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JOSE SENA GOULAO/LUSA

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Metade das urgências de Obstetrícia na região de Lisboa vão encerrar este fim de semana. "Cada verão será pior", avisam médicos

Dificuldades na Obstetrícia têm vindo a agravar-se. Em Lisboa, o primeiro fim de semana de agosto vai ficar marcado pelo encerramento de seis das dez urgências. Médicos pedem medidas e planeamento.

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Com a entrada no mês de agosto (o mês de eleição de férias dos portugueses e também dos médicos) os constrangimentos nas urgências obstétricas agravam-se, particularmente na região de Lisboa. Neste fim de semana, seis das dez maternidades da Área Metropolitana estarão encerradas, nomeadamente os serviços de urgência dos hospitais de Amadora-Sintra, São Francisco Xavier e Garcia de Orta. Na cidade de Lisboa, apenas a Maternidade Alfredo da Costa receberá grávidas.

Segundo o mapa interativo de funcionamento das urgências hospitalares, para sábado, dia 3 de agosto, e domingo, dia 4, está previsto o encerramento de seis urgências de Obstetrícia: Hospital Garcia de Orta (em Almada), Hospital Beatriz Ângelo (em Loures), Hospital São Francisco Xavier (em Lisboa), Hospital de Santa Maria (cujo serviço está encerrado há um ano mas reabre parcialmente na segunda-feira), Hospital de São Bernardo (em Setúbal) e o Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra).

Apenas há quatro urgências a funcionar na AML, uma área com quase três milhões de habitantes: a da Maternidade Alfredo da Costa, no centro de Lisboa; a urgência de Obstetrícia do Hospital de Cascais, a urgência do Hospital de Vila Franca de Xira, e a do Hospital do Barreiro, na península de Setúbal.

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Agravamento é contínuo, dizem médicos, e vai continuar se nada for feito

Ou seja, vão estar encerradas seis das dez urgências da Área Metropolitana de Lisboa, um cenário pior do que o do ano passado, quando, no mesmo fim de semana, estavam encerrados quatros dos dez serviços de urgência. Uma tendência de agravamento que não surpreende os médicos ouvidos pelo Observador. “Entristece-me mas não me surpreende, tendo em conta as políticas que foram sendo implementadas pela Direção Executiva anterior. E pode acontecer ainda pior”, alerta o obstetra Diogo Ayres de Campos, que liderou, até ao ano passado, a Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos.

“O agravamento existe e já vem desde o início do ano”, salienta o especialista. “A situação está a piorar”, confirma o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, Nuno Clode.

Se a comparação se estender ao período entre 2 e 8 de agosto, a primeira semana do mês, os dez hospitais em causa somam cerca do dobro de dias de encerramento. Enquanto no ano passado as urgências de Obstetrícia destas unidades registaram 10 dias de encerramentos (e outros quatro de serviços condicionados), este ano o mapa interativo disponível na página do SNS mostra 21 dias de encerramento no mesmo período (com outros quatro de serviços condicionados).

Ainda assim, é necessário ressalvar uma nuance neste exercício comparativo: em 2023, a anterior Direção Executiva do SNS, liderada por Fernando Araújo, fazia um planeamento a três meses — pelo que não eram contabilizados os encerramentos não programados no mapa divulgado. “Os mapas disponibilizados pela anterior Direção Executiva para o verão de 2023 (período de junho a setembro) constituíam um planeamento estático das urgências de obstetrícia que, nem sempre, correspondeu à realidade. Ou seja, urgências que apareciam como abertas, por razões várias, acabaram por encerrar”, realça o gabinete da ministra da Saúde, contrapondo que atualmente, o que é divulgado são “as disponibilidades reais”.

Bastonário dos Médicos fala num verão “verdadeiramente preocupante”

“Neste momento, o que é disponibilizado no Portal do SNS são as reais disponibilidades das urgências em cada momento”, enfatiza a tutela, que considera, por isso, que “não é legítimo, nem honesto, fazer comparações entre períodos homólogos, de 2023 e de 2024, quando os dados são diferentes”.

No entanto, a perceção no terreno é de que, a cada ano, o cenário piora. “A dificuldade da Obstetrícia tem acontecido ao longo dos últimos anos, com cada vez maior gravidade. Estamos a assistir a um verão verdadeiramente preocupante, dada a quantidade de urgências que encerram no país nesta área“, sublinha o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, que aponta o aumento do turismo nesta época e as férias dos médicos como dois fatores que colocam ainda mais pressão sobre os serviços de urgência. “É com preocupação que, numa área tão sensível, percebemos que os hospitais de Lisboa têm tido dificuldade de assegurar as urgências”, realça.

O problema não é novo: a falta de médicos obstetras para preencher as escalas obriga os hospitais a encerrarem os serviços, porque as equipas não têm o número de elementos suficiente (definido pela Ordem dos Médicos) para garantir qualidade e segurança ao atendimento. “O problema é constante. Não há médicos em número suficiente para dar resposta às necessidades. As urgências não podem funcionar com equipas abaixo dos mínimos, caso contrário não há segurança para as utentes, ou seja, os médicos não conseguiriam resolver situações que surjam em catadupa”, explica Nuno Clode.

Saída de obstetras para o privado na região de Lisboa é cada vez mais notória

O Bastonário dos médicos admite a “carência de especialistas”, que vão abandonado os hospitais públicos para fugirem aos baixos salários e à falta de condições de trabalho e de perspetivas de evolução da carreira. O destino é o setor privado, que tem aproveitado as falhas do SNS para reforçar a resposta nesta área. “Há falta de condições de trabalho, de organização interna, que faz com que muitos médicos acabem por não aderir e ficar no SNS”, salienta Carlos Cortes.

Na margem sul do Tejo — onde, nos últimos meses, tem sido habitual apenas um dos três serviços de urgência estar aberto à vez (Setúbal, Barreiro e Almada) — a sangria de especialistas para os hospitais privados, que florescem na zona, tem sido cada vez mais notória. “Continuam a sair muitos obstetras para a medicina privada. Temos assistido ao aparecimento de novos hospitais com cuidados obstétricos, o que tem levado à saída de hospitais como o Garcia de Orta, do Barreiro e também de hospitais de Lisboa“, salienta Diogo Ayres de Campos.

"As maternidades que temos não são a mais, são as necessárias e estavam a funcionar de fora regular. Agora, há menos maternidades e menos médicos mas as grávidas são as mesmas e com maior risco"
Nuno Clode, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

A Área Metropolitana de Lisboa é claramente a pior de todo o país em termos de capacidade de resposta aos utentes. O presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, que dirigiu durante vários anos o serviço de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria, diz que as maternidades que existem na região de Lisboa são as necessárias para dar resposta a uma zona onde vivem quase três milhões de pessoas. “As maternidades que temos não são a mais, são as necessárias e estavam a funcionar de forma regular. Agora, há menos maternidades e menos médicos mas as grávidas são as mesmas e com maior risco”, alerta Nuno Clode, lembrando que “as mulheres são mães mais tarde, o que traz maior risco de patologias”.

Embora a área de Lisboa concentre a maior parte dos constrangimentos a registar neste primeiro fim de semana de agosto, os problemas estendem-se também à região Oeste e ao Algarve (com a urgência obstétrica de Portimão encerrada). O caso da urgência de Obstetrícia do Hospital de Santo André, em Leiria, é particularmente grave. O serviço fecha esta sexta-feira e vai estar encerrado pelo menos até dia 19 por falta de especialistas. As grávidas deverão reencaminhadas para o Hospital das Caldas da Rainha e para os Hospitais da Universidade de Coimbra, a cerca de 80 quilómetros.

Urgência obstétrica do Hospital de Leiria encerrada durante 18 dias

“É particularmente grave. A assistência é dada pelos hospitais circundantes, mas Coimbra está a uma hora de caminho e até a mais, se pensarmos nos pontos mais extremos do distrito — somado ao tempo que tem de se esperar para ter uma ambulância disponível”, sublinhou Carlos Cortes, em declarações à Rádio Observador, acrescentando que as grávidas podem esperar “duas ou três horas”.

O bastonário dos Médicos lembrou que o Hospital de Santo André “tem perdido muitos especialistas” nesta área, pelo o que se torna difícil encontrar uma solução imediata para o problema. Em resposta ao Observador, a Direção Executiva do SNS confirma o encerramento de 18 dias da urgência obstétrica e avança que, “no que diz respeito aos partos programados, a solução passa por um encaminhamento, com o acordo das grávidas, para o Centro Materno e Infantil do Norte”, sendo o “transporte acautelado pela ULS de Leiria”.

"Temos de dar condições dignas aos clínicos, remuneratórias e de trabalho, com equipas organizadas"
Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos

A somar à falta de resposta de Obstetrícia na zona de Lisboa, o mapa das escalas disponibilizado no site do SNS apresentava, a meio da semana, erros relativamente ao funcionamento das urgências no primeiro fim de semana de agosto. Dos dez hospitais, dois tinham informação errada. Na quarta-feira, a urgência de Obstetrícia do Hospital de Vila Franca de Xira surgiu como estando fechada este fim de semana, quando na verdade estará aberta. Foi aliás, o Observador a alertar a unidade hospitalar para o problema ao fazer questões sobre o suposto encerramento — a informação foi corrigida de imediato (uma vez que cabe aos hospitais carregar no Sistema Integrado de Informação de Prestadores as respetivas disponibilidades, gerando uma atualização quase imediata do mapa interativo das escalas).

Em sentido contrário, a urgência de Obstetrícia do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) surgia como estando aberta este fim de semana (quando o Observador consultou o mapa, na passada quarta-feira) quando na verdade estará fechada, confirmou fonte oficial no dia seguinte.

Especialistas defendem melhores condições para os médicos e encaminhamentos de casos não urgentes para os centros de saúde

Os especialistas criticam a falta de planeamento e avisam que, se nada for feito, a cada período crítico para as urgências (verão e inverno) as dificuldades vão acentuar-se. “Não tenho dúvidas de que o inverno vai ser pior do que o inverno passado. E que o verão de 2025 vai ser pior do que este verão, se nada for feito. Mais do que fazer um diagnóstico, que está feito, é importante a DE-SNS e o governo tomarem medidas corajosas, de modo a reorganizarmos e reformarmos o SNS”, pede o bastonário dos Médicos. “O verão deveria ter sido planeado com antecedência, não é agora que se vão milagrosamente encontrar mais médicos”, diz o obstetra Diogo Ayres de Campos, que, no ano passado, propôs à Direção Executiva uma estratégia para ajudar a colmatar as dificuldades de respostas

“A solução que apresentei à Direção Executiva no ano passado mantém-se válida e passa por desviar as situações não urgentes para locais mais adequados, nomeadamente os centros de saúde, de modo a não sobrecarregar as urgências de Obstetrícia. Tem de haver uma triagem telefónica, para encaminhar situações não urgentes para consultas abertas nos centros de saúde”. Isto permitiria reduzir as equipas, mantendo as urgências abertas, refere o especialista. No que diz respeito ao encaminhamento para os centros de saúde, a estratégia está a ser posta em prática desde junho pela atual equipa do Ministério da Saúde, com a linha SNS Grávida. No entanto, a redução das equipas, que permitiria abrir mais serviços, ainda não foi concretizada.

O obstetras Diogo Ayres de Campos contesta os encerramentos das urgências. "A qualidade dos cuidados obstétricos não pode ser intermitente; isto desmotiva, não é assim que se faz Obstetrícia"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Não há nenhum país que aguente ter equipas com cinco ou seis obstetras 24 sobre 24 horas”, defende Ayres de Campos, que realça que a estratégia que continua a ser seguida para lidar com a falta do obstretas — os encerramentos rotativos — “não era uma solução própria de um país europeu e causa desmotivação entre os médicos, o que fica evidente com o agravamento da situação”. “A qualidade dos cuidados obstétricos não pode ser intermitente; isto desmotiva, não é assim que se faz Obstetrícia“, afirma o médico do Hospital de Santa Maria.

Para além da organização dos serviços, outro fator que leva os especialistas a deixar o SNS é a dificuldade na conciliação da vida profissional com a pessoal — uma conciliação cada vez mais valorizada pelas novas gerações. “A maior parte dos médicos ligados a esta área são mulheres, na casa dos 30, 40 anos, que têm outras prioridades que não só a parte profissional. A parte familiar é extremamente importante. Se o SNS não lhes permite conciliar a vida profissional com a família, vão ter de escolher e não vão optar pelo SNS“, avisa o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia, realçando que este fator ganha ainda mais preponderância na Obstetrícia, dada a exigência do trabalho. “É muito exigente do ponto de vista da dedicação e da responsabilidade — e as pessoas não estão disponíveis para trabalhar no SNS com os valores que se pagam. Além de quererem uma qualidade de vida que o SNS não lhes dá”.

Assim, Nuno Clode refere a importância de serem tomadas medidas no âmbito das remunerações e da flexibilidade laboral. “Os hospitais privados não têm problemas nesse sentido — o vencimento é mais elevado e o trabalho está organizado de outra forma, é mais apelativo”, realça. Um diagnóstico também feito pelo bastonário dos médicos. “Temos de dar condições dignas aos clínicos, remuneratórias e de trabalho, com equipas organizadas. A carreira médica é essencial, também do ponto de vista do desenvolvimento profissional ao longo da vida”, diz Carlos Cortes.

O responsável adianta que a Ordem dos Médicos tem a funcionar um grupo de trabalho para fazer a avaliação de todas as maternidades do país. “É importante sabermos quantas maternidades temos (no público e privado), que condições têm, quantos obstetras estão no SNS, quantas horas trabalham e quantos seriam necessários”. Os resultados serão conhecidos em breve e discutidos com a tutela. Para Carlos Cortes, a reforma do SNS “é muito necessária”.

“Não podemos ter sete milhões de pessoas (em dez milhões) a dirigirem-se todos os anos ao serviço de urgência e, desses, quatro milhões são situações que não deviam ir à urgência. Este sistema desloca meios humanos para o serviço de urgência e que acabam por não conseguir dar resposta noutras áreas, como consultas e cirurgias. Enquanto não tornarmos a urgência aberta apenas para quem tem necessidade de receber cuidados urgentes ou emergentes, vamos ter todos os anos uma situação mais difícil e insegura para os doentes e para os profissionais”, vaticina.

 
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