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Mais um dia sangrento num conflito sem fim

Dia de grande simbolismo com a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém foi também um dia de grande violência, com 55 mortos e mais de 2.400 feridos em Gaza. Terça-feira há mais protestos.

Festa em Jerusalém Ocidental, confrontos em Gaza — mais um dia no conflito mais antigo do mundo. Um dia depois do Dia de Jerusalém, a cidade mais disputada (provavelmente da História), no dia em que se assinala o 70.º aniversário da criação do Estado de Israel e um dia antes de se assinalar a Nakba (a “catástrofe” para a Palestina, ou seja, a saída dos palestinianos dos territórios que até então ocupavam) os Estados Unidos inauguraram a nova embaixada em Jerusalém. Em resposta, cerca de 40 mil palestinianos manifestaram-se em Gaza pelo direito ao regresso e tentaram derrubar a vedação que separa a Faixa de Gaza do território israelita. Mais de 50 pessoas morreram e 2.400 ficaram feridas, algumas delas com gravidade.

Nem os protestos são novos, nem o resultado muito diferente. Desde março que os palestinianos na Faixa de Gaza se têm manifestado em prol do seu direito ao regresso ao território que consideram ser seu por direito, prévio às fronteiras criadas com a instalação do Estado de Israel em 1948. É uma onda de protestos a que chamaram “A Marcha do Grande Regresso”, que tem como objetivo alertar para a situação em Gaza, como explica ao Observador Amjad Yaghi, palestiniano a viver naquela língua de território: “Esta é a última esperança para os palestinianos em Gaza, porque estão cercados há mais de 11 anos. Não conseguem viajar, as condições humanitárias são muito más… A água está poluída, não há recursos naturais, a taxa de desemprego é acima dos 40%”, ilustra.

Desde então, quase 40 pessoas tinham morrido e mais de oito mil tinham sido feridas em confrontos com as forças armadas israelitas. Mas, esta segunda-feira, os protestos ganharam outra proporção. Segundo o Exército israelita, cerca de 40 mil palestinianos juntaram-se aos protestos. Entre estes manifestantes estavam mulheres e crianças. Os protestos decorreram em 13 pontos diferentes da fronteira entre a Faixa de Gaza e o território israelita, sendo que em alguns deles, segundo as forças armadas israelitas e outros relatos, milhares de pessoas terão tentado derrubar a vedação usada para separar parte dos dois territórios (na restante estão colocados muros de betão com vários metros de altura). Nessa altura, o Exército disparou contra os manifestantes e o resultado foram dezenas de mortos e milhares de feridos, sendo que mais de mil pessoas terão ficado feridas devido aos disparos israelitas.

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“Os manifestantes estavam desarmados, a exercer o seu direito à manifestação pacífica, reivindicando os seus direitos e fazendo passar a sua mensagem para todo o mundo. Não vi ninguém com armas, só vi algumas pessoas com pedras nas mãos”, garante Amjad. As Forças Armadas Israelitas garantem o contrário: muitos dos palestinianos que se concentraram nos vários pontos da fronteira utilizaram explosivos, armas e cocktail molotov para romper a vedação e invadir Israel.  “As Forças Armadas estão a responder com medidas de controlo anti-motim, de acordo com os protocolos do Exército”, garantiu um porta-voz. “O Hamas está a coagir os habitantes de Gaza a arriscar as suas vidas”, acrescentou.

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Jerusalém, a terra da discórdia

Enquanto os tumultos continuavam na fronteira com Gaza, em Jerusalém, na inauguração da embaixada norte-americana, o primeiro-ministro israelita falava num dia “histórico”. “Ao reconhecer a História, o senhor fez História”, declarou Benjamin Netanyahu para Donald Trump, acrescentando que Jerusalém “sempre foi e sempre será a capital do povo judeu e do Estado judaico”. Jared Kushner — genro do Presidente norte-americano e conselheiro com funções no processo de paz no Médio Oriente — esteve na cidade em representação de Donald Trump e comentou a situação do conflito israelo-palestiniano dizendo que “os que provocam a violência são parte do problema e não da solução”. “É possível os dois lados ganharem mais do que recebem para que todos possam viver em paz”, prometeu.

O Presidente norte-americano garantiu que continua “totalmente comprometido” com o processo de paz e defendeu a sua decisão de mudar a casa da embaixada norte-americana: “Um grande dia para Israel. Parabéns!”, tweetou Donald Trump.

Mas a mudança da embaixada norte-americana para Jerusalém, onde funcionam os departamentos governamentais e o Parlamento israelita, está carregada de grande simbolismo, especialmente devido ao estatuto da cidade. Dividida entre judeus e muçulmanos, é em Jerusalém que estão alguns dos locais de culto mais importantes para o judaísmo, o cristianismo e o Islão. A cidade antiga, onde estão a Igreja do Santo Sepulcro (onde estará o túmulo de Jesus Cristo), a Cúpula da Rocha (onde Maomé terá subido aos céus) e a mesquita de Al-Aqsa (terceiro local sagrado para o Islão depois de Meca e Medina) e o Muro das Lamentações, local de culto para o judaísmo, é gerido atualmente por uma força liderada pela Jordânia.

Atualmente, os judeus não estão autorizados a orar na Esplanada das Mesquitas, o complexo que alberga a Cúpula da Rocha — que terá sido construída sobre o Templo de Salomão — e qualquer indicação, ou mesmo rumor, de que essas regras podem mudar têm levado a confrontos entre palestinianos e israelitas. A questão é de tal forma sensível que Israel tem dito sucessivamente que não pretende alterar as regras e todos os países têm evitado a questão ao máximo, dizendo que a capital tem de ser partilhada entre os dois países.

Os Estados Unidos furaram em parte esta tradição com a mudança da embaixada, não se livrando das mensagens menos otimistas que chegaram do resto do mundo, fazendo com que a inauguração acabasse por ser abafada pelas manifestações e pelo elevado número de mortes. Dos 86 países convidados para a receção oficial no passado domingo, só 33 estiveram presentes. Desses, os únicos membros da União Europeia a marcar presença foram Áustria, República Checa, Hungria e Roménia. Esta segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Boris Johnson, classificou a decisão norte-americana de mudar a embaixada como uma “jogada com a carta errada na altura errada”. Johnson comentou igualmente os protestos na fronteira com Gaza distribuindo culpas por ambas as partes: “Pelo que sabemos, há pessoas a provocar a violência. Mas, por outro lado, tem de haver contenção no uso de munições.”

Paris também pediu “contenção”, acompanhada de “discernimento”, às autoridades israelitas e clamou a ambas as partes que evitem uma escalada do conflito. A UE, pela voz da sua representante internacional Federica Mogherini, também fez pedidos aos dois lados: “Israel deve respeitar o direito à manifestação pacífica e o princípio da proporcionalidade no uso da força. O Hamas e os que lideram os protestos em Gaza devem garantir que estes continuam a ser estritamente pacíficos e não devem explorá-los para outros fins.”

As reações mais críticas a Israel vieram, como seria de esperar, do mundo árabe. O Egito alertou para as “consequências negativas desta perigosa escalada nos territórios ocupados da Palestina”. A Turquia responsabilizou Israel, mas também os EUA, pelo que classificou de “massacre”, referindo-se às dezenas de mortos na fronteira da Faixa de Gaza com Israel.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, com Ivanka Trump durante a inauguração da embaixada norte-americana em Jerusalém.

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O Irão, que recentemente viu os Estados Unidos abandonarem o acordo nuclear, também não poupou nas palavras: “O regime israelita massacra um sem número de palestinianos a sangue frio quando eles protestam na maior prisão a céu aberto do mundo. Enquanto isso, Trump celebra a mudança da embaixada norte-americana ilegal”, escreveu no Twitter o ministro dos Negócios Estrangeiros Mohammad Javad Zarif.

Israel e Irão, duas das maiores potências do Médio Oriente, são inimigos confessos e recentemente viram a tensão entre ambos escalar significativamente. Israel acusou as brigadas iranianas na Síria de atacar os israelitas nos Montes Golã, um território disputado que atualmente faz parte de Israel e que faz fronteira com a Síria e com o Líbano, com os israelitas a responder com um ataque a posições iranianas na Síria e uma subida da retórica.

O Irão, que tem mantido, juntamente com a Rússia, o governo de Bashar al-Assad na Síria, e expandido a sua influência ao Iémen e ao Iraque, além de continuarem a controlar o Líbano através do Hezbollah, defende a destruição inequívoca do Estado de Israel.

O dia da “catástrofe” pode trazer mais violência

No total, desde que os protestos começaram no final de março, já morreram mais de 90 pessoas e cerca de 10.500 ficaram feridas. A Amnistia Internacional tem criticado a reação das forças de segurança israelitas, que considera desproporcionada, e alerta para a escalada da situação que se viveu esta segunda-feira. “Israel está a responder com militares e com balas reais a uma situação que não é de guerra”, considera o diretor executivo da ONG em Portugal, Pedro Neto, em declarações ao Observador.

“Esta é uma situação de há muitos anos, não é só de hoje. Há aqui uma série de atropelos e abusos de direitos humanos que têm sido feitos de parte a parte, começando nos colonatos da Cisjordânia (que é uma ocupação ilegal segundo a lei internacional), passando pela situação na Faixa de Gaza,um território onde estão confinados dois milhões de palestinianos sem acesso adequado à saúde, por exemplo”, acrescenta o diretor da Amnistia. “Tudo o que está a acontecer hoje não se pode ver isoladamente, mas neste enquadramento global. É horrível o que está a acontecer, mas infelizmente não é novo.”

Com 39 feridos graves, o número de mortos ainda pode subir. E os incidentes dificilmente se ficarão por aqui, até porque esta terça-feira é dia de celebrar a Nakba, o dia que para os palestinianos é o dia da “catástrofe”, símbolo do território perdido para Israel e de um povo que ainda não tem o seu próprio Estado — assinalando o culminar da “Marcha” preparada pelo Hamas e por outros líderes palestinianos. “Nos próximos dias a situação pode vir a complicar-se ainda mais”, avisa Pedro Neto.

Apesar da violência dos incidentes, o discurso continua a ser o mesmo de parte a parte. Israel culpa o Hamas e os manifestantes de tentarem invadir território soberano israelita, falando em “violência sem precedentes” junto à fronteira e acusando os palestinianos de recorrerem à violência para demonstrar a sua frustração e tentarem pôr em causa a vida de militares e civis israelitas. Os palestinianos culpam Israel pela violência da resposta e pela opressão que leva o seu povo a manifestar-se. Setenta anos depois da criação do Estado de Israel, pouco parece ter mudado, com a exceção de um edifício simples, mas cheio de simbolismo: uma embaixada dos Estados Unidos da América na cidade que é santa para quase todos, Jerusalém.

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