O Fundo de Resolução quer travar a venda do “Nata 3″, o último grande “pacote” de créditos tóxicos do Novo Banco, no qual três quartos dos créditos estão cobertos pela garantia pública. Com os mercados financeiros instáveis e sabendo-se a pressão política que existe para que o próximo Orçamento do Estado não inclua verbas para o Novo Banco, o Fundo de Resolução prefere que o banco espere mais algum tempo. O Observador apurou, no entanto, que o presidente o Novo Banco, António Ramalho, está a trabalhar num “bolo” diferente para o “Nata 3” – para incluir uma maior proporção de créditos não-cobertos e, assim, diminuir a injeção pública deste ano – e a trabalhar em possíveis soluções alternativas como a “titularização” de créditos. Será o “Nata 3” a determinar o montante da injeção pública a fazer no âmbito do Orçamento do Estado 2021.
Na composição do “Nata 3” em que António Ramalho e a sua equipa têm vindo a trabalhar, cerca de três quartos dos ativos são protegidos pelo mecanismo de capital contingente. Por outras palavras, a grande maioria dos créditos que estão nesse pacote são dívidas cuja venda (tipicamente com enorme prejuízo face ao valor contabilístico) provoca uma degradação dos rácios de capital do banco que é, depois, compensada com uma injeção de capital por parte do Fundo de Resolução – um organismo público, na dependência do Banco de Portugal, que vive das contribuições anuais dos bancos nacionais mas que, por insuficiência de recursos, tem precisado de empréstimos do Tesouro público para fazer as injeções no Novo Banco. Injeções que, aliás, fazem parte do acordo com a Lone Star.
Os ativos que estão no pacote batizado, para já, como “Nata 3” têm um valor a rondar os 1.000 milhões de euros, sabe o Observador, sobretudo créditos em incumprimento de empresas do setor da construção civil. Devido às baixas expectativas de recuperação desses créditos, não é de esperar que os investidores ativos neste mercado ofereçam mais do que uma fração desse valor contabilístico – como aconteceu com outros pacotes como o “Viriato”, o “Nata 1” e o “Nata 2”. É no momento dessa venda que se reconhece o prejuízo que, depois, acaba por ser parcialmente coberto pelo Fundo de Resolução.
O maior crédito em incumprimento que está no “Nata 3” tem um valor contabilístico de cerca de 60 milhões de euros, mas a maioria dos créditos que estão neste pacote não vão além dos 20 ou 30 milhões de euros. Não há, pelo que o Observador apurou, nomes mediáticos de devedores – alguns desses nomes foram, aliás, retirados pelo Fundo de Resolução do “Nata 2” no final do ano passado. Foi o caso, por exemplo, das dívidas da Ongoing – 350 milhões e 240 milhões e papel comercial, pelas quais o investidor que comprou o “Nata 2” só oferecia dois milhões de euros – da Sogema, de Bernardo Moniz da Maia, e da construtora Prebuild.
Novo Banco quis vender dívida da Ongoing, de 600 milhões, com desconto de 99%
Tendo sido retirados do “Nata 2”, que foi o maior pacote de todos, esses créditos também não surgem, logicamente, no “Nata 3”. No que diz respeito a esses créditos, vai-se continuar a tentar recuperar o máximo possível pelas vias judiciais, o que tem provado ser muito difícil até ao momento – o Novo Banco chegou, até, a contratar detetives privados para seguir figuras como o empresário Nuno Vasconcellos, ex-líder da Ongoing, no Brasil. Esse esforço acabou por não dar frutos na tentativa de responsabilizar o empresário, que também ficou conhecido por ter registado como bem pessoal, em seu nome, apenas uma mota de água.
Fundo de Resolução intransigente. Novo Banco não desiste
Não sendo um “pacote” de créditos com grande mediatismo, o “Nata 3” é de uma importância decisiva para o Novo Banco porque esta redução de cerca de 1.000 milhões de euros em crédito malparado significaria um passo de gigante na normalização do banco. Mesmo com a redução rápida dos últimos anos, o Novo Banco continua a ter um rácio de crédito malparado acima de 10%, o que o coloca entre os bancos europeus com maiores problemas a este nível.
Vender os 1.000 milhões do “Nata 3″ eliminaria quase três pontos percentuais no rácio de crédito malparado, levando-o para a região dos 8%, o que já ficaria mais em linha com a média do setor em Portugal e deixaria o Novo Banco numa posição melhor para, tal como os outros bancos nacionais, enfrentar o período difícil que a crise pandémica acabará por trazer.
Por outro lado, vender um bloco desta dimensão seria, também, decisivo para que o Novo Banco possa cumprir o plano acordado com o supervisor bancário da zona euro, o Banco Central Europeu, de terminar a “limpeza” do banco em 2020. Caso o objetivo não seja cumprido, isso levará a um novo processo negocial com o supervisor que poderia, em tese, implicar exigências mais duras para a reestruturação do banco. E terminar este processo de “limpeza” seria um passo essencial para que o banco, como pretende esta administração, possa ser lucrativo em 2021, condição para que a Comissão Europeia considere o banco viável.
Mas no Fundo de Resolução a visão prevalecente é de que esta não é uma altura boa para vender. E, considerando os compromissos que o Novo Banco assumiu com o supervisor europeu, poderá haver espaço para obter alguma flexibilidade devido ao contexto que se vive e ao qual o banco central já respondeu com várias iniciativas de flexibilização, como a suspensão ou redução de alguns importantes requisitos de capital na banca europeia, de um modo geral.
As polémicas e o “efeito inibidor” para os investidores
A administração liderada por António Ramalho não desiste, porém, do objetivo de vender o “Nata 3” este ano – mesmo que, para isso, tenha de fazer algumas alterações na composição do pacote. Apesar das condições difíceis que se vivem nos mercados financeiros, sobretudo nas cotações do setor bancário e segurador, existem indicações de que existe algum apetite pelo tipo de ativos que o “Nata 3” contém – o Observador confirmou que há um outro banco nacional que tem em curso, neste momento, uma operação de venda de carteiras de malparado e há um segundo banco que também terá na calha uma operação do género.
Por outro lado, uma fonte do setor financeiro assinalou que, além do facto de as carteiras nunca serem exatamente comparáveis, do ponto de vista de alguns investidores é mais fácil comprar uma carteira de ativos tóxicos a outros bancos do que ao Novo Banco. Por uma razão simples: “Com tanta polémica que houve, alguns investidores não estão dispostos a correr riscos reputacionais ou acabar a testemunhar numa comissão de inquérito só porque comprou uma carteira de ativos – isso tem um efeito inibidor“.
Ainda assim, essas operações que estão em curso ou em preparação no setor são “sinais” que fazem com que o Novo Banco, embora consciente dos condicionalismos políticos que se impuseram nesta reta final do processo de venda da instituição, mantenha a intenção de avançar com uma operação de venda do “Nata 3” ainda este ano, mesmo que isso signifique uma alteração dos ativos lá contidos. Isto para que a injeção de capitais pelo Fundo de Resolução seja menor – menor ao ponto, até, de não ser necessário empréstimos públicos ao Fundo de Resolução.
Os bancos contribuem, no seu conjunto, com mais de 200 milhões de euros por ano, ao que se poderia somar uma contribuição extraordinária ou, mais provável, um esquema de financiamento dos bancos ao Fundo de Resolução para completar o montante que vier a faltar. Dessa forma, poderia resolver-se o problema de não haver apoio político para o empréstimo anual ao Novo Banco, nos termos em que este aconteceu em todos os anos desde 2017/2018.
Uma “bravata” que pode sair mais cara: dinheiro para Novo Banco fora do Orçamento
O Novo Banco já pediu ressarcimento ao Fundo de Resolução num valor total de quase 3.000 milhões de euros, nos últimos três anos – sobram 912 milhões de euros no mecanismo de capital contingente que, em teoria, dura até 2025/2026. Nem António Ramalho nem Luís Máximo dos Santos (presidente do Fundo de Resolução) levantaram o véu, nas suas recentes audições parlamentares, sobre o valor que será necessário injetar no Novo Banco após o exercício de 2020 – eles próprios não saberão, nesta fase, porque tudo depende do “Nata 3”: se é ou não vendido e com que ativos lá dentro.
Além de incluir mais ativos não-cobertos pelo Fundo de Resolução, o Novo Banco poderá, também, aumentar a proporção de créditos mais pequenos e indiferenciados – “granulares” – substituindo dessa forma alguns dos créditos “single name“, isto é, relativos a um só devedor específico com valores mais elevados (e, tipicamente, cobertos pelo mecanismo de capital contingente).
Outra hipótese, admitida esta quinta-feira por António Ramalho em declarações à Bloomberg, seria dividir o “Nata 3” em sub-pacotes vendidos em vários momentos – e não numa operação única – mantendo-se, no final, a intenção de vender até 1.200 milhões de euros em crédito malparado até ao final do ano.
Por outro lado, sabe o Observador, o Novo Banco está, também, a olhar para formas mais “criativas” de atenuar o risco do seu balanço, que não com vendas puras e simples. A instituição contratou recentemente um assessor financeiro norte-americano que tem como especialidade a securitização, ou titularização, como também é conhecido esse expediente financeiro que, em termos simples, implica a originação de instrumentos financeiros (transacionáveis no mercado) e que têm como ativos subjacentes aqueles créditos. Sairia mais caro para o Novo Banco, mas poderia ser uma forma de corresponder às expectativas do supervisor e de melhorar a situação líquida da instituição.
Novo Banco. Fundo de Resolução avaliará venda de ativos tendo em conta crise e mercados
Contactado pelo Observador, fonte oficial do Banco de Portugal reiterou comentários feitos no início de agosto à Agência Lusa. Nessa altura, o Fundo de Resolução disse que o Fundo de Resolução “analisa cada operação que lhe é submetida pelo Novo Banco de forma individualizada, tendo presentes as condições específicas de cada uma e o contexto em que a operação tem lugar”. Nessa análise, terá obviamente em conta a situação dos mercados. “Nesse âmbito, a avaliação do Fundo de Resolução não pode deixar de ter em conta o quadro económico prevalecente em cada momento e o contexto de mercado”.
Já fonte oficial do Novo Banco não fez quaisquer comentários.
Pedido ao Fundo de Resolução deverá ser, no mínimo, de 176 milhões
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A julgar pelo que foi comunicado pelo Novo Banco na altura em que foram apresentados os resultados do primeiro semestre, nos primeiros seis meses do ano as vendas de ativos que o banco chama de “legado” (do BES) provocaram um prejuízo de quase 500 milhões de euros – o que, na fórmula de cálculo que está prevista, levará a um pedido de 176 milhões ao Fundo de Resolução. Este é, de acordo com a última informação disponível, o valor mínimo que o Fundo de Resolução irá ser chamado a injetar no Novo Banco na primavera de 2021, relativamente ao exercício do ano anterior, como tem acontecido desde 2017. O valor final dependerá, em grande parte, do que acontece com o Nata 3.