O Banco Central Europeu (BCE) já recebeu a notícia do Observador que revelou o envolvimento de Paulo Macedo no caso EDP, assim como o relatório da auditoria interna do Millennium BCP que especifica os pormenores relativos à atuação do atual presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos (CGD) no processo. Ao que o Observador apurou, Frankfurt recebeu a informação do Banco de Portugal e, como decorre das regras de supervisão europeia, está a avaliar se abre o processo formal de revisão de idoneidade de Macedo. Se o BCE der esse passo, o lugar de Paulo Macedo na Caixa passa a estar em perigo.
Para agravar a situação do ex-vice-presidente do BCP, o Ministério Público (MP) acusa Paulo Macedo de “conivência” com a atuação de Manuel Pinho (na altura ministro da Economia), de António Mexia (líder da EDP) e de João Manso Neto (braço-direito de Mexia), que terão colocado o então consultor João Conceição no gabinete de Pinho com o objetivo de promover o alegado “favorecimento à EDP”. É isso que se lê no despacho de indiciação de Manuel Pinho, consultado esta terça-feira e já revelado pelo Observador aqui.
Mexia e Manso Neto são suspeitos de terem alegadamente corrompido Pinho e Conceição e os quatro arguidos deverão ser acusados pelo Ministério Público. Paulo Macedo foi ouvido como testemunha e não é arguido no processo.
Os autos do caso EDP já fizeram com que dois arguidos tenham abandonado cargos de administração no setor financeiro. Rui Cartaxo deixou de ser chairman do Novo Banco em outubro de 2017, enquanto António Mexia foi pressionado a não se candidatar ao sexto mandato como administrador não executivo do BCP. As duas situações têm em comum uma intervenção discreta do BCE e do Banco de Portugal para que esses gestores se afastassem do setor financeiro.
O Observador enviou um conjunto de perguntas escritas a Paulo Macedo sobre estes factos mas o presidente da Caixa não quis fazer comentários.
A “conivência” de Paulo Macedo com Pinho, Mexia e Manso Neto
O despacho de indiciação de Manuel Pinho pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, prevaricação, participação económica em negócio e branqueamento de capitais envolve o nome de Paulo Macedo.
Recorde-se que, tal como o Observador noticiou em exclusivo, uma auditoria interna do Millennium BCP concluiu que João Conceição nunca trabalhou no banco enquanto foi seu diretor entre setembro de 2008 e maio de 2009 — e terá recebido 153 mil euros por serviços que nunca terão sido prestados. No mesmo período, Conceição foi assessor do ministro Manuel Pinho no Governo de José Sócrates, sendo que a sua contratação pelo BCP terá sido acordada entre Paulo Macedo, então vice-presidente do banco, e João Manso Neto, administrador da EDP.
Mais: Macedo, atualmente líder da Caixa Geral de Depósitos (CGD), terá acordado com o braço direito de António Mexia que os custos totais do BCP relativos à contratação de João Conceição seriam reembolsados pela EDP — o que, segundo o banco e a elétrica asseguraram ao Observador, nunca se veio a verificar. Contudo, dois documentos internos do BCP atestam que não só “todos os meses os custos deste colaborador devem ser imputados à EDP (remunerações, encargos, renda viatura e diferencial de juros dos empréstimos)”, como tal corresponderia ao “acordado entre o sr. dr. Paulo Macedo e o sr. dr. Manso Neto”.
No despacho de indiciação de Manuel Pinho é possível ler que o então ministro da Economia, “António Mexia, João Manso Neto e João Conceição (…) acordaram” antes de Mexia tomar posse como líder da elétrica em 2006 que o “favorecimento à EDP por parte do arguido Manuel Pinho seria também concretizado com o apoio direto do arguido João Conceição” ao então ministro de José Sócrates. Sendo que os salários do “arguido Conceição nesse período seriam suportados pela EDP” de duas formas:
- “Entre março e agosto de 2008, através da consultora BCG – Boston Consulting Group (à qual o arguido João Conceição se encontrava vinculado e com a qual a EDP tinha vários contratos)”;
- E, “entre agosto de 2008 e abril de 2009, através do Millennium BCP (acionista do BCP)”.
Enquanto foi consultor de Manuel Pinho e ajudou a elaborar legislação estruturante do setor energético na qual a EDP era um dos maiores interessados, os salários de João Conceição foram, assim, pagos por uma consultora que trabalhava com a elétrica e por um banco participado pela EDP. Mais: Conceição só foi contratado como diretor do BCP em setembro de 2008, depois de ter enviado um email a António Mexia com as suas condições salariais (“salário bruto de 10 mil euros/mês” + seguros) e por intervenção direta de Paulo Macedo, enquanto vice-presidente do BCP.
Paulo Macedo deu ordens aos serviços de recursos humanos do BCP, em agosto e setembro de 2008, para que contratassem João Conceição nas condições exigidas a Mexia — o que veio a acontecer mas sem que alguma vez Conceição tenha prestado algum serviço ao banco ou tenha sequer ido às suas instalações. Resultado: o então consultor do ministro Manuel Pinho recebeu cerca de 153 mil euros entre setembro de 2008 e maio de 2009.
É por isto que os procuradores referem nos autos do caso EDP que, “em resultado da conjugação de esforços dos arguidos João Manso Neto, António Mexia e Manuel Pinho”, e “com a conivência primeiro de Luís Gravito da BCG, e depois de Carlos Santos Ferreira e de Paulo Macedo do Millennium BCP”, foi possível que Conceição não tenha sido “formalmente nomeado adjunto, assessor ou técnico especialista do então ministro e aqui arguido Manuel Pinho, de modo a que continuasse a receber os montantes salariais que auferia na BCG e posteriormente no BCP (a que no gabinete ministerial não teria direito)”, lê-se no despacho de indiciação de Manuel Pinho.
Recorde-se que, de acordo com um comunicado emitido pelo BCP a 18 de janeiro de 2008 sobre os pelouros dos membros do Conselho de Administração do BCP, Carlos Santos Ferreira era o presidente e tinha o pelouro relacionado com os “Colaboradores, Formação e Desenvolvimento Profissional”. No mesmo comunicado é também possível ler que Paulo Macedo era o “1.º Responsável” sobre a mesma área. Ao Observador, Santos Ferreira garantiu que Paulo Macedo é que “exercia a função”.
Macedo pediu ajuda a Mexia quando era ministro da Saúde
Os autos do caso EDP consultados pelo Observador têm também outra novidade. Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto voltaram a pesquisar os emails da caixa eletrónica de António Mexia que estão juntos aos autos e encontraram uma novidade: um email de Paulo Macedo para Mexia com a data de 21 de junho de 2012.
Macedo era então o ministro da Saúde do Governo de Passos Coelho e o assunto da missiva prendia-se com problemas técnicos de eletricidade que estavam a prejudicar o normal funcionamento de cinco centros de saúde de Lisboa e Alentejo. Tratando Mexia por tu, Macedo pedia: “Caro António, peço a tua ajuda para estes casos pendentes com a EDP”.
Tendo recebido o email antes da hora de almoço do dia 21 de junho de 2012, Mexia terá dado ordens à sua secretária para solicitar no mesmo dia, às 17h21, um “ponto da situação ainda esta tarde”. Três horas depois, os serviços da EDP informavam Mexia sobre o “pedido do sr. ministro.”
O MP fez questão de juntar este email aos autos principais do processo por o considerar relevante mas não teceu nenhuma consideração sobre o mesmo.
Regras da supervisão europeia obrigam BCE a intervir no caso Macedo
Uma questão que se colocava sobre este envolvimento de Paulo Macedo no caso EDP prende-se com a prescrição do procedimento criminal. Como o Observador já explicou, estaria eventualmente em causa o crime de falsificação de documento (por o contrato de trabalho entre o BCP e João Conceição ter sido alegadamente fictício). Mas esse eventual crime prescreveu entre 2013 e 2014, atendendo a que teria sido praticado entre 2008 e 2009 e que o prazo prescricional daquele tipo ilícito criminal é de cinco anos.
O mesmo prazo (cinco anos) aplica-se aos procedimentos contra-ordenacionais, sendo que pode ser aumentado para oito se o suspeito tiver sido entretanto ouvido ou acusado pelo supervisor. Isto é, as eventuais violações das regras do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras também estão prescritas.
Contudo, a questão prescricional é irrelevante para o BCE decidir sobre a possível reavaliação de Paulo Macedo. Ao que o Observador apurou, o que interessa neste tipo de avaliações é a gravidade dos factos — a possibilidade de prescrição não é relevante.
Por exemplo, a auditoria da EY sobre a gestão da CGD no período de 2000 a 2015 levou o Banco de Portugal, segundo o Expresso, a iniciar o chamado processo “fit & proper” para avaliar se sete ex-administradores da Caixa que desempenhavam ou queriam candidatar-se a funções de gestão no Novo Banco, BCP, Finantia, EuroBic e na própria CGD tinham condições em termos de idoneidade, sendo que na esmagadora maioria dos casos já tinha ocorrido a prescrição contra-ordenacional. Estavam em causa nomes como José Araújo Silva, Norberto Rosa, Pedro Cardoso ou António Vila-Nova. Destes três, só Vila-Nova foi autorizado a entrar para chairman do Finantia, enquanto Norberto Rosa e Pedro Cardoso não tiveram autorização para entrar para o BCP e para o Bison Bank e Araújo Silva foi obrigado a renunciar ao mandato como administrador do EuroBic.
Voltando ao caso de Paulo Macedo. No fundo, o BCE está a avaliar informalmente se os factos têm gravidade suficiente para ser retirada a idoneidade ao líder executivo da CGD. A isso obrigam as regras do processo “fit & proper”, que referem expressamente que o BCE tem “todos os poderes para desempenhar o seu papel” de supervisor europeu, sendo que a “recolha de informações, incluindo entrevistas e imposição de condições” são processos automáticos sempre que surgem “novos factos” que justifiquem a intervenção do BCE.
Por exemplo, tem de ser analisado se o facto de Macedo ter dado alegadamente ordens aos serviços do BCP para contratar um diretor (João Conceição) que nunca trabalhou no banco mas recebeu 153 mil euros do BCP corresponde a uma gestão sã e prudente — um conceito essencial nas regras de supervisão do BCE.
E como decorrerá o processo de reavaliação da idoneidade de Paulo Macedo? Seja numa base informal, seja formal, o processo será sempre decidido pelo BCE, mas com os serviços do Departamento de Averiguação e Ação Sancionatória do Banco de Portugal a elaborarem um projeto de decisão em conjunto com os responsáveis do BCE. Em matéria de supervisão, como é a questão da idoneidade, o poder de decisão pertence a Frankfurt. Se estivesse em causa um processo de contra-ordenação, aí o poder de decisão seria do Banco de Portugal.
Para perceber a gravidade dos factos imputados a Paulo Macedo, o BCE, através do Banco de Portugal, deverá pedir ao MP o acesso a todos os documentos relevantes que estão contidos no auto do caso EDP. É uma prática normal que tem vindo a ser aplicada em todos os processos criminais que estão relacionados com a banca e que começou precisamente com os casos BCP, BPP e BPN em 2008 — casos que marcaram uma viragem nas relações entre o MP e o Banco de Portugal no sentido de ser construída uma cooperação próxima entre o titular da ação penal e o supervisor da banca.
Por outro lado, e tendo em conta que o processo assume numa primeira fase um carácter informal, é provável que Paulo Macedo seja chamado pelo Banco de Portugal a explicar todos os factos que foram noticiados pelo Observador, de forma a dar a sua versão.
Se o processo avançar para a fase de reavaliação formal de idoneidade, Paulo Macedo terá de ser obrigatoriamente ouvido para que o contraditório seja exercido, como manda a lei portuguesa e europeia.