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TIAGO PETINGA/LUSA

TIAGO PETINGA/LUSA

Michael O'Leary. 3 mil milhões para a TAP é dinheiro "mandado pela sanita abaixo"

Em entrevista ao Observador, o polémico CEO da Ryanair diz que a companhia "traz mais benefícios" à economia portuguesa do que a TAP. Sobre Pedro Nuno Santos, "só pede que fale verdade".

Está para durar a mais recente “guerra” na aviação portuguesa. O ministro com a tutela, Pedro Nuno Santos, e o CEO da Ryanair, Michael O´Leary, têm trocado acusações – sobretudo através de comunicados – desde que o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que as ajudas de Estado que Portugal já começou a dar à TAP teriam de ser mais bem explicadas. O processo tinha sido interposto pela Ryanair (tal como contra as ajudas a várias outras companhias), que acredita que estes apoios constituem um atentado à concorrência na UE. Pedro Nuno Santos disse que O´Leary está a tentar aproveitar-se da fraqueza da TAP e o conflito escalou.

Em entrevista ao Observador, Michael O´Leary tirou as luvas e descarregou. Forte. Diz que tem todo o direito de questionar as escolhas do Governo português no apoio à TAP porque “é contribuinte em Portugal”, sublinha que a Ryanair traz muitos mais benefícios, investimento e emprego à economia portuguesa do que a TAP. E rebate, desta vez de viva voz, as declarações de Pedro Nuno Santos sobre o “desrespeito” da Ryanair pelas leis do trabalho em Portugal. “Falso, completamente falso”, diz. Quer as declarações do ministro, quer os argumentos dos sindicatos. Mas sublinha que não pretende sair do Porto, nem de qualquer outro aeroporto em Portugal. E sobre aeroportos, diz que perguntou ao ministro pelo Montijo e por outras oportunidades de investimento. Resposta? “Nenhuma, nada”.

Como interpreta as declarações do ministro das Infraestruturas acerca do desrespeito da Ryanair pelas leis do trabalho em Portugal e que a empresa está em Portugal “por lucro” não para “fazer favores aos portugueses”?
Em primeiro lugar, essas alegações são falsas. Não estamos a violar as leis do trabalho em Portugal. Não estamos envolvidos em “dumping social”, uma vez que pagamos às nossas tripulações de cabine mais do dobro do que o Governo paga aos enfermeiros e aos professores em Portugal.

Na verdade estamos a fazer um fact-check sobre essa afirmação. Tem números que sustentem isso?
Nós pagamos às nossas tripulações de cabine entre 30 e 40 mil euros por ano. E sabemos que no seu primeiro ano, as enfermeiras e os professores ganham entre 15 mil e 20 mil euros por ano. Por isso os números estão certos. Não nos envolvemos em dumping social. Mas o que pensamos é que o ministro Santos está envolvido em distrair [os portugueses] das suas políticas falhadas, ao pegar em 3 mil milhões de euros do dinheiro dos contribuintes e tirá-los das escolas portuguesas, dos enfermeiros e dos professores, para que possa subsidiar uma companhia falhada, com altos preços como é a TAP, que só vale 100 milhões de euros. Por isso, para nós é um mistério por que razão a TAP haveria de merecer 3 mil milhões de subsídios. A TAP não investe em Portugal. Nós temos bases no Porto, em Faro, em Ponta Delgada e em Lisboa. Ao mesmo tempo a TAP fechou a sua base no Porto, não opera bases em Ponta Delgada ou em Faro.

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"O ministro Santos quer retirar às escolas e aos hospitais portuguesas para dar à TAP, que nunca voltará a pagar. Está a mandar ainda mais dinheiro pela sanita abaixo"

Acha que essas considerações do ministro têm uma ponta de ameaça quanto à operação da Ryanair em Portugal? Acha que o governo português pode fazer alguma coisa para punir a vossa operação no Porto?
Penso que não. Quero dizer, sem a Ryanair no Porto, não haveria companhias de base lá. E penso que, em geral, temos boas relações com o governo português. O governo reconhece que a Ryanair é um dos maiores investidores estrangeiros na Polónia, perdão em Portugal, e que nós estamos milhões de visitantes todos os anos para Portugal. Sim, claro que o fazemos porque queremos fazer dinheiro e ser lucrativos. E temos de ser lucrativos, porque o nosso governo não nos vai dar 300 euros por cada homem, mulher e criança na Irlanda. Esta é a forma como o ministro Santos se propõe subsidiar a TAP, ao custo de 300 euros por cada homem, mulher e criança em Portugal.

No entanto, a Ryanair recebe alguma subsidiação por operar algumas rotas no Porto, por parte do Turismo de Portugal.
Não, de todo. Não. É outra afirmação falsa. Nós recebemos algum apoio do Turismo de Portugal, tal como todas as outras companhias aéreas.

É isso que estou a dizer. Qual é a diferença entre uma e outra?
A diferença é que os subsídios são ilegais. Um desconto [por cada passageiro] que está disponível, um apoio ao marketing que está igualmente disponível para todas as companhias não é um subsídio. Nem se aproxima minimamente aos 3 mil milhões de euros de dinheiro dos contribuintes, que o ministro Santos quer retirar às escolas e aos hospitais portuguesas para dar à TAP, que nunca voltará a pagar. Está a mandar ainda mais dinheiro pela sanita abaixo.

epa08877545 The Minister of Infrastructure and Housing Pedro Nuno Santos attends to a press conference to explain the details of TAP's Restructuring Plan, in Lisbon, Portugal, 11 December 2020. The government presented on  11 December the restructuring plan of TAP which sent to Brussels on 10 December and which contemplates a maximum of 2,000 redundancies and salary cuts of 25% for salaries above 900 euros.  EPA/NUNO FOX

NUNO FOX/EPA

É uma decisão dele, com o apoio dos contribuintes que votaram nele. Continua a referir as ajudas de Estado ilegais. Não são nem mais nem menos ilegais do que os subsídios que o Turismo de Portugal concede as companhias low-cost como a Ryanair, por operar em certas rotas.
Isso não é, de todo, verdade. Fomos ao Tribunal Europeu e este declarou que os subsídios à TAP são ilegais. Que não cumprem os requisitos de uma ajuda de Estado.

Na verdade, o Tribunal Europeu disse que não cumprem no que diz respeito à informação prestada, que é insuficiente. O tribunal não analisou o mérito de atribuir uma ajuda estatal, que tem sido dada a outras companhias.
Certo. E exatamente da mesma maneira o ministro Santos é livre de, se o desejar, de desperdiçar 3 mil milhões de euros na TAP. Nós, como cidadãos da Europa, somos livres de levar o ministro Santos ao Tribunal Europeu. E até ao momento estamos a ganhar, o ministro Santos perdeu. Agora, compete ao ministro Santos garantir que se ele quiser retirar 3 mil milhões de euros às escolas, hospitais, professores e enfermeiros portugueses, que pelo menos cumpra as regras europeias. É só o que pedimos.

WILL OLIVER/EPA

Esta guerra com Pedro Nuno Santos lembra-me a guerra com a ministra espanhola com a mesma pasta em 2012, Ana Pastor. No ano seguinte, a Ryanair emitiu um comunicado a ameaçar cortar parte da sua operação em Espanha, em quase 5,4 milhões de passageiros. Admite a possibilidade de fazer o mesmo no Porto?
Não, não pensamos nisso. Mas sabe que mais? Durante a conversa com o ministro Santos, perguntámos-lhe se ele estava descontente com o nosso investimento em Portugal, se fosse o caso que nos pedisse para nos irmos embora. Ele foi sensato e disse ‘Não, queremos que a Ryanair continue a investir em Portugal’. E nós queremos continuar a investir em Portugal. Mas se continuarmos a investir em Portugal, se criarmos milhares de empregos bem pagos em Portugal, não estamos à espera de ser injustamente e falsamente criticados por um ministro português. Tudo o que pedimos ao ministro Santos é declarações verdadeiras, não coisas falsas sobre “social dumping” ou subsídios que também são falsas.

Nós trazemos muitos mais benefícios para a economia portuguesa [do que a TAP]. A TAP é uma companhia muito pequena e transporta muito menos, creio que cerca de 14 milhões de passageiros por ano. Reconhecemos que a TAP faz alguns voos de longo curso, mas a custos muito altos. E esses voos de longo curso seriam feitos por outras companhias caso a TAP não recebesse um subsídio de 3 mil milhões de euros.

O ministro também disse que a Ryanair não está a fazer favores aos portugueses. Considera que a TAP está a fazer favores aos portugueses?
Perdão, isso é desde logo incorreto. Nós estamos a fazer favores ao público português. Trazemos tarifas baixas, concorrência e escolha aos portugueses. Sem nós, muitos milhões de portugueses que trabalham fora não conseguiriam pagar o voo de regresso a Portugal para o Porto, para Faro ou para Lisboa, sem as tarifas baixas da Ryanair. Nós continuamos a voar para aeroportos como Faro e Porto ao longo do inverno, quando a maioria das companhias charter e as companhias “de verão” desaparecem. Continuamos a investir fortemente em Portugal. Trazemos milhões de visitantes a Portugal. Pagamos remunerações altas aos nossos pilotos, às nossas tripulações de cabine e aos nossos engenheiros, e negociamos totalmente e de forma aberta com os sindicatos e assinamos contratos coletivos com todos eles.Trazemos muitos benefícios aos portugueses sem ter que pedir 300 euros a cada homem, mulher e criança portugueses.

Um dos argumentos para a ajuda à TAP é o de que a TAP proporciona um serviço que a Ryanair não faz, o longo curso, e também invoca os benefícios mais amplos para a economia portuguesa.
Nós trazemos muitos mais benefícios para a economia portuguesa. A TAP é uma companhia muito pequena e transporta muito menos, creio que cerca de 14 milhões de passageiros por ano. Nós reconhecemos plenamente que a TAP faz alguns voos de longo curso, mas a custos muito altos. E esses voos de longo curso seriam feitos por outras companhias caso a TAP não recebesse um subsídio de 3 mil milhões de euros. Para dar algum contexto, a Ryanair faz a ligação a Portugal. No verão de 2021 vamos operar 120 rotas para Portugal. A TAP apenas oferece, penso eu, 60 a 65 rotas, por isso ligamos Portugal e os portugueses a mais do dobro dos destinos que a TAP. Perguntamos ao ministro Santos, que apesar de tudo é o ministro das Infraestruturas… Ele não é o ministro da TAP! Perguntámos: o que vai fazer ao aeroporto do Montijo enquanto vai desperdiçar três mil milhões de euros de dinheiro dos contribuintes na TAP, e ele não tinha resposta.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A Ryanair tem perdido processos interpostos por trabalhadores…
(interrompendo) Não. Nós temos vindo a ganhar os processos.

No que diz respeito a benefícios que não têm sido pagos aos trabalhadores…
Falso.

Falso como?
Esse é o argumento dos sindicatos portugueses. O principal caso que temos nos tribunais portugueses. Isto é complicado, mas eu vou tentar explicar em detalhe. Todos os nossos tripulantes de cabine, até há dois anos, estavam com contratos irlandeses. Nos quais ganham entre 30 e 40 mil euros por ano. Pagamos com uma base de 12 pagamentos anuais.

Isso é algo que o tribunal diz que não podem fazer.
Por favor, pare de citar incorretamente o que diz o tribunal. Isso é falso. Depois passamos para contratos portugueses. E, como sabe, ao abrigo dos contratos portugueses, as pessoas têm direito a 14 pagamentos por ano em vez de 12. O que nos propusemos fazer foi: dissemos “tudo bem, vamos pagar-vos em 14 vezes, mas apenas vão receber o mesmo salário bruto anual”. Por isso dividimos os 30 a 40 mil euros por 14 em vez de 12. Até ao momento já fomos a tribunal em 16 ocasiões e os tribunais portugueses decidiram a nosso favor.

RONALD WITTEK/EPA

Pode explicar melhor a vossa posição?
Aquilo que os sindicatos estão a tentar fazer é forçar-nos a dar uma espécie de aumento escondido de 17%, ao dizer “não, não, tem de pagar o mesmo valor dividido pelos 12, mas têm de o pagar 14 vezes”. E nós dissemos que não, o vosso contrato é anual. De bom grado vamos cumprir com os regulamentos em Portugal, e por isso vamos pagar-vos 14 vezes ao ano, mas a mesma quantidade de dinheiro será agora dividida por 14 em vez de 12. E ganhámos em todas essas 16 decisões de tribunal. Aceitamos que os sindicatos queiram abrir processos contra nós, à procura de receber esses míticos 13º e 14º pagamentos mensais, o que seria um aumento salarial de 17%, mas até ao momento estamos a ganhar em todos esses casos. Não vamos dar às pessoas uma espécie de falso aumento salarial, quando já estamos a pagar-lhes consideravelmente mais do que professores, enfermeiros estão a ganhar em Portugal.

Também perguntámos ao ministro Santos: "Estamos à procura de locais para abrir bases de manutenção, grandes hangares que empregam 300 a 400 engenheiros de aeronaves altamente bem pagos. Gostaríamos de por algumas dessas nos aeroportos portugueses. Podemos falar com o seu departamento?" Ele não aceitou a nossa oferta.

Está a comparar tripulantes de cabine com enfermeiros e professores. Não é uma comparação justa.
Por que razão não é justa? Compararia com quem?

Com outras tripulações de cabine noutras companhias aéreas.
Tais como? As da TAP, a quem agora vão cortar o salário em 35 a 50 por cento? Muitos dos que nós contratamos vêm ter connosco. Os nossos professores e enfermeiros em Portugal vêm ter connosco porque pagamos significativamente mais. É aí que está o mercado. E estamos a pagar bem acima do mercado, apesar das falsas afirmações do ministro Santos de que, de alguma forma, estamos a fazer dumping social em Portugal. E, por falar nisso, um dos argumentos que eu usei com o ministro Santos foi o de que ele, em vez de desperdiçar 3 mil milhões de euros na TAP, deveria dar um merecido aumento aos professores e aos enfermeiros.

IMRE FOLDI/EPA

E ele levou a mal, afirmando que não lhe compete a si decidir isso.
Porque não? Eu sou um contribuinte na Europa e sou também um contribuinte em Portugal. Por que razão não me compete fazer essas declarações? O trabalho do ministro Santos é o de justificar porque está a retirar 3 mil milhões de euros aos contribuintes, às escolas e a dar a uma companhia que nunca vai pagar esse dinheiro. Salientei ao ministro Santos que, na verdade, sou um contribuinte em Portugal. Tenho propriedades em Portugal, pago os meus impostos em Portugal. E rejeito que os meus impostos sejam desviados, desperdiçados numa companhia que gera prejuízos, com altos preços, que o governo português avalia apenas em 100 milhões de euros.

Está a referir-se ao preço de compra da posição de David Neeleman?
O governo comprou 45% no ano passado a David Neeleman por apenas 45 milhões de euros, por isso só vale 100 milhões. E, no entanto, o senhor Santos quer angariar 3 mil milhões de euros em ajuda estatal para essa companhia que gera perdas. Não, tudo bem. É uma escolha dele. Mas ele deve justificá-la aos contribuintes portugueses. E eu sou um contribuinte português. Ele deve justificar o porquê de os meus impostos estarem a ser desviados, quando deviam ir para professores, enfermeiros e aumentar o pouco que ganham em Portugal.

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Este conflito com o ministro não parece abrandar. Que saídas vê para esta guerra?
A única saída que pedimos ao ministro é que faça três coisas que lhe pedimos. Um: por favor, explique quando é que vai abrir o aeroporto no Montijo e comprometemo-nos a investir cerca de 500 milhões, pusemos cinco aeronaves no Montijo. É um investimento de 500 milhões de dólares. Em dois anos, vamos trazer cinco milhões de passageiros para lá e criar 500 empregos. Não obtivemos qualquer resposta.

E a segunda e terceira?
Também lhe perguntámos: “Estamos à procura de locais para abrir bases de manutenção, grandes hangares que empregam 300 a 400 engenheiros de aeronaves altamente bem pagos. Gostaríamos de pôr algumas dessas nos aeroportos portugueses. Podemos falar com o seu departamento?” Ele não aceitou a nossa oferta. Também estamos a investir em pessoal de laboratório e tecnologias de informação em Lisboa. Atualmente empregamos cerca de 50 pessoas de IT em Lisboa, e queremos duplicar ou quadruplicar para 100 ou 200. E perguntámos se ele nos podia ajudar com esse investimento? E não obtivemos resposta.

Nenhuma resposta?
Nenhuma. Nós queremos criar mais empregos, queremos abrir o aeroporto do Montijo e o vosso ministro das infraestruturas quer fazer-nos uma preleção sobre como ele é livre para desperdiçar o seu dinheiro na TAP. E aceitamos que ele é inteiramente livre para desperdiçar 3 mil milhões na TAP.

Como outros governos estão a fazer nas suas companhias de bandeira.
Na Irlanda não. No Reino Unido também não. Sim, aceitamos que o governo italiano está a desperdiçar dinheiro na Alitalia, e isso está tudo muito certo. Mas ele deve dar explicações aos contribuintes portugueses. E eu sou um contribuinte português e fico descontente quando o meu dinheiro é desperdiçado. Acho que os meus impostos deveriam ir para os salários dos enfermeiros e dos professores, para hospitais e escolas e não para a TAP. E o ponto principal é que a TAP nunca vai pagar.

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