Receber dinheiro altamente líquido (como depósitos de clientes, que podem precisar deles a qualquer momento) e transformá-lo em ativos menos líquidos (investimentos e créditos a outros clientes, que não se podem recuperar rapidamente, se for necessário). Em termos muito, muito simples, este é o negócio da banca moderna – e os académicos que foram laureados com o Prémio Nobel da Economia, esta segunda-feira, admitem que é um modelo inerentemente instável. Por isso, existe sempre um risco de crise – e a pesquisa destes académicos mostra que quando não se consegue evitar uma crise, por muito que custe, resgatar os bancos é sempre preferível a deixá-los cair.
Ben Bernanke é, de longe, o nome mais sonante entre os laureados de 2022 com o Prémio de Ciências Económicas em memória de Alfred Nobel. Tal como os outros dois laureados, Douglas Diamond e Philip Dybvig, é um académico que nos anos 80 e 90 se especializou no estudo das crises financeiras ao longo da História moderna. Ao contrário de Diamond e Dybvig, porém, Bernanke deu por si, mais tarde, num lugar de muita (embora não toda) responsabilidade: era ele o presidente do banco central dos EUA, a Reserva Federal, quando se deu o colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008.
A falência desse banco – e tudo o que se seguiu, como os resgates a seguradoras como a AIG – terá sido especialmente custosa para Bernanke devido à sua pesquisa académica anterior. Tudo aquilo que Bernanke tinha analisado, com enfoque na Grande Depressão dos anos 30, o avisava de que deixar cair o Lehman Brothers (mesmo não sendo um banco comercial de retalho) poderia ser muito perigoso. Essa ideia não era assim tão óbvia, em 1983, quando Bernanke publicou a pesquisa premiada com o Prémio Nobel.
Até então, quando Bernanke concluiu a sua pesquisa (e também, em paralelo, Diamond e Dybvig) acreditava-se que os bancos podiam falir e ser substituídos por outros sem grande prejuízo para a sociedade – ou, pelo menos, com menos prejuízo do que salvá-los indiscriminadamente, fomentando a ideia de que os bancos podiam gerir os seus negócios sabendo que, se corresse mal, o “sr. Contribuinte” iria intervir sempre.
A mudança de pensamento que foi induzida pela pesquisa destes três académicos (Diamond e Dybvig em colaboração, a dada altura) foi importante na chamada crise dos “savings & loans“, que começou em 1986 e se arrastou até à década seguinte. Mas foi só no final da primeira década após a viragem do milénio que se voltou a falar na falência de instituições financeiras de grande dimensão.
Após o colapso do Lehman, a recessão económica seguiu-se, inevitavelmente, “mas não se transformou numa depressão – como nos anos 30 – nem tão-pouco se gerou uma depressão após a crise pandémica recente”, afirmou a Academia Real Sueca das Ciências, na cerimónia de entrega dos prémios esta quinta-feira, salientando que as descobertas destes três académicos foi decisiva para evitar que isso acontece. Mesmo de forma imperfeita, o sistema bancário continuou a funcionar e o crédito a fluir.
Ao telefone, após receber o prémio, Douglas Diamond sustenta que, no que ao Lehman diz respeito, “teria sido melhor se o banco não tivesse colapsado”. Quis deixar cair o banco, derrubado pelas apostas arriscadas que tinha feito, para “provar que os reguladores eram capazes de ser duros”. Mas “teria sido melhor encontrar uma forma menos instável e imprevisível de resolver o Lehman Brothers“, afirmou o académico, reconhecendo que havia “questões legais e jurídicas” que limitaram a margem de manobra das autoridades.
Apesar desses eventuais obstáculos, “se tivessem encontrado uma forma de evitar o colapso do Lehman, daquela maneira, o mundo teria tido dias menos difíceis”, afirmou Douglas Diamond, que não teve a companhia de Ben Bernanke na conferência de imprensa (que poderia ter dado um contributo importante para debater este tema, embora já tenha refletido sobre ele no seu livro de memórias The Courage to Act).
Diamond reconheceu, também, que não é possível garantir que os bancos nunca entrarão em problemas nem que, daí, se gerem crises financeiras. Ou, melhor, “é possível, mas não sei se é desejável“, referiu o economista, salientando que a única forma de anular o risco associado ao chamado processo de “transformação de maturidades” (usar depósitos para originar empréstimos, com prazos diferentes) é acabar com esse sistema – o que impede o progresso.
“Estaremos sempre sujeitos a possíveis crises financeiras”. O que é necessário, defende, é garantir o setor bancário opera com “contratos muito bem desenhados” e “tem de haver regulação adequada” – além disso, sistemas de garantias de depósitos são essenciais para fazer “curto circuito” aos fenómenos de “corrida aos bancos”. No final, tem de existir, porém, a possibilidade de haver resgates – seja nacionalizações seja os novos modelos de resolução bancária.
E hoje? Os bancos estão “muito mais bem preparados” do que estavam nos anos que antecederam a crise de 2008. Mas, embora a Academia Real Sueca das Ciências recuse cálculos de timing e oportunidade de pesquisas laureadas em cada momento, a realidade é que este prémio surge numa altura em que o sistema financeiro mundial está em convulsão devido à escalada da inflação e a rápida subida das taxas de juro que está a ser levada a cabo pelos bancos centrais, incluindo a toda-poderosa Reserva Federal, agora liderada por Jerome Powell.
“Em períodos em que acontecem coisas inesperadas, como a subida dos juros, isso pode ser algo que desencadeia alguns medos no sistema. Vimos isso no Reino Unido“, salientou Douglas Diamond. “O melhor conselho é estar preparado para garantir que a sua parte do setor bancário é percecionada como sendo saudável e que continuará saudável”, aconselha, rematando: O sistema financeiro tem de “responder de forma comedida e transparente às mudanças na política monetária”.