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Noivas de máscara, bodas adiadas e profissionais a fazer contas à vida. Nem os casamentos escapam à pandemia

Quem está de casamento marcado tem uma decisão a tomar: adiar, cancelar ou casar na mesma, enquanto é possível. Em pleno surto de Covid-19, noivos e profissionais fazem contas ao rombo financeiro.

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A ser um romance, o título seria “Casar em tempos de Covid-19”. A semanas de inaugurar a época alta, considerada de maio em diante, o setor dos casamentos sofre um rude golpe, entre festas adiadas, pagamentos devolvidos, bodas canceladas e expectativas completamente frustradas. Todos os intervenientes fazem contas à vida — de um lado há noivos à beira de um ataque de nervos, do outro fornecedores e prestadores de serviços, muitos deles trabalhadores independentes, quase a entrarem em pânico.

As agendas de março, abril e maio são as mais imediatamente afetadas, mas quem tem casamento marcado para junho e julho também já acusa um nervoso miudinho. Para alguns profissionais do setor, o impacto da quarentena vai sentir-se durante mais de um ano. Há taxas de cancelamento de 100% nos eventos agendados até meados do mês que vem. Ainda assim, são muitos os noivos que gerem a situação de forma a adiar a boda, para não perderem o dinheiro já investido.

Os próximos meses estão em suspenso. A Igreja continua a realizar matrimónios, ainda que com regras bem apertadas. As conservatórias estão, por enquanto, a assegurar casamentos à porta fechada, segundo confirmou uma das noivas que falou com o Observador. Com o pico previsto até finais de abril e com um regresso à rotina que se vislumbra lento, nem o cobiçado 31 de julho parece estar totalmente a salvo.

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Catarina e João preparam-se para casar de luvas e máscara

O casamento de Catarina e João está marcado para 11 de abril. Já protelaram demasiado. “É quando vai fazer quatro anos que nos conhecemos. Era suposto termos casado há dois, depois no ano passado. Decidimos que não íamos adiar mais”, conta Catarina, de 26 anos, ao Observador. Conclusão: a festa foi adiada e, sem convidados nem padrinhos, os noivos vão comparecer na Conservatória do Registo Civil de Setúbal, na data inicialmente prevista, para assinar os papéis.

Mas, até chegar aqui, foram semanas de indecisão. Catarina tinha tudo marcado — fotógrafo e esteticista contratados, restaurante assegurado, convites enviados, vestido em andamento e um conservador agendado para se deslocar ao local da cerimónia. Há uma semana, desfez tudo. Ou quase tudo. “Tentei sempre continuar com o plano inicial, talvez estivesse numa atitude de negação, não sei. Dizia sempre que o casamento era pequeno, que tinha só 25 convidados. Entretanto o cenário começou a piorar, andava sempre a ver notícias, atenta aos fóruns. Só a partir da última semana é que caímos na realidade”, recorda.

A 7 de fevereiro, sete casais deram o nó na Coreia do Sul, numa cerimónia coletiva, já sob a ameaça do novo coronavirus © JUNG YEON-JE/AFP via Getty Images

Em vez de cancelar, o casal falou cuidadosamente com cada um dos fornecedores para reagendar a celebração. Afinal, já tinham gastado 3.000 euros. “Começámos a sugerir-lhes uma remarcação e todos se mostraram compreensivos. Até agora, ainda ninguém nos disse que tínhamos de abdicar do depósito”,explica. Quanto à conservatória, manter a assinatura dos papéis era uma possibilidade. Catarina e João obtiveram resposta na última terça-feira — só os casais com casamentos marcados até 9 de abril é que estavam a ser contactados, mas o agendamento inicial podia ser mantido, porém cumprindo todas as normas de segurança. Decidiram manter o casamento marcado, mas o desfecho foi inusitado: só os noivos vão poder comparecer na conservatória, com luvas e máscara.

“Tento pensar nisto de uma forma positiva, até porque também temos pessoas na família que fazem parte do grupo de risco e não queríamos expor. E o que interessa é que estamos juntos, festejamos depois com o dobro da energia”, ressalva, admitindo ainda já ter arranjado umas luvas e uma máscara cor-de-rosa. Para já, o obstáculo parece ter sido contornado. Catarina teve na passada terça-feira a última prova do vestido. Ficará pronto em poucos dias, mas terá de esperar pela festa, agora prevista para o final do verão.

"Tentei sempre continuar com o plano inicial, talvez estivesse numa atitude de negação, não sei. Dizia sempre que o casamento era pequeno, que tinha só 25 convidados. Entretanto o cenário começou a piorar, andava sempre a ver notícias, atenta aos fóruns. Só a partir da última semana é que caímos na realidade"
Catarina, noiva

“O meu medo não é do vírus. É eu não poder ter o meu dia”, “Paguei o sinal pedido e depois disso tem sido uma luta para conseguir que me respondam”, “Decidimos adiar a festa para o próximo ano” — no fórum da plataforma Casamentos.pt, há dezenas de comentários que refletem o atual cenário. Algumas noiva demonstram angústia, outra otimismo na hora de anunciar alternativas.

“A verdade é que a situação é complicada […] Os casamentos não estão a ser cancelados, estão a ser adiados, embora em alguns casos ainda não tenham nova data devido à rapidez dos acontecimentos. Mesmo assim, a nossa comunidade está cheia de casos em que, em apenas meia semana, os noivos já têm uma nova data para a sua celebração”, indica Denise Lis, responsável pela comunicação da plataforma.

Numa coisa todos concordam: ter de adiar o próprio casamento não é agradável, embora Denise saliente o pragmatismo de muitas noivas — “como a Filipa, que muda a data de abril para outubro e partilha de forma positiva a decisão”. A solidariedade e compreensão por parte dos profissionais da área é outra das realidades que salta à vista. Denise fala num apoio que vai “além das suas atribuições e dos acordos contratuais”, facilitando a vida aos noivos. “Neste momento, ainda é cedo para falar sobre o impacto que esta situação excecional terá para os profissionais de casamentos. Espera-se que a faturação neste primeiro semestre seja compensada no final do ano, pois o que está a acontecer são movimentos de datas para que os casamentos de sonho possam acontecer como estavam previstos”, conclui.

Igreja ainda celebra casamentos, mas sugere o adiamento

Num esclarecimento dado ao Observador, o Patriarcado de Lisboa indica que não existem números que traduzam ainda um eventual aumento da taxa de cancelamento ou adiamento de casamentos. Contudo, com a Igreja a sugerir o adiamento e com as limitações no que toca ao número de pessoas, é expectável que o número de matrimónios celebrados nas próximas semanas diminua substancialmente. Quanto aos limites impostos para garantir que as cerimónias decorrem em segurança, os números variam de diocese para diocese, uma lotação que rondará as 10 pessoas.

O Observador contactou o Instituto dos Registo e do Notariado para mais esclarecimentos, mas não obteve resposta até à hora de publicação do artigo.

Beatriz tem 24 anos e tinha casamento marcado para dia 28 de março. Estava na reta final de todos os preparativos, quando o cenário começou a piorar. “Tenho de admitir que era um pouco cética em relação à evolução do surto, não queria acreditar que pudesse chegar cá com as proporções que víamos noutros países. Numa segunda-feira, cheguei ao trabalho e estava tudo num alvoroço, reuniões e viagens a serem canceladas. Foi quando percebemos que tínhamos de mudar tudo”, explica.

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O casal decidiu que o mais sensato era não avançar, faltava menos de um mês para o casamento. Entre os 200 convidados estavam avós e tios incluídos no grupo de risco, além de amigos que vinham do estrangeiros e que, eles próprios, já estavam a ter voos cancelados. “Chegámos a um consenso com o local e conseguimos reagendar para o verão. Tivemos sorte, garantiram-nos que não íamos ter qualquer perda”, continua Beatriz, cujo casamento será uma cerimónia religiosa.

"As pessoas estão um bocadinho em pânico, nunca aconteceu e não há nenhum contrato que nos diga o que fazer em caso de pandemia. Há contas para pagar e é uma indústria com muitos trabalhadores independentes. Os pagamentos faseados são uma segurança"
Cátia Silva, wedding planner

As noivas tendem a ser seres de humor oscilante, mas esta afirma estar calma com o plano alternativo. Tem apenas de dar uns retoques no vestido para deixá-lo “mais fresco”. Até lá vai sabendo de amigas de amigas que estão na mesma situação — “algumas estão a viver um drama porque queriam muito casar numa determinada data, outras casam na mesma”.

Planeadores, ateliers e quintas: fornecedores estão “em pânico”

Cátia Silva não está a viver uma situação nova. Passou os últimos anos entre Portugal e Macau e foi de lá, aliás, que voltou há um mês e meio, tocada pelas fortes medidas de contenção adotadas no território. Por cá, tem uma empresa que assegura o planeamento de casamentos fora da caixa, um serviço chave na mão, no fundo. “Em termos de agenda vai mudar tudo. Todos os casamentos de abril e maio estão a ser adiados, felizmente”, refere.

A alternativa a chutar o grande dia mais para a frente no calendário é o cancelamento. Opção drástica e penalizadora, sobretudo para os noivos. “Depende dos contratos, obviamente. Os meus são inflexíveis nesse aspeto. Um casamento a 31 de maio organizado por mim, por exemplo, já está todo montado, com todos os serviços contratados. Portanto, o meu trabalho está feito e pago”, admite.

Noivos fotografados junto à Torre Eiffel, em Paris, no dia 15 de março © FRANCK FIFE/AFP via Getty Images

A maioria das políticas de cancelamento têm um ponto em comum: o sinal, uma percentagem do total do custo que normalmente varia entre 30 e 50%, não é devolvido ao cliente em caso de cancelamento. Salvaguarda para os prestadores de serviços, os pagamentos faseados ajudam a equilibrar as contas. “As pessoas estão um bocadinho em pânico, nunca aconteceu e não há nenhum contrato que nos diga o que fazer em caso de pandemia. Há contas para pagar e é uma indústria com muitos trabalhadores independentes. Os pagamentos faseados são uma segurança”, remata.

No final do dia e à semelhança de dezenas de outros profissionais, Cátia trabalha na “indústria da felicidade”, como a própria diz. Em média, organiza 15 casamentos por ano. Ainda não regista cancelamentos, apenas uma festa adiada, mas já antevê que 2020 possa ter uma reta final especialmente concorrida.

No atelier de Pureza Mello Breyner: Há três dias ainda havia noivas serenas, agora não há nenhuma”

Por estes dias o atelier de Pureza Mello Breyner está vazio. Com as costureiras em casa e sem maneira de dar seguimento ao grosso do trabalho de forma remota, atrasam-se algumas provas. Um mal muito menor do que aquele que está a fazer com que os casamentos marcados para março, abril e maio sejam adiados em massa. “Há três dias ainda havia noivas serenas, agora não há nenhuma”, exclama.

© FRANCK FIFE/AFP via Getty Images

“Está tudo muito assustado com os cancelamentos. Sinto as noivas muito incertas para maio, as de junho e julho estão apenas apreensivas para já. Mas a vida não para. Quem ia casar na primavera, vai casar no outono ou daqui a um ano. Vamos ter muitos casamentos à sexta-feira porque as pessoas remarcam e já não têm os fins de semana disponíveis”, refere a designer, à conversa com o Observador.

Dentro do atelier, acumulam-se os vestidos. Regra geral, as noivas só os levam nas vésperas do casamento e, com a vaga de adiamentos, as peças vão ficando à espera de novas datas para serem usadas, nunca sem antes sofrerem uma última prova improvisada — ou “pôr mangas e tirar mangas” como explica.

"Mas a vida não para. Quem ia casar na primavera, vai casar no outono ou daqui a um ano. Vamos ter muitos casamentos à sexta-feira porque as pessoas remarcam e já não têm os fins de semana disponíveis"
Pureza Mello Breyner, designer de vestidos de noiva

Pureza Mello Breyner continua sem registar cancelamentos, mas fala de profissionais que já sofrem na pele com a decisão mais drástica possível de quem não pode casar na data prevista. Quanto ao ritmo do próprio atelier, a antecedência com que a designer e a equipa trabalham minimiza, por enquanto, esta paragem inesperada. Quando for possível voltar será altura de correr atrás do prejuízo, “nem que trabalhe dia e noite”.

O drama das quintas: há meses a zeros e efeitos podem durar mais de um ano

Com uma média de 40 eventos por ano (nem todos são casamentos), a Quinta da Capela, em Vouzela, está longe de ser das mais concorridas da região. A economia local tem sofrido tropeções sucessivos. Depois dos incêndios de 2017 e das tempestades do ano passado, o surto de Covid-19 parece ser a machada final. “As pessoas estão a cancelar”, indica Paulo Couceiro, proprietário do espaço.

"Estamos a ser compreensivos. Temos estado a devolver os pagamentos à maioria das pessoas"
Paulo Couceiro, proprietário da Quinta da Capela

A taxa de cancelamento é de praticamente 100% nos próximos três meses, mas o impacto já se faz sentir nas reservas do verão, mesmo com a quinta a garantir o cumprimento da distância mínima entre convidados até ao limite de 100 pessoas. “Estamos a ser compreensivos. Temos estado a devolver os pagamentos à maioria das pessoas”, assinala, sublinhando que o serviço prestado pela Quinta da Capela se cinge ao aluguer do espaço e das infraestruturas. O receio tem sido partilhado ainda pelos emigrantes que escolheram os meses de julho e agosto para vir casar a Portugal.

Segundo Paulo Martinho, responsável pela gestão de um outro espaço, a Quinta do Barreiro, em Viseu, o cancelamento é o cenário mais provável na maioria dos copos d’água agendados. “É muito difícil gerir os adiamentos. As pessoas querem casar ao fim de semana e, normalmente, só há quatro por mês”, refere Paulo. Com os pagamentos feitos à data dos serviços, os próximos meses trarão avultados prejuízos. Contudo, o responsável prevê um rombo a longo prazo. Numa altura em que a quinta teria visitas todos os dias — de casais que planeiam o matrimónio para o próximo ano — as portas estão fechadas.

Até 15 de abril, pelo menos, não haverá eventos na Quinta do Barreiro e os tempos que se seguem não se adivinham animadores. Com despesas de manutenção, ordenados e impostos, o setor poderá remeter-se ele próprio a um isolamento. Paulo adia o balanço: “Ainda nem fizemos contas”.

Artigo atualizado no dia 19 de março, às 12h, com declarações da plataforma Casamentos.pt.

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