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Enlaces secretos, noivas de coroa, maquilhadoras todo-o-terreno, flores do campo, bandas andantes e bolos de esferovite — com tanta oferta, e tão diversa, não admira que casar tenha voltado a ser um momento. É mais ou menos isto, mas ao contrário. Ao que parece o aumento das uniões, motivado pelo fim da crise, atiçou o lado mais criativo e empreendedor dos portugueses. Entre maquilhadores, designers de moda, fotógrafos e videógrafos, wedding planners, decoradores, cake designers, músicos, floristas e designers gráficos, o setor fervilha à conta dos casais portugueses e não só.
Cresce também a fama de Portugal como wedding destination. Alguns dos empresários com quem conversámos chegam mesmo a responsabilizar os casais estrangeiros, que escolhem o nosso país para dar o nó, pela maior fatia da faturação. Os ingleses, norte-americanos e os brasileiros parecem encabeçar a lista. O orçamento para a festa, regra geral, também é discrepante, o que se reflete na quantidade de serviços requeridos, mas também no recurso a planeadores, músicos e outras funções culturalmente pouco relevantes no contexto português.
Mas, claro, os portugueses também estão a casar mais. Depois de 2014, uma espécie de annus horribilis para o matrimónio em Portugal (31.478 casamentos), tem sido sempre a subir, tendo sido 2017 o ano do aumento mais expressivo: 3,8% em relação ao ano anterior, mais 1.235 casamentos. Segundo os mesmos números do Instituto Nacional de Estatística, no ano passado, registaram-se, em Portugal, 34.637 casamentos.
Da escolha do sítio ao vestido da noiva, do bouquet ao bolo, da maquilhagem à decoração e aos convites, tudo aponta numa direção: o gosto português continua a pender para o tradicional. Não há crise, há opções para todos os gostos. No mês em que a época alta do casamentos descola, fomos falar com nove empresários. Nos últimos anos, criaram os seus negócios em torno de um setor em crescimento. Muitos alinharam-se com o melhor e mais original que se faz lá fora, outros continuam a trabalhar num meio termo que agrade a todos. Mas nem tudo é trabalho. Alguns partilham as suas próprias histórias.
Cátia Silva, uma casamenteira fora da caixa
Hoje tem 38 anos, mas em pequena era daquelas crianças que dava tudo para ir a um casamento. E Cátia perdeu a conta aos tantos a que foi. O tempo passou e o fascínio pode ter adormecido, mas nada que uma noiva exuberante, encontrada a meio caminho, não tenha sido capaz de reavivar. Depois ter trabalhado em Angola, vivido em Macau e passado por Moçambique, esta professora primária regressou a Portugal no verão de 2017. O país podia não estar preparado para o tipo de casamento que ela veio organizar, mas lá fora os noivos faziam fila à espera de um momento inesquecível do lado de cá da fronteira. “O casamento é aquilo que quisermos que seja. Não é uma cerimónia, não é um contrato, é uma celebração do facto de duas pessoas quererem ficar juntas. As pessoas é que, normalmente, se perdem-se no caminho por causa dos preconceitos em torno deste momento”, confidencia ao Observador.
Trazer preconceitos na bagagem é a última acusação que se pode fazer a Cátia Silva, ela que começou por tentar implementar-se como wedding planner em Macau, onde viveu dez anos, para depois perceber que a maioria dos chineses é demasiado supersticiosa para fugir ao formato mais tradicional. Tudo bem, Portugal estava à espera dela, ou melhor, da Bad Bad Maria, uma espécie de noiva rebelde que se recusa a casar em quintas e que, em podendo, também dispensa véu. Não passou muito tempo até organizar um casamento dentro de um balão de ar quente. Uma loucura, é certo, mas também uma amostra do que a empresa estava disposta a fazer para contrapor o cenário tradicionalista. Descomplicar, relativizar e mudar — o que, à partida, parecia uma missão à medida do público português revelou-se o passaporte para um nicho cada vez maior dentro do segmento dos casamentos: Portugal como wedding destination. Com um maior poder de compra e horizontes bem mais abertos, de repente, esta casamenteira fora da caixa estava no sítio certo à hora certa.
Por comparação com os noivos portugueses, Cátia comprova que, em média, um casal estrangeiro gasta o dobro num casamento, à volta de 30.000 euros (para um casamento com 100 pessoas). Mas mais do que constrangimentos de orçamento, a planeadora fala em “falta de coragem para fazer diferente”. “A maior parte dos noivos diz que quer um casamento diferente e, quando chegamos ao fim, é tudo igual. Os vestidos das noivas são todos iguais. É tudo mais do mesmo. Claro que as quintas e igrejas ajudam a perpetuar esse formato, mas há pessoas que, se tivessem um pouco mais de abertura, casavam de outra maneira. Mas fazer diferente dá trabalho, é muito mais fácil ligar para a quinta onde o primo casou e deixar logo tudo tratado”, explica a empresária.
Os dois públicos e os seus comportamentos distintos levaram-na a fazer mudanças no negócio. Há menos de um ano, a Bad Bad Maria tornou-se num diretório de fornecedores, ainda que com uma curadoria especial. A título próprio, Cátia continua a trabalhar como wedding planner, profissão que ainda encontra reticências na realidade portuguesa. Afinal, por cá, sempre preferimos desenrascar por nós próprios. “O papel do wedding planner ainda é descredibilizado no mercado. Mas é um investimento, não é um gasto. Um investimento na sanidade mental dos noivos e no facto de poderem desfrutar do momento que é a preparação do casamento”, adiciona.
“Atualmente, não faço muitos casamentos, têm de ser especiais”, admite. Aos noivos pede apenas algumas coordenadas e uma confiança quase cega. Continua a rejeitar casamentos em quintas, afinal fugir à norma foi o pretexto para se ter lançado no maravilhoso mundo dos casamentos. Ao menos Cátia Silva sabe do que fala. Já casou três vezes com a mesma pessoa, sempre em países diferentes. Neste momento, já está a planear a quarta boda, ainda para este ano. Isto sim é gostar de casamentos.
Casar com consciência ambiental… e com flores da época
Há um ano, Meghan Markle e o príncipe Harry mostraram como é possível diminuir a pegada ambiental de um casamento. Do almoço à maquilhagem, do vestido à decoração, as alternativas existem e não param de angariar simpatizantes. Pelo menos no que toca às flores, Albane e Luís garantem que a ecologia faz parte da lista de prioridade de noivos e wedding planners. Em 2015, lançaram a Kckliko, sem pressas, como convém a qualquer projeto que se alicerça na sustentabilidade. Experimentaram — umas flores dali, uns galhos apanhados acolá e porque não umas leguminosas, que isto dos arranjos florais é, afinal, uma expressão artística com uma lista de materiais muito pouco estanque.
O negócio foi crescendo através de amigos, de amigos de amigos e do passa-palavra. Nunca chegou a haver uma loja física, tão pouco a intenção de adotarem o título de floristas. Antes que o casal pensasse em atirar-se ao mundos dos casamentos, foi o mundo dos casamentos a encontrá-lo. “Trabalhávamos muito com lojas, hotéis e restaurantes, mas eram trabalhos muito repetitivos. Num casamento não, cada pedido é um desafio. E se nos identificarmos, conseguimos pegar no nosso estilo e responder a qualquer pedido”, explica Luís ao Observador.
Os preceitos da Kckliko (nome estranho, mas que consiste numa transposição fonética da palavra coquelicot, papoila em francês) são morosos e estão dependentes da natureza. As flores trabalhadas são sempre espécies nacionais e da época. Não há recurso a flores de estufa, muito menos a espécies importadas. Restam, portanto, duas opções: colhê-las por aí, no caso das flores silvestres, ou num jardim que Albane e Luís mantêm com as próprias mãos. Reduzem drasticamente as emissões de carbono, que dispara sempre que o produto é importado, e asseguram o controlo da qualidade das flores. E se não há espécies proibidas — há relatos de arranjos com recurso a frutos –, o mesmo se aplica aos solos. Já encostaram o carro na Segunda Circular, em Lisboa, para apanhar flores.
Num dos últimos casamentos que fizeram, o ponto de partida para o bouquet foram os sapatos da própria noiva. Resultado? Um ramo de base branca, com uma apontamento vermelho dado por uma orquídea do jardim e pequenas notas amarelas de flores silvestres. A oferta não fica pelos ramos, embora estes sejam o serviço mais requerido pela clientela portuguesa. Os estrangeiros, por norma, pedem o pacote completo, uma opção que pode incluir centros de mesa, arcos floridos e outros pontos da festa decorados sob o mesmo tema. Também aí, as preocupações ambientais obrigam a algum engenho. “Recusamos trabalhar com espuma de florista. Depois de ser usado, é um material com um ciclo de vida muito complicado porque foi feito para resistir à água, mas ao mesmo tempo desfaz-se em bocados”, comenta Luís, ao mesmo tempo que reconhece que certos arranjos são muito difíceis de executar sem recorrer a este material. “Num arranjo em cima de um candelabro, por exemplo, temos de recorrer a espécies que consigam resistir fora de água”, completa. Em caso de serviço de decoração completo, os orçamentos começam nos 1.000 euros.
A ecologia está na ordem do dia e entra agora no campeonato dos casamentos. Depois da comida, onde muitos noivos já antecipam a escolha de produtos locais, sazonais e biológicos, a decoração parece ser o passo seguinte. Albane e Luís garantem que quem não chega já com essa preocupação depressa se convence da importância de reduzir o impacto ambiental da festa, por muito marcante que seja a data.
Por estes dias, preparam centros de mesa para um outro casamento. Pode não parecer, mas são dos elementos mais importantes na decoração da festa, afinal passamos uma grande parte do tempo sentados de frente para eles. E quando são tão altos que mal conseguimos ver quem está do outro lado? Erro crasso. Querem-se bonitos e harmoniosos, nunca biombos. “Tecnicamente, um centro de mesa deve ser sempre baixo para não prejudicar a vista e a comunicação das pessoas, seja qual for a forma da mesa. Num dos casamentos que vamos fazer este ano, querem especificamente que os arranjos sejam altos e estreitos. Aí, vamos ter de usar elementos com mais transparência”, explica Luís. Os próximos, soubemos, vão estar meio suspensos sobre as mesas. Ou seja, invertem-se as precauções.
Uma maquilhadora para toda a obra
Rita Amorim respira fundo antes de iniciar uma maratona de 50 casamentos que se estende até novembro. Para ela, maquilhadora de formação, maio, julho, setembro e outubro são os meses fortes. Agosto também, mas mais no norte do país. A mãe sempre trabalhou na área da cosmética, ela embicou mais para a maquilhagem, com um gosto especial por editoriais de moda. Em vez de bandas e ídolos a solo, eram esses os posters que tinha nas paredes do quarto. Acabou por se formar Marketing e Comunicação, mas o bichinho ficou lá. Em 2010, já depois dos 30, tirou um curso com a maquilhadora Antónia Rosa. Longe das páginas da Vogue, mas perto dos caprichos de mulheres vestidas de branco, criou um portfólio especializado em noivas. Nasceu a Kabuki Makeup.
“Sempre me entusiasmaram. Primeiro, o boom do Facebook ajudou-me imenso a divulgar o meu trabalho, hoje, o Instagram é super importante” conta Rita Amorim ao Observador. E é engraçado porque, nesta área dos casamentos, acabamos por nos conhecer todos”, continua. Na agenda, já tem marcações para o ano que vem. As mais precavidas antecipam-se um ano, quem gosta de viver no limite tenta contratar o serviço a seis meses da festa. Quando não há vaga, há sempre colegas para quem pode reencaminhar as clientes.
Rita tem visto o setor crescer. Há mais casamentos, mas também mais atenção dada à maquilhagem da noiva. “Começa logo com um aumento do interesse por makeup, no geral. Basta entrar num centro comercial e ver a variedade de marcas que abriram loja. Depois, também se vê mais pessoas a trabalhar nesta área”, refere. Mas faz uma ressalva. “Acho importante que as clientes percebam há quanto tempo a pessoa trabalha, que peçam para ver o portfólio e que confirmem se então a falar com um autodidata ou com um profissional com formação. Digo isto porque há quem continue a ser enganado”, indica. Encontrar quem seja capaz de pentear e maquilhar também merece, na opinião desta maquilhadora de 43 anos, as suas reticências. Os cabelos continuam a ser a prioridade para a maioria das noivas, da mesma forma que contratar duas pessoas, uma para cada um dos serviços, é uma prática cada vez mais unânime. O contrário roça o contraproducente. “É exaustivo. Já vi casos de sucesso, mas também já vi coisas que não correram assim tão bem”, remata.
No que toca a preferências, menos continua a ser mais. Um ar natural e pouco pesado é tudo e a luminosidade substitui o brilho, num dia que dá grande espaço a extravagâncias. As noivas mais arrojadas pedem lábios vermelhos e só uma, até hoje, fez questão de dar o nó com uns smokey eyes. Volta e meia, também é preciso dar um retoque nos noivos. Anular olheiras e brilhos indesejados são os pedidos mais comuns. O serviço varia entre os 150 e os 250 euros.
Ao que parece, ser maquilhadora de noivas exige habilidades todo-o-terreno. Rita recorda o dia em que chegou para maquilhar uma e acabou a encomendar um bouquet, minutos antes da cerimónia começar. “Estou ali com uma função, mas se notar que há alguma ponta solta que pode deixar a noiva mais ansiosa ou nervosa, é ótimo ter uma postura de ajudar”, recorda. Foi o caso e com duas noivas. Ambas desataram a chorar quando chegou o ramo que tinham encomendado — o pretexto clássico: não tinham pedido nada daquilo — e coube a Rita, num abrir e fechar de olhos, conseguir um bouquet substituto junto dos fornecedores de flores dos hotéis. Por este tipo de serviço, Rita não tem por hábito cobrar.
Trinta noivas por ano: desafio aceite
Um robe manteau em crepe com mangas a três quartos em organza e costas decotadas em v. Este está longe de ser o vestido convencional, ainda assim o equilíbrio possível entre o gosto tradicional das noivas portuguesas e as tentativas de modernização do Stoa Atelier. Ao modelo da coleção de 2019, Margarida e Catarina deram o nome Crush, representativo do encantamento que sortiu nas redes sociais. Em 2016, quando abriu, este atelier lisboeta vestiu sete noivas. Em 2019, com a agenda do ano já fechada, contam-se 30 vestidos, todos criados do zero, únicos e invariavelmente brancos.
“A Catarina tem os pés mais assentes na terra”, afirma Margarida, de 29 anos, à conversa com o Observador. Expressões como “Isso não vai vender”, “Isto não é só um sonho, é um negócio” ou “Não temos mercado para este estilo” são alertas à navegação. Apesar do gosto sofisticado, há que refreá-lo à imagem e semelhança das mulheres portuguesas. “Temos de ter mais cuidado com o que vestimos cá. As mulheres são mais conservadoras em relação aos cortes mais limpos e a vestidos de noiva menos óbvios, a uma camisa e a uma saia, por exemplo. Nesta coleção, desenhámos alguns vestidos mais diferentes. Gostam de ver, mas não têm coragem de usá-los”, completa.
Contudo, as duas amigas (e ex-colegas de escola) viram os casamentos a ganharem terreno. Margarida vem de um curso de arquitetura, Catarina, com 30 anos, estudou gestão hoteleira. Em 2015, reencontraram-se e tornaram real o sonho de montar um negócio próprio. As áreas de formação ficaram para trás. Hoje, vivem das noivas, mercado que, nos últimos anos, se deixou contagiar q.b. pelas modas espanholas, “muito à frente” para este lado da fronteira. “Quando disse à minha mãe que queria levar uma coroa dourada, a reação dela foi: o quê?”, recorda Catarina. A busca levou-a a Sevilha, mas também ao norte de Portugal, onde encontrou os tecidos que lhe encheram as medidas. A modista da família tratou do resto, mas sempre com a amiga Margarida a supervisionar. Olhando para trás, esse foi, muito provavelmente, o vestido número zero do Stoa Atelier.
Querem deixar as mulheres confortáveis, leves para dançarem a noite toda. Mas linhas simples e depuradas do atelier também oscilam ao sabor das tendências. “Este ano, tivemos muitos pedidos de saias ao estilo princesa, mais pesadas e imponentes, caudas longas. É o que estamos a antever para 2020. Continuamos também com aquele estilo mais boémio, com os tules bordados, saias fluidas e peças para serem usadas com sapatos rasos. Tentamos sempre contrabalançar os cortes mais clean com um botão joia ou com um elemento dourado, um cinto, uma camisa em organza que noiva possa tirar depois”, enumera Margarida.
Dentro do atelier, contam com a ajuda de uma modista a tempo inteiro. A coleção anual é só uma amostra do que conseguem fazer, os vestidos por medida continuam a ser o prato forte, numa tabela de preços que começa nos 1.400 euros. A maioria das clientes é de Lisboa, embora algumas já tenham viajado da região centro, do Algarve e até de França, só para casarem com um destes. O altar parece também não escolher idades, dos 21, apesar de serem os novos 12, aos 50 anos.
Cottas Club Jazz Band: eles tocam a andar
“Se esta música dura há 100 anos, alguma coisa boa há-de ter”. A reflexão é de Mário Nunes, bandleader e um dos músicos que, em 2004, formaram a Cottas Club Jazz Band. Reconhecem-se à distância: sete homens de blazer às riscas vermelhas e brancas, cinco deles agarrados a instrumentos de sopro. O som é qualquer coisa de inconfundível, é o jazz como veio ao mundo, em Nova Orleães, também conhecido como dixieland. Há cerca de dez anos, tocaram pela primeira vez num casamento. Sim, já tinham participado em festivais, até fora do país, já tinham gravado um disco, mas nunca atuado num casamento.
“O facto de podermos andar enquanto tocamos fez com que começássemos a ser muito procurados para eventos privados, sobretudo para casamentos”, refere Mário ao Observador. Já escoltaram noivos e convidados da igreja para a festa e também já proporcionaram o tão desejado quebra-gelo entre famílias até então desconhecidas. É entretenimento puro e duro e um ritmo intergeracional, além de universal. Mais uma vez, são os destination weddings o principal mercado e nesse há públicos mais difíceis do que outros. “Há uns cinco anos, tocámos num casamento no Penha Longa, em Sintra. A noiva era indiana, o noivo era japonês, conheceram-se nos Estados Unidos e os amigos eram de todas as partes do mundo. Ali, fomos um elo de ligação, apesar das culturas asiáticas não serem fáceis de conquistar. Num outro, em que os noivos eram ucranianos, percebemos que, no geral, o modo de estar era pouco festivo. Nesse, acabámos a coreografar toda a gente em conjunto”, recorda.
Dentro da banda, natural do Bombarral, as idades vão dos 22 e 47 anos. No rol de instrumentos ninguém mexe: cornetim, clarinete, trombone, banjo, saxofone, sousaphone e washboard, tudo sem fios. Apesar de bandas ao vivo em casamentos não ser propriamente uma tradição em Portugal, os Cottas Club Jazz Band, trocadilho feito com o clube nova-iorquino dos anos 20 e 30 Cotton Club, não têm mãos a medir. O caché começa nos 1.000 euros. “A diferença é o budget que guardam para isso. Os portugueses valorizam mais guardar um orçamento para o vestido, para a comida. Para um estrangeiro, não é estranho guardar pensar num budget especial para uma banda. Culturalmente, num casamento português, não é habitual ter uma banda a tocar ao vivo na receção”, conclui. Seja como for, capricham no figurino. Além do casaco às riscas, existe um segundo, cinzento, mas que não faz tanto sucesso. Percebemos bem porquê.
Um bolo de casamento ou os Jogos Sem Fronteiras?
Tendências: do vestido à maquilhagem, da decoração às fotografias, as tendências estão em todo o lado. Tudo é, será ou já foi tendência, incluindo os bolos com colunas jónicas e faixas de organza de poliéster, as mesas com nomes de flores e as cascatas de camarão. Há coisa de três anos, os naked cakes eram obrigatórios. Empilhados, bem recheados e pouco ou nada cobertos, com flores, frutas e tudo o que a natureza nos dá, eles foram uma tendência que Sandra Bernardo, a cake designer por detrás da Migalha Doce, acompanhou a par e passo.
Hoje, quase quatro anos depois de ter feito o seu primeiro bolo de casamento — tinha três andares, ia meio coberto e estava decorado com frutos vermelhos — e de ter visto o negócio crescer para um atelier de pastelaria, é uma opinião a ter em conta. “As pessoas já começam a querer coisas diferentes, já não é aquele naked cake clássico. Querem bolos mais trabalhados, totalmente cobertos, com assimetrias e não com os andares todos da mesma altura”, refere ao Observador. quanto ao ritmo, não dá sinais de abrandar. Nos últimos dois anos, Sandra admite que o número de casamentos que lhe chegam às mãos não parou de aumentar. De momento, recebe quase um pedido de orçamento por dia e, se o calendário deste ano não terminasse em julho (há um bebé a caminho), assegura que a agenda estaria lotada até outubro.
Das histórias que coleciona, as mais sumarentas têm todas a ver com o transporte de bolos. Obviamente. “Lembro-me de um casamento no Alentejo. O bolo era um semi naked com flores, frutas e uns ursinhos, mas tínhamos levado tudo por montar em caixas térmicas. Mas o caminho até ao recinto era muito acidentado, tivemos de ir a menos de 20 à hora. Conclusão: demorámos 45 minutos a fazer um trajeto de cinco. Chegámos lá mesmo à hora de partir o bolo”, recorda. Caminhos acidentados, os maiores inimigos dos bolos de casamento. Não foi à toa que Sandra já sugeriu aos noivos optarem por bolos falsos. Nesses, só o último andar, onde normalmente se espeta a faca, é de facto um bolo. Por baixo, ficam blocos de esferovite irrepreensivelmente decorados. Ninguém dá por nada e a versão comestível vem diretamente da cozinha, já servida e pronta a ser saboreada.
À Migalha Doce, há quem chegue com uma ideia bem definida do que quer. Outros vêm mais abertos às sugestões da cake designer de serviço. Ela tem muitas, várias delas inspiradas no universo da cerâmica. Um dia, ainda há-de fazer o próprio bolo de casamento. “Sendo tão perfecionista, tenho de fazer o meu próprio bolo. Se calhar nem vou dormir, mas vou ser eu”, partilha. No que toca a preços, tudo se adapta ao orçamento que os noivos têm disponível. Para 100 pessoas, um bolo começa nos 300 euros, sem esferovite, claro.
Posar ou não posar para a fotografia, eis a questão
Os noivos estão em sentido, os convidados fazem fila e avançam, à vez, para garantirem que a presença na boda fica devidamente documentada numa fotografia rigidamente coreografada. Em tempos, “tirar uma fotografia com os noivos” era um momento obrigatório em qualquer casamento. Forma de garantir que todos apareciam, por um lado, meio caminho andado para esgotar os noivos ainda antes da festa começar, por outro. Dezenas de imagens iguais? Isso seguramente. “Cerca de 60% das pessoas ainda quer o formato tradicional”, afirma Eliabe Campos ao Observador. Especializou-se no vídeo, mas entre 2012 e 2013 montou o Overall Studio, empresa sediada no Porto que garante o pacote completo no que toca a imagens para mais tarde recordar.
Antes disso, começou como assistente, montava tripés e câmaras e só depois começou a tirar as primeiras fotografias de casamentos. O vídeo chegaria mais tarde, também com a tarefa de conquistar terreno aos formatos mais tradicionais. “É um mundo à parte, não há nenhum curso que ensine. É preciso vir para o terreno e leva tempo. “Os vídeos que se faziam não tinham registo artístico, eram muito longos, com música de fundo e sem criatividade nenhuma. Acho que, entretanto, a internet também ajudou as pessoas a aprimorar o sentido estético e o gosto”, admite.
Do lado da fotografia, a evolução é flagrante, embora uma grande parte dos noivos queira continuar a garantir que todos os convidados aparecem, seguindo o formato tradicional. “Dão-nos mais liberdade, já não somos aqueles empregados que contratam para ir fazer aquilo. Há espaço para uma visão mais fotojornalística ou para ter um ângulo mais cómico até, com mais fotografias espontâneas, sem poses. Até porque os noivos querem é curtir o dia”, explica Eliabe. Um serviço pode ir dos 2.200 e chegar aos 3.000 euros e se acha que um vestido de noiva se escolhe com muita antecedência ainda não viu nada. Aqui, em média, os casamentos são marcados na agenda entre um ano e um ano e meio antes. Até outubro, os fins de semana já estão todos ocupados.
Atualmente, a equipa do Overall Studio já conta mais mais quatro elementos e ainda dois colaboradores contratados para momentos pontuais. Para se certificar que todos ficam satisfeitos com o resultado, o contacto com os noivos passa por uma espécie de teste. A música e o filme favoritos, como se conheceram e qual a primeira impressão que tiveram um do outro são alguns dos tópicos sondados, tudo para poder traçar um perfil de gosto e garantir que nada sai ao lado. É certo que as modas vêm e vão, mas algumas persistem. É o caso do álbum final, objeto exigido por praticamente todos os noivos. Por outro lado, a febre dos drones parece estar a dar uma trégua. Há três anos, todos os queriam, hoje preferem manter fotografia e vídeo com os pés bem assentes na terra.
Duas designers gráficas entraram num casamento…
Os casamentos seriam, muito provavelmente, o último cenário imaginado por Bruna e Rita para um enlace profissional. Com 25 e 26 anos, respetivamente, as duas aveirenses dirigem a Muza Weddings Concept, uma empresa que planeia o grande dia do princípio ao fim, mas onde o design gráfico continua a ser o carro-chefe. Falamos de uma parafernália de elementos: convites, cartazes de boas-vindas, menus, identificação das mesas, seating plans, lembranças personalizadas, guest books, cartas de bar, missais, cartões de votos (estes mais para os estrangeiros) e place cards. É só querer, porque a lista não acaba.
“Mais do que seguir tendências, queremos fazer casamentos que continuem na moda daqui a 20 ou 30 anos”, explica Bruna Santos ao Observador. “Aí, o design gráfico ajudou-nos a ter uma noção estética e uma cultura visual que não teríamos se fossemos de outra área”, continua. Modernos, minimais e intemporais — os trabalhos delas falam por si. “Aquele estilo mais clássico, romântico e de princesa não é o nosso. É preciso deixar um convite respirar, apostar na qualidade do papel e na tipografia. Somos designers gráficas, adoramos desenvolver a tipografia”, refere ainda Bruna.
Uma linguagem purista como esta não é para todos. Volta e meia, é preciso demover os noivos de ideias mirabolantes, sobretudo no que toca a uma questão muitíssimo delicada: o tema do casamento. “Preferimos que tenha um conceito, não um tema. Pode ser uma paleta de cores, um conjunto de texturas. E, muitas vezes, as referências que trazem como tendência é algo já muito visto”, defende. Já lhes pediram meia hora de fogo-de-artifício, para não falar na eterna luta contra o hábito de dar nomes às mesas — “tentamos sempre que sejam números, mas continuam a insistir”. E ainda há quem diga que o bom gosto não é matéria discutível.
Bruna e Rita estudaram juntas. A primeira rumou a Lisboa depois do curso, com o objetivo de trabalhar na área editorial. A segunda ficou por Aveiro e juntou-se a uma empresa de interiores. Sem oportunidades de emprego, Bruna entrou no mundo da organização de eventos (casamentos incluídos). “Foi descobrir o que queria mesmo fazer. Gostava de estar em contacto com os clientes e ao mesmo tempo fazer design gráfico”, conta. Acabou por se lançar em nome próprio — trabalhava com wedding planners e desenhava o estacionário. “Mas às vezes as coisas não tinham muito a ver”, relembra. Estava na hora de chamar Rita e de fazer um rebranding do estúdio, tudo para que os casamentos pudessem seguir uma linha coerente do princípio ao fim. Desde janeiro do ano passado que a empresa presta três serviços: o planeamento integral, apenas a decoração e o design do evento, aquilo que se pode considerar a especialidade da casa. Nessa área, os preços começam nos 400 euros.
“As opções refletem muito o poder de compra. Para as noivas portuguesas não é tão usual contratar um serviço de wedding planning ou de consultoria. A maioria planeia por si, tenta encontrar uma empresa de decoração ou até mesmo um recinto que já tenha o material”, explica. Bruna e Rita não têm dúvidas: o número de casamentos tem estado a aumentar a olhos vistos e, mais uma vez, os estrangeiros que vêm casar a Portugal também são responsáveis pelo crescimento do setor. Destacam os norte-americanos, provenientes sobretudo de grandes centros urbanos como Nova Iorque e Califórnia. Do Brasil chega também uma nova vaga de noivas, com um apetite especial pela região do Douro. Reino Unido, Alemanha e Médio Oriente vêm a seguir. Os elopements estão na ordem do dia. Ou seja, há mais gente a escolher Portugal para casar em segredo. “Vêm só os noivos, nem contam à família. É uma cerimónia pequena, jantam os dois e para nós é uma celebração com muito menos logística. Fizemos um há pouco tempo nos Açores”, conta.
Princesas e rainhas pela mão de Cata Vassalo
Eis um elemento que nem sempre foi uma prioridade para as noivas, pelo menos para as portuguesas: os acessórios. Em 2010, um ano antes de William e Kate reacenderem o entusiasmo em torno dos casamentos, Catarina Vassalo deitou mãos à obra e começou a produzir as primeiras peças. Eram toucados, usados sobretudo por convidadas. Na altura, mudara-se para Valência. Ficou lá cinco anos, tempo suficiente para medir a temperatura do gosto espanhol. Lá, qualquer casamento é um desfile de vaidades assumido. Da costa do Mediterrâneo rumou para Inglaterra, uma realidade oposta. “Em Espanha, a exigência é elevadíssima. As convidadas querem usar o que houver de maior, de mais arrojado, o que todos veem. Em Inglaterra, é a delicadeza. As portuguesas gostam de exclusividade, de se sentirem imponentes”, descreve Catarina.
Não demorou muito até voltar ao seu país. No verão de 2016, apresentou-se como Cata Vassalo, à frente de um atelier e pronta para desbravar o guarda-roupa conservador de noivas e convidadas. “Tive sorte, estava no sítio certo à hora certa. Casar começou a ser moda outra vez. Nessa altura, procuravam pequenas flores para usar no cabelo semi-apanhado. Eram muito mais discretas, queiram usar as coisas mas tinham medo de parecerem demasiado. Mas ficaram mais audazes. Agora, vendo coroas tipo Game of Thrones“, conta.
Em Alcabideche, perto de Sintra, montou um novo atelier. A cada coleção que cria, admite insegurança: “Tenho sempre a sensação de que não vou vender nada, sobretudo com esta última”. Mas Catarina já estabeleceu o seu nome enquanto marca. Faz peças por medida, em função do gosto e do orçamento de cada cliente. As mais baratas custam 89 euros, a mais caras aproximam-se dos 500. Em tempos, também fez um curso de restauro de metais e isso explica muita coisa. Das pregadeiras de compra no eBay aos achados em lojas de velharias e em mercados de rua fora do país, tudo pode dar origem a uma peça.
“Não querendo ser convencida, fui responsável por marcar uma tendência. Muitas vezes, sou eu a ensinar as clientes a usar as peças, a mostrar-lhes as imagens que as inspiram”, admite. Embora grande parte do trabalho seja personalizado — e Catarina garante que não existem duas peças iguais –, as noivas de última hora existem e batem-lhe à porta quase todas as semanas. Um fenómeno fácil de explicar, já que muitas esperam pela derradeira prova do vestido, a um mês do casamento, para partir para a escolha dos acessórios. No total, em média, pelo atelier Cata Vassalo, passam 400 noivas por ano.
Ao menos, Catarina não teve dessas preocupações, já que tudo no seu próprio casamento foi tratado às escondidas. “Acabei por ter um casamento muito diferente. Foi uma surpresa. A minha irmã encomendou-me uma coroa para uma amiga, mas afinal era para mim. Realmente, enquanto a fazia pensava: ‘isto é mesmo a minha cara'”.