Também designados de “medicamentos biológicos similares”, os medicamentos biossimilares têm uma composição similar à da substância ativa biológica já aprovada e que tem como objetivo disponibilizar uma resposta terapêutica às mesmas doenças que os medicamentos biológicos originais, os medicamentos “de referência”.
Os biossimilares só podem surgir no mercado depois do seu medicamento de referência perder a sua patente, e para que a sua comercialização seja aprovada, a sua produção deverá assegurar a biossimilaridade dos dois medicamentos, ou seja, terá de apresentar um perfil de qualidade, segurança e eficácia idêntico ao medicamento de referência.
Atualmente, um dos medicamentos biossimilares comercializados na União Europeia são os medicamentos inibidores do Fator de Necrose Tumoral (anti-TNF’s), uma substância causadora de doenças inflamatórias, como a artrite reumatóide, a doença inflamatória intestinal, a espondilite anquilosante e a psoríase.
Segurança e eficácia semelhantes
Para serem comercializados em Portugal, ou em qualquer outro estado membro da União Europeia, os medicamentos biossimilares têm de respeitar uma série de critérios e passar por vários processos de avaliação. Primeiro, têm de ser aprovados pela Comissão Europeia, através da chamada “Autorização de Introdução no Mercado”, mas antes as empresas farmacêuticas têm de submeter estes medicamentos a uma avaliação do comité científico da Agência Europeia do Medicamento. E é com base no parecer desta entidade que a Comissão Europeia toma a sua decisão.
De acordo com José Pereira da Silva, diretor do Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, “o sistema de aprovação de biossimilares da Agência Europeia do Medicamento oferece uma garantia sólida de que cada um destes medicamentos é equivalente ao original, quer nas suas características físicas e químicas, quer nos seus efeitos biológicos em laboratório e nos seus efeitos desejáveis e indesejáveis, em doentes com as mesmas patologias”. O especialista ressalva ainda que em causa estão “moléculas tão grandes e complexas que não seria rigoroso afirmar que são ‘iguais’”. Contudo, assegura que “nos medicamentos biossimilares aprovados nunca foi demonstrada qualquer diferença relevante em relação aos originais”.
Uma solução com benefícios para os doentes (e não só)
As vantagens da utilização destes medicamentos são várias, quer para os doentes, quer para o Sistema Nacional de Saúde, já que a utilização destes medicamentos, de valor mais reduzido, diminui os encargos hospitalares, garantindo uma maior sustentabilidade financeira do sistema. Também os doentes ficam a ganhar com a prescrição destes medicamentos que, ao apresentarem um valor reduzido, comparativamente com os originários, podem ter um acesso mais fácil às terapêuticas biológicas, com semelhante segurança, qualidade e eficácia.
Segundo José Pereira da Silva, “estes medicamentos representam uma redução de preço que pode chegar aos 80%, com iguais garantias de qualidade”. Este valor mais reduzido traz várias vantagens, de acordo com o especialista. “Por um lado, facilita o acesso dos doentes às terapêuticas biológicas – tratam-se mais pessoas com um menor custo, mas mantendo similar eficácia e segurança em comparação com o medicamento originador”, refere. “Por outro lado, reduz os encargos dos hospitais e do Serviço Nacional de Saúde, assegurando-lhes maior sustentabilidade financeira e disponibilidade de recursos para outros fins”, acrescenta. Esta redução de custos pode também favorecer o tratamento mais precoce destas doenças. “A introdução de biossimilares também favorece o tratamento mais precoce com estas terapêuticas, visto que os medicamentos biológicos são, muitas vezes, ponderados apenas para um tratamento posterior, por razões económicas”, explica o especialista.
Os biossimilares favorecem ainda a inovação e a descoberta de novos tratamentos. “A introdução destes medicamentos no mercado incentiva as empresas responsáveis pelos medicamentos originadores a desenvolverem novas soluções, ao mesmo tempo que as poupanças com biossimilares podem ser canalizadas para gastar em medicamentos inovadores”, indica José Pereira da Silva.
A evolução no mercado português
De acordo com um estudo desenvolvido pela empresa de consultoria IQVIA, referente a 2020, sobre o impacto dos biossimilares em Portugal, a quota de mercado nacional das moléculas anti-TFN analisadas era de 49 por cento, no segundo trimestre de 2020, uma percentagem inferior aquela que foi registada noutros países da União Europeia, nomeadamente França, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido – neste último, a quota atingiu os 84 por cento.
Contudo, verificou-se que, nos últimos sete anos, o mercado dos medicamentos biológicos analisados cresceu de forma constante em volume. Para os especialistas que foram entrevistados para este estudo (médicos dermatologistas, gastroenterologistas, reumatologistas e diretores de farmácias hospitalares), esta quebra é um sinal positivo, por permitir reduzir os custos dos hospitais com terapêuticas entre 25 a 40 por cento no tratamento de doenças auto-imunes, segundo os Diretores de Serviços Farmacêuticos inquiridos,.
Na opinião de José Pereira da Silva, “a comunidade médica tem vindo a reconhecer os benefícios que os biossimilares podem aportar e a sentir uma maior convicção nas garantias de similaridade oferecidas pelo processo de certificação. É cada vez menor a relutância dos médicos ao seu uso”, afirma.
A evidência científica também tem eslarecido dúvidas e comprovado a eficácia e segurança destes medicamentos. “Acredito que os especialistas estão disponíveis para aceitar a transição para estes fármacos em todos os doentes, desde que sejam dadas garantias mínimas de rastreabilidade do medicamento administrado”, indica o reumatologista, defendendo que “a decisão em falta é essencialmente política e que depende da introdução de medidas de regulação efetiva e incentivos”.
As limitações atuais
O custo da terapêutica é o fator que os médicos das especialidades inquiridas neste estudo têm em maior consideração na decisão de prescrição entre medicamentos originadores e biossimilares. Contudo, o número de doentes que transitaram de medicamentos originadores para biossimilares é ainda reduzido, sendo mais provável a utilização de um biossimilar em novos doentes. Os resultados deste estudo revelam também que o nível de autonomia na decisão de um médico prescrever um biossimilar é maior nos hospitais privados e que esta decisão é tomada, maioritariamente, de acordo com a política interna do hospital.
Na opinião do especialista José Pereira da Silva, “as políticas públicas são decisivas na adesão dos médicos e dos hospitais aos medicamentos biossimilares nos seus planos de tratamento”. “A adesão efetiva a medicamentos biossimilares em Portugal está, a meu ver, fortemente condicionada pela falta de regulamentação proativa desta matéria, a nível nacional e hospitalar”, refere o especialista, alertando para a atual falta “de incentivos concretos, e suficientemente atrativos, para a adoção rápida desta tecnologia”. O especialista indica o exemplo de sucesso do Reino Unido, “onde as taxas de penetração destes fármacos foram bastante mais altas, graças à legislação que incentiva os hospitais a utilizarem estes medicamentos”, revela.
Os desafios do futuro
A taxa de penetração dos medicamentos biossimilares tenderá a ser cada vez maior, na análise de alguns especialistas. No estudo realizado pela IQVIA em 2020, que analisou a utilização de medicamentos biossimilares em 21 centros hospitalares portugueses, 93% dos gastroenterologistas, 86% dos reumatologistas, e 83% dos dermatologistas prescrevem medicamentos biológicos para o tratamento de doenças autoimunes. No mesmo estudo, quando os especialistas foram questionados sobre a probabilidade de virem a prescrever estes medicamentos no futuro, 100 por cento dos gastroenterologistas inquiridos afirmou considerar “provável a muito provável” e 70 por cento dos dermatologistas e reumatologistas inquiridos consideram o mesmo.
Na opinião de José Pereira da Silva, nos próximos anos, “assistiremos a um gradual crescimento da utilização dos medicamentos biossimilares, em Portugal”. “Trata-se mesmo de um imperativo ético e político, indispensável à garantia de sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, face ao inevitável aumento dos seus encargos”, sublinha, reforçando a necessidade de se adoarem medidas públicas que inentivem à prescrição destes medicamentos. “Poderemos acelerar grandemente este processo, se adotarmos regulamentação semelhante aquelas que resultaram noutros países”, sugere o especialista, indicando como exemplos a seguir o Reino Unido, “onde os serviços e os hospitais recebem de volta, para investimento em inovação, parte dos valores poupados com a prescrição e biosimilares”, e a Noruega, que “procede à negociação central de preços com os produtores dos diversos fármacos biossimilares e torna obrigatória a prescrição do fármaco mais económico a nível nacional”. “Garantidas as condições de registo dos fármacos administrados e uma contenção mínima na frequência da mudança entre medicamentos, não conheço qualquer objeção científica válida à adoção de medidas semelhantes no nosso país”, conclui.