ocuparam as ruas.