Nuno Santos tem 50 anos. Começou na rádio, passou pelas direções da RTP e da SIC, fundou a SIC Notícias e formou, em conjunto com Emídio Rangel, uma das duplas que marcaram a televisão em Portugal. Nos últimos anos, emigrou e trabalhou em empresas de conteúdos na Península Ibérica e na África subsariana. No início do ano passado, anunciou que iria regressar a Portugal. O novo desafio ainda não era conhecido: mas agora, pouco mais de um ano depois, Nuno Santos já é titular no “11” inicial.
O “11”, o novo canal de televisão da Federação Portuguesa de Futebol que Nuno Santos garante que é “muito mais do que um canal de televisão”, arranca antes do início da próxima época e terá como objetivo promover a marca Portugal e mostrar o futebol, o futsal e o futebol de praia que nem sempre têm espaço nos restantes canais. A equipa, que vai contar com Pedro Sousa, Vítor Baía, Iva Domingues, Nuno Madureira, Cecília Carmo e Bárbara Baldaia, entre outros, integrou Carlos Daniel — que pediu uma licença sem vencimento da RTP, esteve presente na criação e no desenvolvimento do projeto e esta semana anunciou que irá regressar à estação pública.
Em entrevista ao Observador, Nuno Santos não foge à questão Carlos Daniel, comenta o fim do protocolo com a RTP — que aconteceu enquanto era discutido de forma polémica num debate quinzenal entre o Bloco de Esquerda e o primeiro-ministro –, explica o objetivo e o propósito do “11” e ainda puxa a cassete atrás para recordar os primeiros tempos na Rádio Comercial, na TSF e na Antena 1.
Nuno Santos. 10 respostas em 10 remates rápidos [e que nada têm a ver com o resto da entrevista]
Começava pelo princípio, e o princípio é 1986. Antena 1, Rádio Comercial, TSF ao lado de grandes nomes da rádio. Nada mau para um arranque de carreira, pois não?
Tenho que andar com a memória um bocado para trás. Para já foi uma parte muito emocionante da minha vida porque era muito novo. Fui à procura desse meu sonho e desejo, mas também tive a sorte de se concretizar. Dou aulas e conheço muitas pessoas que andam à procura mas, às vezes, não chegam lá. Acho que isso [a minha sorte] também aconteceu por uma circunstância: apanhei um momento de transformação dos media. E tudo começou na rádio. Ouvia e adorava ouvir rádio. Toda a minha formação musical, por exemplo, foi feita pela rádio.
Mas como foi o início?
Andava a fazer um trabalho de grupo — e já contei esta história algumas vezes — para o liceu quando fui à Comercial e conheci umas pessoas que, na altura, tinham um programa virado para os estudantes do ensino secundário. E foi assim que comecei a colaborar. Depois acabei por ser chamado. Estive na Rádio Comercial antes da privatização, na Antena 1 e num grande momento da TSF, na altura da Guerra do Golfo. Estava na cabine quando tivemos o David Borges a entrar na fronteira e o João Almeida em Jerusalém. É uma fase muito marcante da minha vida.
O desporto era uma componente muito forte da Antena 1 e da TSF. E as pessoas sempre se habituaram a ouvir relatos de futebol na rádio.
Curiosamente nunca fiz relatos. Mas gostava de futebol. Ia ao estádio, pela mão do meu pai, desde os 7 ou 8 anos. Gostava de ir ver e, quando cheguei à rádio, comecei a fazer aquilo a que se chamava a coordenação das emissões de cabine — as tardes desportivas. Fiz muitas na Rádio Comercial, na TSF e ainda acho que é o formato mais dinâmico da rádio. Ainda hoje, quando estamos a discutir o que quero que seja o “11”, acho que há muitas coisas do formato da rádio que podemos transportar para a dinâmica que quero no canal, no “11”.
Tais como?
A presença em vários estádios ao mesmo tempo, por exemplo. É uma coisa em que nos jogos das divisões principais já não é possível porque os jogos estão desencontrados. Mas no futebol mais jovem, feminino e no distrital, tudo se passa num sábado à tarde ou num domingo à tarde.
E esse vai ser o vosso core?
Também. Não diria que vai ser o nosso core, mas vamos estar muito centrados no outro futebol. E, do ponto de vista profissional, era uma coisa que me estimulava porque era muito exigente. Era muito exigente fazer uma emissão dessas. Obrigava a que um tipo estivesse com todos os sentidos alerta e a ser muito dinâmico na maneira como recebia, geria e entregava a emissão. É preciso usar poucas palavras, na maior parte das vezes. A matriz fundadora do “11” não é exatamente essa. Mas quando nós procuramos agregar ideias e conceitos, o dinamismo é um deles. Quando olhamos para uma emissão de televisão clássica, tudo é muito partido e sincopado. Acho que a rádio — em relação à televisão — ainda tem uma velocidade ou dinâmica que lhe dá vantagem. E é possível importar alguns conceitos. Tentei fazer o mesmo no momento de lançamento da SIC Notícias. Nós importámos muitas ideias que eram executadas na altura.
Na altura com o Emídio Rangel.
Quando digo que importei, nada se faz sozinho. O Emídio Rangel foi uma pessoa muito importante na minha vida. Aprendi imenso com ele na rádio e na televisão [ambos estiveram zangados durante dez anos, depois de uma polémica pública sobre um diferendo entre a junção das redações da SIC e da SIC Notícias].
Em 2014, escreveu que em 29 anos de atividade — agora já está com 34 — ele foi a pessoa que mais o influenciou.
Era verdade em 2014 e é verdade em 2019 .
Como foi ser o “delfim” de Emídio Rangel?
Não gosto nada dessa expressão…
Mas é uma palavra sua.
Sim, ela existia. Tínhamos uma maneira muito semelhante de olhar para a vida, de procurar soluções para problemas e procurámos desbravar territórios. Agora, colocando cada um no seu plano, todos nós enquanto profissionais devemos muito a pessoas como o Rangel. O que ele criou e construiu, primeiro na TSF e depois na SIC, tem a ver com a visão que ele tinha sobre o que o jornalismo deveria ser, a independência que deveria ter, o arrojo que devia ter. Mas, ao mesmo tempo, era alguém que, para além de uma matriz jornalística, tinha um lado sonhador que percebeu o que esta indústria alimentava.
Não pensava pequeno…
Nunca pensou pequeno. E isso também fez dele alguém que era, na essência um jornalista, um repórter. Nunca fui um repórter. Mas ele foi um repórter da rádio, que depois percebeu qual era o link que tinha de fazer para a indústria do entretenimento. Aquilo que chamamos “conteúdos” e que na altura era uma palavra muito mais vaga.
Os 20 meses na RTP e a saída atribulada
Como é que foram aquelas 20 meses como diretor de informação da RTP? Na altura o governo estava já demissionário, foi um alívio pensar que enquanto diretor de informação da RTP não iria ser preciso lidar com José Sócrates?
Nunca tive nenhum problema na relação. Nem sei bem o que é isso de… Acho que as pessoas fazem sempre os lugares. Portanto, na relação — neste caso, de um Diretor de Informação com os diferentes poderes — nós somos tão permeáveis quanto deixamos ser. E, portanto, se ficarem muito definidas, desde o início, desde o primeiro momento, quais são as fronteiras, e onde é que começa a área de intervenção de uns e onde é que acaba a área de intervenção dos outros, isso fica claro desde a primeira hora. Portanto isso para mim foi simples, porque acho que as pessoas que estavam do outro lado me conheciam e se não me conheciam dei-me rapidamente a conhecer e nunca tive… nenhum problema.
Só muito trabalho?
De um ponto de vista profissional, foram 20 meses muito intensos. Conhecia a RTP porque já tinha sido Diretor de Programas numa fase anterior e havia uma ligação forte com a redação, porque conhecia muito bem muitos dos jornalistas. E esses 20 meses foram muito intensos, foram… Lembro-me de que fizemos imensas coisas: criamos formatos, fomos para o terreno — há programas que ainda estão no ar e que foram criados nesse momento. O “Sexta às 9” é talvez o melhor exemplo. Diria que é a marca de informação mais forte que a RTP criou nos últimos anos, e é dessa altura. Mas há outras. E sempre senti nas pessoas da redação da RTP uma grande disponibilidade para trabalhar e para fazer o bom jornalismo. Acho que isso já era assim antes e acho que assim continua.
Mas tudo ficou marcado por aquela saída que é uma saída…
(interrompendo) Sim. Foi… Esse momento foi duro.
Consigo a falar em “saneamento político”. Como assim, saneamento político?
A esta distância não tenho dúvidas de que… aquela situação… [permissão para as autoridades verem imagens de gravações em bruto de uma manifestação policial em 2012]. Não tenho dúvidas de que houve uma pressão. Eu não era muito cómodo para a situação da altura, mas isso também tem a ver com a vida da RTP. Porque é bom ter um pouco de memória: esse é o momento em que há uma vontade de alienar uma parte da RTP…
Isso foi falado na altura, mas acabou por não acontecer.
Não aconteceu, mas sempre me manifestei publicamente contra isso. Sempre defendi a empresa.
Houve o acompanhamento que a RTP fez da licenciatura de Miguel Relvas, por exemplo.
Não, não. Isso não é do meu tempo. Nós tínhamos uma pessoa que tinha a tutela no Governo que tinha uma visão bastante intervencionista do papel do Estado, bastante presente. Ora, o papel de um acionista não deve ser esse. O Estado é o acionista, mas não tem poder executivo sobre a empresa. Agora, com muita franqueza, isso passou-se há demasiado tempo, ficou resolvido. Estou em paz com esse assunto. A RTP tem um caminho para fazer e não me interessa revisitar esse tempo. Não acho que valha a pena reabrir nenhuma polémica, já que o assunto ficou resolvido com um acordo que honrou as partes, no qual a RTP reconhece os bons serviços que prestei, que não fiz nada mal feito, nem cometi qualquer erro.
O “11”, a nascer para pôr mais futebol na televisão
Passamos para o presente. Como é que vê o mercado do desporto premium na televisão em Portugal?
[Hesitação] Desde logo está num momento de mudança que decorreu da entrada de um novo player. Chegou a Portugal há cerca de… há menos de um ano… a Eleven Sports. Isso teve um impacto num operador que estava há 20 anos no mercado. Diria que as coisas estão numa fase natural de ajustamento entre um mercado que era monopolista e que hoje não é.
Estava a pensar mais do ponto de vista de quem está do lado de cá do ecrã. Se o adepto do futebol está bem servido, se o preço está ajustado, ou seja. se está a ter bons conteúdos com um preço adequado.
Não sou um comentador e portanto…
Sim, mas é um especialista.
Pronto, admito que sou um especialista, mas não sou um comentador. E não me compete a mim emitir opinião ou falar sobre os preços praticados pela empresa A, B, C ou por aí fora. Acho que posso dizer alguma coisa sobre o conjunto e sobre o conjunto diria assim: ter acesso ao futebol em Portugal para um português médio é caro. E nós temos pouco futebol na televisão. De facto, há pouca exposição do futebol. Há muito futebol falado. Fala-se muito daquilo que se julga que é o futebol: a discussão. Mas há pouco jogo na televisão. Há pouco jogo disponível. Porque para a maior parte das pessoas pagar o valor que, no fundo, é solicitado… Esse valor é elevado e isso acho que deve merecer alguma reflexão.
E é no âmbito dessa reflexão que pergunto como é que surge o “11”? O que vai ser o “11”?
Vamos por partes. O “11” surge fundamentalmente pelas seguintes razões: acreditamos que há muitos conteúdos, ou — se quisermos — muitos jogos, que devem ser vistos e devem ser mostrados. Nós [a FPF] somos os donos desses direitos e temos condição para os mostrar. Depois, acreditamos que há muitas histórias que gravitam à volta do futebol, ou que são naturalmente do futebol, que devem ser contadas. Portanto, o canal terá uma componente de reportagem, de média reportagem, de grande reportagem, que estará muito presente na nossa grelha e na nossa oferta. Podem ser histórias mais emocionantes, podem ser histórias mais inquietantes, mas haverá muito vídeo na antena. E depois acreditamos que há um espaço de debate e de opinião que pode ser feito — como acontece noutros sítios no mundo — de uma forma bastante distinta daquela que existe neste momento no mercado em Portugal. Eu não estou a qualificar. Estou a dizer que é possível — e que nós acreditamos que é possível — fazer de outra maneira. Ora, estes três eixos são a base daquilo que será o “11”. E uma forte componente de transmissões, estamos a falar de cerca de 600 jogos por ano.
E que jogos são esses?
São jogos das nossas competições. Das seleções nacionais todas, com exceção da Seleção A, porque essa tem de estar em canal aberto. Competições como a Liga Revelação. Nós vamos ver mais futebol feminino do que alguma vez vimos em Portugal. E acho que aí também vamos acompanhar uma espécie de movimento social que está a ganhar forma em muitos pontos do mundo e que em Portugal é muito ténue ainda. E depois o futsal, o futebol de praia — na sua época — o futebol mais jovem. Mais seleções, Liga Revelação, Taça de Portugal — porque a Taça de Portugal não é só o Benfica-Sporting que vimos na RTP há dois dias.
As eliminatórias iniciais da Taça de Portugal, quando os grandes ainda estão dispensados.
A Taça de Portugal são centenas de jogos que começam logo em agosto ou setembro, com clubes pequenos, mais pequenos e por aí fora. Depois… De que jogos é que estamos a falar? Há aqui mais de 20 seleções nacionais. Nós pensamos que a seleção nacional é só a Seleção Nacional A, porque estão ali as taças ou por aí fora, mas não é. Há seleções de miúdos, de raparigas, de futsal. Portanto há imensas equipas que têm uma marca hoje. E das competições mais jovens também há…
Competições internacionais, sim.
E isso não tem muita visibilidade. E dir-se-ia: “Devia ter ou não devia ter?”. É o tipo de discussão que não quero…
Visibilidade não tem, mas tem mercado? A Eleven Sports entrou com um discurso que também toca nesses pontos — dinamismo, falar menos de casos e falar mais de futebol, ser mais descontraídos, ter mais reportagem — mas eles têm conteúdos, como a Champions e a Liga espanhola.
Mas nós também temos conteúdos e achamos que há mercado.
A questão é: eles têm um conteúdo e querem produzir lucro para o seu acionista. E o que é que o “11” quer?
Nós desde logo temos uma missão, porque este canal é lançado pela Federação Portuguesa de Futebol. Não é um detalhe neste contexto. Nós também temos como objetivo, como ponto de partida até — se quisermos — promover o futebol. No fundo, a mim quando me perguntam ‘Este canal surge por que razão?’, eu responderia: para podermos ter mais miúdos e mais miúdas, mais rapazes e mais raparigas a ter o gosto do futebol e a ir jogar futebol. Amanhã vou com o meu filho a um torneio num colégio não sei onde, que ele inventou para um sábado à tarde. É todo um programa para um pai, não é? Mas eu fico contente que ele queira jogar futebol. Agora, nem acho que o mundo é só no campo a jogar futebol, nem que é só iPad. Do ponto de vista da matriz fundadora do “11”… Sim, nós queremos que haja mais miúdos, mais raparigas com vontade de jogar futebol. Que estejam mais próximas do futebol. E mostrar isso tem um efeito motivador e multiplicador.
Portanto é mais importante essa parte do que ter mercado?
Sim. E porque é que nós acreditamos que temos mercado? Porque durante os últimos anos, muitos conteúdos que são competições da Federação, que foram emitidos entre a TVI24, a CMTV, a RTP, por aí fora, e cujos resultados das seleções de Sub-21, Sub-20, Futsal, disto e daquilo, posso dar vários exemplos, tiveram sempre resultados muito interessantes. Isto é, foram sempre muito vistos. Muito procurados e muito vistos. Isso é um bom indicador. Agora, é um indicador absoluto? Não, mas é um bom indicador.
Existe a possibilidade de mostrar futebol feminino, ou futebol masculino, ou qualquer outra competição estrangeira?
Existe… Por exemplo, um eixo de que não falei, mas que acho interessante: para o “11” também é importante ter acesso a competições onde estejam jogadores e treinadores portugueses. Isso pode ser um tipo de conteúdo interessante para o nosso canal.
Isso hoje em dia é muito abrangente.
É, mas… Pensemos no caso do Jesualdo Ferreira, que foi campeão no Qatar. Gostava de ter mostrado esse momento, porque é um treinador português que foi campeão num determinado país. E podemos ter um treinador português campeão na Arábia Saudita… É interessante. Bom, mas também temos treinadores portugueses em Inglaterra, em França, e temos jogadores no mundo inteiro. Isso pode ser um eixo interessante para nós.
Por exemplo, no próximo verão temos o campeonato do mundo de futebol feminino. Seria um produto interessante para o “11”?
Seria o tipo de produto interessante pela natureza do conteúdo. Isto é, porque é um campeonato do mundo de futebol feminino que nós não veremos em parte nenhuma na oferta televisiva em Portugal. Sim, seria.
A marca Portugal, o financiamento e o (fim do) protocolo com a RTP
Então a ideia é também centralizar a marca Portugal no “11”?
Sim, com certeza, isto é a Federação Portuguesa de Futebol, não é? Mas Portugal não apenas no sentido das seleções. Aqui, às vezes, em discussões internas, a primeira tentação é dizer: “Ah, o ’11’ é o canal da Federação” e eu faço logo duas separações. Primeiro: o “11” não é um canal. Porque seria um pouco anacrónico em 2019 lançar um canal de televisão. O Observador não é um jornal, não é? Primeiro nasceu digital, certo? Mas do ponto de vista do seu impacto na sociedade, na forma como se organiza, provavelmente é um media como os outros. Ou até talvez à frente dos outros na sua organização. E portanto nós não somos um canal de televisão exclusivamente.
Então como se definiriam?
Nós somos uma plataforma de conteúdos, em que é muito importante aquilo que vamos fazer na antena de televisão, mas também a forma como vamos chegar às pessoas, nomeadamente a essas mais novas, através da social media, através do nosso canal de YouTube, através da forma como nos vamos relacionar com a base de dados que já temos da Federação, com os 4 milhões e 200 mil seguidores que tem o Facebook aqui das seleções. Portanto, há aqui uma agregação disso tudo.
E qual é a segunda distinção?
É que não só não somos um canal, como não somos da Federação. Somos do futebol português. Porque se vou buscar uma história, que espero sensacional, ou muito preocupante, mas de um miúdo de uma aldeia da Beira Baixa ou de uma cidade média do Alto Minho, isso para mim não é uma história da Federação. É uma história que tem a ver com o futebol. Se for uma boa história ou uma história que as pessoas devam ver, porque tem alguma coisa de importante, isso é uma história do futebol, não é uma história da Federação.
Portanto, patrocínios polémicos da Federação também podem ser alvo de matérias jornalísticas no “11”, certo? Alguma polémica relacionada com isso, não haverá problema nenhum?
Vamos ver: nós somos um canal que tem informação, mas não somos um canal de notícias. É muito importante dizer isso e isso foi das primeiras coisas que disse à redação. Porque criei o primeiro canal de notícias 24 horas em Portugal, que nasceu a partir de uma redação que existia, que era a redação da CNL, e portanto o “11” não é um canal de notícias, não tem noticiários, mas tem informação na sua matriz. Fará peças jornalísticas, algumas das reportagens que nós vamos ter na abertura, acho que nenhum canal dito clássico de televisão dispensaria tê-las…
Dê-nos um cheirinho…
Não, não posso dar. Interesses fundamentais do “11”: uma componente muito forte de transmissões, uma componente muito forte que hoje não está muito presente nos canais, sobretudo ligados ao desporto e ao futebol, de reportagem. Pequena, média e grande reportagem. Não reportagem do treino do clube, a declaração do clube B… não é isso que nós queremos. Não nascemos para fazer isso. E, depois, uma terceira parte, de debate e de opinião, pensamento e reflexão sobre futebol, partindo sempre do eixo ‘treinadores, jogadores e adeptos’. No fundo, essa é a comunidade central do futebol. Ia dizer, talvez abusivamente, que somos nós todos, mas nem todos são adeptos, nem todos gostam de futebol. Mas, sim, a maior parte das pessoas gosta de alguma coisa de futebol e são sensíveis ao fenómeno. Essa é a matriz do “11”.
Portanto o que estará sempre subjacente é que nem toda a gente gosta de futebol, mas toda a gente gosta de uma boa história?
Nós temos aqui alguns conteúdos que podem tocar pessoas que não gostem de futebol, mas gostem de uma boa história.
Como é que o “11” vai tentar combater essa premissa de que é o canal das seleções?
Acho que às vezes há umas ideias que parecem instaladas e que depois, chegando ao terreno, com a prática, se alteram. Mas isso não me preocupa muito, entrar com esta ou com aquela etiqueta… Quer dizer, se nós não soubéssemos o que íamos fazer… mas nós sabemos muito bem o que vamos fazer, por isso não tenho essa preocupação.
O canal foi financiado pelo programa Hat-Trick da UEFA, certo?
Em parte. É preciso fazer uma distinção. O canal tem, como é normal em qualquer projeto, um business plan e dois eixos fundamentais para o seu financiamento: o acordo que fizemos com os nossos operadores [Altice, NOS e Vodafone]. Nós estamos a falar do primeiro projeto que, entre todos os que surgiram nos últimos anos, à nascença já está nos três principais operadores. Isso não aconteceu com a CMTV. Por outro lado, este canal vai ao mercado à procura de anunciantes. Portanto, teremos tanto mais importância quanto conseguirmos despertar essa importância junto dos anunciantes.
Onde entra a UEFA, então?
Estes são dois eixos muito importantes do nosso financiamento. Onde é que a UEFA entra? A UEFA entra sobretudo em duas componentes: a instalação, entenda-se o edifício e o equipamento, e aí sim é um programa da UEFA, chamado Hat-Trick, para projetos com um determinado perfil. O nosso projeto foi apresentado já há algum tempo e foi aprovado pelo comité. A UEFA olha para este projeto como uma marca pioneira, como algo de novo — e fico satisfeito com isso. A própria UEFA está a olhar para a maneira como vai passar a distribuir os seus conteúdos. Isto é, vai passar a fazer a gestão OTT [Over The Top, diretamente ao consumidor através de ligação de Internet] dos seus conteúdos, por exemplo no continente americano. Outras federações estão a produzir e a distribuir conteúdos, mas com o perfil que vamos ter aqui, no “11”, de facto seremos os primeiros a fazer. Não vamos ser os únicos, mas cá estaremos num universo de dois anos para fazer essa avaliação.
Pelo que já foi noticiado, o “11” vai tentar ir a concurso para disputar direitos televisivos, certo?
Não, a resposta é não.
Não? Foi uma notícia que surgiu há um ano, quando foi anunciado o “11”…
Isso não é o nosso core.
Bem, com aquilo que se tem pagado ultimamente pelos direitos…
Com certeza. Por outro lado, isso não é o nosso core business. É uma questão de posicionamento.
Em relação ao canal, estamos a falar de um investimento de quanto? É significativo para as contas da FPF?
Não, não, para as conta da FPF, não.
Quando olharmos para o relatório e contas da FPF daqui a um ano ou dois, vamos procurar a alínea da “11” para perceber quanto é que vai custar.
E ela lá estará. O core da FPF, apesar de tudo, não é produzir uma plataforma de conteúdos. Embora seja muito importante.
É produzir equipas de futebol que sejam competitivas.
E organizar competições e promover o futebol. Isto para mim é uma coisa nova, no sentido em que na minha carreira eu sempre trabalhei em empresas de media. Ora, a Federação não é uma empresa de media.
O que é que isso muda?
A pergunta importante é quanto é que isto significa no orçamento da Federação. Não me compete a mim dizê-lo. O que posso dizer é que não é uma parcela significativa, é uma parcela que não tem relevância na operação global da Federação. Também por isso fomos muito recatados em algumas opções. Isso talvez responda — em parte — à pergunta anterior.
Tudo o que temos estado a falar, de mover estes conteúdos para a “11”, para dar-lhes mais visibilidade: não há aqui um movimento em que temos cada vez menos futebol nos canais abertos?
Sim, mas o “11” também surge um pouco para que nós tenhamos mais futebol disponível.
No cabo.
Mas o cabo em Portugal chega até 95% das pessoas! É que nós não somos um canal premium. Nós somos um canal do pacote básico do cabo.
Algum dia isso pode ser um objetivo, tornar o “11” um canal premium de desporto?
Não, porque isso é entrar num negócio que não é o nosso, ou seja, isso é ir para um território onde esteve durante 20 anos a Sport TV e hoje está a Sport TV e a Eleven Sports. E não faz sentido que um canal deste perfil, com os conteúdos que nós temos, seja um canal premium. Faz sentido que ele esteja acessível ao maior número possível de espectadores.
A questão é se, no futuro, querem vir a ser…
Não porque senão lá perdíamos o lado de promoção e divulgação de futebol, de chegarmos ao maior número possível de pessoas, tocarmos o maior número de pessoas. É essencial estarmos no pacote básico do cabo. Estar no pacote básico do cabo significa chegar hoje a 95% da população portuguesa.
Isso tem a ver também com deixar de fazer o futebol para uma elite, como escreveu num artigo de opinião há pouco tempo.
Sim, isso significa democratizar o acesso ao jogo. E mostrar até futebol que não é mostrado. Acho que se calhar permitirá às pessoas comunicar com outras realidades. Dei com pessoas aqui da redação, que vieram dos mais variados sítios, a ver com grande entusiasmo jogos de futebol feminino que acho que nunca tinha visto desta maneira. E são pessoas que trabalhavam na área de desporto dos seus canais.
É possível ganhar num produto que ainda não está suficientemente disseminado? É possível ganhar aí visualização?
É. Nós acreditamos nisso. E é possível fazer os conteúdos chegarem às pessoas de muitas outras formas. Um golo marcado por uma miúda de 16 anos passa na televisão, a seguir o golo está no Instagram — agora no da Federação, mas a prazo no do “11” — e é replicado pela família da miúda e pelos amigos, pelas colegas da seleção, depois é mandado por WhatsApp por mais não sei quantos grupos… Tudo isso também é uma forma de contactar com as pessoas, porque até agora isso não era filmado. Nós agora filmamos e mostramos.
E quando vai para o ar o “11”? Estava previsto para março.
A decisão está tomada. Nós vamos arrancar quanto tem lógica que um canal com este perfil arranque, que é no início da época desportiva. De facto, ouvi muitas datas, mas nunca houve um compromisso da nossa parte com nenhuma. Internamente, defendi muito a solução de arrancar no início da época desportiva, porque tem a ver com uma vaga de conteúdos que se podem gerar para essa altura.
Passámos há pouco pelo edifício do “11” e ainda está um pouco no “osso”. Não há questões técnicas a atrasar? Está tudo montado e pronto?
Vai estar. Se quiséssemos arrancar mais cedo, estaríamos em condições de o fazer. Assim, arrancaremos com a máquina mais oleada.
Vamos abordar o protocolo com a RTP. O que aconteceu? Acabar com um protocolo a meio de um debate parlamentar… Esse foi ou não o primeiro momento em que Carlos Daniel deixou de estar no projeto?
Sim. Esse momento é com certeza um momento… Não é possível olhar para esse processo e ignorar esse momento. Mas para nós é assunto encerrado. Nós virámos essa página. Se quisermos, vamos por partes…
Vamos a isso…
Falo pela Federação, mas acredito que as duas partes [RTP e FPF] têm uma visão parecida. Quando nós partimos para um acordo daquela natureza é porque ele é interessante e bom para as duas partes. Se ele é mal entendido e mal compreendido… A Federação entendeu fazê-lo porque a visão do presidente Fernando Gomes é que a Federação é uma instituição que, pela sua natureza, existe para agregar e não para dividir. Quando nós desobrigámos a RTP do protocolo fizemo-lo também porque não queremos colocar ninguém numa situação em isso surja para dividir. A relação da RTP com a Federação Portuguesa de Futebol tem muito tempo. E acho que seguirá no futuro…
Como assim?
Quer dizer, vamos agora colocar aqui uma página em branco e ver o que é que se compõe. Mas era importante clarificar aqui um momento… Sobretudo não ficarem sombras sobre aquele momento. Se partirmos da situação geral, que é mais importante, para a situação particular, é óbvio que isso tornou a situação do Carlos bastante incómoda. E nós também tomámos a iniciativa de dizer: “Bom, isto deve ser clarificado”. No início da conversa falámos aqui desse tempo, do meu começo e por aí fora… Uma das primeiras pessoas que eu conheci, embora eu em Lisboa e ele no Porto, antes de nos conhecermos pessoalmente, foi o Carlos Daniel.
Pingue-pongue, propaganda e um amuo parlamentar. Mais um debate quinzenal
Onde é que isso foi?
Na Rádio Comercial. Eu fazia a coordenação das tardes, ele era… narrador, relator… já nem sei como é que isso se diz. Eu sou um ano mais velho do que ele, um ano e picos. E, portanto, entre essa fase da Rádio Comercial, a TSF, a RTP, a SIC, para a qual ele veio a convite do Rangel, mas também meu, em 2000, a RTP outra vez, e agora o “11”, nós temos uma história. E a marca que o Carlos Daniel deixa aqui até agora, na construção, na criação da equipa, na formatação dos conteúdos, está cá. E devo fazer-lhe esse agradecimento. Esse trabalho está cá, esse trabalho fica.
Estávamos a falar do protocolo com a RTP, que entrou no debate político. As críticas que o Bloco de Esquerda deixou no Parlamento faziam sentido ou não? Estava previsto que a RTP fornecesse instalações, arquivo, pessoas, no âmbito deste projeto? Que tipo de protocolo era esse?
[Ia dar] muito mais jogos de futebol à diáspora portuguesa. Isto é, aos portugueses que estão espalhados pelo mundo. Estive fora de Portugal quatro anos, sei como isso é importante. Isso nunca ouvi dizer, entre outras coisas que nunca ouvi dizer… Havia muitos conteúdos que estariam também nas antenas da RTP. O resto, como está subjacente à pergunta, acho que faz parte do debate político. E já não estou numa posição em que deva posicionar-me como um analista político. O que houve ali foi a refrega, o combate político.
Uma parte é debate político, a outra é a parte do decisor, o Governo, o representante do Estado junto da RTP. E António Costa disse que ficou surpreendido com os termos do acordo.
Acho que já disse o que devo dizer sobre isso.