789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

People wearing face masks as a precaution against the spread
i

Este foi um dos sistemas que Henrique Barros e Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), sugeriram em fevereiro que fosse adotado a nível nacional

SOPA Images/LightRocket via Gett

Este foi um dos sistemas que Henrique Barros e Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), sugeriram em fevereiro que fosse adotado a nível nacional

SOPA Images/LightRocket via Gett

Nova task force monitoriza águas residuais. Como um litro de águas do esgoto revela a evolução da pandemia?

Águas do Porto criou projeto que será instalado no país para vigiar a Covid. Águas residuais submetidas a PCR para inferir evolução de casos. Algoritmo prevê números com duas semanas de antecedência.

    Índice

    Índice

Duas semanas antes do pico da terceira vaga, a mais letal de todas as que Portugal já viveu desde o início da pandemia, os cientistas que trabalhavam em colaboração com a Águas e Energia do Porto já sabiam que ele ia acontecer. Desde maio de 2020, apenas dois meses após o surgimento da Covid-19 em Portugal, que a equipa recolhia amostras dos esgotos nas estações de tratamento de águas residuais no Freixo e em Sobreiras para descobrir se a quantidade de partículas virais lá encontradas dava pistas sobre o número de casos que as autoridades de saúde iam encontrar.

Um algoritmo desenhado de raiz pela comunidade científica no Porto revelou que sim: a 28 de janeiro, cerca de duas semanas depois de a quantidade de vírus detetada numa amostra aumentar, atingiu-se o pico. Quando Portugal lá chegou, já os cientistas sabiam que o pior da terceira vaga tinha passado porque os valores de vírus detetados nas águas residuais estavam a descer.

Este foi um dos sistemas que Henrique Barros e Raquel Duarte — o epidemiologista e a médica pneumologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) — sugeriram que fosse adotado a nível nacional para refrear o ritmo de testagem à deteção do SARS-CoV-2, à medida que o país regressa à normalidade pré-pandémica, mantendo ainda assim a vigilância sobre o novo coronavírus.

A vigilância das águas residuais será gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente, uma dependência estatal do Ministério do Ambiente, e pela Direção-Geral da Saúde, do Ministério da Saúde. Ambas as entidades baseiam-se numa recomendação da Comissão Europeia publicada em março de 2021 que aconselha os Estados-membros a reunirem dados da Covid-19 através das águas residuais.

Essa sugestão consta mesmo no plano de desconfinamento que Raquel Duarte, que também faz parte da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), apresentou na reunião entre os peritos e os decisores políticos no último mês: da rede sentinela que substituirá a testagem massiva atualmente em vigor fará parte não só um sistema semelhante ao que já é utilizado na gripe, mas também uma análise vigilante e regular às águas residuais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A vigilância das águas residuais será gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente, uma dependência estatal do Ministério do Ambiente, e pela Direção-Geral da Saúde, do Ministério da Saúde. As duas entidades baseiam-se numa recomendação da Comissão Europeia publicada em março de 2021 que aconselha os Estados-membros a reunirem dados da Covid-19 através das águas residuais.

Covid-19: Bruxelas pede aos 27 análises a águas residuais para “seguir” vírus

De acordo com estas sugestões, está a constituir-se um consórcio para instalar nacionalmente esta investigação nas empresas de saneamento e articulá-las com laboratórios parceiros — isto, nos casos em que os laboratórios das próprias companhias não têm capacidade para realizar a deteção. No caso da Águas e Energia do Porto, por exemplo, o laboratório da companhia de saneamento receberá nos próximos dois meses a máquina que permite testar as amostras sem necessitar de apoio científico fora da empresa.

À Águas e Energia do Porto, pioneira na monitorização alargada da Covid-19 em Portugal, juntam-se a Águas de Portugal Valor, Águas do Norte, Águas do Tejo Atlântico, Simdouro, Águas do Centro Litoral, Águas do Algarve, AGERE de Braga e os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) de Almada. Serão estes os grupos empresariais responsáveis pela instalação técnica do sistema de monitorização nacional, com o apoio científico do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

A amostra é enviada para um laboratório que extrai dois fragmentos — um da parte líquida e outro da parte sólida — e submete-os a processos físicos que permitem isolar e inativar todo o material genético presente na amostra. Esse cocktail de material genético, que contém a informação das células e agentes patogénicos que chegam aos esgotos, é então submetido a um teste PCR que funciona da mesma forma que os testes aplicados às amostras recolhidas com zaragatoas.

Como um litro de águas do esgoto revela a evolução da pandemia

Segundo Ana Paula Murcha, investigadora do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), o primeiro passo para monitorizar a Covid-19 através das águas residuais é recolher um litro das águas que chegam a cada uma das estações de tratamento ao longo de 24 horas. É importante que a amostra contenha as descargas de um dia inteiro porque elas sofrem picos: as pessoas tendem a utilizar as casas de banho com mais regularidade de manhã, antes de seguirem para o trabalho; e ao fim da tarde, quando regressam.

Depois, a amostra é enviada para um laboratório que extrai dois fragmentos — um da parte líquida e outro da parte sólida — e submete-os a processos físicos que permitem isolar e inativar todo o material genético ali presente. Esse cocktail de material genético, que contém a informação das células e agentes patogénicos que chegam aos esgotos, é então submetido a um teste PCR que funciona da mesma forma que os testes aplicados às amostras recolhidas com zaragatoas.

Prisão domiciliária para 1 dos 19 detidos na “Operação Gota D´água”

Águas e Energia do Porto

No caso do projeto-piloto desenvolvido no Porto, o “Virus4Health”, que foi concebido pelas Águas e Energia do Porto, as amostras são recolhidas uma vez por semana pela Águas e Energia do Porto nas duas estações de tratamentos de águas residuais que servem o concelho: um litro vindo do Freixo e outro captado em Sobreiras. A Águas e Energia do Porto financiou integralmente todo o investimento técnico para instalar o projeto.

Só os dados recolhidos por esta análise laboratorial bastam para inferir se o número de casos positivos está ou não a aumentar — e é essa leitura da tendência da Covid-19 que pode ser adotada em empresas de tratamentos de águas residuais e por laboratórios (quando as próprias companhias não os têm) por todo o país, explicou Ana Paula Murcha ao Observador.

Covid-19. Processos das ETAR do Freixo e Sobreiras eficazes na remoção do vírus, diz estudo

A seguir, são enviadas para o CIIMAR, um instituto de investigação em Matosinhos pertencente à Universidade do Porto, que por sua vez comunica os resultados da testagem à empresa de saneamento, ao ISPUP e agora também aos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) que servem as regiões estudadas: Porto Oriental e Porto Ocidental.

Só os dados recolhidos por esta análise laboratorial bastam para inferir se o número de casos positivos está ou não a aumentar — e é essa leitura da tendência da Covid-19 que pode ser adotada em empresas de tratamentos de águas residuais e por laboratórios (quando as próprias companhias não os têm) por todo o país, explicou Ana Paula Murcha ao Observador.

Peritos planeiam desconfinamento total após inverno com vigilâncias de águas residuais, redes sentinelas e máscaras em SOS

Algoritmo prevê incidência dali a duas semanas com até 90% de sensibilidade

Mas a equipa coordenada pelo epidemiologista Henrique Barros, de que faz parte o bioestatístico Milton Severo, desenvolveu um algoritmo que permite ir mais longe na monitorização da pandemia através das águas residuais, prevendo como a Covid-19 vai evoluir dali a alguns dias.

O sistema depende essencialmente de cinco fatores: o número de cópias virais presentes em amostras de águas residuais, a população nas regiões que as ETAR em causa servem, a incidência semanal de casos detetados pelas autoridades de saúde, o caudal das águas residuais e os níveis de precipitação no intervalo temporal em análise.

Em declarações ao Observador, Filipe Araújo, presidente do Conselho de Administração da Águas e Energia do Porto e vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, descreveu o algoritmo como uma “ferramenta epidemiológica preditiva” que, com base nas águas residuais, está a conseguir antecipar a ocorrência de novos casos na comunidade há semanas. Todas as amostras recolhidas desde que o projeto começou, em maio de 2020, até agora estão criopreservadas e podem ser revisitadas para estudar, por exemplo, a evolução genética do vírus.

Segundo Pedro Vieira, engenheiro das Águas do Porto que participa no projeto, a parceria entre a empresa de saneamento, as autoridades de saúde e a investigação académica já permitiu desenvolver um algoritmo que consegue perceber se o número de casos vai subir ou descer nas duas semanas seguintes.

Segundo Pedro Vieira, engenheiro das Águas do Porto que participa no projeto, a parceria entre a empresa de saneamento, as autoridades de saúde e a investigação académica já permitiu desenvolver um algoritmo que consegue perceber se o número de casos vai subir ou descer nas duas semanas seguintes — mesmo que a testagem não seja suficientemente adequada para tomar o pulso à situação epidemiológica, como acontecia no início da pandemia e veio a acontecer algumas vezes nos últimos dois anos.

Águas e Energia do Porto

“A mais valia é que, mesmo que haja pouca sensibilidade das autoridades de saúde, por não saberem quantos casos existem, nós conseguimos dar-lhes um alerta para reagirem com aquilo que é preciso”, partilhou com o Observador. De resto, é essa independência do sistema que permite aos peritos acreditar que a monitorização da Covid-19 pode passar simplesmente por esta vigilância, dispensando quase totalmente a testagem instalada atualmente.

Mais: esse sistema pode vir a revelar precocemente o surgimento de novas variantes e pode ser adaptado para detetar novos agentes patogénicos. “Neste momento, estamos preocupados com a Covid-19, mas isto vai acontecer outra vez com outro agente qualquer e o sistema pode ser adotado também”, acrescentou Pedro Vieira.

Covid-19. Análises a águas residuais podem detetar novas variantes do vírus, segundo um estudo

houve um período da pandemia de Covid-19 em que o algoritmo não foi totalmente capaz de prever a incidência que se veio a registar: na quinta vaga, a última registada em Portugal e aquela em que mais casos foram detetados. Mas Pedro Vieira sabe porquê: o nível de testagem foi maior do que tinha sido até este momento, por isso também foram detetados mais casos do que o sistema previa. E o mais importante funcionou: o sistema foi capaz, mesmo assim, de prever quando é que os casos iam aumentar e diminuir.

A capacidade preditiva do algoritmo para as regiões do Freixo e Sobreiras é de 80% a 90%. Pode ser a mesma para o resto do país — basta ter em conta também os níveis de precipitação e o caudal dos esgotos nas diferentes regiões —, mas não é necessário ser assim para garantir uma vigilância da Covid-19: “Para saber a incidência ao certo, seria preciso medir o número de cópias nas águas e saber o número de casos detetados, calibrando a partir daí. Mas o que interessa é a tendência, se os números vão subir muito ou não, e para isso a calibração não é obrigatória”, revelou Milton Severo.

No projeto lisboeta, as águas residuais de 20% da população portuguesa foram analisadas após a recolha em cinco estações de tratamento de águas residuais em Lisboa, Cascais, Vila Nova de Gaia e Guimarães; e também nas redes de drenagem dos efluentes do Hospital Curry Cabral (Lisboa), Hospital Eduardo Santos Silva (Vila Nova de Gaia) e Hospital Senhora da Oliveira (Guimarães).

Projeto em Lisboa confirma dados recolhidos no Porto

Este não foi o único projeto que procurava criar um sistema de alerta precoce da presença do vírus SARS-CoV-2 através da análise de águas residuais: o “CoviDetect” foi concebido pelas Águas de Portugal em parceria com outros grupos de saneamento, com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e o Instituto Superior Técnico.

Neste projeto lisboeta, as águas residuais de 20% da população portuguesa foram analisadas após a recolha em cinco estações de tratamento de águas residuais em Lisboa, Cascais, Vila Nova de Gaia e Guimarães; e também nas redes de drenagem dos efluentes do Hospital Curry Cabral (Lisboa), Hospital Eduardo Santos Silva (Vila Nova de Gaia) e Hospital Senhora da Oliveira (Guimarães).

Covid-19. Análise de esgotos permitiu identificar mutações em Portugal semanas antes do primeiro diagnóstico clínico

As primeiras 760 amostras de águas residuais revelaram que os dados obtidos para SARS-CoV-2 a partir das águas residuais não tratadas “seguiam de forma bastante ajustada os novos casos diários reportados para as regiões em que se encontram as ETAR testadas neste estudo”, pode ler-se na nota de imprensa do Instituto Superior Técnico.

Ricardo Santos, investigador do Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico (LAIST) e um dos coordenadores da participação do Técnico no projeto, detalhou ainda que a análise revelou ser “um método mais expedito” para verificar a infecciosidade dos vírus. 

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora