“Vou lá para ganhar!” O Presidente francês, Emmanuel Macron, não mostra sinais de pessimismo para as eleições legislativas marcadas as próximas semanas, convocadas após o mau resultado do Renascença nas europeias do último domingo. O chefe de Estado pretende replicar a solução centrista com que venceu há apenas dois anos, com o seu partido à cabeça e apostando no primeiro-ministro Gabriel Attal. Macron pretende, acima de tudo, evitar um clima de discórdia permanente entre a Assembleia Nacional e o Palácio do Eliseu. Contudo, a vitória retumbante da União Nacional (RN), que lidera as sondagens, e a sua coligação com os conservadores Republicanos promete criar dores de cabeça ao líder francês.
Após horas de discussão, esta segunda-feira a esquerda francesa decidiu unir-se numa frente popular para combater o partido de Emmanuel Macron e a direita, tal como tinha acontecido em 2022 com a coligação NUPES (Nova União Popular Ecologista e Social). Socialistas (liderados por Raphäel Glucksmann, que obteve um bom resultado nestas europeias), ecologistas, comunistas e a França Insubmissa (liderada por Jean-Luc Melénchon) concordaram em aliar-se, mas num modelo distinto do que puseram em marcha há dois anos.
À direita, também se criou um bloco unitário: que junte com o centro-direita com a direita mais radical de Marine Le Pen. Esta terça-feira, o líder d’Os Republicanos, Éric Ciotti, defendeu a existência de uma “aliança” com a União Nacional. “O país está em perigo”, justificou o responsável partidário, denunciando a “aliança de rebeldes” à esquerda e o “bloco macronista que levou o país onde está hoje”. “Precisamos de uma aliança com a União Nacional”, reiterou.
A decisão foi imediatamente criticada por vários setores dentro d’Os Republicanos, que vieram a público pedir a demissão de Éric Ciotti. Por exemplo, Olivier Marleix, líder parlamentar da força de centro-direita, escreveu no X que o líder partidário não tem condições de continuar no cargo. Os senadores republicanos emitiram igualmente um comunicado a criticar uma possível aliança com a União Nacional. Mas o entendimento foi depois confirmado por Jordan Bardella, o candidato a primeiro-ministro pela União Nacional.
Marine Le Pen veio naturalmente elogiar as palavras de Éric Ciotti, celebrando o fim do “pseudo cordão sanitário” em redor da extrema-direita. “Está em vias de desaparecer”, afirmou a líder parlamentar da RN. Ainda assim, a decisão d’Os Republicanos ainda não está fechada e as críticas endereçadas por dirigentes do partido poderão fazer o seu líder recuar.
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Com dois blocos a fazer pressão, a opção centrista de Emmanuel Macron pode ficar esvaziada, com o risco de perder votos à esquerda e à direita, ainda para mais com o sistema eleitoral francês. Criticado por convocar eleições, o Presidente francês explicou ao Le Figaro que estava a pensar “no interesse do país”. Na mesma entrevista, clarificou um rumor que se vinha espalhando desde o passado domingo. Mesmo com um mau resultados nestas legislativas, o Chefe de Estado não se demitirá.
Como funcionam as legislativas francesas e como a tática dos blocos pode prejudicar Macron
A vitória nas europeias, com cerca de 31% dos votos, dá confiança à União Nacional para vencer as legislativas. Jordan Bardella, que foi eleito eurodeputado ainda no domingo, poderá tornar-se o próximo primeiro-ministro francês, dando uma vitória histórica à direita mais radical. As sondagens apontam precisamente para esse cenário na primeira volta.
A mais recente, publicada esta terça-feira pelo Le Figaro, pela televisão estatal TF1 e ainda pela Sud Radio, atribui 35% das intenções de voto à União Nacional. Em segundo lugar, está a Frente Popular de esquerda, com 25%, e só depois está a coligação centrista (formada pelo Renascimento, Horizontes e o Movimento Democrático), com 18%. Confirmando-se esta tendência, a RN coloca-se na dianteira na primeira volta destas eleições.
Apesar da vantagem confortável, as sondagens têm pouco peso nas legislativas francesas. Funcionando num modelo idêntico às presidenciais, nos 577 círculos eleitorais espalhados por todo o país, nas províncias ultramarinas e no estrangeiro, os eleitores votam no partido do deputado que querem eleger. Se, na primeira volta, esse candidato conseguir mais de 50% dos votos que representem 25% dos inscritos nesse mesmo círculo, então é eleito para o Parlamento.
❗️ [ ???????? FRANCE ]
????Un premier sondage publié par Ifop-Fiducial pour Le Figaro attribue au Rassemblement national 35 % des voix aux élections législatives, malgré l'absence d'alliance avec Reconquête, qui obtient 4 %.
Le Front populaire, l'union des gauches, recueillerait 25 %. pic.twitter.com/IfAdBSu7rz
— (Little) Think Tank (@L_ThinkTank) June 11, 2024
Mas esse feito acontece raramente, devido à unanimidade exigida. Deste modo, costuma haver uma segunda volta. Passam à segunda volta os candidatos que angariem um resultado superior ou igual a 12,5% do número dos eleitores inscritos no círculo eleitoral. Nesta segunda fase, para ser eleito para a Assembleia Nacional, basta apenas uma maioria simples.
Tendo em conta este sistema, a existência de coligações permite uma aglutinação dos votos, tornando mais provável a passagem para a segunda volta, em que o voto útil passa a ser mais importante. Com um bloco forte que represente as opções à sua esquerda e à sua direita, a coligação centrista de Emmanuel Macron corre riscos de não se conseguir impor.
Por agora, a coligação de Emmanuel Macron deverá contar com os mesmos parceiros de 2022: o Renascimento, Horizontes e o Movimento Democrático. O rosto escolhido para primeiro-ministro continuará a ser Gabriel Attal, de 34 anos, que assinalou, numa entrevista à TF1, que “vai liderar a campanha como líder da maioria”.
O bloco à direita. União Nacional diz “sim” aos Republicanos e não à Reconquista
Os Republicanos, herdeiros do gaullismo e intitulando-se conservadores, sempre se assumiram contra qualquer aliança com a União Nacional. Tal como Marine Le Pen sinalizou, foi estabelecido um “cordão sanitário” dos partidos de centro-direita com a extrema-direita. Obtendo resultados entre os 7 e os 10% nos últimos anos, o partido nunca conseguiu formar um grupo parlamentar coeso.
Rejeitando logo no domingo uma aliança com a coligação de Emmanuel Macron, tudo apontava que os Republicanos concorressem a solo nestas legislativas, como aconteceu em 2022. No entanto, Éric Ciotti veio alterar o guião e sugerir uma aliança com a União Nacional, justificando-a com o “perigo” que representa a frente popular de esquerda e com a “incompetência” de Emmanuel Macron.
O líder dos Republicanos explicou ainda que França “precisa de ideias à direita”. E assinalou o mau desempenho económico do atual governo: “A precariedade aumentou em França, os impostos subiram e os salários são muito baixos.” Envergando uma bandeira da direita radical, também Éric Ciotti frisou que existe um “caos migratório” no país, o que “aumenta a insegurança”.
En répondant à cet appel au rassemblement, Éric Ciotti choisit l’intérêt des Français avant celui de nos partis.
Unissons nos forces pour lutter contre le chaos migratoire, rétablir l’autorité et l’ordre, et soutenir le pouvoir d’achat des Français.
L’union fait la France.
— Jordan Bardella (@J_Bardella) June 11, 2024
Tendo em consideração o sistema eleitoral francês, uma coligação com a direita mais moderada seria ouro sobre azul para a União Nacional, principalmente numa segunda volta. Além de Marine Le Pen, Jordan Bardella veio elogiar Éric Ciotti: “Escolhe os interesses dos franceses em vez dos partidários”. “Vamos juntar forças contra o caos migratório, restaurar a autoridade e a ordem e apoiar o poder de compra dos franceses. A unidade faz a França”, instou aquele poderá vir a ser o próximo primeiro-ministro.
Numa entrevista à France 2, esta terça-feira ao início da noite, Jordan Bardella confirmou que “haverá um acordo entre a União Nacional e os Republicanos com vários responsáveis eleitos pelos Republicanos”. Haverá, assim, pelo menos na primeira volta, listas conjuntas entre os dois partidos. O cabeça de lista nas europeias adiantou que contactou Éric Ciotti e continuará a fazê-los nos próximos dias para definir com mais clareza os termos do acordo.
Não obstante, a decisão está longe de ser unânime n’Os Republicanos — apenas metade concorda com a decisão. Várias fações do partido vieram a público exigir que Éric Ciotti se retrate e que não se alie à União Nacional. Num manifesto publicado pelo jornal Le Figaro, dez membros influentes do partido, entre os quais o presidente do Senado, Gérard Larcher, argumentaram que uma coligação com a RN seria entregar-lhe um “cheque em branco”. “Seria um erro profundo que aumentaria a desordem alimentada durante meses pela extrema-esquerda e aprofundaria ainda mais as fraturas dentro da nação.”
“A posição expressa por Éric Ciotti é um beco sem saída, que não envolve a nossa família política e não representa de forma alguma a linha republicana”, explicam os dez signatários do manifesto. Outros membros dos partidos já admitiram igualmente abandonar os Republicanos quando se materializar a aliança com Marine Le Pen. Neste sentido, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, membro do partido de Emmanuel Macron e ex-membro dos Republicanos, já veio assegurar que há “espaço” no Renascimento para todos aqueles desiludidos com as palavras de Éric Ciotti.
Além d’Os Republicanos, ainda há outras alianças que a União Nacional pode ambicionar. Adotando posicionamentos políticos idênticos em assuntos como as migrações, o Reconquista, fundado por Éric Zemmour, é encarado como um parceiro natural. Por este motivo, Marion Maréchal, sobrinha de Marine Le Pen e cabeça de lista nas europeias pelo Reconquista, esteve em negociações desde segunda-feira com o núcleo duro da União Nacional. Mas os dois partidos não chegaram a acordo.
Num comunicado publicado na sua conta do X, Marion Maréchal lamentou ter havido uma “mudança de posição” por parte da União Nacional, que recusou o “acordo” com a Reconquista. “Apesar das minhas tentativas de negociações, o argumento que me foi apresentado [é] que não querem ser associados direta ou indiretamente a Éric Zemmour”, afirmou, dizendo que foi o próprio Jordan Bardella que lhe comunicou a decisão.
— Marion Maréchal (@MarionMarechal) June 11, 2024
Querendo contribuir para uma “grande coligação” que derrote o “macronismo e a extrema-direita”, Marion Maréchal assumiu ter sido uma “grande desilusão” para França. “Espero com todo o meu coração que a recusa em organizar uma grande coligação não leve a uma nova vitória de Emmanuel Macron, ou pior ainda, a vitória da esquerda e da extrema-esquerda”, atirou a sobrinha de Marine Le Pen.
Por sua vez, Éric Zemmour anunciou, numa entrevista, que não se candidatará nestas legislativas. Porém, apelou a uma aliança que junte todos os partidos de direita. “As minhas diferenças com o RN e os Republicanos são do conhecimento público, mas isso não significa que eu não esteja entusiasmado com a ideia de uma grande coligação”, sublinhou.
Esta aliança foi descartada, ainda assim, por Jordan Bardella. Na mesma entrevista em que anunciou a aliança com os Republicanos, o político de 28 anos explicou que as “posições muito excessivas” de Éric Zemmour tornaram “muito difíceis as condições para um acordo”.
Frente Popular: esquerda une-se e pede manifestações contra a extrema-direita
Socialistas, ecologistas, comunistas e a França Insubmissa de Jean-Luc Melénchon voltaram, tal como nas legislativas de 2022 em que ficaram em segundo lugar, a enterrar o machado de guerra e esquecer as diferenças que mantêm. Unidos numa nova coligação, o objetivo passa por derrotar Emmanuel Macron e também a direita.
O acordo estipulado e discutido durante largas horas esta segunda-feira diz apenas respeito à primeira volta, em que, nos 577 círculos eleitorais, os quatro partidos apenas escolherão um candidato que representará a coligação. As discussões sobre quem vai ocupar esse lugar serão mantidas nos próximos dias.
Nas últimas legislativas, o processo não foi completamente tranquilo. Alguns socialistas entraram em rota de coligação, afastando-se da NUPES. Desta vez, ainda havia mais razões para discórdias. Embalado pelo bom resultado que obteve nas europeias (13,8%), o PS francês impôs novas linhas vermelhas e não se resignou tão facilmente a um papel de destaque de Jean-Luc Melénchon. No X, o cabeça de lista às europeias, Raphäel Glucksmann, deixou bem claro as exigências aos restantes partidos: “A continuidade da ajuda militar à Ucrânia, o fim da reforma das pensões e do seguro de desemprego, a aceleração da transição ecológica e a recusa à brutalização do debate público.”
Mesmo assim, estas linhas vermelhas foram aceites. Jean-Luc Melénchon admitiu que os quatro partidos “largaram os rancores no rio”, construindo uma solução coerente politicamente. “França não está condenada a Bardella. A nova Frente Popular sabe governar”, assegurou o líder da França Insubmissa.
À Agence France-Presse, o deputado francês da França Insubmissa e um dos negociadores do acordo entre os quatro partidos, Hadrien Clouet, admitiu que há algumas divergências entre comunistas, ecologistas, a França Insubmissa e os socialistas. Ainda assim, o responsável “tem a impressão” de que as “negociações estão a progredir mais rapidamente do que na altura do NUPES”.
Hadrien Clouet desvendou que a questão ucraniana talvez seja aquela que menos consenso reúne entre os quatro partidos, com o PS francês a exigir um compromisso de apoio a Kiev. “Todos concordamos com a ajuda”, realçou o deputado, indicando que todos concordam com o “fornecimento de armas, o respeito pela integridade territorial da Ucrânia e a abolição da dívida externa”: “Cada um tem a sua maneira de pensar sobre a ajuda à Ucrânia.”
Em simultâneo, os partidos de esquerda estão a mobilizar sindicatos e associações cívicas em toda a França para organizarem protestos contra a “extrema-direita”. Para este fim de semana, estão marcadas manifestações contra o governo e contra a União Nacional, apelando-se “à necessidade de alternativas progressistas no mundo do trabalho”.