A lista dos ministros de Luís Montenegro era conhecida há apenas uns minutos quando o social-democrata Miguel Poiares Maduro pegou no telefone para ser entrevistado na Vichyssoise, programa do Observador. Ainda a quente, a reação à composição do Governo foi positiva — o próprio gracejou dizendo que é uma espécie de olheiro de bons ministros, já que alguns chegaram a ser seus secretários de Estado — mas chegou já com um aviso: este Executivo não vai gozar de nenhum estado de graça, pelo que terá de entrar já em modo combate.
Os avisos maiores foram, no entanto, dirigidos à oposição: por várias vezes, Poiares Maduro disse acreditar que quem provocar instabilidade será castigado pelos eleitores, e que nesse caso o cenário que levou à primeira maioria absoluta de Cavaco Silva poderia mesmo repetir-se. Caberá a Pedro Nuno Santos e a André Ventura não agir com base no “oportunismo” político, defendeu; e caberá à AD ser “transparente” e aberta nas suas propostas e negociar com todos os partidos a nível parlamentar.
O ex-ministro não quis comentar as “especulações” que apontam para uma possível candidatura às eleições europeias, embora essa hipótese pareça mais viável num momento em que vários eurodeputados deixam Bruxelas para integrarem o Governo. E deixou sugestões sobre a melhor forma de limitar o crescimento do Chega.
“Este Governo não vai ter um período de graça”
Que primeira impressão lhe merece este Governo?
Ainda não tive tempo para avaliar em detalhe os currículos de todos, mas merece-me uma boa impressão e avaliação. Tem um núcleo político forte, desde logo no Ministério da Presidência, nos Negócios Estrangeiros, no ministro Adjunto; mas tem também alguns nomes que até surpreenderam, e que me parecem interessantes e em áreas importantes. Dou o exemplo do Fernando Alexandre, um nome fantástico para a Ciência e para a área da Educação e Inovação. E diz também da importância que se vai querer dar à área da inovação e da ciência e à sua relação com a Economia. Parece uma excelente escolha. Também há pessoas que foram meus secretários de Estado, como o Leitão Amaro e o Castro Almeida, de quem gosto imenso, escolhas verdadeiramente muito boas. Quase reivindicaria o estatuto de ser uma espécie de Sporting da formação para estes Ministérios. Mas a piada é mais ao contrário: eu é que tive a sorte, enquanto ministro, de beneficiar do contributo deles como secretários de Estado.
Não querendo entrar em clubites, é verdade que nos últimos tempos o Sporting tem melhorado a sua performance desportiva, mas nos últimos anos não tem sido particularmente feliz. Só mais nesta reta final.
Mas sempre foi ao nível da formação. Mas estava a brincar, porque sobretudo tive a sorte de poder beneficiar do contributo deles. São escolhas extraordinárias e bem pensadas também em termos de perfil para os respetivos cargos.
Miguel Poiares Maduro é uma espécie de Aurélio Pereira destes governantes?
Não, não. Estava a brincar.
Foi sempre dito que este seria um governo de muito combate político. Acredita que, com este elenco, aguentará o embate e durará quatro anos? Como é que prevê que este executivo se venha a aguentar?
Nalgumas das funções-chave era muito importante ter pessoas que não apenas tivessem, por um lado, competência para essas funções — e eles têm –, como pudessem rapidamente entrar quase em velocidade de cruzeiro. Porque este é um governo que não vai ter um período de graça. É um governo que tem de chegar forte, desde logo do ponto de vista político, quando for a discussão orçamental. Isso significa que são ministros que não vão ter muito tempo para ter conhecimento das respetivas pastas. E era importante que fossem pessoas com conhecimento das áreas, e com capacidade e resiliência política. Este núcleo político do governo tem isso mesmo. E, portanto, desse ponto de vista, avalio-o positivamente.
“Custo político de criar crise tão cedo é superior à vontade da oposição de o fazer”
Na Assembleia da República houve um impasse absoluto para a escolha do Presidente da Assembleia da República, que só foi ultrapassado com um acordo entre PS e PSD. Ainda assim, os sinais que ficaram desse dias permitem-lhe antecipar que este governo ultrapassará, por exemplo, o Orçamento do Estado?
Se tivesse de apostar, diria que sim. Porque o custo político para a oposição de deitar abaixo o governo tão cedo, criar uma crise tão cedo, é superior à vontade que muitos deles podem ter de o fazer. Agora, é verdade que os primeiros indícios que tivemos não foram de muita responsabilidade política e de capacidade de negociação institucional. O facto de existir um governo com uma maioria relativa no Parlamento, ou um governo de minoria, não tem de ser sinónimo de instabilidade. Acontece em muitos países da Europa. Há estudos que dizem que mais de 35% dos governos na Europa ao longo dos últimos 50 anos foram governos sem uma maioria parlamentar estável. Mas isso implica uma cultura política de negociação, de compromisso e de transparência. E quando numa matéria que podia ser institucional, como a eleição do Presidente da Assembleia da República, se vê desde logo, em particular o Chega, a ter um comportamento que privilegia os números e a habilidade política ao comportamento devido em termos institucionais, isso gera naturalmente preocupações. A única coisa que o governo pode fazer e que a AD terá de fazer é ser muito transparente quanto às propostas políticas que faz e à abertura da negociação relativamente a todos os partidos do arco parlamentar.
No passado já defendeu um acordo entre o PS e o PSD que deixasse o Chega isolado. É nisso que os partidos se devem concentrar? Este episódio vai reforçar essa convicção?
O que eu disse e repito é que achava importante que os partidos tivessem disponibilidade para viabilizar, para não se coligarem para deitar abaixo um governo: nem o PSD se coligar com o Chega para deitar abaixo um governo do Partido Socialista, nem o contrário. Isto não significa de forma nenhuma um acordo de bloco central. O Partido Socialista já viabilizou orçamentos do PSD, o contrário também já aconteceu. O PSD e o Chega já votaram em conjunto propostas de leis e resoluções parlamentares, até o Chega também já esteve com o Partido Socialista. Tudo isso é possível.
Mas depois disto há margem de diálogo com o Chega? É um partido em que se possa confiar?
Fiquei com essa dúvida quanto ao comportamento institucional do Chega. Não acho que tenha de existir nenhum acordo de governação, nem com o Chega, nem com o Partido Socialista. A negociação no Parlamento, medida a medida, pode assentar em geometrias políticas variáveis. Ou seja, consoante o tema, se for um tema como, por exemplo, a criminalização do enriquecimento ilícito, ou algo semelhante a isso, ou até uma alteração da legislação penal, criando a delação premiada, se calhar o PSD pode negociar com o Chega. Não vejo porque é que o Chega vai recusar isso. Noutros temas, pode ser com o PS.
Em que temas é que pode ser com o PS? Francisco César dizia esta quinta-feira que a direita tem uma estratégia para fazer do PS uma muleta do PSD. É esse o objetivo?
Não. E é um erro pensar a política e o funcionamento do Parlamento com essa ideia de que ou estão sempre do nosso lado ou estão sempre do lado contrário. A função de um Parlamento, e aliás a função da própria democracia, é reconciliar diferenças políticas. Procurar reconciliar e, quando possível, chegar a compromissos. No quadro de um Parlamento fragmentado, é isso que tem de ser procurado. O cálculo político a fazer, para se tentar ou não esse acordo, seja com o PS, com o Chega ou outro partido, não deve ser se isso nos vai trazer ou não ganhos eleitorais no futuro, ou agora. Deve ser se há ou não margem para convergências sobre aquela política.
Mas há uma margem para convergências, por exemplo, em relação ao Orçamento do Estado, tendo em conta que o PS já disse que não está disponível para viabilizar?
Não percebo como é que se pode dizer que não se está disponível para viabilizar algo que não se conhece. Se houver medidas no Orçamento do Estado, ou fora do Orçamento do Estado que coincidam com posições do Partido Socialista, e há matérias em que há coincidência, por exemplo na valorização de carreiras de professores… Não vejo razões para isso não acontecer, e o mesmo relativamente ao Chega. Quem não tiver esta visão construtiva vai ser penalizado pelos eleitores mais tarde.
Acredita mesmo que Pedro Nuno Santos vai mudar de opinião e vai abster-se no Orçamento do Estado? Essa é a tese dominante no PSD. Porque é a única alternativa, não é? A menos que acredite que o Chega, depois daquilo a que se assistiu, vai dar a mão a Luís Montenegro.
Não posso fazer juízos e previsões sobre cálculos políticos que podem assentar em razões não de princípio, mas de oportunidade. Posso esperar que os agentes políticos, incluindo o doutor Pedro Nuno Santos, se comportem politicamente de acordo com princípios e não por oportunismo político.
Se Governo cair por “oportunismo”, maioria de Cavaco pode repetir-se
Mas Montenegro vai ter que ser mais pró-ativo nestes contactos, ou não? Ou pode ficar à espera para ver, como aconteceu agora?
O que aconteceu agora foi que o PSD fez uma abordagem institucional, tradicional no quadro do Parlamento, que foi dizer que pretendia cumprir aquilo que estava na Constituição, e que os partidos deviam ter uma presença na mesa da Assembleia da República de acordo com a sua representação. E, portanto, esperava também que esses mesmos partidos, quer Chega, quer PS, votassem em consonância o presidente da Assembleia da República. O Chega tentou fazer disso um número político. Aliás, é curioso as pessoas verem, porque o Chega veio depois invocar que Paulo Rangel teria renegado um acordo que teria sido celebrado. Se forem ver as declarações de Paulo Rangel, ele está ao lado de um deputado do Chega e diz exatamente isso que eu acabei de dizer — que não há acordo, nem deixa de haver acordo — há sim a confirmação…
… e Pedro Pinto acenou com a cabeça.
Confirma, exatamente. Ele mesmo diz que estamos de acordo. Portanto, quem veio contrariar o que disse o seu responsável parlamentar foi André Ventura. É uma coisa extraordinária, não é? Vê-se bem quem quis criar um facto político artificial com base num tema que tinha de ser objeto da maior sensibilidade e comportamento institucional.
Já aqui falámos sobre as capacidades de Luís Montenegro manter este governo vivo. Se acabar por cair prematuramente, acredita que pode seguir a estratégia de Cavaco Silva para chegar a uma maioria absoluta? Ou a ideia de que o eleitorado castiga quem provoca instabilidade pode não colar desta vez?
Depende da razão por que cair. Se cair por razões como caiu o último governo de António Costa, não creio que possa ter grandes expectativas de vida futura. Agora, se cair porque Chega ou PS têm um comportamento irresponsável em que procuram sobretudo agir por mero oportunismo político, e não com base naquilo que deve ser a atuação responsável dos partidos do quadro parlamentar… Se eles não tiverem esse tipo de comportamento e deitarem o governo abaixo — não por discordarem das propostas políticas do governo, nem por não existir margem de compromisso do governo, mas porque o único objetivo é querer deitar abaixo o governo — aí acho que vão ser sancionados. E aquilo que aconteceu com o governo do professor Cavaco Silva pode vir a repetir-se.
Olhando para esta lista do novo governo, torna-se evidente, por exemplo, que Paulo Rangel já não será eurodeputado, José Manuel Fernandes já não será eurodeputado. Vai ser candidato às eleições europeias?
É mais uma especulação com o meu nome, começam a somar-se. Não posso responder a essas especulações, e não quero que interpretem a minha recusa de resposta de nenhuma forma; ela é simplesmente algo que acho inapropriado, porque seria quase arrogante ou presunçoso da minha parte estar a admitir ou a desmentir um convite ou uma abordagem que não me foi feita e que é mera especulação. Vou repetir o que sempre disse nesta matéria: esse tipo de decisões só podem ser tomadas quando elas realmente surgem, dependem de muitas circunstâncias, e não faz qualquer sentido especular sobre isso neste momento.
Se porventura o governo de Luís Montenegro não conseguir dar uma resposta eficaz, concreta, nos primeiros 100 dias da próxima legislatura, e se o governo falhar e cair, há o risco de o Chega crescer para lá dos 50 deputados? Conhece bem a realidade europeia, isso já tem acontecido noutros países: esta é uma última oportunidade de o centro-direita se reencontrar com os eleitores?
Não é só o centro-direita, são os partidos moderados. Têm de perceber que há duas razões fundamentais para o crescimento de um partido como o Chega. A primeira é a crescente desconfiança de que se alimenta esse partido na classe política. Portanto, a necessidade de repor essa confiança passa muito por medidas de reposição forte da integridade no exercício das funções públicas, de combate à corrupção, parecem-me fundamentais para repor essa confiança. Os índices de confiança dos cidadãos na classe política são muito baixos e isso explica parte [do crescimento] do Chega. A outra questão fundamental que explica o crescimento de partidos como o Chega tem a ver com a perceção das pessoas de que as suas preocupações já não estão representadas no sistema político, ou seja, que aquilo que mais as preocupa não é aquilo de que se ocupa o sistema, mas sim outros temas que não são os que valorizam mais. Portanto, é muito importante responder a essas preocupações sem que essa resposta copie as falsas soluções que apresenta o Chega.
Avançamos para o segmento Carne ou Peixe, em que o convidado tem de escolher uma de duas opções.
Preferia ter de negociar com o Chega para o governo não cair ou ficar em Florença para sempre sem poder visitar Lisboa?
Preferia negociar com o Chega.
Preferia ver o PSD ficar mais oito anos na oposição ou fazer um governo de bloco central com o PS?
Depende do contexto. Não consigo responder a isso. Há certos contextos em que poderia preferir uma coisa e outros a outra. Há mesmo muitas variáveis: o que é que seria o PS, qual seria um programa de um governo de bloco central, em que contexto… Não excluiria essa possibilidade, dependendo do contexto concreto em que isso aconteça. Numa situação de enorme crise do país, poderia justificar-se.
Em 2026, Marcelo Rebelo de Sousa deixa o Palácio de Belém. Quem é que preferia ver a ocupar esse palácio a seguir? Marques Mendes ou Durão Barroso?
Gosto dos dois, conheço os dois pessoalmente. Diria que essa escolha é simplificada só porque um deles praticamente já se excluiu, que é Durão Barroso. E, portanto, não sendo um deles candidato, torna-se mais fácil escolher o outro.