Urgente tem sido a palavra mais usada por decisores políticos e económicos sobre a futura solução aeroportuária para Lisboa. Ainda esta quarta-feira, o presidente da ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil) voltou a usar a expressão por ocasião do Air Summit que se realizou em Ponte de Sor.
“É urgente fechar uma solução para a expansão aeroportuária da região de Lisboa. Este projeto de envergadura nacional é estruturante para o país e não pode mais ser adiado”, afirmou Luís Ribeiro.
Solução para a expansão aeroportuária de Lisboa é “urgente”, alerta ANAC
Fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e Habitação indica ao Observador que o lançamento do concurso internacional para escolher quem vai realizar a avaliação ambiental estratégica (AAE) será lançado ainda no presente mês de outubro de 2021. A “decisão sobre o futuro projeto será tomada depois da avaliação ambiental estratégica ser entregue ao Governo, em 2023”, acrescenta a mesma fonte, remetendo para a data que também foi referida pelo ministro Pedro Nuno Santos na Air Summit.
A decisão fica assim remetida para o ano em que estava prevista a conclusão das obras no aeroporto complementar do Montijo — final de 2022/2023 no quadro do memorando de entendimento assinado entre o Governo e a ANA em janeiro de 2019. Mas como chegámos até aqui?
Na assinatura do acordo com a ANA, no início de 2019, António Costa lamentou os 50 anos de discussões e adiamentos relativos à decisão sobre o novo aeroporto durante a cerimónia de assinatura entre o Estado e a ANA para desenvolver o aeroporto complementar do Montijo.
O primeiro-ministro defendeu que esta era a única solução possível à data e considerou o processo relativo ao aeroporto como um “case study” do que não deve ser feito em matéria de decisão política. Neste argumento juntava-se a urgência suscitada pelo boom do turismo e pela insuficiente capacidade da Portela à limitação criada pelo contrato de concessão a 50 anos assinado com a francesa Vinci no quadro da privatização da ANA, o qual retirou ao Estado margem para decidir e financiar a construção de um novo aeroporto. Transformar a base do Montijo em aeroporto complementar era mais rápido e barato (e sem custos para o Estado já que a concessionária assumia o investimento de mais de 1,1 mil milhões de euros).
A pandemia que parou aeroportos e companhias aéreas a partir de março de 2020 tirou parte da pressão temporal para avançar com o investimento. Mas essa não foi a única razão por trás do arrastamento do processo nem do recuo do Governo face à conclusão de que não existiam alternativas.
Em novembro de 2020 António Costa ainda defendia a necessidade de acelerar a execução do projeto para tirar partido da retoma do turismo que era esperada, mas poucos meses depois o Governo foi de alguma forma forçado a fazer marcha atrás.
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Uma alteração ao Orçamento do Estado de 2021 aprovada por todos os partidos contra o PS introduziu a necessidade de realizar uma avaliação ambiental estratégica ao projeto.
Mas também logo em março, e com base na legislação em vigor, a ANAC teve de recusar o pedido da ANA para o desenvolvimento do aeroporto do Montijo porque a legislação aprovada no tempo de José Sócrates permitiu às autarquias comunistas chumbarem o projeto já depois da autorização ambiental dada no final de 2019. Seixal e Moita deram parecer negativo, se bem que esta última autarquia tenha caído para mãos do PS nas últimas autárquicas.
No mesmo dia em que foi conhecido o parecer da ANAC, o Governo anunciou duas iniciativas:
- O lançamento de um processo de avaliação ambiental estratégica para comparar a solução negociada com a ANA do Montijo como complemento à Portela com duas alternativas — o desenvolvimento do Montijo como aeroporto principal para a região de Lisboa e a construção de raiz de um novo aeroporto em Alcochete como decidido no final da década de 2010, mas travado pela crise financeira e pelo resgate a Portugal.
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- A aprovação em Conselho de Ministros de uma proposta para mudar a lei e assim evitar que um município tivesse o poder para inviabilizar uma infraestrutura de interesse nacional.
O documento seguiu para o Parlamento com o selo de urgente em março, mas até agora ainda não foi votado. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, justificou o compasso de espera com o acordo feito com o PSD, partido que em 2020 rejeitou alterar a lei sob pressão para viabilizar o desenvolvimento do projeto.
“Nós defendemos a alteração da lei, mas não temos maioria absoluta. Conseguimos o acordo do PSD para proceder à alteração da lei, mas o PSD exigiu uma avaliação ambiental estratégica [que irá avaliar vantagens e desvantagens da construção do futuro aeroporto no Montijo e em Alcochete]. E é isso que nós vamos ter que fazer, uma avaliação ambiental estratégica, para conseguirmos o consenso que permita alterar a lei”, disse Pedro Nuno Santos. E “essa avaliação ambiental estratégica levará tempo”, afirmou o ministro em setembro na conferência da Confederação do Turismo de Portugal.
A avaliação ambiental estratégica pode também permitir ultrapassar as dúvidas de legalidade levantadas numa recente decisão do Tribunal Fiscal de Almada ao processo que resultou na avaliação de impacte ambiental favorável, mas condicionado, dado pela APA (Agência Portuguesa do Ambiente).
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Mas o tempo que leva a avaliação ambiental estratégica não é alheio à opção política assumida pelo ministro das Infraestruturas sobre como e quem deveria assumir essa tarefa. Em 2007 quando o Governo de Sócrates enfrentava um frente política e económica de oposição ao aeroporto da Ota que, à data, já tinha autorização ambiental, a missão de realizar uma avaliação ambiental estratégica foi entregue ao LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil). E a resposta que deu vantagem ao Campo de Tiro de Alcochete proposto num estudo feito para a CIP (Confederação Empresarial de Portugal) chegou em sete meses.
Desta vez a missão não foi confiada ao LNEC. Uma das explicações possíveis é a defesa militante feita pelo ex-presidente do organismo, Matias Ramos, ao Campo de Tiro de Alcochete, uma das soluções em estudo (e que foi aliás apoiada no estudo conduzido pela entidade em 2007).
A proposta de Orçamento do Estado justifica esta opção:
“A solução dual composta pelo Aeroporto Humberto Delgado e o novo Aeroporto do Montijo deixou de ter a mesma pressão que sentia face a um crescimento galopante da procura, dando a oportunidade de estudar cenários de melhoria do projeto da Ampliação da Capacidade Aeroportuária de Lisboa (ainda que o documento refira também projeções de retoma do tráfego de 2019 em 2024, o que retoma a pressão temporal).
A avaliação ambiental estratégica será um documento de apoio à decisão do Governo, onde se vão analisar alternativas compatíveis com os objetivos traçados, segundo fatores críticos de decisão, de maneira a propor a melhor solução em termos ambientais, técnicos, económicos e financeiros. Em 2022, o Governo dará prioridade ao processo de AAE, através do concurso público internacional, coordenando todos os trabalhos e entidades para obter um relatório isento e completo, de modo a tomar a decisão sobre o projeto de Ampliação da Capacidade Aeroportuária de Lisboa”.
Mas se sabemos que a nova decisão só será tomada em 2023, não há qualquer indicação sobre quando estará operacional. O presidente da ANA, José Luís Arnault, remeteu para 2035/2040. Estas declarações feitas na conferência promovida em setembro pela Confederação do Turismo de Portugal tiveram resposta do ministro das Infraestruturas no mesmo evento. Se é certo que a avaliação ambiental estratégica “levará tempo”, a construção do novo aeroporto deverá avançar muito antes de 2035.
O calendário dependerá da solução que vier a ser proposta na avaliação ambiental estratégica — um novo aeroporto em Alcochete será mais demorado que um aeroporto complementar no Montijo — mas também do cenário político. E 2023 será ano de eleições se a legislatura for concluída.