É talvez o nome mais conhecido no Brasil quando se fala de temas de família, mas a fama deste ex-jornalista transformado em ativista já chegou a outros países – Portugal incluído, onde é frequentemente reconhecido na rua de cada vez que visita o país para uma nova conferência ou evento corporativo.
Marcos Piangers garante que só quer deixar as pessoas a pensar no papel dos homens na sociedade. E como podem ser melhores. Melhores companheiros, melhores trabalhadores, melhores pessoas, melhores pais. Daqueles que choram e erram e têm dúvidas. E, sobretudo, daqueles que estão presentes na vida dos filhos.
Já vendeu meio milhão de livros, tem cinco milhões de seguidores nas redes sociais, os vídeos que partilha já foram vistos mais de 500 milhões de vezes. Enche auditórios, esgota salas de conferências e até já fizeram um filme inspirado na vida dele.
Quando começou a falar de temas de família, alguma vez sonhou que Marcos Piangers, o jornalista — primeiro no canal de televisão RBS, depois na Rádio Atlântica, mais tarde na Globo, no Rio de Janeiro — se tornaria um dia em Marcos Piangers, o palestrante, conferencista, ativista, autor, argumentista, perito em temas de família (que não gosta de ser chamado de perito), que esgota salas em São Paulo, Rio de Janeiro e tantas outras cidades brasileiras, mas também no estrangeiro?
Dito dessa forma, fica um pouco assustador. Mas a impressão que tenho é que foi tudo gradual e, por isso, fui-me acostumando. Ainda assim, quando vejo um filme baseado na história da minha família, baseado na história da minha mãe solteira, que me criou sozinha, baseado na minha história, de um pai que cresceu sem pai e, ainda assim, se esforça por ser um bom pai — e que erra, obviamente, como todos os pais —, devo dizer que nem nos meus sonhos mais malucos achei que isso seria possível. E quando vejo salas de cinema cheias e pessoas a assistirem a esta história, fico ainda mais assustado, porque parece que se trata de outra pessoa. Como se aquele não fosse eu.
Já falaremos sobre esse filme, mas antes gostaria de voltar atrás no tempo. Já passaram alguns anos desde que lançou em Portugal, em 2017, O Pai é Top, a edição portuguesa do sucesso O Papai é Pop. E passaram alguns anos desde a famosa apresentação (que se tornou viral) O que As Minhas Filhas Precisam, numa conferência TEDx. Muita coisa mudou desde que começou a falar de parentalidade e de um papel mais ativo dos homens no processo de educação de uma criança. Acha que a perceção que as pessoas (e os homens em particular) têm sobre estes temas também mudou?
A minha primeira filha, Anita, nasceu em 2005. Naquela altura, cada vez que a levava a algum evento, os meus amigos perguntavam-me se eu estava em modo babá [ama], como se eu fosse um auxiliar da minha mulher e não um pai. Portanto, em 2005, percebi que a sociedade em geral — e talvez isto seja mais marcante no Brasil — não considerava o homem como uma parte integrante da família, que cuida e exercita o afeto. O Brasil tem uma constituição de 1988 e a licença de paternidade é de cinco dias. E quando um deputado subiu ao palanque da [Assembleia] Constituinte, nesse ano, e deu a ideia de uma licença para que os homens pudessem cuidar dos filhos, foi motivo de piada. O plenário riu-se dele e chamaram-lhe “mãe de gravata”.
Qual o tempo atual de licença parental para o pai, no Brasil? O que diz a lei federal?
Continua a ser de cinco dias. E isso permite perceber que aquela sociedade, no início dos anos 2000, não era muito diferente da de 1988. Não percebe que o homem é um ser que participa e faz parte da família a todos os níveis e não apenas como provedor, alguém que garante o sustento.
E hoje em dia? Com tanta coisa que mudou, essa visão do homem não terá mudado também? Tem agora 42 anos, a sua filha mais velha tem 18 e a mais nova tem 11. Continua a ver estes temas da mesma forma? Em Portugal temos a expressão “pregar aos convertidos”. Sente isso, às vezes? Que hoje fala para pessoas que estão muito mais sensíveis a estes temas?
Acho que parte do meu público pensa “concordo com tudo o que ele está a dizer”. Mas há ainda muita gente que me ouve e diz que nem sabia que isso poderia existir. Pessoas criadas por pais distantes, autoritários, muitas vezes violentos — ou mesmo ausentes, como aconteceu comigo — não sabem que existe essa possibilidade, esse caminho de o homem ser participativo na educação de um filho. E que esse caminho tem um impacto positivo na vida dos filhos, da mulher e na sua própria vida. As investigações académicas sobre a maternidade e a importância da mãe na vida das crianças são antigas, podem datar dos anos vinte ou trinta [do século passado]. Mas as discussões e investigações a respeito da importância de um pai na vida de uma criança, na educação de um filho e o papel do homem na família são muito recentes — da década de 1970. E as neurociências só se aperfeiçoaram nos anos 90. Hoje sabemos os benefícios de ter pais participativos na família e não apenas para a criança e para o outro adulto.
Tem sempre essa preocupação de apresentar dados atualizados e validados cientificamente. Trabalha com uma equipa grande que o ajuda a preparar as palestras e conferências em torno do tema da parentalidade. De quantas pessoas falamos?
Sou, antes de mais, um comunicador, e começo por partilhar o que vivo com as minhas filhas. Digo sempre que não tenho nada para ensinar, limito-me a partilhar as reflexões que aprendi com a Anita e a Aurora, as minhas filhas, com a Ana, a minha mulher há mais de vinte anos, e com a minha mãe, uma “mãe a solo” que me ensinou muito. Tenho a equipa da minha empresa, seis pessoas, a quem peço ajuda para muita informação. Mas, na sequência do sucesso do livro e do filme, há muitas pessoas que querem partilhar as suas histórias e os seus estudos. Hoje em dia tenho uma rede de pediatras, pedagogos, neurocientistas, psicólogos, psiquiatras a quem recorro. É uma equipa informal de muitos contactos ligados à parentalidade, espalhados pelo Brasil e pelo Mundo, que me ajudam a estar atualizado para as conferências.
Nessas conferências, sejam eventos corporativos ou outros abertos ao público, com venda de bilhetes, já lhe deve ter acontecido encontrar pessoas que já o ouviram mais do que uma vez. Há muitos repetentes?
Sim, hoje isso acontece bastante: encontrar alguém que já assistiu a seis, sete palestras minhas. E fico preocupado, claro. Pergunto se fui muito repetitivo e se a pessoa já conhecia todas as informações e piadas. Mas, no geral, dizem que não, que em cada conferência encontram coisas novas e interessantes que as deixam a pensar. Além de eu estar sempre atualizado, as minhas filhas estão sempre a crescer e a ensinar-me coisas novas.
E continua a receber relatos pessoais? Pessoas que partilham também histórias delas ou das formas diferentes de agir que passaram a adotar depois de o ouvir?
Gosto de uma frase de Cícero que dizia que o bom orador é aquele que faz as pessoas ficarem a pensar nelas mesmas e não no orador. E esse tem sido o meu objetivo. Não tenho interesse nenhum em que as pessoas fiquem a pensar se sou bom palestrante. O que quero é que fiquem a pensar como podem ser melhores pessoas. Melhores pais, melhores maridos. E falo muito para os homens porque parece-me que temos de refletir muito mais do que as mulheres, que já têm muitos grupos de discussão na internet e muitos canais através dos quais desabafam e partilham. Há todo um conjunto de fontes e formas de as mulheres se ligarem a elas mesmas e pensarem sobre isso e a relação que têm com o corpo, o parto, a amamentação, etc.. Os homens ainda precisam de fazer esse caminho.
Já vai havendo, felizmente, grupos de pais para partilhas destas e nas redes sociais já se encontram alguns que apelam a essa reflexão e participação. O seu nome surge frequentemente em discussões dessas. O feedback que as pessoas lhe dão influencia-o também? Isso funciona nos dois sentidos?
Sim, sem dúvida. Na semana passada estava em Curitiba e, no final de uma conferência, dois pais vieram conversar comigo. Um deles tem um filho com Síndrome de Down e disse-me que tinha dificuldades em conectar-se com ele. Não conseguia entender por que razão o filho era atípico e não sabia ser pai de um filho atípico. E tinha dificuldade em conversar com psicólogos, amigos ou grupos de apoio sobre o assunto. Contou-me que, ao ver os meus vídeos, foi percebendo que o papel dele não era necessariamente o de mudar o filho, transformá-lo noutra coisa. Sentiu que o que precisava era de conhecer o filho, aceitá-lo e celebrar o facto de ser assim. E passar tempo com ele. É muito complicado para alguns pais, que projetam ideias e têm expectativas de os filhos serem iguais a outras crianças.
Encontra muitos pais destes?
Encontro alguns que me falam e dizem o que pensam. Ou pensavam. O que costumo dizer a esses pais é que nenhuma criança é igual a outra e todas têm, de alguma forma, uma questão atípica. Algumas terão uma absurda facilidade de aprendizagem, outras terão uma absurda dificuldade de aprendizagem. Umas serão mais agitadas, outras serão mais calmas. E aquele pai contou-me que tinha passado a levar o filho, todas as sextas-feiras, em passeios de carros clássicos. Ele é colecionador, tem um carro descapotável antigo e o filho adora aquilo. Passaram a relacionar-se de outra forma e, graças a esses pequenos rituais, o filho começou a chamar por ele em situações de perigo ou perante problemas. Dantes só chamava a mãe, mas, a partir daí, passou a recorrer também ao pai em caso de necessidade e a pedir o colo dele. Lembro-me bem dessa história. E de outra, a de um homem que perdeu o pai muito cedo e que tem um filho que é muito parecido com o pai dele — ou seja, com o avô. E, um dia, o filho, pequeno, disse-lhe: “Pai, tu tens muitos traumas, não tens?”. Estavam a ver um filme e o pai deitou o cabeça no colo do filho, que começou a fazer-lhe festinhas e a dizer “meu filhinho”. E esse homem falava comigo sobre isso: sobre esse caminho de olhar para dentro e perceber os gatilhos, as perdas, as mágoas, as frustrações que tem. E como começou a fazer esse caminho e a tentar curar-se.
É um caminho duro, esse.
É, sobretudo numa sociedade que não incentiva o homem a falar de emoções e de sentimentos. Não incentiva o homem a olhar para dentro e a olhar para o outro de forma afetiva.
Com a quantidade de informação a que temos hoje acesso sobre desenvolvimento emocional, educação, nutrição, saúde, etc., somos certamente os pais mais bem informados que já existiram. Temos — em algumas zonas do globo — as necessidades básicas asseguradas. O que continua a faltar para sermos melhores pais?
Ainda temos de lutar contra um sistema que incentiva o homem a ser um mero provedor. Um fornecedor. Temos uma construção da nossa masculinidade que não nos deixa demonstrar muita tristeza porque o homem não chora. Não podemos demonstrar muita alegria porque o homem não dança. Não podemos demonstrar nojo porque o homem tem de comer de tudo. E não podemos demonstrar medo porque o homem tem de ser corajoso. E falo só das emoções básicas. O Paul Ekman [psicólogo americano] fala bem sobre isto. Quem viu o filme Divertida-mente encontra algumas relações. Eu, como homem, não posso ter medo, tristeza, nojo ou alegria. Só posso ter uma emoção: raiva. É a única emoção básica que me é permitida, como homem.
E isso tem reflexos.
Claro que tem. O que é que acontece? Somos a maioria nos homicídios, nas discussões de trânsito, nos casos de violência doméstica, na população reclusa. Somos a maioria dos suicídios. Os homens matam-se quatro vezes mais do que as mulheres. Então, mesmo com toda essa informação e com toda essa conversa — e até com esta entrevista —, muitos homens ainda não conseguem ser apenas pessoas que se permitem a sentir alegria, tristeza, medo ou nojo. Muitos homens continuam a não conseguir olhar para dentro. E eu acho que a paternidade é a chave que permite abrir essa prisão, porque descobrimos que o homem chora, cuida, celebra. Descobrimos que o homem tem medo. A paternidade permite ao homem essa descoberta.
Falávamos há pouco do filme Papai é Pop, lançado em 2022 e baseado na sua história e no seu livro. É também um reflexo da quantidade de pessoas a que chega e da mensagem que quer passar. Como é que surgiu a ideia do filme?
Em 2018 recebi um telefonema da produtora Galeria e disseram-me que queriam comprar os direitos do livro. Pensei que fosse um filme pequeno, que passaria em algumas (poucas) salas de cinema. Mas os anos foram passando, entrou 2019, veio 2020 e a pandemia, e tudo foi adiado. O argumento começou a ser desenvolvido e estávamos a trabalhar nisso quando uma produtora grande mostrou interesse em produzir o filme. Depois, um ator gigantesco, o Lázaro Ramos, foi contratado para o papel principal, outra atriz extraordinária, Paola Oliveira, foi contratada para fazer de Ana, a minha mulher, e a minha mãe é representada por Elisa Lucinda. O elenco ficou fora de série e o filme foi um sucesso em 2022, exibido em 800 salas de cinema no Brasil inteiro. Foram 800 salas de cinema a exibir um filme sobre um pai participativo e sobre como isso pode ser transformador.
Foi uma forma de chegar a outros públicos…
Sim. Teve um impacto social grande e nunca imaginei que isto algum dia pudesse acontecer. Mas o principal era a mensagem: é possível ser um bom pai. Não importa o contexto, não importa se não tiveram pai, não importa sequer se abandonaram um filho. A vida é longa e é possível ser um bom pai.
Há sempre uma nova oportunidade para corrigir caminhos.
Isso mesmo.
E o filme vai chegar às plataformas de streaming?
Os direitos foram comprados pela Amazon Prime Video e em julho ou agosto devemos ter o lançamento do filme nesse suporte.
Estará disponível em Portugal?
Acredito que sim. Vou lutar por isso, está prometido.
Falava da questão do abandono e de que isso não tem necessariamente de ser uma marca para a vida toda. Foi o que aconteceu consigo: só conheceu o seu pai quando já era adulto. Foi o principal motor para começar a escrever sobre estes temas? Sentir o pai que não teve e o pai que podia vir a ser?
O principal motor foi o deslumbramento com a paternidade e a transformação que vi na minha vida. Com a chegada de duas meninas, percebi que tinha muita coisa para conhecer no mundo. Não sabia nada sobre ser pai, ser marido, ser homem. Não sabia nada sobre a minha própria vida e os meus traumas com o passado na relação com a minha família. Eu não acho que o meu abandono tenha sido fundamental aqui. Até porque, se tivesse um grande pai, inspirador, teria escrito sobre estas coisas de forma também deslumbrada, mas teria errado menos. O abandono de uma criança não traz nenhum benefício. Pelo contrário, a presença efetiva, amorosa, aconchegante, traz muitos benefícios.
E a questão do abandono do seu pai e de a sua mãe o ter criado sozinha? Só conheceu o seu pai quando tinha 36 anos. Tem isso bem resolvido? Sem mágoa?
Nenhuma mágoa.
Sabe se o seu pai leu alguns dos seus textos? Ou terá visto o filme? Saberá ele o que o Marcos pensa sobre os efeitos de um pai ausente e como isso influencia a educação e a formação da personalidade de uma criança?
Não sei. Espero que tenha lido. Mas o que escrevo não é sobre o meu pai, especificamente. O meu trabalho é sobre todos os pais. Os que se sentem apavorados com a chegada de uma criança. Os que não olham para dentro. Os que não são capazes de se vincular em relações duradouras. É para esses que escrevo.
Costuma estar com o seu pai? Encontram-se?
Não, não costumo. Convidei-o para o lançamento do filme no Rio de Janeiro, mas ele não foi. Mas estou tranquilo com esse assunto. Até porque acredito que ele tenha abandonado a minha mãe e não tenha querido saber de mim sobretudo porque a sociedade construiu essa ideia de que um homem é menor quando troca uma fralda, leva o filho ao pediatra ou cuida dele. E quando ele próprio vai ao médico.
Não acha que há hoje uma outra visão da figura masculina, menos embrutecida? Que se cuidam, que se tratam, que pedem ajuda quando precisam, que estão atentos à sua saúde mental, etc.? Ou isso existe apenas numa bolha muito privilegiada?
Mesmo com toda a informação, vocabulário moderno, os números mostram que dentro de casa os homens continuam violentos e que continuam conectados com a sua raiva, que é transgeracional.
O tema da parentalidade positiva e de uma forma mais humana de educar um filho enquanto se tenta manter a calma provoca a muita gente um revirar de olhos. Eu próprio, que sou pai, já o fiz algumas vezes. “Mas como assim, não gritar? Como assim, não nos enervarmos com os filhos?”
Eu também sinto isso (risos).
O Marcos Piangers, o autor que tem aqueles vídeos virais que emocionam toda a gente, com mensagens que queremos muito partilhar e mostrar a outros, também revira os olhos às vezes? Também se enerva e também se chateia? E também solta um grito de vez em quando?
Sim. Mas tenho bastante vergonha das vezes em que eu acreditava que o castigo, o grito e a palmada eram formas de educar as minhas filhas.
Houve alturas em que pensou isso?
Sim, sem dúvida. Tenho uma memória da estar a segurar a minha filha quando ela era pequena e estava com algum descontrole emocional. E eu ali, com uma grande raiva. Penso nisso e fico muito arrependido. Eu sei que a minha filha é um ser bondoso e hoje entendo o suficiente sobre neurociência infantil para saber que o cérebro das crianças não está preparado na primeira infância para entender o que nós queremos. E vai-se adaptando até aos 25 anos. Por isso temos de lidar com essa parentalidade de acordo com o desenvolvimento cerebral dos nossos filhos. E por isso é essencial termos uma educação neurocompatível.
Então, aqueles pais sensíveis a estes temas que têm medo de que, um dia, o filho chame o Marcos Piangers para falar com eles se não se portarem bem…. podem estar descansados? Afinal, o Marcos Piangers também já gritou.
Sim, sem dúvida. Um dia, no fim de uma palestra, um homem veio ter comigo e perguntou-me se aquilo era tudo verdade. Respondi que sim, que estava a falar da minha vida, e ele disse-me que eu o tinha feito sentir-se muito mal. E quando eu disse que não era essa a minha intenção, ele saiu-se com esta: “Então diga-me alguns erros que tenha cometido”. E eu contei.
Eram muitos?
Eram alguns. Se falo em ser um bom marido, é porque já fui um mau marido. Se falo em ser bom pai, é porque já fui mau pai. Se falo em pais presentes, é porque já fui um pai ausente. Aprendi precisamente com os meus erros. E é por isso, por essa razão, que não romantizo o abandono do meu pai biológico. Se eu tivesse tido um pai mais participativo e presente e amoroso, seria hoje um pai melhor, a minha mulher teria sofrido menos, a minha mãe teria sofrido menos e as minhas filhas teriam sofrido menos. Tudo o que sei é fruto de erros. E tudo o que digo é para que as pessoas não caiam nos mesmos erros que eu. Ou, se o fizerem, para que pensem que não tem de ser assim.
E continua a errar? E a concluir, algumas vezes, que esteve menos bem em casa, na sua vida, com as suas filhas? Só para não ficarmos todos a sentir-nos mal…
Eu não me sinto uma pessoa iluminada ou melhor do que os outros. Mas estou muito feliz com a paternidade que exerço hoje. Dou um exemplo: a minha filha começou a namorar. É verdade, conheci o primeiro namorado da minha filha.
O dia haveria de chegar.
E chegou… Um dia entrei em casa e estavam uns ténis número 44 à porta.
Não há nada que nos prepare para isso.
Exato. A não ser a conversa com amigos e com pais que já passaram por isso. E a não ser a minha busca por ser um pai calmo. Sempre que me perguntavam que tipo de pai é que eu queria ser e ainda não era, respondia que queria ser um pai calmo. Tranquilo.
Muito contrário à ideia ainda muito veiculada, quando somos pais de meninas, do pai agressivo que um dia terá de comprar a caçadeira para o momento em que começarem a chegar os namorados.
Estou muito feliz com a minha paternidade de hoje ao olhar para a minha filha e ver que ela fez uma escolha maravilhosa, com um namorado educado, boa gente, eloquente, respeitoso… A minha filha tem 18 anos e o principal que eu e a mãe tínhamos para fazer já fizemos. Tudo o que eu tinha para educar, já eduquei. Ela é uma pessoa, não é uma coisa que eu vou passar para outro homem, não tenho controlo sobre as decisões dela. E não podia estar mais satisfeito com isso.
Falávamos há pouco do feedback das famílias, e dos pais em particular, aos seus vídeos, às partilhas nas redes sociais, às conferências. Mas já vai tendo reações de filhos, também? Há crianças que estão a crescer num mundo em que os pais veem vídeos de parentalidade positiva, leem coisas do Marcos Piangers, etc.. Isto faz delas crianças mais informadas, mais exigentes, mais sensíveis a este tipo de temas? Ou seja, o seu trabalho contribui não só para ajudar pais, mas também crianças que tenham acesso a estes conteúdos?
Sim, sem dúvida. Tenho recebido muito feedback de crianças em lançamentos de livros e em eventos e palestras. Dizem-me que os pais veem os meus vídeos e que elas acham que isso é bom. E a própria criança ensina-nos. Quantos filhos não chamam a atenção dos pais pelo tempo que os mais velhos passam agarrados ao telemóvel? Quantos não escondem o aparelho para que o pai e a mãe lhes deem mais atenção? A minha filha mais nova disse-me um dia que eu só a veria se ela se colocasse atrás do telemóvel, para garantir que eu olhava para ela. As crianças têm noção do que é uma vida familiar saudável e os pais que perceberem isso conseguem transformar essas ideias numa espécie de motor. Por isso, acho que os adultos têm muito a aprender.
E também recebe muito feedback de mulheres…
Sim, sim. Quando entreguei o meu passaporte à funcionária do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no Aeroporto de Lisboa, ela disse-me que costuma ver os meus vídeos e encaminha para o marido. “Melhorou muito o nosso casamento”, disse ela.
E sente que isso é uma espécie de missão?
O meu objetivo principal é a sensibilização dos homens, que infelizmente estão presos nesta ideia que a sociedade lhes impõe. Ninguém vem mau ao mundo. E os homens não são exceção. Os rapazes nascem carinhosos, bondosos, generosos, sensíveis, cuidadores. Mas, aos poucos, são embrutecidos e vão sendo afastados da sua sensibilidade. O que pretendo é chamar à atenção para isso e apelar à reflexão. E acredito que vamos lá.
Os seus principais clientes são grandes empresas, para as quais fala de vários temas, sempre envolvendo histórias pessoais e puxando pelo lado familiar. E não apenas no Brasil, certo?
E vou também a muitas escolas. Mas as grandes empresas estão entre os principais clientes, sim. Além do Brasil, já estivemos no Reino Unido, EUA, aqui em Portugal, Espanha. No próximo ano vamos ao Japão.
E chegou a ponderar a possibilidade de se mudar para Portugal, nos últimos anos. Ainda o vamos ter como vizinho?
Talvez, quem sabe. Pensámos em vir no início de 2020, mas a minha mãe adoeceu e não foi possível. Mas gostava muito. Este país é maravilhoso.