A operação policial desta quinta-feira na rua do Benformoso — com um aparato pouco visto em pleno centro de Lisboa — continua a causar polémica e já motivou reações políticas, tanto do primeiro-ministro como de vários partidos. A Polícia de Segurança Pública — alvo de críticas, nomeadamente por ter dado ordem para que as pessoas que se encontravam na rua se encostassem à parede, de modo a que fossem revistadas — defende a forma como conduziu a operação, explicando que uma Operação Especial de Prevenção Criminal — a ação em causa — “pressupõe revistas”, que “não se conseguem fazer de outra forma”.
Ao Observador, o Subintendente Sérgio Soares, responsável pela comunicação da PSP, explica que a revista está enquadrada pelo artigo 109 do Regime Jurídico das Armas e Munições e foi validada pelo Ministério Público. E garante que “todos os anos são feitas dezenas de operações policiais semelhantes”. No caso da operação no Martim Moniz, a PSP justifica a ação policial com a acumulação de crimes violentos e graves, com utilização de armas brancas, que ocorreram na rua do Benformoso e na praça do Martim Moniz — uma zona onde se registaram 52 ocorrências nos últimos dois anos.
Pouco depois do início da operação policial na rua do Benformoso, começaram a circular nas redes sociais fotos mostrando dezenas de pessoas de pé com as mãos encostadas à parede, e ladeadas por vários elementos da Unidade Especial de Polícia. De imediato, surgiram as primeiras críticas à atuação da PSP, numa zona com uma grande comunidade imigrante. No entanto, a PSP defende que, por se tratar de uma operação preventiva (dirigida a uma área geográfica específica e não a nenhuma pessoa em particular), a atuação dos elementos policiais não se poderia ter desenrolado de outra forma, dada a finalidade pretendida: a captura de armas brancas. “A operação especial pressupõe revistas e não se conseguem fazer revistas de outra forma. Não é uma operação de trânsito em que paramos as pessoas“, sublinhou o Subintendente Sérgio Soares.
PSP diz que atuação na rua do Benformoso está suportada na lei das armas
A PSP esclarece que a operação policial desta quinta-feira tem enquadramento legal, através do artigo 109 do Regime Jurídico das Armas. Nesse artigo, pode ler-se que as forças policiais podem realizar operações com vista a controlar a “regularidade da situação de armas” em “áreas geográficas delimitadas”, como “gares de transportes coletivos bem como no interior desses transportes, e ainda em portos, aeroportos, vias públicas ou outros locais públicos”.
O ponto 3 do mesmo artigo indica que “as operações especiais de prevenção podem compreender, em função da necessidade, a identificação das pessoas que se encontrem na área geográfica onde têm lugar, bem como a revista de pessoas, de viaturas ou de equipamentos”. Sérgio Soares acrescenta que que a operação foi validada e acompanhada pelo Ministério Público. Nestes casos, a polícia vai compilando as ocorrências e apresenta ao MP um pedido para a realização de uma Operação Especial de Prevenção Criminal. Caso seja validado, o que normalmente acontece, um magistrado do Ministério Público vai depois acompanhar o desenrolar da operação.
[Já saiu o primeiro episódio de “A Caça ao Estripador de Lisboa”, o novo podcast Plus do Observador que conta a conturbada investigação ao assassino em série que há 30 anos aterrorizou o país e desafiou a PJ. Uma história de pistas falsas, escutas surpreendentes e armadilhas perigosas. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube.]
PSP registou mais de 50 ocorrências graves na Praça do Martim Moniz e na Rua do Benformoso desde 2023
O responsável pela comunicação da PSP adianta que estas operações só podem ser realizadas “se houver um histórico de armas de fogo e brancas”. Só na zona do Martim Moniz, a PSP sublinha que, desde o início de 2023, verificou-se a existência de 52 ocorrências, maioritariamente crimes violentos e graves, “com graves ofensas à integridade física e vida (como sucedeu a título de exemplo no dia 31 de maio do presente ano – homicídio com utilização de armas)”.
Já esta tarde, numa conferência de imprensa na sede do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, o comandante Luís Elias acrescentou que, no último fim de semana, registou-se um incidente envolvendo uma patrulha da PSP. “Este fim de semana voltámos a ter incidentes, nomeadamente o apedrejamento de um carro-patrulha, tendo sido detido um indivíduo no passado domingo”, disse o responsável. Na mesma conferência de imprensa, o subintendente Rui Costa acrescentou que a operação desta quinta-feira estava a ser preparada desde o mês de setembro, tendo ocorrido no dia da semana e no período horário em que ocorre a maior parte dos crimes: às quintas-feiras, entre as 14h e as 18 horas.
Concretamente na rua do Benformoso, conhecida por albergar uma numerosa comunidade de imigrantes hindostânicos, a PSP tem registo de “várias situações de distúrbios e desordem” em seis estabelecimentos — os mesmos para os quais foram emitidos, pelo Ministério Público, mandatos de busca não domiciliários. As pessoas que se encontravam no interior desses mesmos estabelecimentos, e também na rua, foram também alvos desta operação, não se tendo registados quaisquer incidentes.
“Foi respeitada, julgo eu, a dignidade de todos. Todos foram identificados. Não houve quaisquer incidentes a registar. Tudo decorreu de forma cordata”, disse o comandante do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, Luís Elias, acrescentando que “os objetivos foram atingidos” e que “muitos dos cidadãos deram os parabéns” aos elementos da polícia pela forma como “a operação estava a decorrer”. A PSP, garantiu, irá “continuar a incidir naquelas e noutras áreas com índices de criminalidade mais elevados”.
Questionado sobre uma eventual indicação da parte do Ministério da Administração Interna para a realização da operação policial naquela zona, Luís Elias respondeu que a operação policial “decorreu do planeamento normal da PSP” e da “análise” que é feita.
Ao final da tarde desta quinta-feira, apenas quatro horas depois do início da operação da PSP no Martim Moniz, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, deixava elogios à atuação da PSP. “Há uma coisa que me parece óbvia, é muito importante que operações como esta decorram, para que haja visibilidade e proximidade no policiamento e fiscalidade de atividades ilícitas”, sublinhou Luís Montenegro, em conferência de imprensa, em Bruxelas. O primeiro-ministro defendeu que as operações policiais de prevenção “têm um duplo conteúdo”, ou seja, aumentar a “tranquilidade dos cidadãos, por um lado”, e combater as “condutas criminosas”.
Pedro Nuno Santos “revoltado” com atuação da polícia. MAI chamada ao Parlamento
Ainda esta quinta-feira, o antigo presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, enviou uma nota à agência Lusa, onde se confessava “chocado” com a operação policial e com as “declarações indecorosas” proferidas pelo primeiro-ministro. “Estou em estado de choque com o que se passou na Mouraria”. Ferro Rodrigues destacou em particular uma foto exibida “com dezenas de pessoas encostadas às paredes perante polícias armados, como se estivessem numa guerra”.
Já esta sexta-feira, o primeiro dos líderes partidários a reagir foi Pedro Nuno Santos. O secretário-geral do Partido Socialista disse sentir-se “triste” e “revoltado” com a operação policial que decorreu na zona do Martim Moniz. Na Assembleia da República, o líder do PS criticou a operação da PSP, que diz “ter nada a ver com insegurança”, mas sim com “perceções”. Pedro Nuno Santos anunciou que o PS vai chamar ao Parlamento a ministra da Administração Interna e o diretor nacional da PSP e acusou o Governo de ser o “mais extremista” das últimas décadas em Portugal.
“Sinto-me triste enquanto político, revoltado com o Governo do nosso país mas também revoltado com a Direção Nacional da PSP. A operação de ontem não tem nada a ver com insegurança, como aliás o primeiro-ministro assume. Tem a ver com perceções”, defendeu Pedro Nuno Santos, numa declaração aos jornalistas. O secretário-geral do PS admitiu que “as ações preventivas estão previstas na lei de segurança interna” mas sublinhou que “têm de cumprir um conjunto de condições, desde logo de proporcionalidade”.
“Temos fundadas razões para termos dúvidas da legalidade daquela operação. É inimaginável que uma operação daquelas, com dezenas de pessoas com as mãos encostadas à parede, aconteça noutras zonas ou cidades do país”, disse Pedro Nuno Santos, acrescentando que o PS vai chamar à Assembleia da República a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, e o diretor nacional da PSP, Luís Carrilho, para que expliquem “quais os fundamentos que justificaram aquela operação”.
Já a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, afirmou que a operação policial de quinta-feira no Martim Moniz, em Lisboa, foi um “ato inédito na democracia portuguesa”, com uso desproporcional de meios e não foi “determinada pela hierarquia das próprias forças policiais”.
PSP nega motivação étnico-racial para a operação e revela que os dois detidos são portugueses
“Uma operação que se destina a um alvo particular, que é a população migrante que vive na zona do Martim Moniz. Tenhamos isto claro, um Governo que mobiliza politicamente forças de segurança para atacar indiscriminadamente um alvo como a população migrante é um governo perigoso”, atirou Mortágua. Uma acusação, difundida já por vários quadrantes da sociedade e associações ligados à ajuda às pessoas migrantes, que a Direção Nacional da PSP nega.
“Não há qualquer motivação racial ou étnica. Haver pessoas de vários países na zona onde foi realizada esta Operação Especial de Prevenção Criminal não tem qualquer relevância para a PSP“, sublinha ao Observador o Subintendente Sérgio Soares, que destaca até que os dois detidos na operação (um por posse de arma proibida e posse de droga e o outro por suspeita de ter levado a cabo oito crimes de roubo) são de nacionalidade portuguesa. Foram ainda apreendidos 435 euros, que se suspeita ser dinheiro proveniente de atividades ilícitas; sete bastões (de madeira e de ferro), 17 envelopes com fotos tipo passe; 3.435 euros em numerário, um passaporte e diversos documentos por suspeita de auxílio à imigração ilegal; 581 gramas de droga, possivelmente haxixe; uma arma branca com mais de 10 centímetro; e um telemóvel que constava como furtado.
Ao coro de críticas da oposição juntaram-se também o Livre e o PCP. Os comunistas manifestaram preocupação com a adequação e proporcionalidade da atuação da PSP, e defenderam intervenções numa perspetiva preventiva e não securitária. “O caminho para permitir à população um maior sentimento de segurança não passa por uma intervenção policial com o uso de meios ou força desta dimensão, sob pena de ter exatamente o efeito contrário”, afirmou a direção do PCP na cidade de Lisboa. Na perspetiva do PCP, a atuação policial no Martim Moniz contraria os princípios consagrados no artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa, inclusive que “a prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.
À direita, o líder da Iniciativa Liberal pediu que as forças policiais não sejam instrumentalizadas e usadas como meio de propaganda, afirmando que houve uma desproporção entre os meios usados e os resultados da operação policial no Martim Moniz. Numa conferência de imprensa, em Lisboa, o presidente do partido, Rui Rocha, responsabilizou o Governo pela “falta de informação” sobre a operação policial e criticou o primeiro-ministro, afirmando que “às vezes fica até a dúvida se é diretor de uma polícia” ou se “já substituiu a ministra da Administração Interna”.
Para o líder dos liberais, a falta de informação detalhada sobre a operação policial abre a porta para dois cenários: “havia denúncia, indícios, ameaças à segurança dos cidadãos que justificaram aquela ação” ou não havia qualquer indício de perigo e esta operação não passou de uma “mera ação de propaganda ou manobra de diversão”.
“Eu não quero cidadãos, sejam eles quem forem, sujeitos a excessos policiais. Eu quero segurança em Portugal. A segurança é fundamental para termos liberdade. Mas quero uma segurança proporcional. Não quero forças policiais instrumentalizadas e como instrumentos de ações de propaganda do Governo. Eu coloco as duas possibilidades sobre a mesa, e aquilo que exijo é esclarecimentos adicionais do Governo para poder ter uma opinião definitiva sobre aquilo que aconteceu”, apelou. Perante os resultados da operação, Rui Rocha afirmou que, se não se vierem a conhecer mais informações, houve “uma desproporção entre os meios e os resultados” na atuação policial.
Já o Chega elogia a operação policial e pediu que estes tipo de ações se realizem com mais frequência. “Não só concordamos com estas ações como achamos que elas deviam ir mais longe e realizar-se mais vezes para mostrar aos portugueses e aos estrangeiros que Portugal está seguro e que não tem medo nem às zonas do seu território onde a polícia não entra”, afirmou o presidente do partido, André Ventura, durante uma visita ao evento Wonderland, em Lisboa.
Já o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse, na manhã desta sexta-feira, que ainda não viu as imagens da polémica operação policial de quinta-feira mas sublinhou que pretende averiguar tudo o que se passou para perceber se a intervenção policial decorreu com “recato” que deveria ter. Em declarações aos jornalistas em Cascais, Marcelo Rebelo de Sousa explicou que não viu as imagens da operação porque estava em Cabo Verde.
“O que posso dizer em geral é que a segurança é muito importante para a vida das pessoas e para a estabilidade da situação social, económica e política”, destacou. “A segurança deve ser exercida respeitando as regras constitucionais e legais. Deve ser exercida, quer a segurança, quer a investigação judicial, sem riscos de se considerar que a publicidade ou a utilização de formas de cobertura dos acontecimentos enquanto eles decorrem retira o significado e o carácter pedagógico que deve ter essa intervenção.”
PSP faz “dezenas” de operações semelhantes por ano, em bairros sociais ou zonas de diversão noturna
André Ventura defendeu que a polícia tem de “mostrar autoridade” e que “as pessoas sentirem que há presença da autoridade, que não há bolhas de impunidade, dá-lhes uma segurança maior”, considerando que Portugal “tem sido tolerante demais” ao permitir que se desenvolvam “bolhas de segurança, de instabilidade, de impunidade”. “Nós temos que começar a dar o sinal de que, seja zona de criminalidade, seja zona de mais estrangeiros, seja zona de minorias, a polícia não tem medo e portanto quando é preciso lá ir, também vai, e não se diga que a polícia só vai porque estão ali estrangeiros”, defendeu.
Ao Observador, o Subintendente Sérgio Soares explica “todos os anos são feitas dezenas de operações policiais semelhantes” à que foi realizada na rua do Benformoso, em Lisboa, nomeadamente em “bairros sociais ou junto a zonas de diversão noturna” ou na sequência de situações de desordem em que é relatado o uso indevido de armas de fogo, por exemplo.
Notícia atualizada às 18h20 com as informações adicionais avançadas pela PSP em conferência de imprensa