Cumpriu-se o primeiro ato simbólico da nova vida do PSD, agora, e pela primeira vez em muito tempo, unido e em condições sérias de derrotar os socialistas nas próximas eleições legislativas. No dia que Carlos Moedas escolheu para assinalar os dois anos de uma surpreendente vitória contra Fernando Medina, Luís Montenegro foi o protagonista da festa e tentou, desde o minuto zero, condicionar o próximo líder socialista (previsivelmente Pedro Nuno Santos) e a campanha para as eleições legislativas: impostos, professores, pensionistas e corrupção.
Num jantar-comício em Lisboa, que juntou mais de 1.200 militantes sociais-democratas, e minutos depois de António Costa acabar de falar ao país, Luís Montenegro subiu ao palco e começou, precisamente, por recordar o quão improvável diziam que seria a vitória de Carlos Moedas, em 2021. O líder do PSD, frequentemente criticado por não ser capaz de disparar nas intenções de voto e sobre quem pendia a dúvida sobre se aguentaria para lá das próximas eleições europeias (junho), lembrou que também Moedas foi menorizado pelas sondagens e subestimado pelos adversários. “Menosprezaram aquilo que é fundamental na democracia: em democracia, cada cidadão tem direito a um voto”, atirou Montenegro. “É essa a inspiração que nos vai mover nos próximos quatro meses até à vitória eleitoral.”
Há dois anos, Moedas conseguiu derrotar Fernando Medina e acabar com um ciclo de 14 anos de governação contra as expectativas de uma parte relevante do próprio partido, analistas e comentadores. Montenegro quer repetir a história a 10 de março de 2024, ensaiando já este sábado o guião que vai levar para a campanha. À cabeça, o presidente do PSD vai forçar os socialistas a decidirem, já neste Orçamento do Estado, se chumbam ou não a proposta do partido para a recuperação faseada do tempo de serviço dos professores.
O raciocínio é simples: mesmo com o setor da educação virado do avesso, António Costa tem sido irremediavelmente contra essa possibilidade; se o PS ceder agora e aprovar a proposta social-democrata, será acusado de eleitoralismo; se recusar e mantiver a linha vermelha, entrará em campanha eleitoral de costas voltadas para os professores, com todos os riscos que essa decisão comporta.
O xeque ao rei socialista de Montenegro não ficou por aqui. Uma das maiores debilidades eleitorais do PSD pós-Pedro Passos Coelho é a perceção que o partido tem junto do eleitorado mais velho e dos pensionistas, facto perfeitamente reconhecido pela antiga direção de Rui Rio e pela atual. Segunda promessa de Montenegro: o PSD tentará fazer aprovar o aumento extraordinário das pensões mais baixas.
Existe outra fragilidade eleitoral do PSD igualmente reconhecida dentro do partido: um distanciamento crescente em relação ao segmento mais jovem e dos centros urbanos – eleitorado que alimenta em grande medida a Iniciativa Liberal. Montenegro não esqueceu os mais jovens e reiterou a promessa de aprovar a proposta de IRS jovem até 15% para os jovens com menos de 35 anos. “A nossa prioridade máxima nesta campanha é recuperar a confiança da juventude portuguesa”, chegou a atirar.
Terceiro movimento de peças no tabuleiro laranja: mesmo sem perder grande tempo em falar sobre o caso de justiça que atingiu em cheio o coração socialista (“PSD vai-se concentrar em explicar aos portugueses como é que a sua vida vai melhorar”, despachou), Montenegro anunciou que os sociais-democratas vão apresentar uma proposta para regulamentar o lobbying em Portugal (aquilo que alegadamente Diogo Lacerda Machado, “melhor amigo” de Costa, fazia junto dos membros do Governo) e para criminalizar o enriquecimento ilícito, diploma que tem sucessivamente esbarrado no Tribunal Constitucional. A intenção é clara: explorar politicamente o caso sem ser acusado de o explorar de forma gratuita e cavar as diferenças em relação a outros discursos mais radicais, nomeadamente de André Ventura.
Momentos depois de António Costa ter passado largos minutos a falar sobre a sua relação com Diogo Lacerda Machado, sobre o papel do seu agora ex-chefe de gabinete e sobre algumas suspeitas que recaem sobre os processos de decisão do Governo, Montenegro tentou acentuar o contraste evidente entre os comprimentos de onda em que se encontram os dois partidos. Aliás, a forma como os dois se apresentaram ao país foi ilustrativa. Costa, de saída, sozinho, apenas com a mulher, Fernanda Tadeu, a falar ao país, a partir de São Bento. Montenegro ao lado de Carlos Moedas, o maior ativo político do PSD, com figuras como José Luís Arnaut, Paulo Rangel, Nuno Morais Sarmento, Mira Amaral ou Luís Pais Antunes, em modo comício, com 1.200 militantes, bandeiras e direito a sopa e carne assada.
Mas Montenegro sabe também o risco que corre se fizer uma campanha em nome de uma qualquer vingança da direita sobre a esquerda, ou de ajuste de contas. E foi essa a mensagem que também quis deixar. “É a terceira vez que o país cai num pântano político. Era mais fácil estar a responsabilizar o PS. Não me faltavam razões. Mas quero dizer: o PSD vai-se concentrar em explicar aos portugueses como é que a sua vida vai melhorar. Estamos direcionados para o futuro; não para justificar o passado. Precisamos de unir o país. Não deixar ninguém de lado. Respeitar a diferença. Olhar para as pessoas e a dialogar com elas. Governar contra o povo, com arrogância, com soberba, com uso e abuso do poder, tomando conta da Administração, acaba sempre mal”, rematou.
“Libertámos Lisboa do socialismo”
Antes de Montenegro, foi a vez de Carlos Moedas falar aos militantes sociais-democratas. O autarca arrancou o seu discurso com uma mensagem de agradecimento ao líder do PSD e a todos o acompanharam – vereadores e presidentes da junta – desde a “noite histórica” em que derrotou Fernando Medina. “Acredito que aquilo que fizemos nestes dois anos vai ser o que vamos fazer com Luís Montenegro. Será o próximo primeiro-ministro de Portugal”, começou por dizer Moedas. “Libertámos Lisboa do socialismo. Os donos de Lisboa são as pessoas e não os socialistas. O PSD une e não divide como eles”, sublinhou o autarca, lembrando, de resto, o ceticismo com que muitos encararam a sua candidatura.
Mesmo na circunstância de ter de ceder o protagonismo a Montenegro, Moedas não deixou de aproveitar o momento para fazer a defesa dos seus dois anos de mandato. A começar o autarca defendeu que está a fazer o “maior investimento de sempre” na habitação, por comparação com as “17 casas” por ano construídas pelo executivo então liderado por Fernando Medina. “Eles não faziam. Nós fazemos”, celebrou Moedas. Ainda na habitação, o antigo comissário europeu recordou as chaves já entregues no âmbito dos programas de renda acessível e no apoios às pessoas em situação de sem-abrigo, para as quais garante ter encontrado “400 casas”.
Moedas queixou-se também da forma como foi e tem sido menorizado e até ridicularizado. “Há dois anos, tive a coragem de ir para o palco da Web Summit, falar para aquelas pessoas todas. Muitos riram-se, alguns até me fizeram voz de balão [referência a Ricardo Araújo Pereira] quando me referia à fábrica de unicórnios”, recordou. A esses, Moedas quer responder com resultados como o facto de Lisboa ser uma das cidades preferidas na corrida para a capital europeia da inovação.
O social-democrata criticou ainda o Governo pelas falhas do Serviço Nacional de Saúde a nível nacional, puxando para si os méritos de resposta que a autarquia tem dado, como as “mamografias gratuitas” para mulheres com menos de 50 anos. Ou nos transportes: se a esquerda “enche a boca” com ativismo ambiental, são os sociais-democratas que dão verdadeira resposta. “São 91 mil pessoas as que andam de transportes públicos. Metade não tinha passe antes”, assegurou Moedas, que implementou passes gratuitos para jovens e pessoas com mais de 65 anos em Lisboa.
Carlos Moedas não terminou o discurso sem recordar aquele que considera um dos seus maiores feitos dos dois anos de mandato: receber a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e o Papa Francisco em Lisboa. Mais uma vez, destacou que muitos tiveram dúvidas sobre o sucesso do evento, em contraposição ao sucesso que o mesmo acabou por ter. “Recebemos o Papa, ao contrário do que se pensava, conseguimos”.