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A 19 de outubro, segundo dados do Ministério da Educação, havia um total de 143.688 alunos estrangeiros em Portugal (fora o ensino superior), ou seja, 12% da população estudantil

Anadolu Agency via Getty Images

A 19 de outubro, segundo dados do Ministério da Educação, havia um total de 143.688 alunos estrangeiros em Portugal (fora o ensino superior), ou seja, 12% da população estudantil

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Número de alunos estrangeiros subiu 60% em 10 anos e todos os dias chegam mais. Professores queixam-se da falta de respostas adequadas

Universo de alunos estrangeiros já chega aos 12% de toda a população estudantil. Maioria continua a ser de países de língua oficial portuguesa, mas em todos os casos existem desafios à integração.

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“Se vêm para Portugal têm de falar português. As pessoas dizem isto. Mas temos condições para isso acontecer?” A professora Ana Cardoso não responde imediatamente à pergunta que ela própria lança para o ar. Dá aulas de Português e de Português Língua Não Materna (PLNM), o que quer dizer que boa parte dos alunos estrangeiros do seu agrupamento vão parar à sua sala de aulas, principalmente aqueles que não falam uma palavra de português. Este ano letivo tem 30 alunos de PLNM, mas antes de um dia de aulas chegar ao fim podem sempre chegar mais. Todos os dias as escolas portuguesas recebem novos alunos estrangeiros e no seu agrupamento as partidas e chegadas são constantes. Ali, nas Escolas da Baixa da Banheira — Vale da Amoreira (Moita, distrito de Setúbal), há cerca de 100 alunos nas aulas de Português Língua Não Materna.

José Fernando é professor há 39 anos, mas foi nos últimos dois que se habituou a andar com um mapa para todo o lado. Não é para fazer viagens, embora tenha muitos países assinalados no mapa, mas antes uma ferramenta para o seu cargo de coordenador de PLNM na Escola Secundária Aurélia de Sousa, no Porto. “Este mapa está sempre em reformulação, porque isto é um fenómeno semanal, já nem é mensal. Quase invariavelmente, todas as semanas tenho alunos novos a chegar à escola e a lista está em alteração desde setembro.”

Olhando para o papel, onde tem todos os alunos que não sabem falar português, recita o nome dos países que estão ali a saltar à vista. “Colômbia, Estónia, Índia, Equador, Venezuela, Argentina, Marrocos, Ucrânia, Bangladesh, Rússia, Vietname, Costa do Marfim, Nepal… Somos um mosaico, com meninos de todos os espaços geográficos”, diz o professor. Em janeiro, no seu agrupamento, havia cerca de 250 alunos não nacionais para um total de 1.700.

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A nacionalidade com maior expressão é a brasileira, seguindo-se a angolana e, depois, a ucraniana

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Os alunos das escolas de Ana Cardoso e de José Fernando são uma amostra do que se passa no resto do país. Estudantes estrangeiros sempre houve, mas são cada vez mais e com singularidades: chegam durante todo o ano letivo, às vezes até no final do 3.º período, e embora a maior fatia continue a ser a de alunos de países falantes de português, são frequentes as chegadas de quem não tem nem a cultura nem a língua em comum com Portugal.

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Segundo os dados mais recentes do Ministério da Educação, pedidos pelo Observador, a 19 de outubro havia nas escolas portuguesas um total de 143.688 alunos estrangeiros, ou seja, cerca de 12% da população estudantil. Há 10 anos, eram 56.184, tendo-se registado uma subida de quase 90 mil alunos (87.504), o que significa que houve um crescimento de quase 61% no número de jovens estrangeiros nas escolas portuguesas desde 2013.

Atualmente, mais de metade (52%) são brasileiros, e os angolanos são perto de 10%, um grupo maioritário (62%) que representa desafios significativamente menores no que diz respeito à barreira linguística. Mas os ucranianos, por exemplo, que depois da invasão russa chegaram em grande número ao país onde já havia uma diáspora significativa, são agora 4% do total de alunos estrangeiros.

A lista das dez nacionalidades mais encontradas nas escolas portuguesas completa-se com Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Índia, França, Venezuela e Nepal. Segundo o Conselho Nacional de Educação, nas escolas básicas estão representadas 192 nacionalidades.

Estado da Educação: 192 nacionalidades no básico, Lisboa atrás no pré-escolar e docentes mais velhos. 9 curiosidades sobre o ensino

Esta semana, a propósito do Dia Internacional dos Direitos das Crianças, o PorData revelou que, tendo Portugal perdido 1 milhão de crianças nos últimos 50 anos, há atualmente mais de 65 mil crianças e jovens estrangeiros a viver no país — 4,9% do total da população com menos de 15 anos, embora 18% delas tenham nascido em Portugal.

"Precisávamos de um ano zero, de um ano de imersão na língua. Um ano em que os alunos pudessem frequentar uma série de atividades, de teor mais lúdico, que não os vinculasse a uma classificação académica." 
José Fernando, professor na Escola Secundária Aurélia de Sousa (Porto)

Com a onda de alunos estrangeiros a crescer, estão as escolas portuguesas (e os seus professores) preparados para dar resposta às necessidades especiais destas crianças e jovens? A resposta rápida é “não”, dizem todos os diretores e professores ouvidos pelo Observador, embora reconheçam que houve mudanças legislativas importantes. Para fazer mais e melhor, os diretores precisam de mais recursos humanos — numa altura em que o país se depara com a falta de professores —, de mais créditos para dar aulas de Português Língua Não Materna e até de repensar a forma como os alunos são recebidos.

Portugal perdeu mais de um milhão de crianças e jovens nos últimos 50 anos

“Precisávamos de um ano zero, de um ano de imersão na língua. Um ano em que os alunos pudessem frequentar uma série de atividades, de teor mais lúdico, que não os vinculasse a uma classificação académica”, defende o professor José Fernando.

Como é que se diz olá em vietnamita?

“Xin chào!” Quando da boca do diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos saíram aquelas palavras misturadas com a sua pronúncia do Norte, a cara da aluna do 5.º ano iluminou-se. “Aquele sorriso fez-me ganhar o ano”, conta Filinto Lima, que é também presidente da ANDAEP, associação que representa os diretores de escolas. Pela primeira vez na sua vida, disse olá em vietnamita e o efeito foi inesquecível.

A criança de 10 anos, que lhe sorriu de volta, é do Vietname, país do sudeste asiático, e quando chegou à escola de Vila Nova de Gaia não dizia uma palavra de português, nem sequer de inglês, a língua que tantas vezes serve de muleta (embora não seja a única) entre os professores portugueses e os alunos estrangeiros.

“Como nem inglês falava, usámos um programa no telemóvel para traduzir. Antes disso, só com gestos. Quando traduzi um olá para a língua dela, ela sorriu-me. Com aquele sorriso ganhei o ano”, conta o professor. Além do recurso ao tradutor no telemóvel, também tiveram sorte. “Temos uma outra aluna vietnamita, que está em Portugal há 7 anos, e que está sentada ao lado dela nas aulas e isso é uma grande ajuda”, conta o diretor. Neste caso, tudo correu pelo melhor, até porque as duas crianças estão no mesmo ano letivo.

“No recreio está sempre agarrada, no bom sentido, ao telemóvel por causa do tradutor”, conta Filinto Lima, que considera que estes novos alunos são um grande desafio que se coloca às escolas por dois motivos principais: a barreira da língua e a socialização.

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Numa aula de Português Língua Não Materna, os alunos têm idades diferentes e os mais novos são, muitas vezes, os que estão mais avançados

SOPA Images/LightRocket via Gett

Embora no final a maioria acabe por se adaptar bem, os primeiros passos da integração nem sempre são fáceis. “Muitos deles têm usos e costumes diferentes dos nossos. Até mesmo os brasileiros, que falam a mesma língua, têm hábitos diferentes. Por isso, recorremos muito à ajuda dos psicólogos”, resume o diretor, lembrando que algumas destas crianças chegam a Portugal vindas de cenários de guerra e de situações muito complexas, por vezes traumatizantes.

Brasileiros ficam surpreendidos com exigência dos currículos

No Centro do país, no distrito de Santarém, o agrupamento liderado por Ana Cláudia Cohen tem alunos de mais de 30 nacionalidades. “Há escolas que têm mais, mas são grandes centros urbanos, nós estamos no interior”, diz a diretora das Escolas de Alcanena. De resto, vê todo o tipo de situações, com perfis e situações familiares muito diferentes.

Nunca faltaram tantos professores de Português. Uma semana antes de arrancar o ano, havia quatro vezes mais horas por preencher que em 2022

“Temos situações de alunos em que a língua é diferente e que eles tentam aprender. Há outros em que as famílias são completamente resistentes e, apesar de estarem cá há um ano, não dizem uma palavra”, sublinha Ana Cláudia Cohen, que é também vice-presidente do Conselho de Escolas, ​​órgão consultivo do Ministério da Educação. “E temos alunos dos PALOP em que a cultura é completamente diferente e, mesmo que a língua não seja uma barreira, tudo o resto é. Os currículos, o grau de exigência, os ritmos de sala de aula são diferentes. É uma aprendizagem mútua e complexa.”

Sobre os currículos, a diretora recorda que já ouviu mães brasileiras a dizerem que o ensino primário português corresponde ao ensino médio no Brasil. “Isto é uma caricatura, claro, mas os brasileiros consideram o nosso sistema muito exigente. Às vezes, têm muito boas notas no Brasil, mas há uma décalage enorme entre o que aprendem lá e o que aprendem aqui.”

"No meu agrupamento também temos Português Língua de Acolhimento para adultos, temos muitos à noite. E temos situações em que temos os pais a estudar à noite e os filhos de dia. Uns vão ajudando os outros, as crianças até conseguem aprender mais facilmente e acabam por se tornar os tradutores da casa, mesmo para resolver assuntos de adultos."
Ana Cardoso, professora no Agrupamento de Escolas da Baixa da Banheira - Vale da Amoreira (Setúbal)

O diretor Manuel Pereira recorda-se de um caso em que o aluno simplesmente não aprendia o português. Aconteceu no Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, em Cinfães, distrito de Viseu. “Lembro-me de um aluno chinês que não falava português nem inglês. Fez o 2.º e o 3.º ciclo e, ao fim de 5 anos, não falava quase português. Foram anos muito difíceis, falávamos por gestos. Os pais também não falavam português, só o irmão mais novo é que de facto aprendeu a falar fluentemente.”

Ali, o número de estrangeiros é menor do que em outras escolas e o diretor aponta para cerca de 15 alunos entre os quase 500 que frequentam o 2.º e o 3.º ciclo, com destaque para peruanos, cabo-verdianos, brasileiros, chilenos e paquistaneses.

“Temos muitos alunos da América Latina, do Chile, do Peru, são fluxos novos a chegar às nossas aldeias, até a aldeias do interior do país, como a minha. Há homens do Peru que vêm trabalhar para cá, e como as casas são caras nas cidades, as empresas arranjam-lhes casas nas aldeias. Eles trazem os filhos e as mulheres e as crianças entram nas nossas escolas”, conta o diretor, que é também presidente da ANDE — Associação Nacional de Dirigentes Escolares.

O cenário de agora contrasta com o de há uns anos, quando os alunos que recebiam eram brasileiros ou angolanos.

No distrito de Aveiro, Estela Tomé também tem assistido a essa mudança gradual. Entre os mais de 200 alunos estrangeiros conta 24 nacionalidades. “São cerca de 10% do total de alunos, embora seja um bocado enganador já que mais de metade são brasileiros e o português também é a língua deles”, diz a diretora do Agrupamento de Escolas de Esmoriz-Ovar Norte. “O que é certo é que todos precisam sempre de um cuidado especial, sobretudo no primeiro ano que passam na escola, para que se sintam integrados e para que possam seguir o currículo normalmente.”

Mesmo sem falar português, alunos do 9.º ano têm de fazer exames nacionais

Mudanças legislativas precisam-se, mas com eleições antecipadas em março, será preciso esperar pelo próximo titular da pasta de Educação para que elas possam ser feitas. Apesar disso, e em resposta ao Observador, o gabinete de João Costa disse estar a preparar “um roteiro de acolhimento aos alunos estrangeiros com modalidades de apoio aos alunos” a partir do despacho publicado em 2022, que trouxe várias alterações à forma de integrar estas crianças e jovens.

“Por muito que tentemos valorizar as diferenças dos alunos, a legislação ainda não está conforme. Um aluno que chega à escola no 9.º ano tem de fazer exame nacional no fim do ano como os outros. Como é que pode?”, questiona Ana Cláudia Cohen, recordando que, caso o aluno não fale português, faz o exame de PLNM e o de Matemática, este último igual ao de todos os outros. Para perguntas de cálculo, a língua pode não ser um entrave, mas quando surgem enunciados de problemas, saber ler português é fundamental, sublinha a diretora.

Quando chegam, os alunos estrangeiros trocam o português pelo PLNM, mas as restantes disciplinas mantêm-se e são dadas em português. O que o despacho n.º 2044/2022 mudou é que passou a ser possível que os estudantes façam uma integração gradual no currículo e que também a sua avaliação seja progressiva. No entanto, não basta. Filinto Lima veria com bons olhos que algumas destas disciplinas simplesmente desaparecessem para os alunos estrangeiros durante os primeiros tempos de integração, já que sem saber português não vão ter aproveitamento. Em contrapartida, teriam mais tempo de PLNM.

Para as escolas fazerem a integração plena, insiste a diretora das escolas de Alcanena, são necessárias mudanças legislativas. “Há quase uma pré-determinação de que estes alunos têm de ficar retidos em finais de ciclo, o que é triste, porque já têm uma vida complexa e não temos solução para eles.”

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As turmas são organizadas por níveis de proficiência, juntando no mesmo grupo alunos de diferentes níveis de escolaridade

dpa/picture alliance via Getty I

Manuel Pereira acredita no mesmo: “Há escolas em que a lógica legislativa que existe não serve”, até porque estes “são alunos com necessidades educativas diferentes”. O diretor do agrupamento de Cinfães, tal como os seus colegas, gostava de ter mais recursos humanos, onde inclui não só professores, mas também técnicos especializados, como os psicólogos.

“Precisamos de dar os apoios que estes alunos merecem. Mesmo os alunos brasileiros ou cabo-verdianos, que na origem falam português, precisam de apoio. O português falado no Brasil pode ser um problema na sala de aula, porque a matriz linguística é diferente. E precisamos de mais psicólogos porque a integração destes alunos muitas vezes é um choque”, sublinha Manuel Pereira, lembrando que as pessoas chegam a Portugal fugidas de situações muito complexas e que não se resumem a situações de guerra.

Cinco horas de português. Isso basta para aprender a falar?

Para se poder formar uma turma de Português Língua Não Materna é preciso que a escola tenha 10 alunos estrangeiros não falantes de português. A idade, o ciclo de escolaridade ou o país de origem não importam, na letra da lei, quando se compõe esta turma — embora as escolas possam tentar organizar-se de outra forma. Dez alunos equivalem a um crédito de cinco horas semanais, ou seja, uma hora por dia para aprender português. O resultado é que a maioria das turmas são heterogéneas, os mais novos coabitam com os mais velhos e os mais pequenos são, muitas vezes, aqueles que melhor dominam a língua.

Para os diretores, é um verdadeiro quebra-cabeças. Os alunos de diferentes turmas abandonam a sala quando os colegas vão ter aula de português e dirigem-se para a aula de PLNM. Isto implica que alunos de diferentes turmas e de diferentes anos têm de ter aulas de português exatamente no mesmo horário para que, naquele momento, se possam juntar na turma de PLNM e estudar a língua não materna.

Para complicar, e porque durante todo o ano vão chegando novos alunos estrangeiros, as turmas de PLNM estão em constante mudança.

"Temos situações de alunos em que a língua é diferente e que eles tentam aprender. Há outros em que as famílias são completamente resistentes e já estão cá há um ano e não dizem uma palavra. E temos alunos dos PALOP em que a cultura é completamente diferente e, mesmo que a língua não seja uma barreira, tudo o resto é."
Ana Cláudia Cohen, diretor do Agrupamento de Escolas de Alcanena (Santarém)

Esta semana, José Fernando recebeu três alunos novos e deu com eles o primeiro passo: aplicar os testes de proficiência necessários para perceber quanto é que sabem de português. Um aluno do Bangladesh, do 7.º ano, falava pouco inglês e nenhum português. Uma aluna da Costa do Marfim, francófona e que vinha de outra escola portuguesa, conhecia quase nada da língua. A mais nova dos três, de Cuba, aluna do 2.º ciclo, já tinha passado pelo Brasil, e trazia muito português na bagagem.

“Os outros dois alunos são de nível A1, esta menina de Cuba é um crânio, está no nível máximo de B1 e tem um background enorme. Apesar das diferenças, vão os três para a mesma sala de aula”, explica o professor.

No PLNM existem três níveis de proficiência: A1 e A2 correspondem ao estágio de iniciação e o B1 ao intermédio. Quando o aluno avança para B2 ou C1 deixa de poder estar nas aulas de PLNM e passa a ter a disciplina de português normal. Os brasileiros não têm direito a ser integrados nestas turmas, embora a possibilidade esteja aberta para nativos de outros países falantes de português, como São Tomé, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau ou São Tomé e Príncipe.

Apesar de o teste de proficiência ser a primeira coisa que deve ser tratada nas escolas, José Fernando queixa-se de que muitas vezes, quando os alunos são transferidos de outras escolas portuguesas, os processos demoram a chegar e o resultado destes testes pode nunca aparecer. Se se perdem, ou se simplesmente não foram feitos, é algo a que não sabe responder.

Ana Cardoso conta que quando não há uma língua que possa intermediar a comunicação, a situação torna-se ainda mais exigente. “Temos de recorrer a imagens, gestos, fazer o pino, o que for preciso”, diz a professora. No meio das várias tentativas, a comunicação vai acontecendo, mas há questões básicas que não são imediatamente resolvidas.

“Já aconteceu ter um aluno que está aflitíssimo para ir à casa de banho e que não sabe pedir. Se não estamos atentos a olhar para a criança não vamos perceber o que se passa e ela pode demorar dias até perceber que tem de aprender, pelo menos, a dizer chichi”, conta a professora.

Na sua opinião, nas aulas de PLNM, o ideal era organizar os alunos por níveis, idades e ciclos, o que nem sempre se consegue. Acaba por ser preciso fazer um trabalho diferenciado, e mesmo que o tema a ser estudado pelos alunos possa ser o mesmo, a profundidade com que é tratado é diferente.

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É necessário ter pelo menos dez alunos estrangeiros para se poder ter constituir uma turma de Português Língua Não Materna

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“É mais complicado quando são alunos muito diferentes. Alguns mais avançados podem trabalhar autonomamente, mas no nível A1 sabem muito pouco, temos de usar muitas imagens, porque é a forma mais fácil de chegar a eles. Têm de aprender a dizer o nome, a idade, e depois desenvolvemos o vocabulário”, relata Ana Cardoso. Se estão a aprender os materiais da sala de aula, os próprios objetos podem ser uma ferramenta. “Posso pegar no livro e dizer ‘isto é um livro’, voltar a dizer a palavra livro, escrever a palavra livro e repetir. E a seguir vamos aprender a dizer ‘este livro é meu’”, exemplifica.

José Fernando olha para o seu mapa e para uma das turmas de PLNM. “Imagine que tem de dar atenção a diferentes níveis de proficiência linguística. Numa sala podem estar 11 alunos A1, 3 alunos A2, 2 alunos B1. Esses alunos B1 até são os do 2.º ciclo, nem são os do 3.º. Português Língua Não Materna não tem a mesma lógica de outras disciplinas. Não estão todos a convergir para o mesmo.”

Apesar das diferenças, todos aqueles alunos têm direito às mesmas cinco horas semanais. É suficiente? “Não, de todo. Um aluno de língua materna tem cinco horas e já sabe falar português. Certamente precisam de mais tempo. Precisam das coisas do dia a dia. Além da sala de aulas, devia haver mais coisas reais, menos simuladas. E ao mesmo sentirem que nas outras aulas estão a aprender português”, defende a professora Ana Cardoso.

Mudar mentalidades também é necessário

A maior dificuldade acabam por ser as outras disciplinas. Todas são dadas na língua portuguesa e, segundo Ana Cardoso, ainda é preciso sensibilizar os outros professores para o facto de todos serem professores de português, mesmo quando a disciplina que lecionam é outra.

“Muitas vezes esquecem-se disso. Estes alunos acabam por ser penalizados porque os professores não estão a avaliar o conteúdo da sua disciplina, mas o desempenho do aluno a nível do português. O professor acaba por não saber se o aluno domina o conteúdo se ele não tiver oportunidade de explicar noutra língua aquilo que já aprendeu sobre a matéria”, defende a professora.

“O aluno pode saber a história toda de Portugal em inglês. Devia haver fichas, por exemplo, de escolha múltipla, que não obrigasse a ler e a escrever tanto. E está legislado que estes alunos podem e devem ter testes adaptados. Mas não há sensibilidade para fazê-lo”, lamenta a professora.

Gerir em sala de aula alunos que falam português desde que nasceram em conjunto com os que ainda estão a dar os primeiros passos é complicado. Nas aulas de português que dá, e onde tem vários alunos estrangeiros, Ana Cardoso tem de dar aulas a duas velocidades para garantir que todos aprendem. “Tenho de assegurar que os outros também compreendem. Tenho de dizer a matéria por outras palavras, resumir, esquematizar. Felizmente, para a brincadeira a língua não é barreira e quando a turma acolhe bem os novos colegas, isso representa 50% do sucesso destes alunos”, diz a professora, explicando que a própria turma funciona como uma rede de apoio.

Multicultural children in public school: Happy child girl

"As crianças de antigamente não tinham esta diversidade e eram mais pobres culturalmente”, diz o professor José Fernando

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A legislação do ano passado, sublinha Ana Cardoso, dá mais tempo aos alunos para aprenderem português e irem entrando nas disciplinas faseadamente para irem dominando a língua de escolarização, já que há muito vocabulário específico que se utiliza dentro da sala de aula que os alunos precisam de conhecer para sobreviver nas outras disciplinas.

O ideal seria os alunos terem glossários multidisciplinares que lhes permitissem perceber o significado das palavras. “É preciso trabalhar o português língua do dia a dia e o português de escolarização. Seria desejável que houvesse resumos dos conteúdos com linguagem mais simples para poderem chegar lá. Há muita coisa que pode ser feita, mas não há recursos suficientes nas escolas.”

Ser estrangeiro e falar uma variante de português também traz desafios

Se ter um aluno que não fala português é complicado, receber estudantes que falam variantes diferentes da língua também tem exigências próprias. Apesar de falarem português, e de as estruturas que usam estarem corretas e serem aceites no seu país, quando chegam a Portugal veem-se obrigados a reaprender a sua língua materna, para não serem penalizados.

É por isso que Ana Cardoso defende que há situações que têm de ser esclarecidas, como a destes alunos que vêm de países onde a língua oficial é o português. “Por exemplo, chega um aluno de São Tomé que fala português de São Tomé, com aberturas de vogais, com sotaque local. Chega cá, faz um teste diagnóstico de PLNM e os resultados levam a colocá-lo na turma de PLNM”, exemplifica Ana Cardoso. O problema? “Para este aluno, o português não é uma língua não materna, o que ele tem é um português diferente do de Portugal. Quando falamos dos milhões de falantes de português estamos a falar de todos, mas quando estamos a avaliar um teste só pensamos no português de Portugal.”

Na opinião da professora, as outras variedades de português não estão suficientemente valorizadas e, por vezes, os alunos estrangeiros são integrados no PLNM quando, na verdade, as dificuldades que têm no português, e que pode levar a resultados mais baixos nos testes de diagnóstico, são as mesmas dos alunos portugueses.

“Estes alunos só falam português ainda que o seu português não seja o que a escola veicula como o português mais correto. Se é esse o caso, temos de ver que erros é que dá, porque pode ser uma construção aceite no seu país de origem e essa reflexão tem de ser feita. A criança não percebe porque é que fala português e o seu português não é aceite. Temos de valorizar todas as variantes”, argumenta a professora.

No caso de alunos brasileiros, que não têm sequer a possibilidade de ser integrados em turmas de PLNM, têm de aprender como é falar português de Portugal, mas, para Ana Cardoso, não devem ser penalizados por usar estruturas que são próprias do português do Brasil, porque essas estruturas são reconhecidas. “Se em vez de dizer ‘eu disse’, o aluno disser ‘eu falei’, está correto. O que ele diz não é errado, mas pode ser penalizado num teste. Depende da sensibilidade dos professores e há brasileiros que preferem entregar trabalhos em inglês para não serem penalizados nos trabalhos escritos em português”, detalha a professora.

Com alunos africanos há outro tipo de problemas, segundo Ana Cardoso: por vezes levam rótulos, considera-se que têm necessidades especiais, quando na verdade tudo não passa de questões linguísticas. “Muitas vezes são alunos bem sucedidos e têm de partir pedra e provar que são capazes. Quando vêm de um país africano, há a ideia de que são piores alunos e ainda têm de lutar contra o preconceito.”

E voltamos ao início. “Se vêm para Portugal têm de falar português. As pessoas dizem isto. Mas temos condições para isso acontecer?” A resposta que a professora demora a dar, acaba por ser negativa. No imediato, o que Ana Cardoso vê é que as escolas portuguesas não conseguem dar a estes alunos a resposta de que eles precisam.

“Não devia ser chapa 4 para toda a gente. Devia haver mediadores, como alunos com a mesma origem, temos de nos valer de todos os recursos, quando estamos a bater-nos com a falta de professores. É preciso mais formação para os professores e eles têm de ter abertura e empatia com a situação de quem chega”, argumenta a professora.

Alunos numa aula no Centro Escolar de São Teotónio que integra estudantes com 32 nacionalidades. Com capacidade para cerca de 200 crianças do 1.º ciclo do ensino básico, este estabelecimento de educação e ensino, pertencente à Rede de Escolas para a Educação Intercultural, distingue-se precisamente pela integração de alunos migrantes. Odemira, 9 de março de 2022. NUNO VEIGA/LUSA

Cinco horas semanais de Português Língua Não Materna é pouco, consideram professores e diretores, quando os alunos são não falantes de português

NUNO VEIGA/LUSA

O professor José Fernando gostava de ver mais gente no terreno, não a fazer inspeções, mas a perceber como são os casos reais destes alunos e a dar-lhes a atenção que merecem. Nas escolas, sente que os colegas fazem tudo o que podem e em muitos casos acabam por fazer trabalho voluntário para ajudar estes alunos, um argumento também defendido pelos quatro diretores ouvidos pelo Observador. “As pessoas vão muito além do que são as suas funções, mas ainda é preciso rever a legislação e tornar as coisas mais fáceis, ter os pés mais assentes no terreno, e pôr fim a tanta burocracia”, conclui José Fernando.

“É uma nova era”, diz Ana Cláudia Cohen. “Há uns anos, conseguíamos dar conta do recado, mas agora já não é no início do ano letivo que eles chegam, já não são só dois ou três alunos. Quando pensamos que estabilizamos as turmas, chegam miúdos novos.”

A vida das pessoas não se regula com o calendário escolar”, acrescenta Filinto Lima, uma ideia que corresponde bem à experiência de José Fernando que, no ano passado, recebeu um aluno em maio, e dois em abril, quando o ano letivo termina em junho.

Apesar de todas as dificuldades, o professor da escola do Porto continua a olhar para o fenómeno com um sorriso nos lábios: “Há um banho civilizacional, cultural e linguístico nas nossas escolas. Estes alunos enriquecem o país. As crianças de antigamente não tinham esta diversidade e eram mais pobres culturalmente”, conclui José Fernando.

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