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Um pé dentro, outro fora. Ou melhor, um pé dentro agora, os dois pés fora em 2019. Vice-presidente da câmara de Cascais, ex-líder da distrital de Lisboa do PSD, e nome que, embora “desconhecido do público em geral”, tem sido lançado por Miguel Relvas como peça-chave para o futuro do PSD, Miguel Pinto Luz critica Rui Rio por ainda não ter mostrado “qual é a sua visão para o país” e por gastar energias a apontar o dedo aos seus próprios militantes. Mas também o elogia — “um homem com enorme valor” e “o melhor autarca que o Porto já teve”. Uma crítica, um elogio.
Esta parece ser a estratégia de Pinto Luz, que, em entrevista ao Observador, rejeita a ideia de um congresso extraordinário e critica quem põe a “agenda pessoal” acima do interesse do partido e do país. Para já, o tempo é de sair à rua com o líder para tentar ganhar eleições. Lealdade agora, para não lhe apontarem o dedo depois. Mas é nesse cenário pós-eleitoral que começa a posicionar-se: “Não me excluo” e “sinto-me preparado”, diz numa entrevista onde se coloca ao lado de outros challengers que podem vir a disputar a liderança do PSD – não conhece as ideias e os projetos de Luís Montenegro, e acusa Pedro Duarte de ter uma “linguagem hermética, que não move o país”.
Quanto ao seu próprio projeto, quer destruir “tabus” à direita, defende a mutualização da dívida, o aumento do salário mínimo e um “verdadeiro choque social”. A falta de notoriedade não é um handicap. “Sou hoje um pouco mais conhecido do que era. E esse percurso faz-se com tranquilidade, sem pressas, colocando as nossas ideias e a nossa agenda a discussão”. Um percurso que, como se percebe aqui, Miguel Pinto Luz já começou a fazer.
“As sondagens tiram-me o sono”. Mas Rio deve ir a eleições, sem congresso extraordinário
Antes do congresso do PSD, escreveu a famosa carta com linhas vermelhas a Rui Rio. Agora tem estado ativo nas críticas, sobretudo, nas redes sociais.
Tomei, de facto, uma posição sobre o silêncio que houve no verão e sobre a forma como se abdicou desse silêncio para atacar militantes internamente. Quem não sente não é filho de boa gente. De resto, limitei-me a escrever uma carta no momento certo, imediatamente antes do congresso onde se discute o posicionamento estratégico do PSD, e depois mantive-me em silêncio até este verão. Mas não tenho sido um crítico ativo.
Não tem criticado propositadamente?
Às vezes as pessoas do PSD têm que se colocar no lugar das pessoas lá fora. E as pessoas lá foram acham que nós não gostamos uns dos outros, que somos inimigos. Não nos podemos esquecer de que Rui Rio foi talvez o melhor autarca do Porto, que herdou uma câmara municipal completamente falida, com dezenas de obras do Porto 2001 por financiar, com os bairros sociais completamente degradados, com uma baixa inexistente, e conseguiu pôr as contas em ordem, modernizar, fazer as obras em falta, reabilitar. Rui Moreira hoje faz o mandato que faz, mas não esqueçamos os 12 anos de Rui Rio, que tiveram uma fórmula específica. Isto para dizer que Rui Rio é um homem com enorme valor.
Afinal tem elogios para Rui Rio.
Com isto não digo que as sondagens atuais não me tiram o sono: claro que me tiram o sono. Preocupa-me que, passados oito meses de liderança de Rui Rio, não haja ainda uma agenda e um programa para o país. Isso eu tenho de o dizer, ninguém compreenderia se não o dissesse. Aliás, os líderes sucessivos do PSD têm ganho o partido sem se vincularem a ideias muito marcantes. Depois criam gabinetes de estudos, ou conselhos estratégicos, e abrem um período de nove, dez, doze meses para um conjunto de notáveis pensarem aquilo que vai ser a agenda para o país. Isto coloca uma enorme incerteza. A ideia que passa é: ‘Então estas pessoas, que são protagonistas há dezenas de anos, não têm ideias concretas nas áreas da governação?’
Acha que Rui Rio não tem ideias concretas para o país neste momento?
Acredito que tenha, mas ainda não as conseguiu pôr cá fora. Um autarca com esta experiência, que foi secretário-geral do partido, que foi deputado, tem com certeza uma visão para o país. Mas o país ainda não a conhece. É aí que eu sou um crítico.
Mas não é um crítico que queira substituir o líder “o quanto antes”.
Longe de mim estar a pedir congressos antecipados ou a deitar o líder abaixo. O problema não são os líderes, o problema é a agenda, o programa. O problema é não respondermos aos anseios das pessoas. É estarmos embrenhados numa discussão ideológica sobre se somos sociais-democratas ou liberais ou conservadores, de esquerda ou de direita, quando o PSD nunca foi nada disso. O PSD foi sempre um partido das pessoas, dos empreendedores, dos pequenos empresários, daqueles que construíram os seus projetos de felicidade do zero, que abriram a banca e a comunicação social à iniciativa privada. Isto é o PSD, que abraça causas de esquerda, como abraça causas de direita, acima de tudo abraça causas para as pessoas.
Mas porque é que quis romper o silêncio agora?
Porque estamos a aproximar-nos a passos largos de dois momentos fundamentais: as europeias e as legislativas. E eu olho para as europeias como uma antecâmara das legislativas. Um bom resultado nas europeias não quer dizer um bom resultado nas legislativas, mas um mau resultado nas europeias pode significar um mau resultado nas legislativas. Por isso, este é o momento para alguém que está preocupado com o futuro do partido, e que já teve responsabilidades nacionais e distritais, dizer alto e bom som ao que vem e o que acha que o partido deve fazer daqui para a frente.
E ao que é que vem, então?
Neste momento é a ajudar o PSD a ganhar as próximas duas eleições. Eu não vejo outra possibilidade para o PSD que não seja ganhar. Porque o país precisa. Parece que estamos anestesiados com o sucesso da “geringonça”, mas eu acho que é poucochinho. Não crescemos, não há uma grande reestruturação daquilo que é a massa produtiva do país, por isso temos de fazer alguma coisa. E isso cabe ao PSD e ao líder do PSD, que não é candidato a número dois de nada, é candidato a primeiro-ministro de Portugal. Por isso, eu estarei ao lado do PSD nessas duas batalhas.
Europeias. Rio “tem de dizer rapidamente” que Paulo Rangel é o cabeça de lista do PSD
Rui Rio deve ser o candidato do PSD a primeiro-ministro em 2019?
Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas disso. O congresso de há oito meses foi inequívoco. Vejo hoje vozes a falarem sobre a possibilidade de congressos antecipados, quando no congresso não disseram absolutamente nada. Eu optei por deixar avisos antes do congresso, e até me acusaram de me estar a pôr em bicos de pés. Mas, não sendo o congresso eletivo, sendo só de discussão estratégica e escolha das equipas, acho que é antes do congresso que tenho de ditar as minhas linhas vermelhas. Foi isso que fiz. Depois disso, não contem comigo para dar primazia a agendas pessoais em vez de nos focarmos na agenda nacional e do partido. Eu coloco sempre o país primeiro, depois o partido e muito depois é que vem a minha agenda pessoal.
Rui Rio deve ser o candidato a primeiro-ministro em 2019 mesmo que tenha um mau resultado nas europeias? Ou nesse caso deve-se repensar a liderança?
Não posso fazer futurologia negativa. Acredito que o PSD vai ter um grande resultado nas europeias. Rui Rio tem de dizer muito rapidamente quem convidou para encabeçar a lista das europeias. Estou convencido de que é o Paulo Rangel, não vejo outro nome. Paulo Rangel foi candidato em duas eleições europeias, com resultados visíveis, é um homem que fala por si. Deu a cara pelo partido em momentos muito difíceis. O PSD tem de clarificar esta situação o mais rapidamente possível. Estamos a colocar um tabu num tema que não devia ser tabu.
Se a escolha de Rio não for Paulo Rangel continuará ao lado da direção?
Não coloco a possibilidade de não ser Paulo Rangel. Esta é uma oportunidade única que o PSD não pode perder. Não vejo no PS de hoje, que é um PS muito mais radicalizado, alguém que possa protagonizar o projeto europeu de valores europeus de que PS e PSD são herdeiros.
Disse há pouco que as pessoas têm a perceção de que no PSD estão todos zangados uns com os outros. Mas quando vemos um vice-presidente, Salvador Malheiro, a sentir a necessidade de enviar uma carta às distritais a pedir que assinem uma espécie de compromisso de fidelidade com a liderança do partido, ou quando vemos os deputados do PSD a pedirem que o partido faça oposição a António Costa, não estão de facto todos zangado uns com os outros?
Seria hipócrita da minha parte se colocasse a cabeça na areia e estivesse aqui a fazer um discurso delicodoce. A cisão é clara: nunca vi uma cisão no PSD tão grande como vemos agora com a criação do partido Aliança, onde um ex-líder do PSD, ex-primeiro-ministro pelo PSD, ex-presidente da câmara de Lisboa pelo PSD, sai do partido e cria um novo. Isto deve servir como alerta para algo que está a acontecer, sobretudo quando estamos a passar um limite preocupante nas sondagens. Estou preocupado, e é por estar preocupado que acho que tenho de fazer alguma coisa para ajudar a atual liderança a ultrapassar este momento difícil que estamos a atravessar. Mas é um momento difícil também por causa do silêncio: nós não marcamos a agenda, deixamo-nos ir. Essa incerteza está a levar cada vez mais pessoas a escolherem outros caminhos.
Preocupa-o o surgimento do partido de Santana Lopes e uma eventual dispersão de votos que possa provocar à direita? Pode fazer mossa?
O slogan de Santana Lopes quando se candidatou à liderança do partido era “unir o partido para ganhar o país”. Fica tudo dito com a atitude que ele teve. Não me surpreendeu, todos conhecemos a velocidade a que Santana Lopes apoia, deixa de apoiar, vira à esquerda, vira à direita, acorda e está escrito nas estrelas, adormece e o que estava escrito nas estrelas desapareceu. Mas não estou a ver uma debandada de figuras do PSD a acompanhá-lo. Além de que ninguém compreende que um partido novo, que supostamente quer trazer frescura ao sistema partidário português, traga ideias antigas e pessoas antigas. Se ele quer fazer algo diferente, porque é que não fez nos últimos 40 anos? Foi um dos protagonistas mais ativos do PSD nas últimas décadas, apesar de o período de Santana Lopes como primeiro-ministro ter sido, talvez, o período mais negro da história do PSD. Não o apoiei porque sabia ao que ia, também não apoiei Rui Rio, mas por motivos diferentes. Não acreditava na agenda dele, não acredito na aproximação do PSD ao PS.
Rui Rio está a pisar as linhas vermelhas que traçou na carta?
Pisou algumas.
Qual é a consequência disso?
Esta entrevista que vos estou a dar. Disponibilizar-me para ajudar o PSD a ganhar um novo fôlego para ganhar as próximas legislativas e as próximas europeias, ao lado da atual liderança que foi legitimamente eleita em janeiro. Não me junto às vozes que pedem congresso antecipado, digo claramente que isso é um erro crasso, um tiro pé. Não compreendo este tipo de comportamentos umbiguistas.
Mas quando diz ajudar quer dizer o quê? Tem falado com Rui Rio?
Não tenho falado com Rui Rio, mas tenho sinalizado publicamente, e através dos canais próprios do partido, o que acho que está mal. Sendo eu um dos soldados deste partido, quero poder contribuir para o projeto que é ganhar as próximas europeias e as legislativas.
Avança, mas só em 2019. “Não sou candidato a nada porque não há eleições marcadas. Mas não me excluo do futuro do meu partido”
Um soldado que também é crítico está a posicionar-se para se candidatar a líder?
Não sou candidato a nada porque não há eleições marcadas. Era extemporâneo colocar-me agora como candidato, como oiço alguns fazerem, quando não há calendário eleitoral interno previsível nos próximos anos. Sou candidato a estar na rua, a ajudar o PSD. Se me perguntam se isto quer dizer que me excluo do futuro do meu partido, não. Ou não estaria a dar esta entrevista. Não me excluo do futuro do meu partido, e se algum dia tiver de assumir responsabilidades, sinto-me preparado. Porque penso, porque tenho um programa, tenho ideias, acho que posso ser útil para o meu país. E estou disponível para servir o partido nas funções em que o partido entender que posso ser útil. Mas dizer que sou candidato agora, numa altura em que o partido se deve unir para ganhar eleições, isso não. Essa é uma pergunta que deve ser dirigida àqueles que semanalmente criticam Rui Rio nos órgãos de comunicação social, que criam movimentos completamente alheados da militância tradicional do partido.
Está a falar de Luís Montenegro e Pedro Duarte.
São vários os movimentos e há vários protagonistas do PSD que falam de forma crítica na comunicação social. Aliás, o PSD é pródigo em ter muita gente a falar na comunicação social, porque ganham espaço nos jornais dizendo mal do partido. Eu não me incluo aí. Mas também não acredito que o PSD saia ganhador com uma postura contra os seus militantes — não há nenhum partido do mundo que consiga ganhar tração movendo-se contra as suas próprias tropas.
Deixe-me só clarificar antes de avançarmos: do seu ponto de vista, o balanço desta direção só deve ser feito depois das legislativas?
Sem dúvida absolutamente nenhuma.
Antes disso nunca? Independentemente do que acontecer até lá, e do que acontecer nas europeias.
Antes disso, o que deve ser feito é o partido poder criticar de forma construtiva, e nos órgãos próprios, com todos a apontarem no mesmo caminho. Ninguém, nem o eleitorado, acredita num partido acéfalo, monocórdico, onde falam todos no mesmo tom e ao mesmo ritmo, onde falam todos a mesma doutrina e a mesma cartilha. Para isso temos o PCP.
Mas Rui Rio convive bem com isso?
Algumas das atitudes públicas de Rui Rio não têm dito isso.
Quais?
Por exemplo, convidar militantes do partido a saírem. Ainda assim, nessas tomadas de posição, o que Rui Rio quer dizer é que não quer oposição desleal, subreptícia, palaciana, por baixo da mesa. E nisso estou de acordo com ele. A minha forma de estar é de frontalidade. Já o disse aqui: não sou candidato a nada porque sou candidato a fazer campanha lá fora com o meu partido. Mas digo aquilo que está mal, e digo-o no momento certo. Estou preocupado com as sondagens, porque não consigo acreditar num PSD que está a jogar para os 20%. Já não se fala no PSD das maiorias absolutas? O PSD tem de voltar a acreditar nas maiorias absolutas estáveis, sob pena de não conseguirmos reformar o país.
Portanto, está a mostrar-se leal agora para poder aparecer em 2019 numa eventual candidatura à liderança?Não, estou a mostrar-me leal agora para o PSD ganhar as europeias, as legislativas e Rui Rio ser primeiro-ministro de Portugal. Se Rui Rio for primeiro-ministro de Portugal, sou candidato a que liderança?
E se não for primeiro-ministro de Portugal, Rui Rio deve continuar?
Como militante do PSD não posso responder agora a essa questão. Só posso dizer afirmativamente que acredito que o PSD vai ganhar as próximas eleições legislativas.
Rio já veio dizer aos opositores para “esperarem sentados” porque vai cumprir o mandato até ao fim, e um dos seus vices (David Justino) até disse que o PSD se deve habituar a não correr com os líderes só porque perdem eleições. Revê-se nessa posição?
Percebo a lógica hispânica com que Rui Rio olha para as lideranças. Em Espanha há essa tradição: Rajoy perdeu sucessivamente e aguentou-se. São outras culturas partidárias. Mas eu não conheço esse PSD de que Rui Rio fala.
Também não é o seu?
Também não é o meu. O meu PSD é aquele que é ambicioso, que luta por maiorias absolutas. Mas que se não conquistar o poder, tem de encontrar novas soluções.
Novas soluções são novos líderes?
A Manuela Ferreira Leite, quando Rui Rio foi vice-presidente, excluiu um conjunto de companheiros meus de caminhada e não foi por isso que eu não estive ao lado dela a fazer campanha. Perdeu as eleições, saiu. Não digo que Rui Rio tem de sair no dia a seguir a perder as eleições. O mandato pode ser cumprido até ao fim. Teria mais uns meses depois das eleições, o que até é bom para se organizar o processo eleitoral interno. Mas nessa altura, se Rui Rio quiser vir a votos que venha a votos. É militante com quotas pagas, perdendo eleições ou não perdendo eleições. O que estou a dizer é que não acredito que o PSD, que é o meu partido há 25 anos, se reveja nessas posições. A nossa tradição não é essa. Sobretudo quando estamos na oposição: a nossa tentação é a de deglutir líderes uns atrás dos outros.
Choque social, aumento do salário mínimo e mutualização da dívida
Disse que Rui Rio devia apresentar uma agenda, propostas para o país. E a sua, qual é?
Eu estou motivado, mas também extremamente preocupado. Temos um país altamente endividado, é a primeira vez nos últimos 100 anos em que a atual geração vive pior do que a anterior. São os pais da nova geração que têm de ajudar os seus filhos. É a primeira vez que recém-licenciados não garantem um posto de trabalho. Um recém-licenciado ganha 600/700 euros por mês, não consegue comprar ou arrendar uma casa, para ter um filho tem de pensar duas vezes.
Isso são os problemas, mas quais são as soluções que tem para apresentar?
Nos últimos 40 anos aquilo que temos feito é gerir a pobreza, uma espécie de nivelar pela miséria. Um partido social-democrata, como o PSD, não pode deixar as bandeiras para a esquerda radical ou para os sindicatos. Há bandeiras que têm de ser nossas.
Quais?
Porque é que nunca vi o PSD a defender de forma aberta, frontal, que nós devemos ter a ambição de subir o salário mínimo? Uma ambição a 10 ou 15 anos, com metas claras. Temos um salário médio nacional que é o limiar da pobreza em 80% desta Europa. Eu não me sinto confortável com isso. Ao contrário da esquerda, que pede aumentos de salário mínimo de forma irresponsável, nós temos de pedir o aumento do salário mínimo dando alguma coisa em troca aos nossos empresários. Simplificar o sistema fiscal, reduzir a carga fiscal nas empresas, simplificar as leis laborais.
Como é que se mexe nas leis laborais e ao mesmo tempo se dá garantias de que os empregos não vão ser precários?
Na governação de Passos Coelho, mesmo em sentido de urgência, foi garantido o subsídio de desemprego aos recibos verdes, até essa altura não havia. Foi o tal PSD perigoso liberal que o garantiu, assim como subiu sucessivamente as pensões mínimas. Nós precisamos quase de um choque social. Durão Barroso vendeu-nos um choque fiscal, depois não o implementou. Sócrates vendeu-nos um choque tecnológico, ficámos todos em choque porque destruiu o país. O que eu defendo é um choque social para deixarmos de viver neste país pobre.
O que é um choque social?
É pôr o dedo na ferida e dizer que os nossos filhos não vão ter reformas com este sistema de segurança social. É assumir que a culpa de não termos mais produtividade é das nossas elites, temos elites fracas. Não há políticos que falem da disrupção que estamos a viver: a perda de milhões de postos de trabalho, fruto da automação, da inteligência artificial, da robotização. Ninguém fala sobre isto. Temos um Estado social grande e temos de garantir que é sustentável, fazendo crescer a Europa, tornando-a mais produtiva e mais rica para pagar este Estado social. Não há soluções universais e eu não as tenho. Mas isto tem que ser pensado, e o PS tem de vir a jogo: vamos criar a tal comissão de sábios que o PSD propôs ao PS para pensar a sustentabilidade da Segurança Social, nomeadamente diversificando as fontes de financiamento. Para isso precisamos de mentes mais frescas, menos dogmáticas, menos compartimentadas do ponto de vista ideológico.
Dê-me um exemplo de uma proposta “menos compartimentada do ponto de vista ideológico”
Por exemplo, somos totalmente passivos no que à Europa diz respeito em questões como a mutualização da dívida. Este é um tema que é quase um sacrilégio para uma pessoa de direita.
Em que termos defende a mutualização da dívida?
Parte das nossas dívidas públicas nacionais deviam estar mutualizadas num balanço europeu. Seria um primeiro passo simbólico para depois reestruturar o resto. Pegar na percentagem de dívida pública que temos via Banco de Portugal ao BCE, cerca de 30% dessa dívida. A Europa tem que deixar de só ser solidária conjunturalmente e passar a ser também do ponto de vista estrutural. Dizer ao mundo e aos nossos credores que vivemos como uma comunidade em situações de crise e em situações de bonança, e que a mutualização da dívida não é nenhum papão.
Pode não ser, mas também não tem estado no topo das prioridades.
E há outra questão: os tratados europeus dizem de forma taxativa que os países que não cumprem os limites do défice têm de ser penalizados, mas a Alemanha tem médias de superavits da balança corrente acima de 8,5%, porque anda a exportar para esta Europa inteira, e isso também não é justo. Somos parceiros no Partido Popular Europeu e ninguém diz nada. Somos penalizados por défices excessivos, e bem, mas não pode haver dois pesos e duas medidas. Para quem não cumpre do outro lado, para quem está a enriquecer à custa desta Europa, também tem que se dizer alguma coisa. E isso é algo que para o centro-direita é completamente tabu.
São ideias que talvez provoquem alguma alergia no PSD.
Admito que sim, mas não o defendo para fazer favores a ninguém. Faço-o pela minha própria consciência. Não podemos continuar a dizer “no meu partido não posso passar determinadas barreiras”. A verdade é que, à boca pequena, dentro do partido essas ideias defendem-se. Eu não digo que Rui Rio tenha de defender isto, eu é que defendo. Mas acho que deve ser pelo menos questionado.
Para isso precisa também de se sentar à mesa com o PS. Portanto, aí concorda com Rui Rio que, logo no início do seu mandato, se sentou à mesa com António Costa.
Concordo, já o disse e acabei de dar o exemplo da Segurança Social. Mas também estou preocupado com este Partido Socialista que tem um conjunto de militantes nos seus quadros de topo, jovens gauleses, que estruturalmente seriam militantes do Bloco de Esquerda.
Estruturalmente?
Estão próximos do Bloco culturalmente, ideologicamente, na forma de estar na vida, no seu diletantismo, na forma de olhar para a sociedade. Só não são militantes porque o BE não é um partido de poder, é de franja. O problema é que pela primeira vez temos no PS interlocutores que não partilham connosco a nossa visão atlântica, por exemplo em relação à defesa. Não partilham sequer connosco os mesmos valores da construção europeia que iniciámos há mais de 30 anos. Não partilham os pactos de regime em áreas importantes como a saúde, a educação, a justiça.
E isso torna mais difíceis eventuais entendimentos?
Isto é uma nova realidade, que coloca ainda mais responsabilidades ao PSD. E traz uma obrigação, desta vez ética e moral: não lutarmos só para os 20 ou 25%. Se não lutarmos por mais, vamos estar sujeitos a uma transformação ideológica programática deste país, que pode ser destrutiva. Por isso é que estou preocupado e estou aqui para arregaçar mangas e ajudar o meu líder, e a atual direção a tentar ganhar os próximos dois atos eleitorais.
E se este apelo que faz aqui cair em saco roto? Vai esperar, passivamente, que passem as eleições?
Há um momento a partir do qual me calarei, que é o momento em que o partido tem de andar na rua, e eu andarei na rua. Os aviso são feitos antes — estão a ser feitos agora. Depois há um momento para falar outra vez e para fazer balanços. Se Rui Rio for primeiro-ministro, ficarei muito contente. Não concordando com toda a sua agenda, acho que a sua agenda é muito melhor que a de António Costa.
E se não for?
Se não for, cá estaremos para fazer os balanços, cá estaremos nessas altura para falar. Há momentos para falar, e há outros para a gestão de silêncios.
Não avançou nas diretas porque não estava preparado. “Sinto-me preparado”
Já disse nesta entrevista que se sente preparado. Porque é que não avançou nas diretas no final do ano passado, na altura em que se falava de Rui Rio, mas não se falava ainda de Santana Lopes. Fez contactos nesse sentido, porque é que não avançou?
Fizeram mais contactos comigo do que eu terei feito, o que me deixou absolutamente lisonjeado, porque eu era uma figura absolutamente desconhecida do público em geral. Mas eu sou muito independente e não presto vassalagem. Sou um homem de lealdades mas não de fidelidades caninas. Entendi que não tive tempo para a preparação que agora tenho vindo a fazer. Os 15 anos de autarca deram-me um enorme conhecimento de como é que a vida funciona, como as pessoas reais vivem os seus anseios, os seus problemas. Quando digo que me sinto preparado, é porque fiz uma caminhada de 25 anos de militância, de vida pública, de funções públicas.
Incluindo no governo mais curto da história.
Mas onde num mês tive oportunidade de cumprir o desígnio de privatização da TAP, que este governo inverteu. Tudo isto me dá-me algum traquejo, e a noção de que tenho a preparação necessária e suficiente para contribuir para o meu partido na função que o meu partido entender que na altura certa será útil. Neste momento, a minha motivação é ajudar o partido a ganhar as eleições.
É essa preparação e esse pensamento que faz com que Miguel Relvas o aponte como uma figura sólida para o futuro do PSD?
Não foi só Miguel Relvas que falou no meu nome.
Marques Mendes também.
E houve outros. Foram dirigentes do partido durante muitos anos e fico lisonjeado que me reconheçam algum mérito e alguma capacidade para desempenhar outras funções no partido no futuro. Mas não tenho padrinhos, nem afilhados. Faço o meu percurso com total independência. E não é contra ninguém. Não é contra Rui Rio, não é contra Luís Montenegro.
Terá de ser, a dada altura.
Mesmo numa disputa eleitoral interna, não há ninguém contra ninguém. Há projetos contra projetos. É isso que o PSD tem de aprender a fazer. Passos Coelho e Durão Barroso tiveram a arte e o engenho de ir buscar as suas oposições. O espírito magnânimo, de união, de perceber que o partido é mais forte se estiver unido, é que dá a grandeza de um líder. O PSD foi pequeno sempre quando teve líderes que dividiram o partido. O que importa agora é apresentar um grande candidato nas europeias, e um grande projeto nas legislativas. O país lá fora não entende que continuemos com estas lutas intestinas, sem termos uma ideia, sem termos um projeto.
Luís Montenegro e Pedro Duarte. “Não conheço as ideias [deles] para o país”
Mas do que tem visto, ou do que tem lido, em que é que o seu projeto será diferente de um projeto de Luís Montenegro?
(silêncio) Este silêncio é porque não sei quais são as ideias de Luís Montenegro.
Digo Luís Montenegro porque foi o candidato que se posicionou de forma mais clara logo no congresso.
Claro, e fez o seu posicionamento de forma muito clara no congresso. Mas Luís Montenegro ainda não fez esse movimento de apresentar ideias para o país. Ele hoje é um comentador nos órgãos de comunicação social. Não conheço as ideias dele, terei muito gosto em ouvi-las, debatê-las e onde tivermos ponto de contacto, melhor para o partido. Até era importante ouvir as ideias de Luís Montenegro para aportar valor para o programa eleitoral de Rui Rio.
Também podia ter falado do projeto de Pedro Duarte.
O Pedro Duarte é meu amigo, fiz um percurso grande com ele na JSD e no PSD, mas também ainda não conheço o projeto dele. Sabemos que é com pessoas de fora do partido, mas a carta de princípios defende o tal regresso à social-democracia que, a mim, me parece uma linguagem muito hermética, muito estanque, que não move o país.
Ou seja, nem Luís Montenegro, nem Pedro Duarte serão obstáculos a qualquer projeto que entenda pôr em marcha no futuro. Mas ao mesmo tempo ouvimo-lo com grandes elogios a Paulo Rangel. Ele seria uma figura mais difícil numa disputa pela liderança do partido?
Se eu respondesse à sua pergunta agora, estaria a contradizer tudo o que disse nesta entrevista. Não sou candidato a nada, nem estou preocupado com esse momento. Mas também não entendo as disputas dentro do partido como disputas entre personalidades. É entre ideias e acho salutar que haja essa partilha de ideias.
Foi isso que aconteceu na última disputa?
Não, e acho que isso foi mau para o PSD. O partido mostrou menoridade, uma enorme incapacidade de gerar novas soluções, novas gerações de ideias, e isso fechou-o. Prova disso é que um dos candidatos criou um partido, e o outro está a liderar o partido mas ainda não apresentou ao que vai, nem as ideias que tem para o país.
Há pouco admitiu que era desconhecido do grande público. Acha que é uma desvantagem para si, ou há tempo para resolver isso?
Não entendo que seja qualquer tipo de handicap. Aliás, como a minha agenda agora nem é essa, é de ajudar humildemente o meu partido, não interessa nada se sou conhecido ou não sou conhecido. Sou um pouco mais conhecido do que era. E esse percurso faz-se com tranquilidade, sem pressas, colocando as nossas ideias e a nossa agenda a discussão. O projeto partidário constrói-se peça a peça, momento a momento.