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ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Manuel Casimiro: “A maior parte da arte contemporânea não vale nada”

Rara entrevista com o artista visual que nunca quis ser avaliado à luz do êxito do pai, Manoel de Oliveira. Nesta quinta-feira, inaugura uma nova exposição em Lisboa.

Afirma-se sincero e abomina a falsidade, mas é afável quando fala sem evasivas. “A contemporaneidade não quer ter racionalidade, sensibilidade, intelectualidade, nada.” Pintor, escultor, realizador e fotógrafo, nasceu no Porto em 1941 e viveu mais de 18 anos fora do país, em Nice, Paris e Nova Iorque – para não ficar sujeito a que em Portugal avaliassem o seu trabalho através do brilho do pai, o realizador Manoel de Oliveira (1908-2015).

Começou a pintar em 1967 e nessa época realizou as primeiras exposições. Saiu em 1976, com uma bolsa da Fundação Gulbenkian. Só no fim da década de 80 começou a dar nas vistas no país de origem. Hoje está representado nas coleções da Gulbenkian e da Fundação de Serralves e também em instituições como o MAMAC, museu de arte moderna e contemporânea de Nice.

Nesta quinta-feira, 17, no museu da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa, inaugura uma exposição antológica, “Da História das Imagens”, com fotografias tiradas entre 1972 e 1988. Destacam-se as séries “A Cidade” (1972), “Projeto com Frutos e Legumes” (1976); “Le Cauchemar” (1980); e “Vénus e o Amor” (1988). Constam também fotografias e postais com reproduções de obras de referência no Ocidente intervencionadas com ovoides, figura geométrica que se tornou imagem de marca do artista.

Com a exposição, é projetado o documentário “Manuel Casimiro: Pintar a Ideia”, da autoria da curadora da mostra, Isabel Lopes Gomes – um filme estreado em Serralves, no Porto, a 9 de dezembro.

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Nem antigo nem moderno, provavelmente contemporâneo na medida em que vive nos nossos dias, Manuel Casimiro rejeita a exploração comercial da arte, tal como existe, e afirma nesta conversa, raro momento em que aceitou falar à imprensa, que o mercado está a comprar e vender obras “sem importância nenhuma”.

6 fotos

Que relação tem com a obra do seu pai? E que relação tinha ele com a obra do filho?
Não associaria o meu pai a isto, porque ele não tem nada a ver comigo neste aspeto.

Não influenciou a sua criação com opiniões?
Acho que não. Dávamo-nos muito bem, mas o meu pai tinha ideias próprias e eu também tenho as minhas.

Há artistas que se deixam influenciar por imagens que veem em filmes, por exemplo.
Não, acho podia ser mais o contrário. Há uma chaga num filme do D. Sebastião que parece uma pintura minha, só uma chaga num quadro preto que fiz uns dez anos antes do filme. Eu nunca copiei nada de nada. Acho que as pessoas têm de encontrar coisas próprias de si. Uma vez, mostraram-me um pintor americano, já não sei o nome, que também usava formas ovaladas, como eu. Pois, até o Andy Warhol fez formas ovaladas, há um quadro dele que parece meu. Quer dizer, eu crio a partir dos meus contextos. O escritor usa as mesmas palavras que outros escritores usaram, mas à sua maneira. Tenho uma obra própria, tenho essa vaidade, se me é permitido. Tenho uma obra que se identifica, qualquer obra minha que aparece num museu toda a gente dirá que é Manuel Casimiro, qualquer uma, e, no entanto, é uma obra variada. Poucos podem dizer o mesmo.

O seu pai apreciava o seu trabalho?
Às vezes destacam o facto de eu ser filho de Manoel de Oliveira. Ninguém escolhe o pai e a mãe. Tenho muito admiração pelo meu pai, claro. Mas acho que ele nunca entendeu bem o que eu faço, acho eu, acho eu, embora tivesse admiração. Já que falou no meu pai, falo também na minha mãe [Maria Isabel de Almeida Carvalhais], que igualmente admiro. Nunca achou que eu fizesse coisas maravilhosas. Tem um gosto académico, clássico, gosta de coisas muito bem desenhadas.

Na nova exposição, há apenas fotografias das décadas de 70 e 80. Fotografa atualmente?
Faço pintura tal como faço fotografia, mas de facto agora até tenho feito menos fotografia. Quer dizer, tenho o telefone, até tenho estado atento à qualidade dos telefones e este último já tem uma certa qualidade para fotografar. Estou sempre com o telefone, ando sempre a fazer fotos, mas pergunto-me se posso usar também essas fotografias… Quando digo que fotografo menos, refiro-me às máquinas tradicionais, de grande qualidade. Isso deixei. Tornaram-se máquinas mais incómodas do que o telefone. Mas sou sobretudo um pintor. Como alguém já disse, sou um fotógrafo que fotografa como um pintor. Para mim, os meios não alteram necessariamente a essência do meu trabalho. O “medium” – um filme, uma fotografia, uma pintura, uma escultura – é usado em função das necessidades, escolho aquele que materializa melhor o que quero fazer. O Pessoa dizia “não consigo ver sem pensar” e estou de acordo. Sou muito mental, acho muito importante, e não é uma coisa que esteja a descobrir agora.

"Hoje, tudo o que um artista faz pode ser arte. Fazem uma fotografia ao chão, é arte. Mas depois têm necessidade de serem legitimados pelos museus e nunca houve tantos museus como hoje. Há quem aceite esta falta de legitimidade e de consciência, dizem que hoje a arte não precisa de identidade, porque está sempre a morrer e a nascer. Ora, o que não tem identidade já não é arte. Se tudo é arte, porque é que teríamos museus?"

Quer dizer que parte para cada trabalho com uma ideia muito definida do que vai criar?
Sobretudo na fotografia, tenho vários entendimentos. Nesta exposição, vê-se isso. Há imagens que foram recolhidas em passeios solitários, com uma máquina fotográfica por companhia. Não parto para esses passeios com uma ideia. De repente, vejo uma paisagem, uma pessoa, um objeto que acho que dá uma boa fotografia e faço-a. É um pouco por acaso. E há outros trabalhos muito pensados, que são resultado de ideias precisas, caso da série “Le Cauchemar” [1980] e da série “Vénus e o Amor” [1988]. Na exposição, estão seis imagens que fiz, duas delas de dois metros por um metro, tamanho natural, que têm reminiscências de obras do Cranach [pintor renascentista]. “Vénus e o Amor” é um título pouco contemporâneo, mas ser contemporâneo nunca me preocupou. Entendo Vénus num sentido cósmico, universal, e por isso cobri de tinta preta uma fotografia que fiz com uma rapariga, representa a falta de conhecimento. Há outra com uma rapariga de velatura branca, que representa o conhecimento. Dou muito muita importância ao passado, hoje há muita gente do contemporâneo que julga que pode estar independente de tudo, que não precisa do passado, não precisa de nada, que dos cortes é que se faz a contemporaneidade, o que no meu entender é um enorme erro.

Mas o artista precisa de estar atento à atualidade, ou não?
O artista tem de se distanciar da atualidade, do imediatismo, para fazer uma reflexão, isso é que pode dar uma contemporaneidade com fundamento. A atualidade permanente compete às televisões, aos jornais, aos jornalistas, aos comentadores, eles é que têm obrigação de estar em cima da atualidade.

Como é que define a arte contemporânea?
Repare: a arte contemporânea não quer ter racionalidade, a meu ver, não quer ter sensibilidade, não quer ter intelectualidade, não quer nada, quer ser não sei o quê. Estou a falar em geral, não estou a falar em nenhum caso particular. Há casos sólidos e bons, mas a maior parte da arte contemporânea não vale nada. Daqui a uns anos, aquelas obras vão todas para o lixo. Quando as obras não têm uma identidade própria, quando o artista não se aprofunda no pensamento, e não vai ao fundo das questões que apresenta, quando não tem uma substância forte que possa de algum modo vencer o tempo, algum tempo, então não é nada. Walter Benjamim falou da reprodutibilidade das obras em massa. No entender dele, as obras perdiam a aura, mas iriam ser mais democráticas, porque haveria uma divulgação maior. Adorno, da mesma época, preveniu: mas essa arte massificada é uma arte sem consciência, logo, falta-lhe legitimidade. É o que está a acontecer. Hoje, tudo o que um artista faz pode ser arte. Fazem uma fotografia ao chão, é arte. Mas depois têm necessidade de serem legitimados pelos museus e nunca houve tantos museus como hoje. Há quem aceite esta falta de legitimidade e de consciência, dizem que hoje a arte não precisa de identidade, porque está sempre a morrer e a nascer. Ora, o que não tem identidade já não é arte. Se tudo é arte, porque é que teríamos museus?

Porque há obras para comprar e vender.
Pois é, o mercado. O mercado é uma coisa ignóbil quando faz uso da arte para ganhar dinheiro sem querer saber se a obra é boa ou má. O grande capital… Bem, em Portugal, não há grande capital, como sabe, somos um país de pechinchas, não há uma fortuna portuguesa para fazer isto que sabemos que se faz: o milionário tem um armazém, compra tudo quanto há de um artista, encomenda-lhe mais umas quantas obras a preços razoáveis, e depois, quando é oportuno, vende tudo e repete o mesmo processo com o artista seguinte. Não está preocupado com mais nada a não ser com o lucro. No meu entender, o artista tem de apresentar alguma coisa que inove as ideias que vêm de trás, alguma coisa que nunca foi feita anteriormente. Isso é difícil, faz-se com a mente. Não é dizer “agora vou fazer uma coisa para inovar”, não, é fazer uma obra com sinceridade. Se não inovo, é melhor não ser artista e fazer outra coisa qualquer. Se o que faço tem a capacidade de inovar, de pôr uma questão nova, de mostrar as coisas de maneira diferente, então vale a pena. A maioria dos artistas não pensa assim.

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Está a falar da pintura?
Em qualquer área. Acho que os grandes autores são aqueles que inovam, por isso é que permanecem. Porque é que ainda hoje falamos do Picasso ou do Da Vinci? Podem perder um pouco a moda, aqui ou ali, mas são pessoas que inovaram. O Picasso revolucionou o sentido estético, a maneira de ver o mundo.

É contra o comércio na arte?
Não sou contra, aceito que vivemos num mundo de comércio, tudo se compra e vende, mas estou contra os excessos do comércio, quando uma pessoa pega numa obra e a utiliza para ganhar milhões. Compra por cinco e vende por 500. O Lyotard [filósofo francês, 1924-1998], com quem convivi e que até me escreveu uma carta que está agora nesta exposição, dizia que é mau quando a arte serve para dar poder às pessoas ou serve apenas para fazer dinheiro. É uma deturpação da importância e do valor da arte. Uma pessoa muito rica pode comprar os jornais todos e fazer sair páginas e páginas sobre um só artista em que investiu. Depois, muitos colecionadores deixam-se influenciar por isso, não têm ideias próprias, não têm conhecimentos de ordem nenhuma, e vão comprar obras influenciados pelo que saiu na imprensa. Podiam comprar aquilo ou outra coisa qualquer.

Pode dar-se o caso de um artista muito promovido vir a ser um novo Picasso, com valor e conteúdo de facto.
Pode, pode. Olhe, eu tive uma vida muito difícil, dificílima. Fui para Paris com uma bolsa da Gulbenkian. Nunca quis imprensa e modas. Quando estive em Nova Iorque, estive para assinar contrato com uma galeria poderosa, a OK Harris [do conhecido Ivan Karp], que me propôs um calhamaço de obrigações. Eles até me arranjavam entrevistas de promoção na televisão e eu teria de lhes entregar “x” obras por mês. Quando vi aquilo, fiquei logo de pé atrás e não quis. Se calhar, até faço mais obras do que aquelas que me pediam, mas não queria ter essa obrigação. Também passei por períodos em que não pintava nem fotografava, andava metido comigo mesmo, preocupado com a vida e com a  reflexão sobre o trabalho.

Provavelmente, os criadores que aceitam a lógica da promoção permanente não querem ter vidas difíceis, como disse agora que teve. É legítimo que não queiram.
Não digo que não, mas então façam outra coisa, porque é que são artistas? Não quero julgar ninguém, estou apenas a dizer o que penso. Cada um fará o que entende com a sua vida. Agora, eu fiz assim. Tenho 77 anos, nunca andei atrás de promoção, andei sempre fugido a tudo, é a minha natureza, não me interessa aparecer nos jornais. A minha mulher é que acha que eu tenho de dar entrevistas e é por isso que estou agora a falar consigo. Fiz há não muito tempo uma exposição em Lisboa e marcaram-me entrevistas, mas recusei não sei quantas. As senhoras da galeria ficaram todas chateadas. Detesto. Nesta exposição vamos mostrar um documentário e a realizadora, durante as filmagens, quis ir comigo a um sítio que eu costumava frequentar. E disse-me para eu andar daqui para ali, como se estivesse a fazer o caminho de forma natural. “Desculpa, mas não vou fazer nada disso, não vou agora fingir, fazer de ator de mim próprio”. Também me queria filmar a pintar no atelier, mas não consigo pintar com uma assembleia, seria falso.

"As pessoas é que podem dar visibilidade às coisas e hoje a visibilidade é muito importante, como sabe. Simplesmente, é preciso que aquilo que é dado a ver tenha substância para se ver, caso contrário, o que é? É isso que me contraria hoje no mercado, essa falta de seriedade, porque estão a vender obras que não têm importância nenhuma na história da arte, não acrescentam nada."

Quanto mais um artista se isola, mais curiosidade pode suscitar.
Não era agora, aos 77, que essa curiosidade apareceria, porque já tenho uma obra vasta.

Sim, mas sempre houve um certo mistério à sua volta.
Sim, mas não me situo totalmente à margem, porque hoje vivo confortavelmente da pintura, dos colecionadores estrangeiros, dos museus, etc. Se estivesse à margem, não quereria vender as minhas pinturas. E há pintores que têm mais valor do que outros, uns são considerados mais importantes, claro. Não sou contra nada disso. Sempre segui o caminho de tentar ser verdadeiro no que faço, sensível e sincero. Na arte, é fundamental a sinceridade. O que repugna é a falsidade. As pessoas sabem: sempre fui muitíssimo intransigente e sofri com isso. Disse-me agora que a recusa pode aguçar a curiosidade do público, é verdade, só que eu não faço com essa intenção. Mas, também lhe digo: se a pessoa vai levantar o véu para satisfazer a curiosidade e depois o artista não tem substância, não tem obra capaz de reter o olhar e a atenção, essa estratégia não tem sentido.

A opinião sincera sobre a sua obra é de que ela tem capacidade para reter o olhar e a atenção das pessoas?
Não sou eu que digo, vários amigos filósofos o têm dito. Sempre tive mais amigos filósofos do que pintores, porque me ajudavam a entender as coisas. Não pretendo ser filósofo, simplesmente gosto de filosofia, porque me obriga a refletir sobre as questões, embora haja partes a que não tenho sequer acesso, porque são complexas. A filosofia ajudou-me muito a refletir, não me ajudou a pintar. A pintura ou a fotografia devem valer pela qualidade intrínseca, não porque o artista é um grande filósofo. O pensamento orienta a mão e facilita o entendimento das ideias que estão na tela de forma pictórica. Isto também não é muito contemporâneo.

Reconhece-se na expressão “artista visual contemporâneo”?
E o que é que entende por visual? O artista visual… Se ele não vê… Ele é o primeiro observador das obras. O Duchamp dizia que as obras são feitas por quem as observa, pelo público. Estou de acordo, em certo sentido. As pessoas é que podem dar visibilidade às coisas e hoje a visibilidade é muito importante, como sabe. Simplesmente, é preciso que aquilo que é dado a ver tenha substância para se ver, caso contrário, o que é? É isso que me contraria hoje no mercado, essa falta de seriedade, porque estão a vender obras que não têm importância nenhuma na história da arte, não acrescentam nada.

Quer dar exemplos de artistas portugueses contemporâneos que têm substância?
Prefiro guardar para mim, já tenho muitos inimigos.

Neste caso, iria elogiar quem acha que tem substância.
Poderia dizer, se tivesse um artista à minha frente que quisesse falar em particular sobre as suas obras, em confronto com a minhas. Aí não teria pejo nenhum. Posso dizer o seguinte: um artista que não tenha substância, mas que se apresente mais como empresário e menos como artista, pelo menos é honesto.

"Injustiça tem havido, nem sempre me levaram a sério aqui em Portugal. Agora já me reconhecem porque fui reconhecido noutros sítios"

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Disse no início da conversa que fotografa com o telemóvel. Que telemóvel usa?
Tenho computador e telefone da Apple.

Um dia vai expor essas fotos?
Talvez, não sei. Ainda nem tirei as fotos da memória do telefone, tenho mais de três mil fotos. Não sei. Talvez eu tenha consciência de que estas imagens não têm qualidade para desenvolver…

Fale-nos um pouco do ovoide, uma forma que está presente nas suas obras desde o início da carreira.
O ovoide é um ator abstrato nas minhas obras e eu não diria carreira, recusei carreira, tenho um percurso. A carreira é já com sentido de negócio. Eu faço negócio, mas tenho um percurso, em caminhos solitários, diferentes, procuro a diferença para descobrir qualquer coisa desconhecida.

Como nasceu o ovoide?
Comecei por fazer pinturas com ovoides em papéis, por volta de 1967, 68. Nessa altura, não estava dedicado 100% à pintura e desenhava padrões para tecidos numa fábrica, mas nem é uma coisa que ache muito interessante contar hoje. O que pretendia na vida era fazer alguma coisa que tivesse substância, que me fizesse pensar e refletir. O ovoide nasceu quase inconscientemente, com um pincel molhado num recipiente com tinta. Num papel branco, toquei com o pincel, quis fazer uma forma mínima, vazia de conteúdo e que pudesse receber, em diferentes situações, outros conteúdos. Por isso é que digo que é um ator. O ator enquadra-se numa história e o ovoide, neste caso, também. Fiz pinturas em papel nos anos 60, depois é que passei a telas, uma dessas telas foi comprada há pouco tempo pela Gulbenkian, com mais de um metro por dois, uma das maiores que fiz e também uma das primeiras, de inícios dos anos 70. O ovoide estava talvez um pouco influenciado pelo estruturalismo, mas não quis academizar muito. Depois, o ovoide saiu das telas e começou a fazer uma visita à história da arte, comecei a utilizá-lo em imagens de outros artistas que me marcaram.

Defende uma aprendizagem académica para o artista?
Acho que as escolas, às vezes, podem ser muito más. Não tenho escola, não tirei curso de pintura, mas mais tarde fui convidado a dar aulas em França. O professor convidado é muito bem pago, é um estatuto de reconhecimento. Não aceitei, embora me desse jeito o salário. Achei que não era professor, iria defender as minhas ideias e fabricar “casimiros”, tive essa consciência. Acho que os bons professores são aqueles que gostam de viver o ramerrame.

"Além da exposição, vai passar um documentário, que já passou em Serralves. Fizeram-me lá essa pergunta: 'Porque é que foi para fora, se tinha cá um pai tão conhecido?'. Ora, é exatamente o contrário. É excelente ter um pai assim, mas também é mau do ponto de vista profissional, porque depois dizem que o filho só é conhecido por ser filho do Manoel de Oliveira."

Um criador não dá um bom professor?
Acho que é isso. Pode dar, mas eu não tenho capacidade. Tenho ideias muito bem estruturadas, creio eu. Não quer dizer que sejam ideias imóveis, movem-se no tempo e no espaço. Mas tenho um entendimento das coisas muito afirmativo, por um lado, e muito vivido, por outro, e acabaria por deformar os alunos. Com isto tudo que estou a dizer até parece que tenho um lado moralista, não tenho nada. Acho que as pessoas têm que ter uma certa sinceridade. Se todos fossem mais sinceros, o mundo andava um pouco melhor.

Porque é que viveu tantos anos fora do país?
Além da exposição, vai passar um documentário, que já passou em Serralves. Fizeram-me lá essa pergunta: “Porque é que foi para fora, se tinha cá um pai tão conhecido?”. Ora, é exatamente o contrário. É excelente ter um pai assim, mas também é mau do ponto de vista profissional, porque depois dizem que o filho só é conhecido por ser filho do Manoel de Oliveira. Também nunca senti grande curiosidade das pessoas. Numa das primeiras exposições que fiz no Porto, na Galeria Alvarez, vi pessoas, que não me conheciam, a rirem-se. Fiquei muito chocado na altura. Fui para fora e ainda bem.

Mas hoje já tem grande reconhecimento em Portugal. Ou sente-se de alguma forma injustiçado?
Não estou muito preocupado com isso, mas, sim, injustiça tem havido, nem sempre me levaram a sério aqui em Portugal. Agora já me reconhecem porque fui reconhecido noutros sítios. Mas não estou a pensar em sucessos, não tenho esse espírito. Se escrevem no jornal alguma crítica com inteligência ou com sinceridade, claro que fico sensibilizado, mesmo que discorde, porque estão a dar atenção ao que faço. Seria hipócrita negar. Olhe, prezo mais ouvir opiniões de um grupo de amigos, quando vamos almoçar e apreciamos juntos um bom vinho.

A exposição está patente até 17 de março. Mais informações aqui

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