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O problema são as baixas. Em Portugal não há uma carência generalizada de professores, a fazer fé nas palavras do ministro da Educação, esta quarta-feira, em audição regimental no Parlamento. João Costa lembrou que o Governo está quase a completar os seus 100 dias de mandato (aquilo que em tempos era reconhecido como o período de graça), mas a oposição focou-se antes no facto de o ministro fazer parte da equipa da Educação há sete anos consecutivos. Mesmo que as linhas de pensamento da oposição e do governante não se cruzem nem no infinito, o ministro, anteriormente secretário de Estado, fez o balanço das medidas que têm sido tomadas para enfrentar o maremoto que se aproxima (e em que já se vê a água a recuar na direção do horizonte). A falta de professores nas escolas, o problema para o qual a tutela tem sido alertada por todos nos últimos anos, foi o foco da intervenção de João Costa.

“O sistema educativo português, ao contrário do que se passa noutros países, ainda não enfrenta uma carência generalizada de profissionais”, garantiu o ministro. A base de argumentação? Ao longo do ano letivo, foram colocados cerca de 27 mil horários em substituições, portanto, “houve 27 mil profissionais disponíveis em diferentes momentos”, argumentou o ministro.

Na verdade, não é certo que tenham sido 27 mil profissionais diferentes, já que, se forem baixas de curta duração, o mesmo professor pode ter feito várias substituições ao longo do ano.

É por esse caminho que segue a narrativa do governante quando afirma que a falta de professores deveu-se, na sua esmagadora maioria, a “absentismo por baixa médica, numa média apenas ligeiramente superior à do resto da administração pública”. O número que esmaga a minoria tem o valor de 87,5%, ou seja, só em 12,5% dos casos a ausência de professores nas escolas se deveu a outros motivos. Outro problema, é que as baixas têm “uma distribuição assimétrica ao longo do ano letivo”, e nos casos em que é mais difícil encontrar um substituto há situações de “suspensão e retoma de baixas com apenas um dia de intervalo”.

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De resto, o diagnóstico está há muito feito, e foi apenas reforçado: Portugal tem um rácio professor/aluno inferior à média da UE e fortes assimetrias regionais. A solução passa por gerir melhor a distribuição dos recursos humanos, acredita o ministro. “No médio prazo, sabemos que enfrentamos um problema mais complexo, na medida em que o número de aposentações vai acelerar e não foram formados professores em número suficiente.”

As 11 medidas elencadas farão “a gestão do imediato e para a preparação do médio prazo”, argumentou João Costa.

Algarve e Lisboa e Vale do Tejo com medidas específicas

“Antes do início do ano letivo, serão completados os horários disponíveis nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve, regiões de maior carência de professores, e nos grupos de recrutamento de Geografia, Físico-Química, TIC, Inglês, Filosofia e História.” João Costa

Foi uma das medidas mais criticadas pela oposição por não ser transversal a todo o país. Tanto Cláudia André, do PSD, como Joana Mortágua, do BE, apontaram a falta de justiça da medida, já que privilegia determinadas zonas do país.

“Se fosse igual para todos seria um exemplo de mau gestão”, respondeu o ministro. “Em alguns sítios vamos ter medidas extraordinárias”, porque as situações que ali se vivem não se comparam com o resto do país. “Gerir não é fingir que temos um saco de dinheiro e de professores sem fundo”, disse o ministro, garantindo que, devido às assimetrias do país, há zonas onde as escolas têm professores e não têm alunos.

Governo aprova alterações aos concursos para reduzir falta de professores no início do ano

Em Lisboa e no Algarve, logo no arranque do ano letivo, vai ser permitido às escolas que completem horários incompletos a concurso com, por exemplo, horas para medidas de apoio aos alunos e aulas de compensação. A necessidade desta mudança deve-se ao facto de um horário incompleto ser pouco apetecível em termos de concurso, já que menos horas significa menos ordenado.

Horários incompletos

“Foi aprovado o decreto-lei que permite a renovação dos horários incompletos. Além da estabilidade conferida às equipas das escolas, os horários já preenchidos este ano já não irão a concurso, mitigando o efeito inesperado dos horários que ficam por preencher.” João Costa

É muito semelhante à medida anterior, em termos de princípio, mas esta aplica-se em todo o território. Para o próximo ano letivo, as escolas podem renovar contrato com os professores que, no ano anterior, tenham sido contratados para horários incompletos, desde que mantendo a carga horária original.

Professores pedem que escolas possam completar também os horários já ocupados

Mobilidade por doença com regras apertadas

“A boa gestão da mobilidade por doença, conforme esclarecido na ronda anterior, irá permitir uma mais harmoniosa distribuição dos professores disponíveis pelas escolas de proximidade, evitando assim a concentração de professores numa mesma escola quando há capacidade e necessidades identificadas em escolas próximas.” João Costa

As mudanças na mobilidade por doença foram explicadas por João Costa antes da audição regimental, numa audição imediatamente antes, também na Comissão de Educação, requerida por PCP, BE e PAN. No total, foram mais de cinco horas que o ministro esteve a ser ouvido pelos parlamentares.

Professores em mobilidade de doença passaram de 128 para 8.818 em dez anos. Ministro revela transferências para escolas “na mesma rua”

Do lado da oposição, as principais críticas, feitas por Diana Ferreira (PCP), Joana Mortágua (BE) e Cláudia André foram de que o Governo está a tentar esconder a falta de professores, sem lhe dar a resposta necessária. A deputada comunista considerou mesmo que a medida trará “prejuízo para alunos, para escolas e para um grupo grande professores”. O ministro recusou todas as críticas e revelou algumas situações como, por exemplo, a mobilidade por doença permitir aos professores serem deslocados de uma escola para a outra, embora as duas fiquem na mesma rua.

Reforço da fiscalização

“Vão também ser reforçados os instrumentos de verificação de doença domiciliária, para aferir os casos em que a doença não justifica interrupções, permitindo maior estabilidade na substituição dos professores e reduzindo os tempos necessários à substituição.” João Costa

Quando o ministro aponta as ausências por baixa médica como o principal motivo para faltarem professores nas escolas, era impensável não prever o aumento da fiscalização quer destas baixas quer dos casos anteriores, de mobilidade por doença. Apesar disso, não se livrou das críticas de Joana Mortágua e Cláudia André, que o questionaram sobre por que motivo o Governo só avança com estas medidas agora, quando está há sete anos no poder.

Reduzir a dimensão dos Quadros de Zona Pedagógica

“Em setembro, iniciaremos a redução da dimensão dos Quadros de Zona Pedagógica, para que a deslocação dos professores seja reduzida e se possam tornar mais atrativos os lugares disponíveis.” João Costa

Foi uma medida muito criticada pela deputada Joana Mortágua, não pelo conteúdo mas pelo atraso: há anos que se fala nesta mudança, mas nunca é concretizada. Atualmente há 10 Quadros de Zona Pedagógica e cada um deles abarca vários concelhos. Um professor colocado num QZP, em vez de num quadro de escola, pode ser transferido para qualquer escola da zona pedagógica. A zona 10, por exemplo, abarca toda a região algarvia.

Mudar o modelo de recrutamento

“Dar-se-á início, em setembro, ao processo de concertação social para a revisão do modelo de recrutamento e colocação de professores, tendo em vista a criação de condições para a fixação de mais professores em quadro de escola, de forma permanente e com perspetiva de estabilização da sua vida pessoal num território.” João Costa

Já estava anunciado e a ideia do ministro é acabar com o modelo “casa às costas”, garantindo maior estabilidade de vida aos professores. O processo, clarificou João Costa, será acompanhado de um levantamento das necessidades permanentes das escolas, para reduzir instabilidade e vínculos precários.

Sobre este tema, Carla Madureira (PSD) quis saber se há soluções para resolver a situação de professores que se vincularam aos quadros, mas longe de casa.

“Não trabalhamos onde moramos, moramos onde trabalhamos. O que não é racional é dizer às pessoas que têm de trabalhar em sítios diferentes a cada três ou quatro anos”, respondeu o ministro.

Contratação de escola

“As escolas poderão recorrer à contratação logo após a primeira reserva de recrutamento em que não fique professor colocado e sempre que a Direção-Geral da Administração Escolar conclua que já não há professores em número suficiente em reserva.” João Costa

Sindicato apresenta ao Governo 12 propostas para responder à falta de professores

É um prazo que se encurta ainda mais. As escolas deixam de ter de esperar pelos resultados de duas reservas de recrutamento (lista graduada de professores disponíveis a ser colocados), antes de poderem, elas próprias, avançar para a contratação individual. Basta irem a concurso durante a primeira reserva de recrutamento e se ninguém aceitar a oferta de emprego podem procurar o professor por outra via — uma medida que já tinha sido aplaudida pelos diretores quando a ida às reservas foi diminuída para duas.

O objetivo é evitar alunos sem professores durante demasiado tempo, como acontece em todos os inícios de anos letivos.

Menos professores cedidos

“Tradicionalmente, o Ministério da Educação tem podido ceder professores em mobilidade estatutária a diferentes organizações. Face à necessidade de ter professores nas escolas, promoveu-se uma redução generalizada destas cedências.” João Costa

O ministro já tinha assumido em maio, em entrevista ao Expresso, que dos cerca de 2 mil professores cedidos todos os anos a associações científicas, socioculturais e a serviços da Administração Pública uma parte significativa teria de regressar às aulas, onde fazem falta.

No Parlamento, Joana Mortágua criticou esta opção que aponta para o regresso de 500 professores às escolas. O motivo? Segundo a deputada, o Bloco de Esquerda tem recebido vários contactos de Centros de Ciência Viva que deixarão de funcionar se ficarem sem estes professores. Como estes, questionou a bloquista, quantos mais organismos ficarão em risco de encerrar? “A manta é demasiado curta”,  defendeu.

Rever quem pode ser professor

“Está em preparação a revisão das habilitações para a docência, que irá alargar o conjunto de professores disponíveis com habilitação própria, atendendo aos percursos formativos e aos ECTS, vulgo sistema de transferência de créditos, realizados nas diferentes áreas disciplinares e não apenas à designação das licenciaturas.”

Sobre esta medida há pouco a dizer, já que não se conhecem detalhes. No entanto, alguns sindicatos de professores e diretores têm sido contrários à ideia de mexer nas habilitações dos professores, por temerem um regresso ao passado. Nos anos 1980 e 90, era possível ter professores com o que se chamava de habilitações mínimas (por vezes só com o 12.º ano) a dar aulas.

Formação para quem quer regressar à profissão e mais vagas

“No contacto com as instituições de ensino superior, já solicitámos a disponibilidade para o alargamento de vagas nos mestrados em ensino, atendendo ao facto de, em várias instituições, se estar a assistir a um grande crescimento da procura destes cursos. João Costa

O ministro garante que há mais jovens a querer ser professores e isso mesmo o levou a falar com a colega de Governo, que tem a pasta do Ensino Superior, para se aumentar as vagas nos cursos de Educação. Mas não só. Também em colaboração com o ministério de Elvira Fortunato, “na antecipação das necessidades de médio prazo” foi criado um grupo de trabalho que tem uma tripla missão: propor uma revisão dos requisitos de acesso aos mestrados das Escolas Superiores de Educação, propor modelos de profissionalização em exercício e disponibilizar oferta de formação para profissionais que desejam voltar à profissão.

Estágios profissionais com direito a ordenado

“Os estágios profissionais voltarão a ser remunerados e com mais trabalho com turmas, melhorando os mecanismos de indução na profissão.” João Costa

Foi em 2005, com Maria de Lurdes Rodrigues (PS) como ministra, que os estágios dos futuros professores deixaram de ser pagos, quando, até aí, recebiam cerca de dois salários mínimos para dar aulas ao básico e ao secundário. A medida fazia parte do Pacto de Estabilidade e Crescimento e deveria poupar cerca de 50 milhões de euros ao Estado.

Com a falta de professores, os estágios voltam a ser remunerados. Além disso, os finalistas dos cursos que habilitam para o ensino irão ter turmas atribuídas e terão um papel mais ativo na sala de aula, e com mais autonomia, do que atualmente.