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Escritora albanesa diz que receção do livro foi "surpreendente"

Leonardo Cendamo

Escritora albanesa diz que receção do livro foi "surpreendente"

Leonardo Cendamo

"No socialismo, eu queria ter uma foto de Enver Hoxha, mas os meus pais não deixaram"

Em "Livre", escritora Lea Ypi lembra infância passada na Albânia comunista e a transição. "No socialismo, sentia que era livre, mas a minha família não". Com o capitalismo, diz, ocorreu o oposto.

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“O socialismo dava-nos liberdade. Ninguém estava à procura de liberdade. Já eram todos livres, assim como eu, simplesmente ao exercerem essa liberdade.” As palavras são da jovem Lea Ypi, que nasceu em 1979 na Albânia, desde o final da Segunda Guerra Mundial governada por Enver Hoxha. O líder comunista não tolerava qualquer dissidente, impôs um regime autoritário em que escasseavam as liberdades individuais e isolou diplomaticamente o pequeno país dos Balcãs. Rompeu relações com a vizinha Jugoslávia, depois com a União Soviética — abandonou mesmo o Pacto de Varsóvia — e virou costas à China.

Apesar do contexto político em que estava mergulhado o seu país, Lea Ypi recorda no livro Livre que, durante a infância, sentiu liberdade e orgulho na Albânia. Aprendia isso na escola e, em casa, ninguém parecia contrariar o discurso. “Estávamos rodeados por inimigos poderosos, mas sabíamos que estávamos do lado certo da História. De cada vez que os nossos inimigos nos ameaçavam, o Partido, apoiado pelo povo, tornava-se mais forte. Ao longo dos séculos tínhamos combatido impérios grandiosos e mostrado ao resto do mundo como uma pequena nação, nos confins dos Balcãs, arranja coragem para resistir. Agora estávamos a liderar a luta para atingir a mais difícil das transições: do socialismo para a liberdade comunista.”

Porém, isso acabou por não acontecer. Mesmo a isolada Albânia não ficou indiferente aos ventos de mudança que derrubaram o Muro de Berlim, que levaram à dissolução da União Soviética e que vaticinaram o fim dos regimes comunistas na Europa de Leste. Ainda assim, o país europeu foi o último a despedir-se do comunismo no final de 1990. “As coisas eram de uma forma, e depois passaram a ser de outra. Eu era uma pessoa, e depois passei a ser outra”, conta Lea Ypi em Livre. E também narra a altura da transição política e a guerra civil albanesa.

Editado pela Casa das Letras em Portugal, Livre, um livro de memórias que aborda a liberdade no comunismo e no capitalismo, tornou-se um sucesso em todo o mundo, algo inesperado para a filósofa. “Se se pensar na receita para um livro de sucesso, a ninguém lhe passaria pela cabeça que fosse um livro que relata o que se passa na Albânia comunista e que aborda a transição para o liberalismo. Mas foi um livro que tocou muita gente em vários países. Já tem 35 traduções”, diz, em entrevista ao Observador.

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Filósofa, Lea Ypi considera que nem o comunismo nem o capitalismo são verdadeiramente livres. Enquanto nos regimes comunistas as liberdades individuais não existem, no capitalismo há “apenas liberdade para algumas pessoas e não para todos”. Sobre o ideal marxista que ainda subsiste em países como a China ou o Vietname, a albanesa não tem dúvidas de que se “transformou numa doutrina estatal, como o cristianismo para as instituições medievais na Idade Média”: “São sociedades que funcionam como uma economia de mercado livre com a retórica do marxismo”.

“Durante o socialismo, pensava que era livre. A minha família não. Durante o capitalismo, a minha família pensava que toda a gente era livre. E eu não”

Começa por contar a história, no livro, da sua infância na Albânia durante o socialismo. Como é que foi esse processo de se relembrar desses tempos? Foi agradável ou traumático?
É difícil dizer, porque ainda não terminei esse processo. Nunca acabamos de processar as nossas infâncias, o nosso passado e as nossas memórias. Não tinha planeado escrever um livro sobre a minha infância — estava a escrever outra coisa em Berlim durante a pandemia. Tinha começado um livro académico sobre liberalismo, as ideias de liberdade e a tradição liberal e a socialista. Depois, começou o confinamento: estava com os meus filhos em casa e estavam sempre atrás de mim e a pedir-me coisas. Nessa altura, em cima de um aparador, comecei a transformar ideias abstratas em experiências vividas na minha cabeça durante a infância. Se era traumático ou agradável? Dependia dos episódios que escrevia. O livro é feito de momentos engraçados, que me fizeram rir. E depois há as partes mais tristes que me fizeram chorar. Não foi uma experiência uniforme. Foi mais uma viagem em que havia emoção, choro, mas também alegria e a descoberta de me lembrar de certas coisas durante a escrita.

No livro, conta que não conhecia o passado da sua família quando era criança. Foi após o regime socialista ter caído que percebeu que descendia de dissidentes contra o regime. Havia sinais antes? O que sentiu quando soube a verdade?
Enquanto crescia, sempre soube que havia algo em mim que era diferente. Mas não conseguia perceber o quê. Era muito estranho. Por exemplo, a minha avó falava francês comigo. E isto era muito raro na Albânia comunista. Ainda mais raro era porque ela não era francesa. Não tinha família em França. Ela falava [francês] com sotaque albanês, não com um sotaque francês. [Mas o albanês] não era a sua língua materna. E sempre que eu lhe perguntava porque é que falávamos francês, ela dava desculpas de que gostava de ler os Les Misérables ou que Enver Hoxha tinha estudado em França. Havia este tipo de sinais suspeitos.

E sobre a relação da sua família com o poder político? Como é que era?
Há um episódio que mostra bem como era a relação. Eu queria ter um fotografia de Enver Hoxha em casa. Mas os meus pais não queriam. Fiquei muito chateada. Fui tendo peças do puzzle na minha vida que eram difíceis de encaixar. No momento em que descobri toda a verdade, não foi traumático. Era como era. No entanto, foi uma mudança repentina, quase como se tivesse aprendido uma nova linguagem.

Enver Hoxha, o líder que governou a Albânia com pulso firme desde 1945 a 1985

Wikimedia Commons

Falando ainda sobre a sua família. No livro, explora as diferentes visões políticas da sua avó, do seu pai e da sua mãe. Todas diferentes. Como é que essas ideologias foram importantes para desenvolver a sua e como é que isso influenciou a vida?
Isso moldou-me. As minhas ideias políticas também mudaram ao longo da minha vida. Às vezes, tendia para o lado da minha mãe. Outras vezes para o pai. No final, acho que agora tendo mais para a minha avó. Ela tinha a ideia da liberdade como a liberdade de fazer a coisa certa. Acredito nisso de forma acérrima: que existe uma dimensão da liberdade que não se reduz ao que qualquer sistema social nos quer fazer acreditar que é a liberdade.

Os seus pais discutiam política em casa. Aliás, o seu pai, após a queda do regime comunista, chegou a ser deputado no Parlamento. E a sua mãe interessava-se bastante por política.
Sim. Todas essas conversas e conflitos na família tornaram-me mais cética e crítica.

A ideia de liberdade, que já referiu, está presente no livro. Quando era criança na Albânia comunista, com um regime autoritário, considerava que era livre. Na segunda parte do livro, após o fim do regime e a implementação de um regime liberal, isso parece ter mudado e sente-se menos livre. Porquê? 
É muito interessante, realmente. Durante o socialismo, não me identificava com o resto da sociedade. Sentia que era livre. Mas a minha família sentia que não era livre. Durante o capitalismo, a minha família pensava que toda a gente era livre. E eu não conseguia ver isso, porque os anos 90 na Albânia foram bastante duros. Havia cortes de eletricidade, pouca comida, muitos amigos meus saíram do país… Alguns deles tiveram experiências horríveis e alguns acabaram como trabalhadores sexuais. Foi também um tempo muito difícil para ser adolescente na Albânia. Havia muita incerteza. Havia muita alienação e stress. Por isso, foi uma época em que perdi toda a estabilidade, de uma certa forma. Havia ainda o fardo adicional de que, sempre que me queixava, a minha família dizia, por exemplo, que eu não era uma prisioneira política. Havia este tipo de expectativa de que se tinha de ser o melhor, porque [os anos 90] eram a altura das oportunidades. E eu não vi essa época dessa maneira. Os tempos da minha adolescência foram muito difíceis e não é uma fase que associe à liberdade.

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Capital Tirana em 1990, data do fim do regime comunista na Albânia

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“Penso que um mundo em que há apenas liberdade para alguns e não para todos é um mundo que não é livre”

Continua a achar que no capitalismo não existe essa liberdade, ou mudou de ideias? Que espaço tem a liberdade no capitalismo, tendo em conta o que viveu durante a adolescência?
O que tentei partilhar no livro é que ambos os sistemas — o socialismo e capitalismo — têm as suas formas de falta de liberdade. No comunismo, não se pode falar livremente, não há liberdade de circulação, não há liberdade de se ter as suas próprias opiniões. É muito claro que o que falta são liberdades individuais, porque o Estado está a oprimi-las. No capitalismo, a opressão é diferente: é a opressão do mercado. Não é uma opressão vertical, é uma opressão horizontal. É gerada por interações anónimas e espontâneas entre diferentes pessoas, cada uma pensa que está a fazer o que é certo. Mas o resultado é que há apenas liberdade para algumas pessoas e não para todas. Penso que um mundo em que há apenas liberdade para alguns e não para todos é um mundo que não é livre.

Existe uma passagem do livro onde conta que, durante a Albânia comunista, havia alguns turistas da Escandinávia que pensavam que aquilo era realmente comunismo e que iam ao país ver a prática dessa ideologia ao vivo. E relata que, aos 18 anos, foi estudar Filosofia para Itália e que havia uma certa ingenuidade sobre o socialismo entre os seus colegas. Ainda sente alguma ingenuidade no Ocidente sobre o que realmente é o comunismo?
Durante o comunismo havia realmente muitas pessoas que idealizavam a Albânia e não entendiam o que significava viver naquela sociedade, porque viviam em sociedades diferentes e não se conseguiam identificar com a falta de liberdades. Depois, em Itália, foi difícil para mim, porque muitos amigos meus estavam muito à esquerda e eram marxistas. E falavam sempre do falhanço do socialismo na Guerra Fria na Europa de Leste como um acidente da História. Na Albânia, após a queda do regime, era o contrário: apenas a História importava e a ideologia era descartada. Em Itália, entre os meus amigos, as pessoas pensavam que apenas as ideias importavam e que a História de alguns países não era relevante para a teoria. Todo o meu trabalho tem sido no meio destas experiências; filosoficamente, leio críticos do capitalismo e penso se esse criticismo é justificado, mas também tento trabalhar com o conhecimento histórico sobre como o marxismo foi posto em prática, de forma a que possamos aprender através dessas experiências.

Há também referência no livro a duas personagens quase antagónicas. Uma delas é a sua professora da primária, Nora, que lhe ensinava sobre o marxismo e que era apoiante do regime socialista; a outra é um funcionário do Banco Mundial holandês, Vincent van der Berg, adepto do liberalismo e que trabalhou com o seu pai. Qual era o seu objetivo com estas duas personagens?
O livro é sobre dois sistemas sociais — o comunismo e o capitalismo — e essas duas personagens são, na verdade, bastante parecidas. Uma é a professora do comunismo, a outra é o professor do capitalismo. São os dois igualmente dogmáticos. Ele é alguém que vem do Ocidente com a ideia de que os países em transição precisam de uma economia de mercado. Vem com uma visão pré-concebida sem qualquer noção do contexto. Vem para a Albânia dizer que nos precisamos de modernizar, que é necessário uma terapia de choque à economia, que é necessário desenvolver estruturas de mercado livre, etc. Mas sem noção do país.

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A vida em Dürres, cidade costeira em que Lea Ypi nasceu e cresceu

ullstein bild via Getty Images

Outra ideia que é abordada na segunda parte do livro tem a ver com os “padrões europeus” e de ingressar no “caminho europeu”. Que ideia era essa? Continua a defender que a Albânia ainda tem essa ideia? Apesar de ser um país candidato, a Albânia ainda não entrou na União Europeia (UE)…
A ideia de estar no caminho europeu ainda está muito presente na Albânia. Os passos da integração europeia, a adesão, as negociações e os capítulos das negociações são o que define a agenda na política albanesa. Mas penso que isso tira da política albanesa algum compromisso com a democracia, porque a agenda está definida e não há mais nada para discutir além disso. Os políticos adotam um processo tecnocrático que é definido por uma instituição, que tem os seus problemas. Mas ninguém na Albânia fala sobre os problemas da UE, porque existe uma visão idealizada da União Europeia. Penso que na Albânia existe uma perceção distorcida sobre as instituições da União Europeia e muito pouco construtiva. Mas esta instituição vai colapsar se não encontrar o seu caminho.

Porque acha que a União Europeia vai colapsar?
Não há nada na União Europeia para celebrar. É uma instituição que se está a tornar cada vez mais militarista, cada vez mais hostil aos migrantes e que segue o discurso da direita que, no fundo, mina os ideais de integração europeia. Esta realidade não está presente na política da Albânia.

O que justifica esse discurso de direita na Europa que, segundo diz, mina os ideias da integração europeia? Tem a ver com as ideias de regimes como o húngaro ou o russo? No livro, toca levemente na falta de esperança. Tem a ver com isso?
Não acho que tenha a ver com a falta de esperança. Não existe qualquer crítica sistémica da esquerda nessas instituições, que adote uma narrativa persuasiva que todos consigam entender. Existe uma crítica às elites das instituições financeiras e ao neoliberalismo que é sustentada por aqueles que estão mais à direita. Acho que essa crítica fala às pessoas. Essa narrativa toca nos problemas importantes que as pessoas têm. A esquerda, penso, não tem sido capaz de falar de uma forma persuasiva. E não é a direita a dar esperança às pessoas; é mais a falta de uma alternativa sistemática que seja credível e persuasiva. A esquerda tem de recuperar a crítica ao capitalismo e tem de recuperar o conceito de classe social como categoria realmente importante que possa levar a uma análise social. A esquerda tem explicado as crises no mundo pela ótica dos conflitos culturais. E eu penso que tem de se voltar às categorias económicas, mais do que culturais. A esquerda precisa de recuperar isso.

"A esquerda tem de recuperar a crítica ao capitalismo e tem de recuperar o conceito de classe social como categoria realmente importante que possa levar a uma análise social. A esquerda tem explicado as crises no mundo pela ótica dos conflitos culturais. E eu penso que tem de se voltar às categorias económicas, mais do que culturais. A esquerda precisa de recuperar isso."
Lea Ypi

Marxismo da China e do Vietname “transformou-se numa doutrina estatal, como o cristianismo para as instituições medievais na Idade Média”

O que pensa sobre os regimes comunistas no mundo, como Cuba e China? Como vê o marxismo hoje em dia? O que é que eles significam para o mundo?
Não sei muito sobre Cuba. Mas sei o suficiente sobre a China e sobre o Vietname, porque visitei esses países. Para mim, o seu marxismo transformou-se numa doutrina estatal, como o cristianismo para as instituições medievais na Idade Média. Existe muito pouca tolerância à crítica de diferentes visões do marxismo, além daquela que foi adotada. Penso que são sociedades que funcionam como uma economia de mercado livre com a retórica do marxismo. Mas o ethos é o do capitalismo. Por essa razão, é interessante ver que eles condenam e criticam com mais veemência a dissidência de esquerda. Não têm problemas com os capitalistas, mas têm um problema com as pessoas que têm outra forma de pensar sobre o marxismo que não é aquela que o Estado elegeu. De certa forma, a crítica que faço do capitalismo e do socialismo estatal — que gerei da tradição marxista — ganha um poder crítico adicional nessas sociedades do que propriamente nas sociedades capitalistas.

Porquê?
Esses regimes são, por exemplo, criticados pela solidariedade internacional. São sociedades que olham muito para dentro: precisam de enriquecer, de se modernizar e de se desenvolver. E isso prejudica os valores da solidariedade, da assistência internacional e das formas de pensar sobre a ordem global que requerem mais responsabilidade do que pensar apenas em enriquecer com o dogma do mercado livre que molda essas sociedades. Têm marxismo nos livros e ainda se chamam marxistas; mas a única forma de crítica que não toleram é de uma alternativa marxista.

Disse numa entrevista que o seu livro foi bem recebido quer por pessoas de direita, quer por pessoas de esquerda. Porque é que acha que isso aconteceu?
Penso que, em parte, o livro é uma busca sobre o que é liberdade, apesar de eu dizer o que penso. Mas o livro é muito aberto em convidar as pessoas para uma viagem e perguntarem a si mesmas: ‘O que é ser livre? Como é que vivemos em liberdade? O que é que a liberdade significa nos nossos sistemas sociais?’ A questão da liberdade interessa quer a pessoas à direita, quer a pessoas à esquerda. Importa realmente a toda a gente. Para além disso, o livro também convida a pensar sobre o que se toma por garantido: sobre a família, sobre o país em que se vive, sobre a religião… Somos realmente livres como pensamos que somos? Qual é a diferença entre a promessa de liberdade e a liberdade que se tem? Todos conseguem reconhecer alguma tensão nessa pergunta.

The Third Plenary Session Of The National People's Congress

Para Lea Ypi, "existe muito pouca tolerância à crítica de diferentes visões do marxismo" na China

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O livro explora uma sociedade em transição, como aconteceu em várias partes do mundo e isso pode ajudar a explicar o sucesso. Até em Portugal aconteceu isso com a queda do Estado Novo e a passagem para uma democracia liberal…
Acho que tem razão. De certa maneira, é um livro sobre sociedades em transição ou sociedades que experimentaram isso e que mudaram de um sistema para outro. E há várias sociedades assim, porque tendemos sempre a pensar que vivemos uma exceção. Quando se olha para a História da Europa, não é a exceção, é a norma. Existem muitos países que vivenciaram essa transição de um sistema para outro.

“Fiquei completamente surpreendida pela receção do livro”

Internacionalmente, o seu livro foi muito bem recebido. Estava à espera disso? Estava à espera que um livro sobre a Albânia tivesse tanto sucesso?
Não, de todo. Até estava preocupada, porque este livro é sobre uma pequena rapariga que vive num pequeno país de que ninguém quer saber. Se se pensar na receita para um livro de sucesso, a ninguém lhe passaria pela cabeça que fosse um livro que relata o que se passa na Albânia comunista e que aborda a transição para o liberalismo. Mas foi um livro que tocou muita gente em vários países. Já tem 35 traduções. Fiquei completamente surpreendida pela receção. E, como já falámos, penso que tem a ver com a experiência após a pandemia de Covid-19. As pessoas viveram uma época em que se questionaram, em que questionaram a liberdade que tinham tomado como garantida. De um momento para o outro, tudo ficou em suspenso. Não houve liberdade de associação, de circulação, de um momento para outro. As pessoas perguntaram-se se eram verdadeiramente livres. E perguntaram-se se alguém tem o poder de lhes dizer que não são livres. Penso que essa mensagem ressoou com muita gente.

E na Albânia? Como é que foi recebido no seu país natal?
Também foi muito bem recebido. Recebeu prémios e foi um best-seller. Talvez tenha havido uma receção mais polarizadora. Há pessoas que têm uma experiência geracional diferente com o comunismo e com a transição e vivenciaram a mudança de uma forma muito diferente à minha. E penso que também houve uma diferença na receção nos albaneses da Albânia e dos albaneses que vivem fora da Albânia, porque as pessoas processam o passado de forma diferente dependendo se estão no país ou se saíram dele. Em termos gerais, o feedback foi muito positivo; mas, quando era negativo, era muito polarizado. E também houve críticas.

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Lea Ypi ficou surpreendida pelo sucesso do livro

dpa/picture alliance via Getty I

É filósofa, dedica grande parte da sua vida à política. Vê-se algum dia a desempenhar algum papel na política albanesa?
Vejo-me como sendo parte da política albanesa, porque escrevo e penso sobre isso e estou constantemente a envolver-me com política. Se a questão for: quero poder político? Quero estar numa posição política? Eu penso que tem de haver um local para os intelectuais e para os críticos que lhes requer estar fora do sistema. É o mesmo para os jornalistas e para os meios de comunicação social. Existe uma espécie de responsabilidade em responsabilizar os políticos. Penso que posso contribuir melhor se não estiver num gabinete. E acho que, neste momento, precisamos de ideias e de críticos.

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