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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Maria Botelho Moniz: "Televisão é imagem, mas a imagem não tem de ser a medida das tuas calças"

De atriz a apresentadora, Maria é uma figura consensual da televisão portuguesa. Uma história de desilusões, preconceito e sonhos -- o último realizou-se em janeiro, quando assumiu as manhãs da TVI.

Passaram 16 anos desde a primeira aparição de Maria Botelho Moniz na televisão — foi na série “Inspetor Max”, da TVI. Muito mudou desde então. Formada entre Lisboa e Nova Iorque, a atriz tornou-se apresentadora quando o meio da representação não lhe abriu as portas que esperava. Fez carreira na SIC e, 12 anos depois, saltou para a dianteira do entretenimento nacional. Em março de 2020 regressou à casa de partida e, menos de um ano depois, deixou a segunda fila que ocupava no alinhamento televisivo nacional e assumiu o leme das manhãs, numa das mais surpreendentes apostas da era Cristina Ferreira na estação de Queluz de Baixo.

“Chateia-me que peguem em coisas tão pequenas e escrevam textos tão longos”, desabafa durante a conversa que teve com o Observador, no Torel Palace, em Lisboa. Seguida por mais de 400 mil no Instagram, acusa a pressão do livre trânsito de pareceres e palpites que tem lugar nas redes sociais. “Há dez anos, teria sido muito pesado ler algumas coisas”, remata a apresentadora, agora com 37 anos.

Mas o percurso em televisão foi fazendo outras mossas, nomeadamente a insegurança quanto à sua imagem, a qual acabou por resolver sozinha. Maria nunca vestiu um 34, mas a “máquina”, como lhe chama, nem sempre esteve formatada para isso. Hoje, a diversidade de corpos, caras, entoações e sotaques é uma premissa entre a nova geração. Sobre assédio sexual, não se alonga. Diz apenas que nunca o sofreu na pele nos bastidores da televisão, mas que acumula anos de histórias e desabafos. Não sabe se teria a coragem de denunciar — a “máquina” é muito “complicada de encarar”.

Em 2014, sofreu uma perda irreparável — a morte do namorado de há dez anos num acidente de carro, a seis meses do casamento. Uma fase dolorosa, da qual recuperou gradualmente com apoio clínico, numa altura em que a saúde mental não era ainda um tema ampla e naturalmente debatido em público. “Recebo até hoje dezenas de mensagens por dia” revela. Na esperança de inspirar outros, Maria fez da experiência do luto bandeira, sem nunca esquecer o valor da privacidade. Um equilíbrio que gere até hoje e que talvez seja o segredo de uma das figuras mais consensuais da televisão portuguesa.

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Faz ideia de quem escreveu a sua página na Wikipédia?
Não faço a menor ideia. Quem foi? Sabe? Acho que só lá fui uma vez, não sei que updates há desde então.

Um fã, provavelmente?
Talvez. O Cláudio [Ramos] costuma dizer que sou a pessoa que ele conhece com mais clubes de fãs. Não sei se isso é uma coisa boa ou não.

Tem muitos clubes de fãs?
Tenho. No Instagram então tem sido um diferente todas as semanas. Não sei porque é que não se juntam todos. Mas deixa-me muito contente.

Porque é que isso acontece?
Muito sinceramente, acho que têm vindo a crescer comigo. Sei que algumas delas já vêm dos tempos de Facebook, de Twitter, ali do tempo do “Curto Circuito”. Outros vêm do “Big Brother”, que também chegou a muita gente mais nova. Identificam-se com a minha maneira de comunicar, se calhar. Não tento que seja de uma maneira ou de outra, mas acaba por ser vista de uma forma leve e simples. Vêem-me um bocadinho como uma amiga que querem levar a sair à noite. Recebo muitas mensagens a dizer coisas do género: “Maria, sei que não te conheço de lado nenhum. Desculpa tratar-te por tu, mas sinto que somos amigas”.

"Estava à espera de sair do Conservatório, de me darem uma protagonista e de, de repente, ser uma estrela. Não é assim que acontece, ou acontece a muito poucas pessoas. Hoje em dia dou muito valor ao facto dessas autoestradas não se terem aberto para mim."

E é boa ideia querer sair à noite consigo?
É sempre divertido. Mesmo antes da pandemia já não era de grandes saídas, mas gosto sempre de uma saída com amigos. E gosto dessas abordagens assim em ambientes fora. Acho engraçado, as pessoas já estão um bocadinho mais soltas, já dizem realmente aquilo que sentem e são sempre muito simpáticas comigo. Não me posso queixar.

Em nenhum momento sente o seu espaço invadido?
De todo. Pelo menos comigo — que só posso falar da minha experiência — as pessoas são muito cuidadosas. E são sempre tão simpáticas que é como se um amigo estivesse a vir cumprimentar-me. Nunca me tomam muito tempo, sempre só uns segundinhos para dizerem que gostam de ver, que estão a acompanhar ou para dar uma opinião, na altura sobre o “Big Brother”, agora sobre alguém que tenha ido ao programa. São sempre tão simpáticas que não me incomoda absolutamente nada.

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De volta à Wikipédia: “Ficou conhecida do grande público em 2008 quando participou como atriz na telenovela “Podia Acabar o Mundo”, da SIC. Sendo que em 2011 estreou-se como apresentadora no programa “Curto Circuito”, na SIC Radical”. Sempre quis trabalhar em televisão?
Sim, desde sempre. E esse 2008 é de alguém que não estava muito atento. Ou melhor, essa foi a grande estreia, mas a minha primeira vez em televisão é em 2005, curiosamente na TVI, num episódio do “Inspetor Max”. Seguiram-se largos meses de figuração nas novelas de TVI. Desde muito pequenina que sabia que queria contar histórias, só não sabia muito bem como. Começou por ser através das vozes dos desenhos animados — que quando percebi que havia pessoas por trás dos bonecos fiquei fascinada. O interesse pelo entretenimento vem pelo programa “Caça ao Tesouro” com a Catarina Furtado, que juntava ali uma série de coisas que me fascinavam — o helicóptero, o tesouro, as pistas, a própria Catarina. Depois a ficção, porque criar uma personagem na minha cabeça era uma coisa que devia ser muito divertido, viver a vida de outra pessoa. Sempre soube que queria contar histórias e que possivelmente as queria contar no cinema ou na televisão. Graças a Deus, foi um sonho que se concretizou.

A porta de entrada foi a representação, não o que faz hoje.
Esse sempre foi o sonho: ser atriz. A apresentação surge completamente por acaso. Houve ali um período em que estava sem trabalho, entre uma novela e outra, e vi o anúncio do casting do Curto Circuito. Pensei: “Não tenho nada para fazer durante estes meses, vou tentar, só para ver se tenho jeito”. Fui passando, passando, passando e acabei por ganhar. E puff, nasceu uma apresentadora. Depois, apaixonei-me. Durante o processo de casting, percebi que havia outra forma de contar histórias e que não tinha de ser a protagonista, podia ser apenas quem dá o suporte à história de outra pessoa, o que tem uma magia muito própria.

A representação ficou para trás?
Desde então, não passou um ano que não tenha feito qualquer coisa como atriz, seja um filme, uma participação num episódio de uma novela. Faço sempre qualquer coisa para ir matando o bichinho. Gostava de lá voltar com mais intensidade, mas acho que não será para já. Agora a cabeça está noutro sítio.

Uma curiosidade: como é que foi essa altura das figurações?
Ai é muito engraçado. Fui figurante da série de verão dos “Morangos com Açúcar” — fiz variadíssimos castings, nunca fiquei com nenhuma personagem –, na temporada na Cláudia Vieira, do Pedro Teixeira, da Rita Pereira, dos D’ZRT. Eles eram as estrelas e eu era a miúda que estava lá atrás a fingir que lia um livro. Lembro-me de sentir uma vontade enorme de levantar a mão e dizer: “Eu também sei fazer”. Nessa altura já tinha concluído o Conservatório. Mas acho que me fez muito bem começar observar os outros. Isso trouxe-me uma perspetiva de 360 graus do que é uma produção, coisa que depois também quis transpor para o entretenimento e para o day time, onde também comecei pela produção para ficar a conhecer a máquina por dentro. Isso traz-me outra bagagem e talvez outra legitimidade quando dou uma opinião.

Já estive em vários sítios, já vivi vários papéis dentro da máquina. Quando peço alguma coisa a alguém da equipa, sei o que estou a pedir, o que envolve e sei que se calhar o pedido vai ser muito chato, porque também já mo pediram a mim. Quando alguém sai para reportagem, sei o que custa ir fazer aqueles quilómetros todos para depois ter uma peça com dois ou três minutos, no máximo. Portanto, consigo pôr-me na pele dessas pessoas porque já o fiz também. Isso dá-me uma empatia, já estive no lugar deles.

Olha para esses tempos com satisfação ou lamenta que tenha sido um caminho tão longo?
Não lamento absolutamente nada. Foram caminhos que se foram abrindo. Estava à espera de sair do Conservatório, de me darem uma protagonista e de, de repente, ser uma estrela. Não é assim que acontece, ou acontece a muito poucas pessoas. Hoje em dia dou muito valor ao facto dessas autoestradas não se terem aberto para mim. Tive de fazer umas estradas nacionais para lá chegar, mas isso permitiu-me ver outras paisagens, absorver outras coisas e aprender com outras pessoas. Depois, chegar ao lugar de destaque ou ao primeiro plano com essa bagagem dá muito mais segurança. Prefiro assim.

"Sempre me foram dadas as oportunidades que eram oportunas em cada momento. Temos de ter noção e empatia por quem tem de encaixar as pessoas à disposição para trabalhar. Sabia que havia sempre pessoas que estavam à minha frente."

Teve uma infância privilegiada, no sentido em que teve o apoio da sua família quando percebeu que queria seguir esta carreira?
Sou uma sortuda e disso não me esqueço. Sou muito grata pelo que me proporcionaram. Não ter noção do privilégio é um erro tremendo. Sei que tive acesso a uma educação que muita gente não tem, a escolas que muita gente não tem. O privilégio de poder estudar fora do país, na escola onde queria estudar. Ter a experiência de viver nos Estados Unidos durante três anos, que não é fácil para qualquer pessoa. Serei sempre grata e não tenho problema nenhuma em assumir que fui e sou uma privilegiada. Mas também sei dizer que peguei naquilo que me foi dado e fiz o meu caminho, ninguém o fez por mim.

O que é que nos pode contar sobre a sua infância?
Foi uma infância barulhenta. Cresci numa casa com cinco irmãos. Era a número cinco de de seis, por isso é que acho que hoje em dia gosto muito tanto de silêncio, apesar da minha profissão ser também barulhenta. Era muito raro um momento de silêncio em casa. Havia sempre alguém a discutir, a chutar uma bola contra a parede, a ralhar com alguém. Mas foi uma infância bem preenchida e com boas memórias.

Cresceu com uma cumplicidade grande com os seus irmãos ou, por outro lado, sentiu falta de ter o seu espaço?
Acho que ganhei a cumplicidade com os meus irmãos ao longo do tempo. Em mais nova era muito tímida e gostava mesmo muito do meu espaço, gostava de fazer as minhas coisas e encontrar esse espaço no meio de tanto barulho às vezes não era fácil. Mas acho que com os anos, vais-te aproximando de um, vais-te aproximando de outro. As diferenças de idades quando és mais novo parecem muito grandes e depois com o passar do tempo, vemos que não somos assim tão distantes, somos da mesma geração, crescemos com as mesmas coisas. Hoje em dia sou muito cúmplice de todos. É giro porque a minha irmã mais velha tem mais de 50 anos e o meu irmão mais novo tem trinta e poucos. Com cinco anos, tinha irmãs que já tinham idade para casar e tinha uns que estavam a começar a sair à noite, outros a tirar a carta e outro que tinha acabado de nascer. Havia de tudo. Eu era a mais calada, a mais bem comportada e observava muito. Sempre fui muito atenta. Gosto do meu espaço e gosto de observar.

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É a quinta de seis. Estar entre os mais novos trouxe-lhe mais vantagens ou desvantagens?
Não faço a mínima ideia porque nunca estive do outro lado. Em algumas coisas é melhor, porque os mais velhos foram abrindo caminho para uma série de coisas: as saídas à noite, por exemplo. Para os mais velhos começou por ser uma grande preocupação para os meus pais, quando chegou a minha vez era só mais uma. Noutras coisas era chato, porque os mais velhos podiam fazer coisas que eu não podia fazer.

Sei que em tempos foi uma espécie de rainha dos apontamentos.
Sou até hoje, tenho os melhores apontamentos. Sempre fui muito certinha, muito organizada e muito racional. No estudo, era muito metódica e ainda hoje está tudo sublinhado com cores e cada tópico tem a sua cor e no alinhamento cada quadradinho tem o seu esquema. A organização ajuda-me a sentir-me segura e sou muito visual, portanto se olho de relance para um texto, dependendo da cor a que está sublinhado, já sei a que é que está associado. Ajuda-me a orientar-me. Mas sim, sempre fui a rainha dos apontamentos.

Como é que se preparou para assumir as manhãs de um canal generalista?
Acho que me preparei para este lugar durante todos os anos anteriores. Quando me estreei no “Curto Circuito”, muito pouco tempo depois, perguntaram-me: “Se continuares este caminho como apresentadora, onde é que queres chegar?”. Eu disse: “Quero fazer day time“. Gosto de um desafio e para mim aquela montanha russa das manhãs era a coisa mais complicada que se podia fazer. Queria estar preparada para um dia estar naquela posição, fazer o malabarismo maior. O “Curto Circuito” foi uma grande escola. Depois, passei pela máquina de bastidores do day time que foi super importante para mim, a produzir e a escrever conteúdos, a acompanhar gravações, fui repórter de variadíssimos programas, substituí algumas apresentadoras. Era como se estivesse a tirar um curso. Acho que fiz as várias cadeiras que achei que eram necessárias para chegar aqui com segurança e com legitimidade. Não gostaria que o lugar me tivesse sido oferecido numa altura em que as pessoas pudessem questionar a escolha. Obviamente há sempre quem questione o porquê de ser ela e não a outra. Mas não queria que dissessem: “Porque é que é ela, que não percebe nada disto?”. Acho que já foram percebendo que fiz o trabalho de casa e que o fiz durante muitos anos.

Acha que a oportunidade podia ter surgido antes?
Foi exatamente o timing certo. Se me perguntarem se estaria apta há dois ou três anos, acho que sim. Se estaria tão apta, provavelmente não. As coisas são-nos entregues quando é suposto chegarem-nos às mãos. Depois, é nossa responsabilidade agarrar ou não. Acho que estava preparada e que o tenho provado.

Deixou de ter um papel secundário na grelha de um canal para ser uma figura de proa de outro. Sentiu-se intimidada em algum momento?
Não diria intimidada. A palavra será sempre responsabilidade. Quando digo a frase na qual as pessoas agarraram logo no “Big Brother”, mas que digo desde o “Curto Circuito” — que é um prazer, uma honra e um privilégio estar ali –, é mesmo verdade. É um prazer porque me divirto muito. É uma honra porque temos de dar importância ao sítio onde estamos e para todos os efeitos fazer dupla nas manhãs de um canal generalista só me pode deixar honrada. E é um privilégio fazer todos os dias aquilo que gosto. Há um peso de responsabilidade sim, porque é um canal que quer resultados, é preciso fazer mais e melhor, mas divirto-me tanto que às vezes isso tem de ficar à porta durante aquelas três horas. Tenho de curtir a viagem, se não estiver a curtir a viagem as pessoas não vão acreditar.

A sua prestação tem sido consensual?
Ninguém é consensual, tirando possivelmente a Meryl Streep. Fico muito contente com o que me vão escrevendo nas minhas páginas porque a maior parte é positiva. Depois há sempre quem não goste, ou porque não gosta do estilo, ou porque não gosta da forma como me visto, ou porque acha que a minha gargalhada não é verdadeira. Há sempre alguém que tem algo de mau a dizer. Mas isso também pode servir para refletirmos se há ou não ali um fundo de razão. Podemos refletir sobre a forma como falámos naquele dia ou como conduzimos uma entrevista em particular. Mas acho que sou uma sortuda.

"A televisão é imagem, mas é mais do que isso e a imagem não tem de ser a medida das tuas calças, pode ser a empatia que tu tens olhos nos olhos, pode ser o sorriso que entregas […] Houve momentos em que senti que não encaixava e que ainda não havia espaço para uma coisa diferente."

Como é que gere as reações menos positivas?
Detesto. Sou muito honesta, chateia-me. Não me chateia pela crítica em sim chateia-me porque 99% das vezes é gratuito e porque em 99% das vezes não é fundamentado e em 99% das vezes aquelas pessoas não me diriam aquilo cara a cara. Somos vistos nas manhãs por 400 mil pessoas em média, mais até. Tenho mais de 400 mil seguidores. Aquela pessoa não me diria aquilo à frente de 400 mil pessoas, mas faz isso numa rede social onde estão lá essas pessoas todas. Isso deixa-me chateada, chateia-me que peguem em coisas tão pequenas e escrevam textos tão longos ali para toda a gente ler sobre a posição em que cruzei a perna, coisas que não lembram ao diabo. Não que não tenha uma carapaça para aguentar, mas porque acho que isso põe uma pressão em cima de toda a gente que circula nas redes — toda a gente quer ser unânime, toda a gente quer ser amada. E ver alguém pegar por tão pouco pode ser intimidante para quem não tenha tanta bagagem ou para quem não tenha uma carapaça tão grossa. Deixa-me muito irritada.

Isso aumentou com a maior exposição?
Sim. À medida que se chega a mais pessoas, haverá mais pessoas que não vão gostar. Mas acho que também depende dos formatos onde estás integrado e do público a que chegas. E há grupos. Por exemplo, quem não gosta de reality shows não vai dizer que não gosta de reality shows, vai dizer que não gosta de ti, ou seja, torna a coisa pessoal quando se calhar nem sequer de viram e nem têm por onde pegar. Mas é só porque não se identificam com aquele formato. Gosto muito de vestidos clássicos e sempre que visto um alguém me vem dizer que estou vestida de velha. Porquê? Curto bué o vestido que tenho. Às vezes é só porque sim.

Consegue fazer esse exercício, de não personalizar?
Na maior parte das vezes. Há pessoas que já conheço pelo nome porque são sempre as mesmas. Há ali três ou quatro que têm sempre qualquer coisa a apontar. Mas é comigo como poderia ser com outra pessoa qualquer e os outros terão os seus haters aficionados. Vem com o trabalho. Se acho que é certo? Não.

Mas não bloqueia essas pessoas?
Algumas bloqueio. Quando ultrapassa uma linha e entra no insulto, não me interessa. Mas depois há uma coisa engraçada de se ver: o despique que começa entre seguidores, porque depois vem alguém defender e alguém que dá mais uma opinião. Às tantas, já só estão a discutir entre eles, eu já não tenho nada a ver com o assunto e cria-se ali uma discussão que não faz sentido. Mas tento não personalizar. Não é uma problema meu, é mais um problema de quem está a escrever. Deviam ter mais cuidado com o que escrevem, porque magoa muitas vezes. Se tivesse tido esta exposição há dez anos, teria sido muito pesado ler algumas coisas. Agora, é só mais um. A carapaça não era tão dura, isso vem com os anos de experiência, com a confiança que ganhei, com o reconhecimento. Vem com o tempo.

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O sucesso de um programa como o “Dois às 10” depende muito da química entre a dupla que o conduz. Como é que é trabalhar com Cláudio Ramos?
Já nos tínhamos cruzado muitas vezes. Ainda no outro dia o Cláudio me enviou uma fotografia de uma publicação que fez no Instagram em 2012, quando ele foi apresentar um livro ao “Curto Circuito”. Já aí nos cruzávamos. Estivemos juntos no “Passadeira Vermelha” e já tínhamos uma amizade porque trabalhámos nas mesmas redações — ele tinha rubricas dentro dos programas, eu preparava rubricas para outros apresentadores. Essa cumplicidade já existia, portanto quando se liga a câmara nada daquilo é mentira — ele a pegar comigo, as bocas que lhe mando. É muito fácil para nós. É só porem a gravar.

É fácil trabalhar com ele?
É muito fácil. Apesar de às vezes termos abordagens diferentes, somos os dois muito exigentes. Cada um tem o seu método, somos diferentes na preparação das coisas, mas acho que somos parecidos na leveza e na facilidade que temos em encaixar. Para mim é muito fácil trabalhar com o Cláudio, mesmo.

A Maria esteve mais de dez anos na SIC. Como é que geriu a afinidade com uma casa onde esteve tanto tempo?
Aquilo que posso dizer é que sempre fui muito bem tratada, muito bem recebida e sempre me senti em casa na SIC. Estive 12 anos a trabalhar na SIC. Tenho muitos amigos lá, amigos com quem continuo a falar diariamente. Criei relações pessoais que são para a vida. Agora, há uma altura em que queres fazer outras coisas e te propõem fazer outras coisas e é só uma mudança de casa, não é deixar para trás nada nem ninguém. Só mudei de bairro, as pessoas estarão sempre na minha vida, isso não muda.

Sente que lhe faltaram oportunidades para crescer dentro da SIC?
Sempre me foram dadas as oportunidades que eram oportunas em cada momento. Temos de ter noção e empatia por quem tem de encaixar as pessoas à disposição para trabalhar. Sabia que havia sempre pessoas que estavam à minha frente, ou porque tinham mais anos de carreira ou porque eram mais mediáticas ou porque tinham um contrato que exigia que estivessem a trabalhar, seja pelo que for. Há pessoas à tua frente na fila e às vezes queres passar, avançar um bocadinho mais. Se te dizem para mudares de fila porque ali estás mais à frente, mudas. É como vejo as coisas. Nunca me faltaram oportunidades e serei sempre grata à SIC por tudo o que fizeram por mim. Aprendi muito naquele canal, mesmo.

Nunca viu ninguém passar-lhe à frente na fila?
Acho que foram sempre justos comigo. Há pessoas que passam, mas o problema não é contigo, as pessoas é que encaixam melhor naquilo que está disponível. Tens de preencher o tabuleiro com as peças que tens e há peças que se adequam a certas posições. Às vezes tens de ficar mais atrás ou até mesmo de ficar de fora. A mim, sempre me encaixaram.

Com que inseguranças é que teve de lidar ao longo da carreira em televisão?
Sendo mulher, há sempre a insegurança da imagem. Há uma pressão muito grande para se ser igual ao que se vê nas revistas de moda ou ao que se vê lá fora, ou para encaixar num molde. Sempre lutei um bocadinho contra isso, sabendo muitas vezes que estava a remar contra a maré, mas acho que agora já somos mais dentro do barco e que o público já pede algo diferente. A televisão é imagem, mas é mais do que isso e a imagem não tem de ser a medida das tuas calças, pode ser a empatia que tu tens olhos nos olhos, pode ser o sorriso que entregas. Acredito profundamente nisso. Houve momentos em que senti que não encaixava e que ainda não havia espaço para uma coisa diferente, mas tenho muito orgulho na minha geração e, em especial, na geração que vem a seguir a mim, que está a lutar pela inclusão e por ver pessoas diferentes, caras diferentes, formas de falar diferentes, corpos diferentes. Isso deixa-me muito orgulhosa, mas em tempos deixou-me muito insegura.

"[...] de repente, começas a duvidar da tua própria capacidade só porque naquela prova não há roupa para ti. Simplesmente não pensaram nisso, não olharam com atenção para as medidas ou simplesmente só querem alguém que encaixe nelas. Para uma miúda de vinte e poucos anos, isso não é fácil de gerir."

Em situações é que sentiu que não encaixava?
Ia fazer um teste de imagem para uma personagem e a personagem ainda não era minha. Estava entre mim e mais uma ou duas pessoas. A roupa que lá tinham era toda do mesmo tamanho e não era o meu. Logo aí, sentia que não era para mim, que não me iam querer porque não cabia naquelas calças, porque aquele top me ficava demasiado justo e à outra ficava tão bem porque ela veste um 34 e eu nunca vesti um 34. E, de repente, começas a duvidar da tua própria capacidade só porque naquela prova não há roupa para ti. Simplesmente não pensaram nisso, não olharam com atenção para as medidas ou simplesmente só querem alguém que encaixe nelas. Aí, começas a questionar tudo. Para uma miúda de vinte e poucos anos, isso não é fácil de gerir. Há uma grande pressão sobre as miúdas mais novas hoje em dia, olhas para o Instagram e é tudo tão perfeito. Abres uma revista e não há nenhuma imperfeição à vista e é difícil para alguém que ainda não fez um caminho aceitar que ser diferente também é fixe. Mas acho que estamos no bom caminho.

Desiludiu-se com a televisão nesse momento?
Desiludi-me, sim, nesse caso em particular. Não era gordinha, tinha um corpo super atlético. Costumo dizer que tenho rabo de Kardashian e costas de nadadora olímpica. Não tenho os tamanhos que é “suposto”. Deixava-me muito triste que não se pensasse em pessoas diferentes. Hoje em dia, graças a outras pessoas que, tal como eu, têm dado voz a isso, já há uma onda de inclusão que é importante. Através das redes sociais, temos acesso à opinião das pessoas e a opinião das pessoas é imediata. Leio coisas do género: “Finalmente, alguém que é assim” ou “Olho para esta pessoa e revejo-me” ou “Onde é que compra a sua roupa? Tenho um corpo mais ou menos parecido com o seu e nem sempre encontro”. São pessoas que estão sedentas de ver na televisão alguém igual a elas e quando escrevem isso ali no imediato, alguma coisa tem que mudar. É o público que está a pedir e é o público que manda.

Têm vindo a público novas denúncias de assédio sexual nos bastidores da televisão. Alguma vez se sentiu ameaçada dessa forma?
Não, mas sei que é uma realidade. Nunca senti na pele, nunca testemunhei, mas já ouvi muitos desabafos ao longo dos anos.

Falaria sobre o tema em público caso tivesse passado por uma situação dessas?
Acho que é preciso uma grande coragem para o fazer porque é uma máquina muito complicada de encarar. Não me consigo pôr nesse papel. Uma denúncia é sempre importante, porque a mudança é necessária. Acho que há demasiados casos de assédio neste país e acho que já há grandes movimentações — e grandes movimentos — para que isso mude. Se teria a coragem de denunciar, não sei. Mas admirarei e apoiarei sempre quem o fizer.

Choca-a a indiferença, por vezes o desdém, de algumas reações a estas denúncias? Voltamos mais uma vez às redes sociais.
Só tem essa reação quem não sabe — e acho que qualquer mulher sabe — o que é ouvir um piropo desagradável, estar numa discoteca e sentir uma mão num sítio onde não é suposto, ser desafiado, mesmo que em tom de brincadeira, na rua para qualquer coisa. Já chega disso. Temos de deixar de ser indiferentes ao que isso causa e ao impacto que isso tem na vida das pessoas. Se para uns é uma piada leviana, para quem a recebe pode ser extremamente doloroso.

Vê algum progresso nesse aspeto?
Olhando para a própria legislação, estão as ser dados passos. Até há uns anos a violência doméstica não era um crime público, agora já é. Está em cima da mesa que a violação também passe a ser um crime público, porque há vítimas que não querem colocar-se nesse lugar, por vergonha ou por uma série de outros sentimentos que surgem depois de um trauma desse género. Mas há, sem dúvida alguma, um longo caminho por fazer. Ainda nem sequer vamos a meio.

Nunca sentiu vontade ou necessidade de fazer uma pausa na exposição pública, nem mesmo nos momentos mais difíceis?
Não, para isso vou de férias. Basta passar a fronteira em Badajoz e já ninguém sabe quem sou e em muitos cantos do país também não, provavelmente. Nisso também sou uma privilegiada, porque 99% das coisas com que sou bombardeada são positivas. Ainda não tive vontade de fugir ou de me fechar em casa só para estar sossegada. Tem sido tudo muito positivo até agora.

Além disso, a imprensa sempre me tratou, de uma forma geral, muito bem. E por muito que haja curiosidade em torno de certos temas ou de certos acontecimentos, sempre foram bastante respeitadores do meu tempo e do meu espaço. Também porque acho que há um entendimento de que, quando estou pronta para falar das coisas, não me nego a fazê-lo. Esse equilíbrio é importante. Até agora nunca me senti invadida.

"Há pessoas que acham que um processo de luto é para ser feito sozinho, fechado em casa, e que um dia a coisa passa. Não é assim. É preciso falar sobre os vários passos, é preciso explicar que não faz mal não vermos uma luz ao fundo do túnel e que alguém nos vai ajudar a vê-la."

E nunca reconsiderou a profissão pela exposição pública que lhe traz?
Aprendes que é um privilégio teres voz e através da tua história dares voz a outras. Mesmo através dos acontecimentos traumáticos que a vida te possa trazer, por vezes essa partilha pode ter um impacto muito grande em quem a ouve. Há sempre alguém que está a passar pelo mesmo e que pode sentir-se reconfortado por ouvir outra pessoas partilhar algo similar. Senti isso em todas as situações. Recebo até hoje dezenas de mensagens por dia de pessoas a dizer que perderam alguém ou que foram rever uma entrevista que dei aqui ou ali para encontrarem amparo e para acreditarem que é possível ultrapassarem e que é possível seguir com a vida em frente. É um banho de humildade. Sei que só contei a minha história, mas se calhar ao fazê-lo ajudei alguém. Isso é muito poderoso.

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Como foi esse processo de cura? Passou por uma vertente clínica? Pela fé?
Ao fim de um mês e meio já estava a ser acompanhada por uma psicóloga e fiz terapia durante muito tempo e ainda faço, porque depois é viciante e vais tratando de tudo o resto e arrumando todas as gavetinhas que aqui estão dentro. Foi essencial para mim — falar com alguém que é completamente isento, que não conhece peão daquele jogo — e recomendo a todas as pessoas que me perguntam o que fazer. Digo sempre para procurarem ajuda, não de um amigo, que é essencial, nem a da família, que é essencial, mas de alguém que não faz parte do seu ciclo. Foi um processo muito solitário, apesar de ter estado rodeada de muita gente que me foi segurando. É o voltar a colar uma alma que se despedaçou e isso demora tempo e às vezes colas com cuspo e a pecinha volta a cair e vais lá com fita-cola, que dura mais uns tempos mas continua a faltar uma coisa mais forte. Vais voltando a construir, até que há um dia em que, sem perceberes como nem porquê, já está. Para algumas pessoas demora um ano, para outras demora uma vida inteira, mas é assim.

Mas em 2014 ainda não se falava tão abertamente sobre saúde mental.
É por isso que a televisão tem uma força tão grande, porque nos ajuda a desmistificar certos tabus. Se calhar, algumas pessoas ainda acham que ir a um psicólogo é para “maluquinhos”, para pessoas que têm patologias. Ou sentem vergonha de ir falar com alguém que nas as conhece. Vir alguém que tem voz, como eu e como o Cláudio e como tantas outras pessoas que já disseram que fazem terapia, ajuda a trazer o tema para a mesa. É um flagelo cada vez maior, há muita gente a sofrer em silêncio e a ver outros sofrerem em silêncio sem saber o que fazer. E há ferramentas, gente que está pronta, e que é especializada, a agarrar nessas pessoas e a fazê-las voltar a ter vontade de viver. Às vezes é disso que se fala.

Há pessoas que acham que um processo de luto é para ser feito sozinho, fechado em casa, e que um dia a coisa passa. Não é assim. É preciso falar sobre os vários passos, é preciso explicar que não faz mal não vermos uma luz ao fundo do túnel e que alguém nos vai ajudar a vê-la. Pego nas minhas experiências, no que vejo à minha volta, no que senti na pele e tento dar voz a isso. Sou só a cara de milhares de pessoas que estão atrás de mim.

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