892kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

GettyImages-2175312392
i

Perante as controvérsias, Keir Starmer tem assumido algumas responsabilidades

POOL/AFP via Getty Images

Perante as controvérsias, Keir Starmer tem assumido algumas responsabilidades

POOL/AFP via Getty Images

Lutas pelo poder, a chefe de gabinete que se demitiu e ofertas para concertos de Taylor Swift. O "caos" do arranque de Keir Starmer

Sue Gray, chefe de gabinete de Keir Starmer, demitiu-se no que aparenta ser uma luta de poder em Downing Street. Primeiro-ministro enfrenta arranque de mandato difícil e admite que tem de "refletir".

    Índice

    Índice

Após 14 anos na oposição, a campanha do Partido Trabalhista nas últimas eleições gerais prometia começar um novo ciclo político no Reino Unido e terminar com o “caos” resultante da governação dos conservadores. Os eleitores confiaram nesta mensagem e deram uma vitória folgada ao Labour a 4 de julho. Contudo, a promessa de terminar com as polémicas em Downing Street não está a correr de feição para o primeiro-ministro, Keir Starmer. Desde a demissão de uma chefe de gabinete influente até ofertas de bilhetes para ver jogos de futebol do Arsenal ou Taylor Swift, o líder do executivo britânico tem estado sob fogo constante nos últimos três meses e longe de uma habitual fase de estado de graça que os novos líderes políticos costumam usufruir.

Perante as controvérsias, Keir Starmer tem assumido algumas responsabilidades. Esta segunda-feira, após a demissão da sua chefe de gabinete Sue Gray durante o fim de semana, o primeiro-ministro britânico, através do seu porta-voz, reconheceu que tem de “refletir” sobre as primeiras semanas do seu mandato e analisar o que não está a correr bem. Após os últimos anos conturbados na política do Reino Unido, os trabalhistas estão a deparar-se com dificuldades em quebrar esse ciclo.

Os indicadores que têm surgido mostram efetivamente uma situação bastante negativa para o primeiro-ministro britânico, tendo já tido repercussões na sua imagem pública. Uma sondagem da YouGov publicada esta segunda-feira mostra que 57% dos inquiridos consideram “rasca” a conduta do governo liderado por Keir Starmer. Quando comparado com os antecessores (Rishi Sunak e Boris Johnson), os inquiridos consideram que o atual primeiro-ministro tem sido mais o “rasca” nos seus comportamentos.

Em termos mais concretos, isto significa uma queda de popularidade substancial — uma “calamidade” como descreve um artigo da revista The Spectator. Segundo uma sondagem da Ipsos de meados de setembro, a taxa de aprovação de Keir Starmer baixou 21 pontos percentuais em apenas 50 dias. Apenas a antiga primeira-ministra conservadora Liz Truss, que esteve 45 dias no cargo, registou uma descida tão abrupta. Além disso, dois terços dos britânicos estão insatisfeitos com a maneira como o chefe do executivo tem liderado o país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As sondagens que têm sido publicadas recentemente ainda não têm em consideração a polémica mais recente, que rebentou esta fim de semana. Sue Gray — considerada um seus dos braços direitos de Keir Starmer — demitiu-se. Os motivos? Uma luta de poder em Downing Street, que se intensificou após a BBC ter revelado o salário da antiga chefe de gabinete do primeiro-ministro — que era inclusivamente superior ao do líder do executivo.

[Já saiu o segundo episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio.]

O salário e uma luta pelo poder. O que motivou a queda de Sue Gray?

Sue Gray dedicou grande parte da vida a ser civil servant — um funcionário público que trabalha para órgãos políticos no Reino Unido, mas que é contratado pelo Estado e não nomeado politicamente. Até março de 2023, Gray nunca esteve oficialmente ligada a nenhum partido e trabalhava de forma independente; este era, aliás, um dos requisitos para o desempenho das suas funções. Primeiro passou pelo Parlamento, onde trabalhou em vários ministérios, mas, desde o final dos anos 90, foi transferida para o Cabinet Office, um departamento ministerial que se centra no trabalho de primeiro-ministro.

GettyImages-2152606569

Sue Gray trabalhou quase sempre como funcionário pública do Estado

Getty Images

Ao longo das últimas décadas, independentemente do partido, Sue Gray acompanhou de perto o trabalho de vários primeiros-ministros. E foi ganhando influência, muitas vezes ultrapassando as funções que tinha. O antigo líder dos Liberais Democratas que colocou o partido numa coligação com o Partido Conservador entre 2010 e 2015, David Laws, escreveu nas suas memórias: “O nosso grande Reino Unido é inteiramente gerido por uma senhora chamada Sue Gray. Se ela não concordar, as coisas não acontecem. Mudanças nos ministérios, reorganizações nos departamentos — tudo depende dela”.

Por causa da sua reputação e da forma como conhecia os meandros do gabinete do primeiro-ministro, foi escolhida para liderar a investigação às festas organizadas por Boris Johnson que ocorreram durante a pandemia de Covid-19, substituindo o líder do órgão que gere o Civil Servant, Simon Case (que também tinha tido festas no seu gabinete). E o relatório final foi devastador para a reputação do antigo-primeiro-ministro e um dos fatores que levou à sua demissão em 2022.

Em março de 2023, chega um convite do Partido Trabalhista. Na altura, as sondagens já indiciavam que haveria mudança política nas eleições de 2024 e Keir Starmer escolhe Sue Gray para o ajudar na altura eventual transição de poder, devido à sua experiência, como escreveu a BBC. A funcionária pública aceitou o desafio, apesar de os conservadores terem vindo a público criticar a decisão, questionando a imparcialidade da funcionária pública ao redigir o relatório do Partygate.

"O nosso grande Reino Unido é inteiramente gerido por uma senhora chamada Sue Gray. A não ser que ela concorde, as coisas não acontecem. Mudanças nos ministérios, reorganizações nos departamentos — tudo depende dela"
Antigo líder dos Liberais Democratas que colocou o partido numa coligação com o Partido Conservador entre 2010 e 2015, David Laws

Ajudando na transição e servindo como ponte com o executivo de Rishi Sunak, Sue Gray tornou-se, logo após as eleições, chefe de gabinete de Keir Starmer. A escolha não levantou ondas. Contudo, os primeiros meses da mulher de 67 anos no cargo causaram fricção no núcleo duro do primeiro-ministro. Em meados de agosto, o The Guardian publicava um artigo que dava conta de uma disputa entre Sue Gray e Morgan McSweeney, que tinha liderado a campanha dos trabalhistas nas eleições.

A antiga funcionária pública foi acusada, como contou uma fonte trabalhista ao Guardian, de uma “centralização excessiva”, em que todos os processos tinham de passar pelo seu crivo: “Ela colocou-se numa posição em que se tornou extraordinariamente poderosa. Existem suspeitas de que tomou muitas decisões em nome do primeiro-ministro e que Starmer não concordou necessariamente com elas”.

Os aliados de Sue Gray ripostavam e sublinhavam que essas acusações não correspondiam à verdade, suspeitando de uma campanha liderada por Morgan McSweeney para descredibilizar a imagem da mulher de 67 anos — e para, quem sabe, substitui-la no cargo. Um ministro trabalhista comentou ao Guardian que a chefe de gabinete tinha um “compromisso” com Keir Starmer e estava “apenas interessada numa coisa”: “Ajudar o primeiro-ministro a levar a cabo o mandato”.

Seguiu as pisadas de Tony Blair e aproximou o Labour do centro: como Keir Starmer, o líder “aborrecido”, venceu as eleições

Em público, Keir Starmer e os trabalhistas recusavam qualquer tensão, salientando que eram “rumores” que pouco correspondiam à realidade. Mas uma fuga de informação na imprensa veio mostrar que, dentro do Partido Trabalhista, existia claramente uma fação desagradada com a gestão de Sue Gray — e tinham motivos que iam além da maneira controladora como a antiga funcionária pública tratava os assuntos que passavam pelo gabinete do primeiro-ministro.

Isto tudo porque a BBC apurou, em meados de setembro, que o salário de Sue Gray era superior ao de Keir Starmer. A chefe de gabinete ganhava anualmente 170 mil libras (cerca de 202 mil euros), mais três mil libras (cerca de 3.575 mil euros) do que o primeiro-ministro. Além disso, a antiga funcionária pública usufruía de um vencimento substancialmente maior do que o seu antecessor, o conservador Liam Booth-Smith, que ganhava 145 mil libras anuais (cerca de 173 mil euros).

O salário da chefe de gabinete gerou ainda mais revolta porque os vencimentos dos conselheiros e assessores trabalhistas diminuíram. Enquanto trabalhavam como conselheiros dos ministros-sombra na oposição — com o salário integralmente pago pelo Partido Trabalhista — recebiam mais. E foram surpreendidos com o facto de que, quando Keir Starmer chegou ao poder, sofreram um corte. Os dedos foram apontados a Sue Gray, que terá tido influência neste processo, ainda que a antiga funcionária pública recuse qualquer envolvimento no processo.

epa11529569 British Prime Minister Keir Starmer looks on during talks with the Sultan of Oman at Downing Street in London, Britain, 06 August 2024.  EPA/ANDY RAIN / POOL

Keir Starmer aufere menos três mil libras anualmente do que Sue Gray

ANDY RAIN / POOL/EPA

Uma fonte conhecedora do processo — e claramente crítica de Sue Gray — denunciava à BBC: “Isto mostra a maneira disfuncional como Downing Street está a ser gerido — sem julgamento político e com uma grande Sue que se considera vice-primeira-ministra, visto o salário e [por] ser a única voz que o primeiro-ministro ouve”. Em contraciclo, o ministro da Saúde e aliada da chefe de gabinete, Wes Anderson, saiu publicamente em sua defesa, afirmando que o Labour “era um sortudo” por “poder contar com Sue Gray”.

A tensão aumentava dentro do gabinete do primeiro-ministro e Sue Gray demitiu-se este domingo, após, segundo apurou o Telegraph, ser pressionada diretamente por Keir Starmer para abandonar as suas funções. Como espécie de compensação, foi criado um novo cargo para a mulher de 67 anos: enviada especial do primeiro-ministro para as “regiões e as nações”. No entanto, o salário será menor e deixará de ter contacto direto com o líder trabalhista. Foi substituída por aquele que é acusado pelos seus aliados de ter liderado uma campanha contra ela: Morgan McSweeney. 

A oferta de bilhetes e o corte de subsídio: as outras polémicas de Keir Starmer

A oposição não perdeu tempo em criticar o que caracteriza como o “escândalo” que envolve Sue Gray. Um porta-voz dos conservadores assinalou que, “em menos de cem dias”, o “governo de Labour de Keir Starmer semeou o caos e perdeu a sua chefe de gabinete“. E esta não foi a única polémica a envolver o primeiro-ministro britânico recentemente.

A imprensa britânica revelou igualmente que Keir Starmer recebeu presentes no valor de 100 mil libras (cerca de 119 mil euros) desde que se tornou líder dos trabalhistas. Recebeu mais de 40 bilhetes para assistir a jogos de futebol, principalmente do seu clube — o Arsenal. E também lhe ofereceram tickets para ver o concerto de Taylor Swift e ainda um dos Coldplay. Para além disso, o primeiro-ministro recebeu roupa de marca, óculos, roupa, e estadias em hóteis que chegavam às 20 mil libras (aproximadamente 23 mil euros).

Se bem que não seja ilegal e não tenha quebrado qualquer regra, estes presentes levantaram questões sobre os princípios éticos por que os políticos se devem nortear. E estes presentes surgiram num momento em que o Reino Unido enfrenta um aumento do custo de vida. Para tentar conter os danos, Keir Starmer decidiu pagar seis mil libras (cerca de sete mil euros) pelas prendas que recebeu, principalmente na área do alojamento.

Em termos económicos, os britânicos depositavam grandes esperanças na governação trabalhista. No entanto, a decisão de limitar os pagamentos de combustível durante o inverno aos idosos gerou apreensão de que não haverá uma mudança como o esperado no dia das eleições. O primeiro-ministro reconheceu que foi uma “decisão difícil”, mas culpou o anterior executivo conservador pela o obrigar a tomar essa medida, por conta da situação em que deixaram a economia.

Passados nem cem dias desde o início da governação trabalhista, Keir Starmer enfrenta várias dificuldades. Esta remodelação no seu gabinete serve, em parte, para estancar as perdas destes últimos três meses. No entanto, será consideravelmente mais difícil mostrar que ainda se mantém comprometido com uma das principais bandeiras durante a campanha: acabar com o “caos” que os conservadores trouxeram à política britânica.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.