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OLIVER BERG/EPA

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Quem tem medo dos bancos espanhóis?

A venda do Novo Banco abre a porta da consolidação na banca. Mais do que o controlo estrangeiro, o que está em causa é o domínio dos bancos portugueses pelo capital de um só país.

Ninguém o assume de viva voz, mas o debate sobre a nacionalização do Novo Banco e o aparente regresso do apetite espanhol pelos bancos portugueses, é mais do que uma coincidência.

A compra do Banif pelo Santander, em condições que fizeram desconfiar da isenção de Bruxelas, o reposicionamento de bancos espanhóis face ao Novo Banco e os episódios decisivos da novela BPI/Angola, servem de pano de fundo a uma discussão sobre o futuro da banca portuguesa, ou sobre a falta de futuro da banca portuguesa controlada por portugueses.

Os espanhóis são o problema? Os espanhóis podem ser um problema na medida em que se materializem cenários de controlo acionista estrangeiro dos bancos nacionais, concentrados na mesma nacionalidade. Ou seja, explica um ex-líder de um banco ouvido pelo Observador: A questão não é tanto os bancos serem todos controlados por capital internacional, na prática já há pouco capital português nos bancos privados, mas serem todos detidos por capital do mesmo país.

E que país é esse? O facto de ser a Espanha, o vizinho mais poderoso reforça os receios de quem vê uma ameaça à independência económica nacional nesta concentração.

Se as decisões estratégicas da economia e das empresas passarem para os bancos controlados a partir de Madrid, que prioridade será dada aos interesses dos agentes portugueses? Sobretudo se conflituarem com os interesses dos clientes espanhóis, mais poderosos.

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Há ainda quem lembre que os grupos espanhóis foram muito mais rápidos a cortar no crédito às empresas portuguesa, sobretudo PME, quando a crise financeira portuguesa rebentou. Para já não falar no caso dos swaps, em que o Santander levou o Estado a um tribunal de Londres para provar a legalidade dos contratos que custam muitos milhões às empresas públicas.

São inquietações que vão buscar fundamento à proximidade geográfica e recordam os obstáculos políticos colocados a uma venda da TAP à Iberia, ao controlo da Portugal Telecom pela Telefónica e às ofensivas da banca espanhola sobre a portuguesa, sempre mal recebidas em Lisboa.

Em causa está sempre o mesmo receio: a transferência para Madrid dos centros de decisão, uma política já seguida por muitas multinacionais.

A preocupação já chegou a Belém, pela mão do novo inquilino. Segundo o semanário Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa está “preocupado e a acompanhar de perto” o risco de desequilíbrios na banca, em particular no que toca ao xadrez acionista. O Presidente da República terá, mesmo, procurado definir com o ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal uma orientação para evitar o domínio da banca nacional por um só país, que é o mesmo que dizer Espanha.

Para além da venda do Novo Banco e da clarificação acionista no BPI, que pode passar pela tomada de controlo do Caixabank, também o futuro do BCP estará a alimentar estas apreensões. O banco liderado por Nuno Amado está muito barato em bolsa e tem uma grande dispersão de capital, o que pode ser um convite a ofertas de compra, não necessariamente amigáveis. E o seu maior acionista, a petrolífera angolana Sonangol, está a perder músculo financeiro.

HOW HWEE YOUNG/EPA

Da “invasão” chinesa ao risco espanhol

Há um ano, o Novo Banco também estava no mercado. Os interessados eram todos estrangeiros — o BPI chegou a fazer uma oferta, mas foi afastado no início do processo. Mas fora dos círculos tradicionais de defesa da presença do Estado na economia (os partidos à esquerda), a nacionalização do banco que resultou da resolução do Banco Espírito Santo não era um tema. Tirando algumas declarações pontuais de desconforto — a mais forte foi feita presidente do BPI, Fernando Ulrich, e num contexto de competição pelo Novo Banco — nada parecia travar a escalada do investimento chinês na economia portuguesa.

A onda parecia imparável. Em três anos, apanhou a EDP, REN, Fidelidade, Luz Saúde, Banco Espírito Santo de Investimentos (atual Haitong).

O favoritismo dos grupos chineses — Anbang e Fosun — na compra do Novo Banco era de tal ordem que os jornais chegaram a fazer contas à quota que o capital made in China teria na banca nacional, 15%, sobretudo depois de o Santander, o único banco que chegou a entrar na corrida, ter sido afastado após ter apresentado uma oferta considerada baixa.

"Ser um porta-aviões chinês da Europa e para a Europa não é o destino que eu mais goste em Portugal (...) Faz-me muita impressão que haja tanto investimento chinês em setores estratégicos da economia. Choca-me".
Fernando Ulrich, 15 de abril de 2015

“Ser um porta-aviões chinês da Europa e para a Europa não é o destino que eu mais goste em Portugal (…) Faz-me muita impressão que haja tanto investimento chinês em setores estratégicos da economia. Choca-me. (…) O investimento chinês vem comprar as melhores empresas que nós fizemos, mas não vi os seus contributos para o futuro (…)”, afirmou Fernando Ulrich.

“Que comprem o Novo Banco pelos preços que se têm falado porque tornará menores as perdas a assumir pelo fundo de resolução e levará a que, mais tarde ou mais cedo, se perceba que os outros bancos valem o dobro ou o triplo, porque não têm riscos de litigância e têm balanços limpinhos”, acrescentou o presidente do BPI.

A profecia acabou por se realizar. Fosse por causa dos esqueletos escondidos no armário do Novo Banco, que apresentou em 2015 prejuízos de quase mil milhões de euros, pela turbulência na economia e na bolsa ou, até, pelas reservas das autoridades europeias, o interesse chinês arrefeceu muito e a venda acabou frustrada.

Um Novo Banco com um balanço mais leve, depois da passagem da dívida sénior para o BES, ainda que com prejuízos avultados, volta ao mercado. E desta vez não há tantos chineses no horizonte. O que se sabe sobre o processo de alienação do Novo Banco indica a preferência do Banco de Portugal por investidores que combinem a garantia de idoneidade com a ausência de riscos reputacionais relacionados com a sua origem.

Os vendedores procuram, sobretudo, compradores que passem no crivo mais exigente do Banco Central Europeu, que se sintam confortáveis com as novas e intrusivas regras de supervisão europeia e que tenham mostrado interesse ou concretizado operações recentes no mercado europeu. Por outro lado, os grupos chineses travaram o ímpeto aquisitivo, mais concentrados em digerir as compras recentes e a resolver os problemas dentro de casa.

As apostas parecem ir agora todas para os grupos do outro lado da fronteira, onde, apesar de um resgate bancário ou talvez graças a ele, os grandes bancos têm a casa arrumada e parecem estar prontos para voltar a crescer.

Portugal é visto como a continuação do mercado doméstico e, com a exceção do BBVA, os grandes bancos espanhóis mantiveram a presença. A fragilidade da banca nacional, e dos seus acionistas não espanhóis, até funciona como um fator adicional de atração. Santander, BBVA, CaixaBank, Popular, são os nomes que circulam.

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

O estranho caso do banco resolvido e comprado num fim de semana

Revelador da maior atenção espanhola aos bancos portugueses foi o processo de venda do Banif. E por duas ordens de razão. Antes de mais, porque houve dois grupos a apresentar ofertas pelo negócio bancário: O Santander, que nunca deixou de olhar para as oportunidades em Portugal, e o Popular, que acabou por desistir na fase final do processo, já em quadro de resolução.

Mas talvez a principal explicação esteja no comportamento seguido por Bruxelas no thriller bancário que conduziu à resolução do Banif. Ou nas leituras que em Portugal se fizeram das opções da Comissão Europeia.

Opções ou imposições? As regras europeias e as limitações ou proibições vindas de Bruxelas parecem ter determinado a solução de venda do pequeno banco português ao grande banco espanhol (o Santander). Permitindo, até, condições (incluindo ajudas de Estado) que foram negadas ao Banif e a outros potenciais compradores. Se todas as ofertas feitas pelo banco incluíam ajudas de Estado adicionais, porque foram chumbadas em nome de um modelo que parece ter acabado por custar mais ao Estado e aos contribuintes?

A narrativa do favorecimento do Santander é ainda apoiada num email enviado ao ministro das Finanças, Mário Centeno, por Danièle Nouy, presidente do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu, e citado pelo Expresso.

“A chamada com o Santander correu muito bem e a Comissão Europeia vai aprovar. (…) Há outras ofertas pelo Banif, que, de acordo com a Comissão, não respeitam as regras de União Europeia das ajudas de Estado e que, por isso, não podem seguir em frente. (…) A Comissão Europeia foi muito clara neste aspeto, por isso, recomendo que nem percam tempo a tentar fazer passar essas propostas. (…) O Santander está a comportar-se de maneira muito profissional e tem um departamento legal excelente”.

Foi a suspeita da preferência europeia pelo Santander que alimentou por cá a tese de que a venda do Novo Banco iria seguir o mesmo caminho. Afinal trata-se de um banco de resolução e qualquer solução está fortemente balizada pelas regras e vontades europeias. E se Bruxelas privilegia uma estratégia de consolidação a nível ibérico, quem a pode liderar se não os bancos saudáveis de maior dimensão, os espanhóis?

Nuno Melo, eurodeputado do CDS

PAULO CUNHA/LUSA

O eurodeputado do CDS, Nuno Melo, foi um dos primeiros a mostrar a desconfiança portuguesa, pelo menos em público. “O processo de venda do Banif ao Santander foi acelerado? Confirma-se que existiu uma intenção deliberada de se fomentar a consolidação da banca espanhola, através da absorção de bancos portugueses?”.

Esta foram questões colocadas à Comissão Europeia e ao Banco Central Europeu, no final de janeiro, até agora sem resposta. Num tom mais conclusivo, o deputado comunista João Ferreira, refere: “O Estado funciona, assim, como o depositário dos prejuízos e agente de limpeza, para entrega do banco, livre de riscos e prejuízos, ao Santander, quando podia e devia assumir o controlo público do Banif, assegurando a sua gestão ao serviço dos interesses nacionais”.

Para João Ferreira, a pergunta que se impõe é, no entanto, outra: “Inviabilizou a Comissão Europeia toda a qualquer solução que passasse pela manutenção do Banif na esfera pública? Em caso afirmativo, com que fundamento o fez?”.

A nacionalização da banca é um dos temas tradicionais da esquerda, mas desta vez os partidos que apoiam esta via são um apoio fundamental para o governo socialista. E as suas vozes ouvem-se mais alto agora do que no passado recente. A primeira exigência clara de nacionalização do Novo Banco feita ao executivo de António Costa veio do Bloco de Esquerda e estava associada ao processo de resolução do Banif.

Manter o banco em mãos públicas era uma das condições enunciadas por Catarina Martins, a coordenadora do Bloco de Esquerda, para votar a favor do Orçamento Retificativo que materializou a solução do Banif. O caderno de encargos do BE foi rejeitado e a primeira decisão polémica do “governo de esquerda” acabou por ser viabilizada pelo seu maior inimigo: o PSD de Pedro Passos Coelho absteve-se, afinal não estava isento de culpas no caso Banif.

Mas outra das condições de Catarina Martins, aparentemente recusada, acabou por ser recuperada pelo mais improvável dos protagonistas. O Banco de Portugal acabou por aplicar a receita defendida pelo Bloco para a recapitalização do Novo Banco, impondo perdas aos credores seniores, um cenário que surpreendeu tudo e todos. Terá sido porventura coincidência.

Controlo estrangeiro ou controlo espanhol?

Ana Botín, a presidente do Santander esteve em Portugal em setembro de 2015

Victor Machado

Mas há outra coincidência que convence menos. A emergência mais à direita do debate sobre a necessidade de estudar a nacionalização do Novo Banco parece alinhada com o regresso do fantasma espanhol à banca nacional. Ninguém o assume, mas em surdina ouvem-se vozes de preocupação que recordam traumas do setor bancário português, que envolveram o Santander: o caso Totta Banesto no início dos anos 1990 e o negócio Champalimaud, na viragem do milénio.

No primeiro caso, o governo português (então liderado por Cavaco Silva) conseguiu recuperar o controlo nacional do Totta junto do Santander, que depois de assumir a gestão do Banesto, cedeu ao ultimato de Lisboa e vendeu a António Champalimaud. Para a história ficou a frase de Emilio Botín, então líder do do banco espanhol. “As instituições permanecem, mas os governos mudam. E o Santander voltará a Portugal”.

No segundo episódio, e quando confrontado com a venda dos bancos de Champalimaud ao Santander, o executivo de António Guterres usou a Caixa e a vontade de crescer do BCP para impor a divisão do grupo por portugueses e espanhóis: O BCP ficou com o Banco Pinto e Sotto Mayor, a Caixa ficou a com a seguradora Mundial Confiança e uma participação no BCP, e o Santander ficou com o Totta e o Crédito Predial Português. Hoje, uma tal engenharia financeira seria impossível. Não há capital. Nem no Estado, nem nos privados.

“As instituições permanecem, mas os governos mudam. E o Santander voltará a Portugal”.
Afirmação de Emilio Botín em 1995, quando aceitou vender o Totta a António Champalimaud

O discurso da sucessora mantém a mesma prioridade estratégica dada ao mercado português. “Continuamos a apostar no mercado português e estamos ampliando as nossas operações”, afirmou Ana Botín, quando passou por Portugal, em setembro do ano passado. E depois do Banif, que permitiu ao banco espanhol conquistar uma posição muito forte nos Açores e na Madeira, o Santander posiciona-se para comprar o Novo Banco.

Um dos principais concorrentes nesta disputa pode ser o CaixaBank, diretamente ou via BPI. O banco catalão poderá finalmente assumir o controlo do BPI, para ultrapassar o bloqueio acionista que o opõe a Isabel dos Santos. Qualquer um destes cenários — Santander Totta+Banif+Novo Banco ou BPI (CaixaBank)+Novo Banco — resultará na criação do maior banco privado português, controlado por um dos grandes bancos espanhóis.

Sobram um BCP ainda com problemas para resolver e o maior acionista — a Sonangol — a perder fôlego com a queda do petróleo, um Montepio a sanear o balanço e com barreiras a investidores privados e um BPI que ninguém sabe como será depois de abril. Com ou sem Angola? Com ou sem Isabel dos Santos? Ou mais espanhol do que nunca? E, claro, a Caixa. Mas o banco público está impedido por Bruxelas de ser protagonista num processo de consolidação.

Solução nacional tem de ser solução pública?

Vitor Bento e Manuela Ferreira Leite, duas vozes que sugerem que se estude a hipótese de nacionalizar o Novo Banco

É com este cenário em cima da mesa que Vítor Bento relançou o debate. O primeiro presidente do Novo Banco defendeu, em entrevista à Antena 1 e Diário Económico: “Considerar o Novo Banco como parte do património público num processo de consolidação do sistema bancário é um cenário que vale a pena pensar. (…) Vamos ser agentes passivos da nacionalização e ficar com a banca toda dominada a partir do estrangeiro? Ou queremos ser protagonistas, gerando consolidação interna, criando a possibilidade de haver, pelo menos, uma grande instituição a nível nacional?”

Manuela Ferreira Leite, antiga líder do PSD, retoma o tema dias depois. No comentário na TVI, a ex-ministra das Finanças defendeu, também, a ponderação da hipótese de nacionalizar, para salvaguardar a presença portuguesa no setor.

“Não conheço nenhum país que se desenvolva e que cresça sem ter uma banca nacional forte. Por isso, nós temos que olhar para o nosso sistema financeiro dessa perspetiva. (…) Se estivermos com um sistema financeiro totalmente dependente de estrangeiros e não de nacionais, eu digo que temos uma perda significativa e visível da nossa soberania.”

“Não conheço nenhum país que se desenvolva e que cresça sem ter uma banca nacional forte. Por isso, nós temos que olhar para o nosso sistema financeiro dessa perspetiva. (...) Se estivermos com um sistema financeiro totalmente dependente de estrangeiros e não de nacionais, eu digo que temos uma perda significativa e visível da nossa soberania."
Manuela Ferreira Leite, ex-líder do PSD e antiga ministra das Finanças

Vítor Bento veio mais tarde clarificar o sentido das suas palavras num artigo de opinião publicado no Expresso. O economista afastou o foco do Novo Banco e recolocou a discussão na consolidação bancária e nos desafios políticos que o tema levanta. E fez ainda questão de “sublinhar que o capital estrangeiro — onde se engloba naturalmente o espanhol — é muito bem-vindo e deve ser acarinhado”.

A única alternativa aos estrangeiros é o Estado? Para alguns, a resposta é sim. No atual contexto não há investidores portugueses, com capital ou crédito, ainda que com vontade, para assegurar o controlo de um banco de grande dimensão. E quem, à direita, acena com o perigo do controlo estrangeiro, admite que só há um refúgio seguro para evitar o domínio estrangeiro do setor bancário: a mão protetora do Estado.

E é essa mão que os partidos de esquerda insistem em tentar agarrar. O discurso dos partidos Comunista e Bloco de Esquerda em defesa da nacionalização do Novo Banco está em crescendo. Mais contido, o PS admite apenas estudar a possibilidade se o Novo Banco não for vendido.

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Em entrevista ao Público, Mariana Mortágua avisou que a divergência com o partido socialista sobre esta matéria poderá vir a ser um golpe fatal na aliança que sustenta o governo de António Costa, caso este insista na operação.

Mas se a consolidação do setor bancário parece inevitável, a venda do Novo Banco será o primeiro passo, há também na banca quem defenda uma abordagem mais pragmática.

Não é necessariamente verdade que a única solução para manter o centro de decisão nacional passe pelo Estado ser o acionista. No mundo em que vivemos, os centros de decisão nacional não passam só pelo capital, mas passam sobretudo pela gestão. O capital não tem nacionalidade, os gestores sim, sublinha um alto responsável do setor. E há bancos com gestão nacional (casos do BCP e do BPI) que podem participar no concurso para o Novo Banco em parceria com outras instituições.

E como se responde à ameaça de controlo dos grandes bancos privados portugueses por capital estrangeiro de um só país? Assegurando que a venda do Novo Banco é um processo competitivo e público e o mais aberto possível para atrair o maior número possível de interessados e de nacionalidades. Ao contrário do que aconteceu no Banif, em que a venda teve a pressão da urgência.

Não vender é uma opção viável?

O discurso do executivo ainda não mudou. Ainda numa recente entrevista à Bloomberg, o ministro das Finanças, Mário Centeno, reafirmou a intenção de vender a instituição em 12 meses. O cenário alternativo pode até nem ter cobertura legal, pelas regras europeias. Essa foi a convicção já manifestada pelo presidente da Associação Portuguesa de Bancos.

“A nacionalização não é um processo fácil, e eu diria mesmo que é muito difícil de pôr em execução. No quadro de uma resolução, existe uma disposição que permite, em condições excecionais – que ponham em causa a estabilidade do sistema financeiro -, uma nacionalização que tem que ser aprovada pela Comissão [Europeia]”, afirmou Faria de Oliveira à Lusa.

Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos

Inácio Rosa/LUSA

“Mas isso já aconteceu. O que foi objeto de resolução foi o BES e essa não foi a opção tomada”. O Novo Banco é hoje um banco de transição e “nacionalizar um banco de transição no novo quadro [a partir de 1 de janeiro] não é possível sem uma resolução prévia do Novo Banco”, o que imporia perdas adicionais aos acionistas (neste caso o Fundo de Resolução) e aos obrigacionistas que ainda não foram afetados. Este processo, conclui, “é quase impossível de ser concretizado”.

Para o presidente da APB, a venda orientada para o encaixe será o cenário que melhor defende os interesses do sistema bancário, que será chamado a assumir a diferença entre o valor injetado na instituição e o preço final. Ainda assim, gostaria que fosse possível encontrar “um comprador que seja muito credível e que permita uma configuração do sistema bancário português onde em qualquer circunstância exista um peso significativo da banca nacional.

E Bruxelas deixa?

Faria de Oliveira admitiu que “existirá alguma capacidade negocial sobre esta matéria”. Uma nacionalização do Novo Banco só poderia ser defendida por Portugal como uma alternativa menos má se estivesse em causa uma liquidação da instituição que comprometesse a estabilidade financeira. É um cenário admissível, depois de esgotado o prazo limite previsto nas regras de resolução para vender o banco, cinco anos ou 2019.

Ainda assim, envolveria negociações complexas em Bruxelas, não só com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, mas também ao mais alto nível, no Conselho Europeu (onde se sentam os líderes de governo).

O compromisso de venda do Novo Banco foi assumido junto da Comissão Europeia no processo de resolução do Banco Espírito Santo, em agosto de 2014, e foi contrapartida do plano de reestruturação aprovado no final do ano passado pela temível DG Comp, a autoridade europeia da concorrência, que chumbou as ajudas de Estado ao Banif. Bruxelas até aceitou alargar o prazo para a alienação, mas irá certamente contrariar a pretensão contrária. Sobretudo se estiver em causa o reforço da banca pública, através do Novo Banco.

Aliás, num cenário hipotético de nacionalização, o Novo Banco não poderia ser consolidado com a Caixa, à luz das regras de ajudas de Estado. Isto porque o banco público está impedido de adquirir ou absorver novas instituições até reembolsar o financiamento que recebeu do acionista Estado. Foi esse o principal travão à integração do Banif na Caixa.

Sérgio Monteiro, o homem que está a coordenar a venda do Novo Banco

MÁRIO CRUZ/LUSA

E se não se conseguir vender o Novo Banco?

Já aconteceu uma vez, quando havia muitos interessados, e pode voltar a acontecer. A ambição dos vendedores do Novo Banco é claramente menor do que há um ano. Nuvens negras no setor bancário português, desconfiança internacional em relação à economia, à segurança política e, até, regulatória e as más notícias com grande eco internacional — a transferência de dívida sénior para o BES e os prejuízos de 981 milhões de euros em 2015 — complicam, e muito, o negócio.

Todos os cenários estão a ser considerados. A missão possível que se coloca à equipa liderada pelo ex-secretário de Estado, Sérgio Monteiro, é a de concluir uma transação com privados, ainda que parcial e gradual. Será uma espécie de terceira via entre a venda total e a manutenção na esfera pública. Em cima da mesa estão todas as operações, desde a alienação de uma participação minoritária, a exclusão de ativos do perímetro de venda, passando por vários investidores e, até, a dispersão em bolsa.

Vender uma parte será preferível a reconhecer um segundo fracasso neste dossiê. Além de que os responsáveis portugueses acreditam que, assim, será mais fácil convencer as instituições europeias a aceitar mais um adiamento na solução final e privada. As regras europeias transpostas para o regime geral das instituições de crédito abrem a latitude a várias possibilidades.

“O Banco de Portugal pode determinar a alienação parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito objeto de resolução, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição, e da titularidade das ações ou outros títulos representativos do seu capital social”, estabelece o Regime Geral das Instituições de Crédito.

"O Banco de Portugal pode determinar a alienação parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito objeto de resolução, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão da instituição, e da titularidade das ações ou outros títulos representativos do seu capital social".
Regime Geral das Instituições de Crédito

Em defesa de uma solução parcial, as autoridades nacionais podem sempre argumentar que a resolução do Banco Espírito Santo foi o primeiro grande teste ao regime europeu de resolução para o qual a banca portuguesa serviu de cobaia. Mas, para que a estratégia resulte, é preciso que Governo e Banco de Portugal falem a uma só voz. Fora e dentro de Portugal.

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