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Com o desmembramento da Jugoslávia, em 1991, a República Socialista da Macedónia tornou-se independente, mas a Grécia opôs-se a que ela usasse o nome de Macedónia por esse ser o nome da província grega que com ela faz fronteira e os gregos se considerarem herdeiros exclusivos dos antigos macedónios – e, sobretudo, do mais célebre macedónio de todos os tempos, Alexandre III, dito o Grande (336-323 a.C.).

A disputa resulta de haver diferentes entendimentos de Macedónia: para começar, há que distinguir entre a “Macedónia histórica”, ou seja, o antigo Reino da Macedónia, e a “Macedónia geográfica”, que abarca territórios na República da Macedónia, Grécia e Bulgária e ainda uma pequena fracção da Albânia.

Linha vermelha: “Macedónia histórica”; linha cinzenta: “Macedónia geográfica”; área rosa: República da Macedónia; área verde: Grécia

A Grécia denomina como Macedónia uma região no nordeste do país, repartida por três províncias e que tem Tessalónica (Thessaloniki) por capital. Nela situam-se as ruínas das mais importantes cidades do antigo Reino da Macedónia, como Aigai (perto da moderna cidade de Vergina), a primeira capital do reino e local de enterramento dos reis macedónios, e Pela, a capital do período áureo da Macedónia e local de nascimento de Alexandre e do seu pai, Filipe II.

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Exterior do túmulo de Filipe II da Macedónia em Aigai

Antes da ascensão do Reino da Macedónia a região foi conhecida como Dardania, uma designação de contornos vagos que englobava também o que são hoje o Kosovo e o sul da Sérvia. Para aumentar a confusão, chegou a existir um Reino da Dardania, situado entre a Ilíria, a Trácia e o Reino da Macedónia e que, no auge do seu poderio, teve este último como estado-vassalo.

Se o conceito geográfico e histórico de Macedónia é nebuloso, a sua etimologia não é mais clara: Makedones ou Makedonai era o nome dado a uma tribo de língua grega do nordeste da Grécia, cuja mitologia a fazia descender de Makedon, filho de Zeus – ou de Eolo, ou de Osíris, ou do rei Licaão (Lycaon) da Arcádia, segundo outras versões. Em grego “makednós” significa “alto, esguio”, o que leva a que se veja em Makedones o significado de “habitantes das terras altas”, ou “montanheses” – o que, numa região tão acidentada como os Balcãs, possui escasso significado. Aos olhos de um egípcio ou de um holandês, todos os habitantes dos Balcãs seriam “makedones”…

Um rapaz macedónio à conquista do mundo

Na Antiguidade Clássica, os gregos das cidades do sul viam os macedónios como um povo de montanheses rudes e semi-bárbaros, com escassas afinidades com a sua requintada civilização. Porém, ao fim de alguns séculos, os montanheses assimilaram boa parte dos costumes gregos, encheram a sua capital, Pela, de edifícios com traça grega, convidaram artistas, filósofos, dramaturgos e pedagogos gregos para abrilhantar a sua vida cultural e ensinar os seus filhos e adoptaram a sua organização militar.

Na verdade, assimilaram esta última tão eficazmente que o “semi-bárbaro” Filipe II da Macedónia (382-336 a.C.) começou a expandir o seu reino em todas as direcções, nomeadamente à custa dos “civilizados” vizinhos do sul – o que foi facilitado por estes passarem boa parte do tempo a guerrear entre si.

O Reino da Macedónia em 431 a.C. (azul escuro), as conquistas territoriais à data da morte de Filipe II, em 336 a.C. (a azul claro), e os estados-vassalos (a amarelo)

As conquistas de Filipe II deram-lhe uma ascendência tal sobre as cidades-estado gregas que fizeram dele na prática – ainda que não formalmente – o senhor dos destinos da Grécia. Consciente disto, Demóstenes apelou a que os atenienses se libertassem da pressão macedónia e readquirissem a plena liberdade. Atenas retomou a guerra com a Macedónia e formou uma liga com Tebas e as restantes cidade-estado do sul que ainda ofereciam resistência a Filipe. Porém, em 338 a.C., com a preciosa ajuda do seu filho adolescente, Alexandre – que fora educado até aos 16 anos pelo filósofo grego Aristóteles –, Filipe II infligiu uma esmagadora derrota à coligação de cidades-estado gregas, na Batalha de Queroneia, perto da cidade com esse nome na Beócia.

O Leão de Queroneia, erigido provavelmente pela cidade-estado de Tebas no local da batalha, em homenagem aos seus soldados caídos em combate – não houve um único sobrevivente entre os tebanos

Não restando, após Queroneia, nenhuma força na Grécia capaz de fazer frente aos macedónios, Filipe II conseguiu obrigar as cidades-estado gregas a tornarem-se suas aliadas no objectivo de fazer frente à Pérsia. Apesar de não ter havido conquista efectiva macedónia, foram instaladas guarnições macedónias um pouco por toda a Grécia e Filipe II assumiu o comando da aliança greco-macedónia – que ficou conhecida como Liga de Corinto ou Liga Helénica – com um título que não deixa dúvidas sobre quem mandava: Hegemon.

O túmulo de Filipe II, em Aigai

Quando Filipe II foi assassinado, em 336 a.C., as cidades-estado grego revoltaram-se, mas o seu sucessor, Alexandre III, apesar de ter apenas 20 anos e de ter sido aconselhado a recorrer a meios diplomáticos, não vacilou: reuniu o seu exército, reprimiu vigorosamente os revoltosos e, após ter garantido a submissão de toda a Grécia, assumiu por sua vez o título de Hegemon.

Alexandre III da Macedónia, num detalhe de um mosaico (c. 100 a.C.) no pavimento da Casa do Fauno, em Pompeia, representando a Batalha de Issus, em que as forças greco-macedónias derrotaram o rei persa Dario III

Romanos e otomanos

O império conquistado por Alexandre nos 13 anos seguintes foi tão vasto e grandioso quanto efémero e em 168 a.C. o declinante Reino da Macedónia foi conquistado – tal como todo o sul dos Balcãs – por Roma e só voltaria a surgir um país independente com esse nome 2159 anos depois.

Em 146 a.C., os romanos criaram uma província da Macedónia, que as reformas administrativas de Diocleciano, no final do século III d.C., fraccionaram em várias províncias, sendo as maiores a Macedonia Prima, a sul, com capital em Tessalónica (hoje capital da província grega da Macedónia Central), e a Macedonia Secunda ou Salutaris, a norte, com capital em Stobi (no que é hoje a República da Macedónia), e que incluía a cidade de Scopi (ou Scupi), correspondente à actual capital da Macedónia do Norte, Skopje.

O sul dos Balcãs sob o Império Romano

Desmoronado o Império Romano, a Macedónia foi invadida por tribos eslavas que se radicaram um pouco por todos os Balcãs, sobretudo a partir do século VI. O território foi disputado nos séculos seguintes pelos impérios búlgaro e bizantino, até que chegaram os otomanos, que ficaram durante cinco séculos. O Império Otomano nunca reconheceu a Macedónia como uma entidade: durante séculos, os territórios otomanos no Sudeste da Europa foram designados genericamente por Rumélia – de “Rum”, o nome que os turcos davam ao antigo Império Romano do Oriente, ou seja, Bizâncio.

A Rumélia em 1801

As reformas administrativas otomanas do terceiro quartel do século XIX fraccionaram a Rumélia, ficando o território da “Macedónia geográfica” repartido por três províncias: os Vilayet do Kosovo, Manastir e Selanik. Estas províncias não correspondiam, todavia a uma entidade étnica, cultural ou linguística, já que durante os séculos anteriores os “antigos macedónios” – já de si um conceito nebuloso – tinham sido diluídos num cocktail de etnias – macedónios (eslavos), turcos, gregos, sérvios, albaneses, búlgaros, e, em menor proporção, judeus sefarditas, Roma (ciganos) e arménios. a este complexo puzzle sobrepunha-se a adesão a diferentes religiões, pelo que havia que considerar, por exemplo, a existência de albaneses cristãos e muçulmanos e de turcos cristãos e muçulmanos, bem como a pertença a diferente ramos do cristianismo ortodoxo eslavo.

Divisões administrativas otomanas na “Macedónia geográfica”, em 1907

Não é por acaso que se usa a palavra “macedónia” (“macédoine” em francês, “macedonia” em espanhol) para designar uma salada muito variada e colorida – o termo entrou na culinária no final do século XIX, precisamente quando a “Questão Macedónia” começou a impor-se na política internacional e a converter-se numa dor de cabeça para o Império Otomano, que não sabia como gerir as aspirações contraditórias daquela “salada” de povos e religiões, nem como fazer face às reclamações territoriais dos países vizinhos.

Distribuição de grupos étnicos na “Macedónia geográfica”, 1892

A invenção (e supressão) da Macedónia

O movimento nacionalista macedónio emergiu na viragem dos séculos XIX/XX e teve como figura maior o escritor Georgi Pulevski (1817-1895), que não só foi dos primeiros a defender a ideia de uma Macedónia independente como a reivindicar a particularidade da língua macedónia – que começara por ser uma variante local do búlgaro e que, como este, recorre ao alfabeto cirílico. Um dos livros de Pulevski com maiores repercussões políticas e históricas foi o Dicionário das três línguas (1875), um manual de conversação em albanês, turco e “búlgaro macedónio” (em vez do búlgaro-padrão). Não menos importantes para a definição da identidade nacional macedónia foram os poemas “patrióticos” publicados por Pulevski em 1878 e 1879 e a Gramática da língua do povo macedónio (1880).

Georgi Pulevski

Não tardou que esta agitação intelectual se materializasse em grupos separatistas, dos quais o mais importante era a Organização Revolucionária Interna da Macedónia (VMRO), fundada em 1893 e que desenvolvera acções de guerrilha e levantamentos contra os otomanos. Porém, os separatistas viram defraudadas as suas aspirações, já que a derrota sofrida pelo Império Otomano nas Guerras dos Balcãs, em 1912-13, não trouxe a almejada independência.

O Tratado de Bucareste, em 1913, consagrou a repartição da “Macedónia geográfica” entre a Sérvia, que ficou com 38% do território, correspondendo às zonas de dominância étnica eslava, a norte (Macedónia Vardar, cujo nome provém do rio Vardar); a Grécia, que ficou com 52% do território, correspondendo às zonas de dominância étnica grega, a sul (Macedónia Aegea, por ser banhada pelo Mar Egeu); e a Bulgária, que ficou com 10% do território, a leste (Macedónia Pirin, por associação com os Montes Pirin).

A partição nada teve de pacífica, já que durante as Guerras dos Balcãs, os sérvios e os búlgaros não se tinham limitado a combater os otomanos, guerreando também entre si pelo controlo da Macedónia e tentando erradicar as etnias e religiões rivais. Em cada uma das partes da “Macedónia geográfica” que lhes foram outorgadas pelo Tratado de Bucareste, cada um dos países promoveu activamente a expulsão de etnias “estrangeiras” e a assimilação linguística, religiosa e cultural ao padrão nacional.

A I Guerra Mundial voltou a introduzir alterações significativas no mapa dos Balcãs: os impérios otomano e austro-húngaro foram desfeitos e das suas ruínas ergueu-se em 1918 o Estado dos Eslovenos, Croatas e Sérvios, que incluía a Macedónia Vardar. Quem assumiu a governação do novo estado foi o príncipe Alexandre da Sérvia, primeiro na qualidade de regente e, a partir de 1921 como Alexandre II da Sérvia. Em 1929, o nome do país foi alterado para Reino da Jugoslávia (isto é, “a terra dos eslavos do sul”) e o rei passou a intitular-se Alexandre I da Jugoslávia.

Proclamação do Estado dos Eslovenos, Croatas e Sérvios, em Ljubljana, a 18 de Outubro de 1918

No interim, a Organização Revolucionária Interna da Macedónia (VMRO) sofrera uma substancial reorientação, quer nos objectivos quer nos métodos de actuação. A VMRO fora sequestrada pelos interesses búlgaros e ambicionava agora, não a independência da Macedónia, mas a criação de uma Grande Bulgária, à custa de território sérvio e grego – e, naturalmente, a Macedónia era a peça mais cobiçada desse plano expansionista. Quanto ao seu método de actuação, passou a ser o terrorismo, levado a cabo sobretudo contra alvos sérvios e gregos.

Uma das vítimas foi o rei Alexandre I da Jugoslávia, que, durante uma visita de Estado a França, foi assassinado em Marselha, a 9 de Outubro de 1934, pelo búlgaro Vlado Chernozemski, o mais mortífero agente da Organização Revolucionária Interna da Macedónia – o atentado causou também a morte de Louis Berthou, ministro dos Negócios Estrangeiros francês, que o acompanhava. O assassino foi ferido pela polícia e espancado pela multidão e ficou tão maltratado que sucumbiu pouco depois – condição de mártir que terá contribuído para que desfrute, no seu país natal, do estatuto de herói nacional (ontem como hoje, os terroristas de uns são os freedom fighters de outros).

[O assassinato de Alexandre I da Jugoslávia, num noticiário de actualidades da época]

O regicídio não alterou, todavia, a geopolítica dos Balcãs: a Alexandre I sucedeu o seu filho Pedro II, mas como este tinha apenas 11 anos, a regência foi assegurada pelo príncipe Paulo, que deu continuidade às políticas do anterior rei. Pedro II deveria assumir o trono em Setembro de 1941, quando fizesse 18 anos, mas, a 25 de Março de 1941, Paulo decidiu fazer a Jugoslávia aderir ao Eixo, pelo que a Grã-Bretanha promoveu um golpe de estado que o depôs e colocou Pedro II no trono. O seu reinado foi breve: o seu governo tomou posse a 27 de Março e Hitler invadiu a Jugoslávia – e, depois, a Grécia – a 6 de Abril, conquistando-a numa semana e forçando Pedro II e os seus ministros a exilar-se.

Pedro II no exílio, em 1944

Após a II Guerra Mundial

O final da guerra não reconduziu Pedro II ao trono, pois os guerrilheiros de Josip Broz (mais conhecido como Tito), que tinham jogado papel decisivo na luta de libertação contra o ocupante nazi, acabaram por prevalecer e, em 1945, a monarquia foi abolida – no lugar do Reino da Jugoslávia ergueu-se a República Federal Socialista da Jugoslávia. Desta federação fazia parte a República Socialista da Macedónia, com capital em Skopje, mas durante algum tempo, Tito alimentara o sonho de erguer uma Grande Macedónia, que reunisse as três partes da “Macedónia geográfica” que fora dividida pelo Tratado de Bucareste. Esta aspiração poderia ter sido facilitado pelo facto de, como a Jugoslávia, a Bulgária ser um estado comunista, e de, aparentemente, a Grécia estar em vias de o ser. Porém, os comunistas acabaram por ser derrotados na guerra civil grega (com a ajuda da Grã-Bretanha) e as relações entre Tito e Stalin azedaram – e ao afastamento entre a Jugoslávia e a URSS, correspondeu o afastamento entre a Jugoslávia e a Bulgária, que se manteve fiel às orientações de Moscovo.

As repúblicas constituintes da Jugoslávia

Entretanto, a República Socialista da Macedónia ia tentando cimentar uma identidade própria, conseguida à custa da apropriação de figuras históricas e elementos culturais búlgaros e gregos. A Bulgária reagiu mal a esta “macedonização” e as relações pioraram bastante quando uma colecção de canções tradicionais búlgaras foi publicada, do outro lado da fronteira, como canções tradicionais macedónias.

Quando a República Federal Socialista da Jugoslávia entrou em desintegração em 1991, a República da Macedónia, após ter removido o “Socialista” do nome, promoveu, sob a liderança do presidente Kiro Gligorov, um referendo sobre a independência que obteve 95% de votos favoráveis. A independência da República da Macedónia não suscitou reacções adversas no resto da ex-Jugoslávia – o que permitiu manter o país fora dos sangrentos conflitos que devastaram a região na década de 1990 –, mas o reconhecimento internacional encontrou um opositor determinado na Grécia. Esta, reivindicando ser herdeira da “Macedónia histórica”, tentou impedir o uso da designação “República da Macedónia” e da nova bandeira nacional, que não só se apropriava do Sol de Vergina, um símbolo solar representado na arte grega e macedónia entre os séculos VI e II a.C. (muitos séculos antes de os eslavos se terem instalado na Macedónia do Norte), como era embaraçosamente semelhante à bandeira da região grega da Macedónia.

Bandeira da região grega da Macedónia

Bandeira da República da Macedónia entre 1992 e 1995

A oposição grega fez com que a República da Macedónia fosse reconhecida pelas Nações Unidas sob o provisório (e fastidioso) nome de Antiga República Jugoslava da Macedónia (ou FYROM, de “Former Yugoslav Republic of Macedonia”) e levou a que a jovem nação mudasse de bandeira em 1995.

Bandeira da República da Macedónia a partir de 1995

O Acordo de Prespes

O nome do país foi um problema de resolução mais demorada do que o da bandeira e que não foi facilitada pelas medidas tomadas pelo governo da FYROM, que, entre 2006 e 2017, esteve nas mãos do partido nacionalista VMRO-DPMNE, em cuja sigla pode reconhecer-se, na primeira metade, o acrónimo da Organização Revolucionária Interna da Macedónia (DPMNE são as iniciais de “Partido Democrático para a Unidade Nacional Macedónia). Entre as medias que os gregos consideraram provocatórias, está o baptismo do aeroporto de Skopje como “Aleksandar Veliki” (ou seja, “Alexandre o Grande”) e de uma praça de Skopje como “Pela”, a capital do antigo Reino da Macedónia. Foi também erguida uma estátua heróica de Alexandre o Grande, ainda que o seu nome oficial seja um neutro “Guerreiro a cavalo”.

Estátua de Alexandre o Grande em Skopje

Pelo seu lado, a Grécia continuou a usar o direito de veto para bloquear a entrada (ou a candidatura) da República da Macedónia à União Europeia e à NATO. Em 2008, os dois países reuniram-se e debateram uma escolha de nomes que incluía a República Constitucional da Macedónia, República Democrática da Macedónia, Nova República da Macedónia, República Independente da Macedónia e República da Macedónia Superior, sem chegar a acordo. Entretanto, os grupos de pendor mais nacionalista de ambos os países iam exprimindo ruidosamente a sua desaprovação a qualquer concessão feita ao “outro lado”.

A obstinação patriótica de macedónios e gregos acabou por ser sanada no Acordo de Prespes, assinado a 12 de Junho de 2018, pelos primeiros-ministros da República da Macedónia – Zoran Zaev – e da Grécia – Alexis Tsipras – que determinou que a FYROM passaria a chamar-se Macedónia do Norte.

Os primeiros-ministros da Grécia (à esquerda) e da República da Macedónia (à direita), após a assinatura do Acordo de Prespes

Mais difícil foi convencer os ardentes patriotas de ambos os países, que consideraram, por razões opostas, que o acordo fora uma miserável concessão e uma traição ao país. Após meses de confrontos nas ruas e nas secretarias, quer do lado dos macedónios, quer dos gregos, a questão ficou resolvida na passada sexta-feira 25, com a aprovação (por pequena margem e após vigorosa contestação) do Acordo de Prespes pelo parlamento grego (ver Parlamento grego ratifica nome da Macedónia do Norte).

Antes já um referendo na República da Macedónia dera 91% de votos a favor da adopção do novo nome, mas não tivera força vinculativa, por a participação ter sido inferior a 50%, o que obrigou a meses de manobras e negociações entre as forças políticas macedónias e a uma revisão constitucional. A aprovação da mudança de nome só foi formalizada a 11 de Janeiro de 2019.

Ser dono do passado num presente em mutação acelerada

A Grécia tem vindo a acusar a República da Macedónia – e, em particular, as suas forças políticas de pendor nacionalista – de ter vindo a prosseguir uma política de apropriação e revisão da história. É possível que esta sanha grega resulte do receio de que as apropriações dos macedónios do norte passem do plano do imaginário para o plano material e que venham a reclamar a reconstituição de uma Grande Macedónia, que incluiria a província grega da Macedónia (onde existe uma pequena minoria de falantes de macedónio – mas que não se identificam etnicamente como eslavos). Pode parecer um receio absurdo na Europa do século XXI, mas talvez não soe assim tão descabido nos Balcãs, que ainda há poucos anos assistiram ao redesenhar de fronteiras e a operações de limpeza étnica em grande escala.

Seja como for, a discussão em torno do nome da República da Macedónia está inquinada por visões simplistas e “puristas” da história, que querem, à força, descortinar linhas de continuidade onde há um emaranhado de fragmentos e manchas de cor homogénea onde há uma… macedónia.

A Torre Branca, símbolo da cidade de Tessalónica – capital da província grega da Macedónia Central), uma construção otomana de 1430, numa foto c. 1919. A história da cidade de Tessalónica é emblemática do cadinho de culturas dos Balcãs

Não há dúvida de que as raízes étnicas e a língua dos actuais habitantes da República da Macedónia são eslavas e não gregas ou “macedónias antigas”: os principais antepassados dos macedónios do norte foram povos eslavos que se instalaram nos Balcãs no século VI e a língua macedónia é afim da búlgara e (em menor medida) da servo-croata. Mas tão pouco os actuais habitantes da Grécia herdaram, em exclusividade e de forma inteiramente pura, a língua, a genética e a cultura dos macedónios de há 2300 anos.

Não só os Balcãs sempre foram desde tempos imemoriais um território de passagem e miscigenação, como os macedónios e os gregos se dispersaram activamente pelo mundo: Alexandre III e a fina-flor dos homens macedónios e gregos do seu tempo foram fazer filhos, erguer templos e morrer nos desertos do Irão, nas montanhas do Afeganistão e nas margens do Indo; e, antes e depois de Alexandre, muitos gregos estabeleceram colónias pelas bacias do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro, da foz do Guadalquivir à Península da Crimeia.

Estátua de Buda do século I-II d.C., oriunda do que é hoje o leste do Afeganistão. É uma peça representativa da fusão do budismo que irradiou a partir da Índia no século I d.C. com a assimilação local da cultura helenista trazida de Ocidente pelos gregos e macedónios de Alexandre no século IV a.C.

Dito isto, há que reconhecer que, enquanto outros povos dos Balcãs, apesar de todas as invasões, convulsões e miscigenações a que o seu território foi sujeito ao longo dos séculos, possuem um antigo e sólido imaginário identitário, os macedónios do norte não parecem possuir uma “narrativa” histórica distintiva – só no final do século XIX fizeram as primeiras débeis tentativas para criar uma identidade nacional e só em 1991 emergiram como estado independente. Como escreveu Eugene N. Borza, historiador especialista em assuntos macedónios, estes são “um povo acabado de aparecer, em busca de um passado para legitimar o seu precário presente”. Daí a tentação de se apropriarem das canções tradicionais búlgaras e dos feitos de Alexandre Magno.

Alexandre III da Macedónia visita o túmulo de Ciro, O Grande, por Pierre-Henri de Valenciennes, 1796

Pode é perguntar-se para que serve discutir com tamanho empenho estes detalhes identitários referidos a um passado remoto e nebuloso numa era em que a facilidade de comunicação e circulação tudo difunde, mistura e homogeneiza e o ritmo das mudanças tecnológicas e sociais se tornou vertiginoso. O impulso primordial para a defesa intransigente das identidades era compreensível numa era em que o mundo se mantinha praticamente imutável de geração para geração e não só a língua, as canções, o vestuário, os costumes e as mundividências dos netos eram indistinguíveis dos dos avós, como a maior parte das pessoas não se afastava mais de umas escassas dezenas de quilómetros da sua aldeia ou cidade natal durante toda a vida.

Hoje, a cronologia ganhou precedência sobre a geografia e a etnografia e uma rapariga de 18 anos da República da Macedónia tem mais coisas em comum com uma rapariga de 18 anos da Grécia (ou de Portugal ou da Holanda) do que com a sua avó, pelo que ver dois povos a reclamar tão acirradamente direitos de propriedade exclusiva sobre os feitos de um homem que viveu há 23 séculos é um espectáculo algo absurdo.

A procissão fúnebre de Alexandre, segundo gravura de meados do século XIX