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The Washington Post via Getty Im

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Nova técnica de edição de ADN traz muita expectativa para a cura de doenças. Quais as vantagens e os riscos?

Técnica ainda só foi testada em bactérias, mas espera-se que seja aplicável a células humanas. Promete ser mais precisa e eficaz e abrir a porta à cura de várias doenças. Mas há riscos.

A edição genética é um complexo jogo de corte e colagem de genes. Agora, uma nova técnica desenvolvida por investigadores dos Estados Unidos e do Japão promete revolucioná-la e trazer uma solução mais eficaz do que os modelos atuais, incluindo o famoso CRISPR/Cas9, que valeu o Prémio Nobel da Química às cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna.

A grande promessa da edição genética, reescrever o genoma (informação hereditária de um organismo que está codificada no ADN) e atuar no tratamento e prevenção de doenças, sai “reforçada” com a nova técnica. É o que explica ao Observador o cientista Luís Pereira de Almeida: “Vem reforçar o arsenal de ferramentas ao nosso dispor”. “Esta técnica é mais precisa, versátil e flexível, capaz de manipular grandes porções de ADN”, acrescenta o investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, que não esteve envolvido no estudo.

Para já esta técnica ainda só foi testada onde todas as ferramentas de edição genética nascem: em bactérias. Mas a expectativa é que possa também ser aplicada noutro tipo de células, incluindo nas humanas. “Nós e, provavelmente, outros investigadores, estamos agora a otimizar o sistema para o aplicar à engenharia do genoma em células de mamíferos”, diz Hiroshi Nishimasu, investigador da Universidade de Tóquio e um dos autores do estudo, numa resposta escrita ao Observador. “Estamos entusiasmados com as potenciais aplicações que temos pela frente”, acrescenta o co-autor Patrick Hsu, da Universidade de Berkeley, antecipando que há um longo caminho pela frente.

Uma técnica para cortar, inserir ou alterar a orientação de segmentos de ADN

A nova técnica, apresentada esta quarta-feira em dois artigos científicos da revista Nature, promete um mecanismo mais simples e exato para inserir, substituir ou remover longas sequências de ADN em posições específicas do genoma. E pode abrir, assim, uma porta à cura de várias doenças genéticas.

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Patrick Hsu, Nick Perry and Matt Durrant, Arc Institute

Patrick Hsu, Nick Perry and Matt Durrant, cientistas do Arc Institute

Arc Institute

A equipa de investigadores, liderada por Hiroshi Nishimasu e Patrick Hsu, tomou partido do já conhecido potencial dos chamados jumping genes (ou elementos transponíveis), que são capazes de se mover para diferentes partes do genoma de uma célula. Fazem-no através das chamadas recombinases, enzimas especializadas em manipulação genética.

Ora, há milhares destas recombinases, explica Luís Pereira de Almeida. “Já se sabe há muitos anos que conseguem identificar uma região precisa de um genoma e, eventualmente, cortar, inserir ou alterar a orientação de um segmento de ADN. O problema é que até agora só trabalhavam em pontos específicos do genoma”, refere.

“É aí que está a revolução, nesta capacidade de dirigirmos [a recombinase] para um qualquer local do genoma e temos um direcionamento preciso.”
Luís Pereira de Almeida, Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra

A “revolução” é que a equipa de Nishimasu descobriu uma recombinase específica que é reprogramável. Foi apelidada pelos cientistas de “ponte de ARN” — o ARN não é mais do que a molécula que nasceu da transcrição da informação que está no ADN e que serve para dar ordens. E porquê pontes? Pelas duas sequências que o caracterizam: uma reconhece o ADN que queremos inserir e a outra o ADN no local onde o queremos inserir. “Podemos modificar uma das sequências para reconhecer um qualquer alvo do genoma e modificar a outra para inserir um qualquer ADN.”

“É aí que está a revolução, esta capacidade de a dirigirmos para um qualquer local do genoma e temos um direcionamento preciso”, diz o investigador da Universidade de Coimbra. A vantagem é que é possível também inserir segmentos de ADN de grande dimensão, algo que até agora era uma grande dificuldade. “Tudo isto através de um único passo”, destaca.

Tudo isto foi testado na Escherichia coli. Mas vamos a números. Foi possível, por exemplo, levar um gene a uma região do genoma desta bactéria com uma precisão de edição de 94% e uma eficácia de inserção de 60%.

Do corta e cola às pontes

O campo científico tem vindo a ser apresentado a sucessivas técnicas de edição do genoma que prometem ser mais eficazes e precisas que as anteriores. A utilização de nucleases, enzimas que quebram ligações, marcou o arranque da edição genética — trouxe métodos como o ZFN e TALEN. Os investigadores Craig Mello e Andrew Fire vieram depois inovar com a sua proposta de ARN de interferência, com a qual venceram o Nobel da Medicina em 2006. Seria, no entanto, a CRISPR/Cas9, proposta por Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, a gerar mais entusiasmo.

Este mecanismo natural foi usado desde sempre pelas bactérias para se defenderem dos vírus e nele as investigadoras viram uma porta aberta para a edição genética. É que torna possível isolar a parte da cadeia de ADN que é responsável por uma doença e alterar essa característica. Valeu às cientistas o Nobel da Química de 2020, e as aplicações são inúmeras, desde a medicina à agricultura. No entanto, são também várias as suas limitações. Pode, por exemplo, cortar por engano sequências semelhantes ao alvo que quer eliminar — aspeto que tem vindo a ser aperfeiçoado com as novas versões.

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O método CRISPR tem sido usado em inúmeros testes, da medicina à agricultura

Anadolu via Getty Images

Ao Observador Hiroshi Nishimasu reforça a convicção descrita no estudo de que a técnica agora anunciada é mais eficaz do que a CRISPR em vários aspetos. Os investigadores já tinham afirmado que, apesar de reconhecerem que esse método “revolucionou a edição genética”, para questões de “larga escala de design de genoma, os cientistas precisam de uma forma mais precisa e programável para reordenar grandes segmentos de ADN. Já Patrick Hsu nota que a CRISPR foi amplamente otimizada nos últimos dez anos em milhares de laboratórios e empresas, que gastaram milhões de dólares no processo, enquanto ainda se está nas primeiras fases da nova técnica.

Aqui pode ver o vídeo com a explicação da descoberta científica

“O CRISPR é muito eficaz para inativar um gene e introduzir segmentos de ADN, mas sobretudo em células que estejam na bancada do laboratório. É menos eficaz para células que estejam no nosso organismo, especialmente células que não estejam em divisão. O novo sistema vem facilitar este processo”, acrescenta Luís Pereira de Almeida.

Da fibrose quística à distrofia muscular. Em que doenças pode a nova técnica ser promissora?

Primeiro é preciso perceber se a nova técnica é realmente aplicável a células humanas. Se for esse o caso, são muitas as doenças genéticas em que poderá ser promissora. “Os cientistas poderão um dia modificar conjuntos inteiros de variantes genéticas simultaneamente”, antecipa Patrick Hsu.

O investigador Luís Pereira de Almeida destaca dois alvos com potencial: a fibrose quística, que afeta sobretudo as funções respiratória e digestiva; e a distrofia muscular de Duchenne, uma doença degenerativa que se caracteriza pela perda progressiva de massa muscular.

"A CRISPR foi amplamente otimizada nos últimos dez anos em milhares de laboratórios e empresas (...). A nossa técnica está no arranque, mas os nossos resultados iniciais em bactérias são promissores."
Patrick Hsu, da Universidade de Berkeley

Começando pela fibrose quística, é uma doença genética rara para a qual não há cura. Estima-se que afete cerca de 42 mil pessoas na União Europeia e que só em Portugal nasçam todos os anos 30 a 40 crianças com esta doença. Pode ser um “bom alvo” para aplicar esta técnica já que é uma doença com muitas mutações.

“Nesse tipo de casos temos normalmente de administrar cópias suplementares daquele gene que está mutado ou as correções têm de ser feitas nas mutações específicas, o que praticamente obriga a desenvolver um medicamento para cada grupo de doentes”, começa por enquadrar. Com um método como o que agora é proposta, poderá eventualmente ser possível substituir todo um segmento do gene que tem as várias mutações problemáticas. “Portanto, podemos produzir um medicamento que vai ser eficaz em mais pacientes”, destaca.

Há “muitos” outros casos em que esta técnica poderá revelar-se promissora, incluindo a distrofia muscular de Duchenne. Recentemente foi possível produzir um gene sintético para remover as regiões problemáticas da proteína que causa esta doença, uma conquista que exigiu anos de trabalho. “Com uma técnica como a proposta poderia já não ser preciso, porque poderia eventualmente reparar-se uma grande parte do gene”, explica.

Há uma mudança de paradigma no horizonte?

Os autores da investigação, que se prolongou ao longo dos últimos dois anos, acreditam que o mecanismos de pontes de ARN pode “inaugurar” uma terceira geração de edição genética. Se representa realmente uma mudança de paradigma, ainda é cedo para dizer. “Não iria tão longe. É um passo muito importante, mas é mais um na progressão que tem havido na nossa capacidade de manipular o genoma. Um avanço em cima dos que temos visto desde os anos 70”, considera Luís Pereira de Almeida.

Os investigadores acreditam que o mecanismo de pontes de ARN pode “inaugurar” uma terceira geração de edição genética

João Conde/LUSA

O investigador salienta que a técnica não invalida as anteriores. “Para algumas coisas vamos continuar a usar a interferência de ARN, para outras a adição com a CRISP/Cas9 e noutras casos iremos utilizar então esta recombinação dirigida para o ARN”, nota.

Num tema como a edição genética é incontornável falar das questões éticas e limites. Para sempre associado à CRISPR/Cas9 ficará, por exemplo, a história do cientista chinês He Jiankui, que alterou o genoma de duas bebés gémeas durante os tratamentos de fertilidade de um casal numa experiência não autorizada para as tornar imunes às infeções pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH). Uma alteração que se pensa que terá alterado o cérebro das meninas e que levou o investigador a ser condenado a uma pena de prisão de três anos.

A propósito de riscos, Luís Pereira de Almeida recorda que quando se fala de aplicação ao ser humano há um consenso sobre o uso em células somáticas e não da linha germinativa — ou seja, não vão ser transmitidas à descendência. “Há uma necessidade muito grande deste tipo de ferramentas para corrigir defeitos genéticos que uma grande parte da população tem”, defende. E acrescenta: “Mais de 6% da população tem doenças raras, sendo que estas doenças são, na sua esmagadora maioria, causadas por defeitos genéticos”. Ainda há muito para provar, mas abriu-se, sem dúvida, uma “nova era em termos de possibilidades para a modificação de genes”.

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