O ano era 1976. A corrida republicana para chegar às presidenciais norte-americanas estava a ser disputada entre Gerald Ford e Ronald Reagan. O primeiro conseguiu algo inédito na história do partido: venceu o caucus do Iowa e as primárias do New Hampshire e acabou por vencer as eleições partidárias. Foram precisos quase 50 anos para repetir esse feito esta terça-feira, desta vez pela mão do antigo Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, que venceu naqueles dois estados, tradicionalmente os primeiros a votar durante as primárias.
O magnata sagrou-se vencedor no New Hampshire esta terça-feira e parece estar muito perto de se tornar o candidato republicano às eleições presidenciais de 2024. Apesar dos processos judiciais de que é alvo, Donald Trump tem conseguido cativar o Partido Republicano e não há ninguém que aparenta ser capaz de o derrotar pelo menos até agora. Mas alguém promete terminar com a sua suposta invencibilidade: Nikki Haley, a antiga governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora norte-americana nas Nações Unidas.
Após um decepcionante terceiro lugar no Iowa, Nikki Haley conseguiu arrecadar cerca de 44% dos votos esta terça-feira, ficando a mais de dez pontos de diferença do rival. O resultado terá sido melhor do que o esperado: a última sondagem antes das eleições dava-lhe apenas 38%. Por isso, não foi uma humilhação, nem uma derrota em toda a linha, mas também não é uma vitória. Isto porque, no New Hampshire, os eleitores independentes — que não se identificam com nenhum dos dois partidos — podem igualmente votar e isso dava uma vantagem à antiga governadora, que é considerada mais moderada do que o ex-Presidente.
Aquela vantagem não foi suficiente para a antiga governadora ganhar, mas os votos que obteve deram alguma esperança à única candidata que resiste a Donald Trump. No passado domingo, o governador da Florida, Ron DeSantis, anunciou que desistiria das primárias, deixando o caminho livre para Nikki Haley se converter na única adversária do antigo Presidente, algo impensável há uns meses.
Republicano Ron DeSantis retira-se da corrida à Casa Branca e apoia Donald Trump
Os doadores que financiam a campanha de Nikki Haley ainda aparentam acreditar na republicana e numa reviravolta surpreendente. “Isto é uma maratona, não é um sprint”, repete a antiga embaixadora da ONU, que avisou esta terça-feira, após serem conhecidos os resultados, que as primárias “estão apenas a começar”: “A nossa luta ainda não acabou. Ainda temos um país para salvar”.
A esperança de Nikki Haley no futuro
Depois de o Iowa e do New Hampshire votarem, é a vez do Nevada a 6 de fevereiro. No entanto, já se sabe de antemão o vencedor da próxima votação, que será Donald Trump, visto que Nikki Haley decidiu não ir a votos naquele estado. As atenções ficam assim viradas para a Carolina do Sul, que organiza as suas primárias no dia 24 de fevereiro e em que se espera uma intensa luta política.
As últimas sondagens dão uma inequívoca vantagem a Donald Trump, que poderá obter um resultado na ordem dos 68%, ao passo que Nikki Haley ficará nos 28%, apesar de a republicana ter governado aquele estado de 2011 a 2017. Mesmo assim, a popularidade do ex-Presidente na Carolina do Sul, estado tipicamente republicano, é bastante elevada — e será, assim, um grande desafio para a campanha da antiga embaixadora.
No discurso desta terça-feira, Nikki Haley deixou implícita a importância da Carolina do Sul para a sua campanha. “Há dezenas de estados que ainda não votaram. E o próximo a votar é o meu doce estado da Carolina do Sul”, afirmou a republicana. Por sua vez, na sua intervenção após a vitória, Donald Trump assegurou que “adora” aquele estado. “Estamos muito à frente nas sondagens”, assinalou ainda.
No quartel-general de Nikki Haley, a ordem é para “respirar fundo”, principalmente depois da desistência de Ron DeSantis, o que poderá beneficiá-la. Numa nota da campanha a que a NBC News teve acesso, lê-se que só após a Super Tuesday, em que 16 estados escolhem que candidato vão apoiar, é que se “obterá um retrato fiel de como está a correr a corrida”. “Nessa altura, milhões de norte-americanos terão votado. Até lá, todos devem respirar fundo.”
Apostando numa bipolarização da corrida e tentando convencer os setores do partido republicano abertamente contra Donald Trump, os doadores de Nikki Haley também ainda acreditam na candidata. “Seremos capazes de lutar até à Carolina do Sul”, disse Mark Harris, um dos estrategas e financiadores por trás da campanha da antiga governadora, citado pela CNN Internacional. Depois disso, o apoio financeiro permanece uma incógnita, mas a republicana terá agora cerca de um mês para se apresentar como uma alternativa viável ao magnata.
“Sou uma lutadora. Sou insistente. A um certo ponto da campanha, éramos 14 a concorrer e nós tínhamos apenas 2% nas sondagens. E agora somos os últimos a enfrentar Donald Trump”, recordou Nikki Haley durante o discurso em que reconheceu a derrota (e deu os parabéns ao adversário), garantindo igualmente: “Esta corrida está longe de terminar”. Deixando de lado um tom derrotista, a antiga governadora apresentou-se ao público com um sorriso — e parecia convencida de que será capaz de dar a volta.
Equipa de Donald Trump espera desistência para se focar nas presidenciais
Apesar de ter vencido, Donald Trump não poupou a adversária depois de os resultados serem conhecidos. Pelo contrário. O ex-Chefe de Estado atirou várias vezes à concorrente partidária: “Impostora”, “teve uma noite muito má”, “falhou redondamente” e “saiu-se muito mal”. O motivo? O magnata entendeu que Nikki Haley não vai desistir e isso distrai o partido do que realmente é importante: vencer os democratas e Joe Biden em novembro.
“Temos de fazer o que é bom para o partido. Mas ela estava a fazer um discurso como se tivesse ganhado. Ele não ganhou. Ela perdeu”, sinalizou Donald Trump esta terça-feira, num sinal de que contava com a desistência de Nikki Haley, bem como o apoio dela na sua campanha para as presidenciais. Aliás, num comício esta segunda-feira na cidade de Laconia, no New Hampshire, o magnata chegou a vaticinar que a rival desistiria em poucas horas, como lembra a GBNews.
A entourage do antigo Presidente tem igualmente pressionado Nikki Haley a desistir. Em declarações à Fox News, Vivek Ramaswamy, antigo candidato nas primárias republicanas e atual aliado de Donald Trump, falou numa “vitória decisiva” para o magnata. “Talvez a eleição presidencial tenha começado esta noite”, assinalou, vincando: “Eu penso que as primárias republicanas acabaram esta noite”. Por isso, o político aconselhou a antiga governadora a “fazer a coisa certa para o país”, isto é, anunciar a sua desistência.
Antes da divulgação dos resultados, um membro da campanha de Donald Trump revelou à CNN internacional que, se se assistisse a uma retumbante vitória do magnata, o foco passaria a ser agora a eleição presidencial, atacando Joe Biden e aumentando as campanhas nos chamados swing states, isto é, estado que mudam de cor política com alguma regularidade, determinantes para uma vitória nas presidenciais. O ex-Chefe de Estado focar-se-ia em estados como a Georgia, o Arizona ou o Michigan, em que perdeu para Joe Biden nas eleições de 2020.
A vitória e igualmente o discurso de Nikki Haley poderá ter alterado os planos de Donald Trump. Mesmo que as sondagens deem a vitória ao magnata em vários estados, a antiga governadora pode impedir uma coroação do republicano como candidato à Casa Branca, pelo menos nos próximos tempos, obrigando-o a prolongar as primárias.
Biden também vence primárias democratas — mas alerta para os perigos de Trump
Além das primárias republicanas, também tiveram lugar no estado do New Hampshire as democratas. Sem surpresa e sem adversários de peso, o atual Presidente dos Estados Unidos venceu com 67% dos votos, abrindo caminho para a sua reeleição. “Quero agradecer a todos aqueles que escreveram o meu nome esta noite em New Hampshire”, afirmou Joe Biden, num processo que descreveu como a “demonstração histórica de compromisso com o processo democrático”.
No discurso de agradecimento, Joe Biden aproveitou igualmente para criticar Donald Trump, dizendo ser “claro” de que será o magnata contra quem vai concorrer nas presidenciais de 2024. “A minha mensagem ao país é que os riscos não poderiam ser maiores”, lamentou o Chefe de Estado, acrescentando que estavam em jogo “a democracia, as liberdades pessoais, a economia”, se o antigo Presidente voltar à Casa Branca.
Numa mensagem aos republicanos mais moderados e aos eleitores indecisos, Joe Biden pediu-lhes que “partilhem o compromisso” para que se protejam os “valores fundamentais da nação” e votem no Partido Democrata como guardião dessas liberdades e direitos. “Vamos lembrar-nos de que somos os Estados Unidos da América. E não há nada — nada — que não possamos fazer se trabalharmos nisso juntos”, sublinhou.