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Em comum têm mais do que o cargo que hoje ocupam no futebol.
É certo que ambos são diretores de comunicação, no Sporting e no FC Porto, e que se tornaram mediáticos nos últimos tempos por causa das posições que defendem (e, sobretudo, no tom em que as defendem e nas polémicas que criam) nos respetivos clubes – o que lhes granjeou mediatismo, sim, mas também o fim da vida privada como outrora a tiveram.
Mas antes de aqui chegarem, Nuno Saraiva e Francisco J. Marques foram jornalistas. Ambos entraram em redações no começo da década da 1990, tendo-se voltado um ao jornalismo político, Nuno, e outro sobretudo ao desportivo, Francisco.
Sempre ambicionaram ser jornalistas. Nuno Saraiva passou mesmo parte da infância em redações, pois herdou do pai (jornalista do República, onde a mãe trabalhava também) o ofício. A história de Francisco J. Marques é um pouco diferente: embora cedo tenha sido educado em casa a folhear jornais e a consumir (quase “obsessivamente”) informação, licenciou-se em engenharia no Instituto Superior de Engenharia do Porto, nunca exercendo.
Embora tendo ambos desempenhado cargos de chefia em redações, nunca foram próximos, e raras vezes contactaram em privado — aproximar-se-iam depois de assumirem a direção de comunicação dos respetivos clubes que este domingo disputam o primeiro clássico da época.
Em maio deste ano, por exemplo, reuniram-se (isto depois de várias conversas telefónicas prévias) no 12.º andar do hotel Altis – uma reunião em que participou também Manuel Tavares, diretor-geral do FC Porto Media. A inicialmente secreta reunião rapidamente foi divulgada e chegou mesmo a ser apelidada de “Cimeira anti-Benfica”. Ora o Altis é um hotel benfiquista (pertenceu ao ex-presidente Fernando Martins), um hotel socialista (é sempre o local onde o PS se reúne para assistir aos resultados eleitorais como o desta noite nas autárquicas) e um hotel portista (é o sítio onde a equipa fica sempre que joga na capital).
Sporting-FC Porto. Como do clima de guerra aberta nasceu a geringonça contra o “partido” no poder
O encontro dos diretores de comunicação foi o ponto de partida para o retomar das relações institucionais entre os clubes que este domingo se defrontam em Alvalade.
Os perfis de Nuno Saraiva e Francisco J. Marques traçam-se sobretudo pelo que viveram nas redações, escutando quem com eles contactou nas últimas décadas de jornalismo. E se a Francisco J. Marques ninguém estranha a forma de ser e estar no futebol portista – “é absolutamente igual; o que tem é mais holofotes em cima” –, para muitos o estilo “impositivo” e, até, “inflexível” de Nuno Saraiva no desporto é uma surpresa, sendo a antítese do que fora enquanto jornalista.
Os jornalistas. O comunista que tratava os políticos por “tu” e o editor que Sócrates queria sanear da Lusa por “clubite”
Cedo trocou os ringues de hóquei em patins (chegou a ser guarda-redes da Associação Desportiva de Oeiras; modalidade que o pai jogara também, igualmente na baliza) pelos microfones da rádio, concretamente os da Rádio Voz de Almada. Tinha 16 anos e era aquela a sua primeira “paixão”. Aos nove tinha saído de Carcavelos para a margem sul do Tejo.
Por influência do pai, jornalista do República, estudou anos depois Ciências da Comunicação na faculdade. Quase tudo foi influência paterna na vida de Nuno: a prática do hóquei em patins, o sportinguismo “doente” – a primeira ida ao velhinho estádio José Alvalade foi pela mão dele, aos cinco anos –, o ideário comunista que se respirava e discutia “obrigatoriamente” em casa, sendo o jornalismo apenas uma influência mais. Sem concluir o curso, com 20 anos estagiou na Rádio Renascença. Estávamos em 1991. Lá permaneceria cinco anos, até que a trocou por outra rádio: a TSF. E foi precisamente na TSF que viveu um dos episódios mais difíceis no jornalismo, vendo-se envolvido (ainda que involuntariamente) numa das escutas que levou à detenção de Paulo Pedroso aquando do processo Casa Pia.
Estávamos em abril de 2003. Durão Barroso via sair em poucos dias dois ministros do seu Governo: Isaltino Morais, no Ambiente, e Valente de Oliveira, nas Obras Públicas. Nuno Saraiva decidiu recolher as reações dos diversos partidos às saídas. E contactou o então porta-voz do Partido Socialista, Paulo Pedroso. O estúdio não estava ainda disponível para a gravação e era necessário aguardar uns minutos mais. Toda a conversa, enquanto aguardavam, estava sob escuta. Saraiva considerou “caricata” a situação, pois a transcrição da escuta incluía um anúncio publicitário a colchões que tinha sido transmitido na TSF. Porém, incomodou-o o facto de a relação jornalista-fonte não ter sido preservada.
Nos meses seguintes, muitas fontes do jornalista se recusavam a conversar telefonicamente com ele, temendo que o telefone de Saraiva estivesse sob escuta das autoridades.
Poucos conhecem tão bem Nuno Saraiva quanto Fernando Esteves, ex-editor de Política da Sábado – revista para a qual o jornalista se mudou depois de quase uma década na TSF, onde deixou outras amizades que mantém. Durante um ano foi o sub-editor de Esteves, depois de ele próprio ter deixado o cargo. “Era leal”, conta ao Observador. Mas não era apenas essa a única qualidade de Nuno Saraiva para trabalhar na editoria de política. “Ele distinguia-se dos restantes jornalistas com quem trabalhava por ter inúmeros contactos. A agenda do Nuno era absolutamente interminável de fontes – e isso é muito valioso numa editoria como a de política. Ele tinha muitos anos de política no terreno e tratava os políticos por tu. Essa proximidade era um ‘património’ do Nuno”, explica.
E isso às vezes servia como “pronto-socorro”. Fernando Esteves explica: “Várias, várias vezes, era ele quem, à última hora e num derradeiro telefonema, ‘salvava’ a edição da revista quando estava quase a fechar. Por exemplo? Quando o Freitas do Amaral [então Ministro dos Negócios Estrangeiros] foi à Rússia, o Nuno conseguiu in extremis embarcar com ele e fez uma reportagem absolutamente genial.” Outra história que o ex-editor de Política da Sábado recorda é a do artigo de opinião que o Marcelo Rebelo de Sousa prometera à Sábado e tardava em enviar. Outra vez, foi Saraiva a resolver o problema. “Isso foi engraçado – ou melhor: agora é; na altura não estava a ser. Marcelo tinha-nos prometido um artigo de opinião sobre um tema qualquer de atualidade. E não o enviou a tempo e horas. O Nuno lá lhe conseguiu ligar, mesmo sobre o fecho, e o Marcelo, enquanto conduzia de Lisboa para Cascais, ditou-lhe o artigo de opinião todo, com vírgulas e pontos finais”, graceja. E nunca disse nada sobre o texto final ditado em andamento.
Após abandonar a Sábado, ao fim de dois anos (durante grande parte desse tempo manteve também uma página de debate semanal entre Dias Loureiro e Jorge Coelho, então as figuras do “aparelho” de PSD e PS, para o Correio da Manhã), foi para a chefia da editoria de Política do semanário Expresso, onde esteve mais dois anos. Passou em seguida pela liderança da secção de política do Diário de Notícias, seguindo-se a direção do jornal. Foi sub-diretor primeiro com João Marcelino, tendo-se mantido no cargo com André Macedo. Pelo meio, houve convites para assumir a comunicação de alguns políticos.
Mesmo estando na direção do jornal, Nuno Saraiva esteve sempre ligado à atualidade política. E nunca escondeu a sua orientação partidária inicial: o Partido Comunista Português. “Não gosto de trabalhar com jornalistas que são militantes de partidos”, atira de chofre Fernando Esteves. Abriu uma exceção com Nuno Saraiva. “Durante muito tempo não soube nem desconfiava que o Nuno era comunista. E isso só abona a favor dele. Sempre tratou o PCP como tratava os restantes partidos. Nunca confundiu as suas convicções políticas com o trabalho de jornalista. Nunca. E escreveu muitos artigos na Sábado em que o PCP não ficava tão bem na fotografia. Quem não soubesse que ele era comunista nem desconfiaria.” Mas muitos sabiam. Até nos partidos. Sobretudo nos partidos.
João Rebelo é hoje deputado do CDS-PS. À época em que conheceu Nuno Saraiva, na viragem do século, era diretor de campanha de Paulo Portas. “Comunista? Sabíamos, claro”, garante ao Observador. “Até se brincava com isso nas campanhas eleitorais do CDS… Mas o Nuno Saraiva nunca foi faccioso. Não havia qualquer motivação política na forma como relatava os factos. Claro que os políticos nunca estão satisfeitos, não é? [Risos] Ele nunca escondeu de ninguém que era comunista. Mas isto é na política como é na arbitragem: as equipas são sempre mais mal tratadas pelos árbitros que são do seu clube. Os jornalistas de política que são mais próximos do nosso partido também são sempre mais rigorosos e menos ‘simpáticos’ connosco”, graceja. Saraiva foi entretanto evoluindo ideologicamente, e já não é hoje o ortodoxo de outrora.
Francisco J. Marques tornou-se jornalista, tal como Nuno Saraiva, no começo da década de noventa. Chegou ao Público precisamente no ano da fundação do jornal: 1990. Esteve lá até ao dia 31 de dezembro de 2002. Pelo meio, um mês no jornal O Jogo e seis no 24 Horas, voltando sempre à redação-mãe.
Foi Manuel Queiroz o seu editor nos primeiros tempos de jornalismo. Ainda hoje trata Francisco J. Marques por “Chico”. “Ele começou comigo, começou. Primeiro como colaborador, depois a tempo inteiro. O Bruno Prata era amigo do Chico e apresentou-mo certo dia. O Chico fazia desporto, sobretudo desporto, porque tinha uma cultura muito grande a esse nível, mas como era o começo e ainda tínhamos pouca gente, tinha que fazer de tudo um pouco.” Queiroz elogia-lhe a organização. E recorda a timidez. “Ele sempre foi um tipo sério, em quem se podia confiar. E tinha uma coisa que eu e outros jornalistas do Desporto não tínhamos: sempre foi muito bom com jornalismo de dados, nunca se enganava com números. O Francisco era um tipo extremamente organizado no trabalho. Muito, muito organizado. Mas no começo sentia que ele era mais um jornalista de ‘secretária’ do que de entrevistar pessoas. Não sei se era tímido ou se não. Mas não era de contacto fácil no começo – isso era uma característica da personalidade dele. Nunca foi um jornalista de ter muitas fontes, não ‘sacava’ notícias como os outros, mas se lhe pedisses um trabalho ele entregava-to a tempo e horas”, conta.
Marques trocaria o Público pelo Jornal de Notícias. Na redação do Porto trocou também o Desporto pela Sociedade. Assumiu a editoria a 1 de fevereiro de 2003, dia em que Carlos Cruz foi detido e o vaivém espacial Columbia se desintegrou em pleno voo.
Mais tarde (entre 2008 e 2011) foi editor de Desporto da Agência Lusa, cargo onde viveu os piores dias no jornalismo, sendo à época acusado de ser próximo do Futebol Clube do Porto. O Benfica apresentou mesmo uma queixa à Entidade Reguladora da Comunicação Social, acusando o então editor de “jornalismo tendencioso”. Francisco J. Marques nunca escondeu a sua preferência clubística. Mas sempre garantiu que o clube com quem mais diferendos teve enquanto jornalista foi precisamente o Futebol Clube do Porto. Ao mesmo tempo, nunca escondeu que nenhum outro como o Benfica o tentou “penalizar” tanto enquanto foi editor da Lusa — garantindo que é o clube da Luz quem está por detrás de uma alegada pressão do então Primeiro-ministro José Sócrates com vista ao “saneamento” de Marques.
“Sempre soube qual era o clube dele, sempre soube que era portista. Os jornalistas têm clube — e nós sabíamos o clube uns dos outros. Mas isso nunca interferiu com o trabalho dele”, explica Manuel Queiroz. “Lembro-me perfeitamente da acusação que lhe fizeram enquanto foi editor de Desporto na Lusa. O João Gabriel [então diretor de comunicação do Benfica], particularmente ele, atacava muito o Chico. Porquê? Porque o cargo de editor de Desporto da Lusa é importante. Tem-se acesso a coisas. Ele foi muito maltratado. E injustamente — porque a postura dele sempre foi a correta. Se tivesse que dar uma notícia, fosse sobre o Benfica, fosse sobre o Futebol Clube do Porto, uma notícia incómoda ou não, o Chico dava-a e pronto”, acrescenta convictamente o jornalista.
Marques sempre acusou Luís Bernardo [hoje diretor de comunicação do Benfica e à época assessor do Primeiro-ministro José Sócrates] de estar envolvido na pressão política feita para que o editor de Desporto fosse afastado da Lusa. Contactada pelo Observador, fonte próxima de Luís Bernardo nega as acusações. E reage: “Isso é completamente falso. E não tem fundamento. Perguntem ao Domingos Andrade [à época diretor de informação da Lusa, hoje diretor adjunto do JN] se houve alguma pressão. Não houve! Agora, que ele [Francisco J. Marques] fazia um bocadinho de ‘clubite’, fazia. E que houve queixas, claro que houve. E uma chamada de atenção… Um órgão público como a Lusa não podia tomar partidos. Tudo o mais é uma fantasia. Luís Bernardo nem sabia bem quem ele era”.
Francisco J. Marques tem 51 anos. Nasceu a 13 de maio (sendo por isso batizado Francisco) em Miranda do Douro. Apesar de não ser um “marreta” no futebol, o único desporto federado que praticou durante anos foi o xadrez, no Clube de Propaganda da Natação, em Ermesinde. Abandonou a modalidade quando chegou ao Público e os horários (e distância) se tornaram inconciliáveis. O ídolo maior de Marques no desporto não é, curiosamente, um futebolista e menos ainda um praticante de xadrez; diz-se um “federerista” convicto, sendo adepto de ténis e do tenista suíço Roger Federer, mas igualmente de futebol americano e dos Saints.
Quanto a Nuno Saraiva, a idade varia. Sim, varia. Nasceu a 22 de julho de 1971. Mas no cartão de cidadão surge 72. Porquê? Um esquecimento por parte dos pais na maternidade e a burocracia que se lhe seguiu explicam o facto de só ter sido registado um ano depois do nascimento.
Os diretores. O jornalismo de investigação “militante” de Francisco e o Nuno “ponderado” que se tornou “explosivo”
A reunião de maio no Altis foi importante para o retomar das relações institucionais entre Sporting e Futebol Clube do Porto. “Concluída esta reunião, verificámos que há caminho que pode e deve ser feito em conjunto, considerando que é muito mais aquilo que nos une [o recurso ao vídeo-árbitro, a divulgação dos relatórios de jogo, a revisão do regulamento disciplinar da Liga de clubes ou a legalização das claques de futebol] do que aquilo que nos separa”, explicaram os clubes em comunicado. Mas também é verdade que poucos meses após a reunião, em agosto, Nuno Saraiva e Francisco J. Marques se desentenderam em público. Ou melhor, nas redes sociais.
Foi logo após o triunfo do Sporting frente ao Vitória de Setúbal — com um penálti de Bas Dost nos minutos finais. “Se tivesse marcado o lance do Coates podia discutir-se, mas este é a brincar. Se o VAR não serve para corrigir…”, escreveu Francisco J. Marques no Twitter. “Acho que ainda vamos assistir a um momento histórico e inédito: o Francisco J. Marques em sintonia com o António Rola [ex-árbitro e atual comentador da BTV]! Como diria o Scolari: “Hummm, e o burro sou eu?!”, respondeu Nuno Saraiva no Facebook.
Francisco J. Marques tem passado os últimos meses a denunciar no Porto Canal um alegado esquema de favorecimento das arbitragens ao Benfica. Tiago Girão apresenta o programa “Universo Porto”. Confessa que, mesmo tendo sido jornalista de Desporto na SIC durante anos, nunca havia contactado com Francisco J. Marques antes de se cruzarem no Futebol Clube do Porto. E garante que o que o diretor de comunicação dos portistas faz no programa é uma “extensão” do que fazia como jornalista – o próprio Francisco J. Marques admite que o faz é um jornalismo “mais militante”, mas ainda assim de “investigação”.
“Vejo o que ele faz no programa como jornalismo, sim. O programa vai fazer um ano em antena, sou eu quem o coordena, e até hoje nunca colocámos uma peça no ar sem antes fazer o contraditório, sem confirmar com fontes se é verdade ou não. É muitas vezes o próprio Francisco quem o pede. Essa veia jornalística dele está lá toda, intacta. Ele quer sempre a verdade e o rigor em tudo quando faz no programa. E se alguma coisa for para o ar de forma incorreta, não é a primeira vez que no programa seguinte admitimos o erro e repomos a verdade dos factos”, lembra o apresentador do Porto Canal, que todas as semanas dá a cara pelo que é emitido no programa. A divulgação de e-mails do Benfica envolvendo nomes de árbitros tornou-se na última grande polémica do futebol português — e aqui, o contraditório (o clube da Luz) não tem sido propriamente protagonista.
O tom de Francisco J. Marques no “Universo Porto” (mas igualmente no Twitter) é quase sempre sarcástico e, até, agressivo. “Agressivo? Ele não é agressivo. O que mais destacaria na postura dele é o sentido de justiça. No programa e fora dele. É sensível e justo. Se alguma vez se exalta ou é incorreto com alguém, o Francisco é o primeiro a inverter a situação e a admitir que não esteve bem. Mas destacaria, isso sim, e uma vez que se fala de ‘agressividade’, o sentido de humor dele. É um humor refinado e que nem toda a gente entende ou gosta, um humor muito próximo daquele que por vezes lhe vemos no Twitter ou no programa”, contrapõe, em sua defesa, Tiago Girão.
Manuel Queiroz garante que o “Chico” é exatamente o mesmo que conheceu ainda no Público. “Se está diferente agora? Não concordo. O Chico sempre foi como jornalista o que agora é como diretor de comunicação. Não acho que seja agressivo; é, isso sim, assertivo. E naquilo que tem denunciado no Porto Canal, geralmente acerta e confirma-se que é verdade. O Chico é dos tipos mais pacatos que conheço. Conheço-o há muitos anos e nunca o ouvi levantar a voz a ninguém, por exemplo. A personalidade dele não mudou só porque agora é diretor de comunicação e antes era jornalista. É tudo absolutamente igual; o que tem é mais holofotes do que antes ”, explica, acrescentando: “Ele tem acesso a informações que são relevantes, que são notícia. O que faz? Verifica-as e, quando são verdade, apresenta-as. Aquilo é a continuação do trabalho jornalístico dele na imprensa. Mas claro que agora tem uma ‘causa’ [Futebol Clube do Porto] e antes não tinha”.
A vida e rotinas de Francisco J. Marques alteraram-se drasticamente nos últimos meses, sobretudo desde que começou a divulgar no programa do Porto Canal e-mails confidenciais que envolvem dirigentes do Benfica. E sucedem-se as ameaças ao diretor de comunicação portista, o que o impossibilita, por exemplo, de visitar Lisboa ou de, como antes, “ir a concertos e jantar em restaurantes” — garante fonte próxima de Marques ao Observador, que acrescenta: “É constantemente insultado na rua”.
Mas não é somente na rua que Francisco J. Marques se diz vítima de ameaças. Nos últimos tempos, a sua conta de e-mail tem sido constantemente atacada, como o próprio denunciou no Twitter, por piratas informáticos, acrescendo a isso um facto mais sórdido: “as informações pessoais [do diretor de comunicação] têm sido partilhadas em sites de pornografia homossexual”, conta fonte próxima ao Observador, que diz que Marques não tem dúvidas de que o Benfica poderá estar envolvido em muitas destas situações que considera “graves”.
Continuem a tentar… pic.twitter.com/kjurs5jNpk
— Francisco J. Marques (@FranciscoMarkes) July 25, 2017
Ao Observador, fonte da direção do Benfica nega, contra-atacando: “Toda a gente sabe que o verdadeiro diretor de comunicação do FC Porto é o Manuel Tavares [ex-diretor de O Jogo e do JN]. É ele que coordena tudo. O Francisco faz o trabalho dele… Foi uma personagem criada — e onde se mistura o papel de diretor de comunicação com o de comentador. O rosto disto [Francisco J. Marques] é alguém que não tem muito a perder. É ele mas podia ser outro qualquer. Quando isto apertar, com indemnizações, processos-crime, o desgraçado é que paga. Está a dar a cara e será lançado aos lobos…”
O dia-a-dia de Nuno Saraiva transformou-se igualmente desde que assumiu a direção de comunicação do Sporting. “Exposição pública sempre houve. Quem escreve opinião na imprensa tem exposição. Mas se calhar não tanta quanto hoje. Era uma exposição mais controlada, sim. O futebol é um espaço de grande, grande irracionalidade. Os adeptos dos clubes nem sempre têm noção dos limites. E isso é penalizador da vida privada do Nuno”, explica ao Observador fonte próxima do diretor de comunicação leonino, acrescentando que este “deixou de arriscar ir a sítios onde antes gostava de ir, sob pena de ter que enfrentar situações mais desagradáveis”. “Se aconteceu? Aconteceu… E nessa altura é preciso ter uma grande dose de racionalidade para não se perder a cabeça”.
É sobretudo quem é próximo de Nuno Saraiva que lhe estranha a postura (mais “explosiva”) enquanto diretor de comunicação do Sporting. “Se o reconheço? Sim… e não. O Nuno não era tão explosivo como jornalista, claro que não. Sempre foi ponderado. E até conciliador”, começa por explicar Fernando Esteves. E conta: “Certo dia ‘peguei-me’ com um jornalista da editoria de Política. Conversei com o Nuno e expliquei-lhe que o convocaria para uma reunião onde o jornalista em questão levaria uma descompostura minha. O que é que eu esperava? Esperava que o Nuno, como meu sub-editor, reforçasse a minha mensagem. Quando na tal reunião lhe perguntei o que achava, respondeu-me: ‘Acho que aqui todos têm um bocadinho de razão…’ E era verdade: eu estava a ser demasiado impositivo e o jornalista demasiado inflexível. O Nuno sempre foi um conciliador. Quando agora o vejo a ser, como diretor de comunicação do Sporting, impositivo e inflexível, provoca-me surpresa. Mas o futebol é realmente um mundo à parte. E ele sempre foi doente pelo Sporting. Doente! Ainda bem que nunca escreveu sobre desporto…”
O deputado João Rebelo confessa-se “estupefacto” com a diferença entre o que Saraiva era como jornalista (nomeadamente no trato e na forma como evitava confrontos ou arriscar demasiado) e o que é na comunicação do Sporting. ““Confesso-lhe que fico estupefacto com a forma de atuar, sim. E não é por eu ser adepto e sócio do Benfica – daqueles com lugar cativo, fervorosos. É porque se nota uma transformação total. Ele como jornalista sempre foi ponderado. Gostava de esmiuçar os pormenores antes de avançar com a notícia. Era um jornalista credível. Como diretor de comunicação é o oposto, o oposto total. Sabia que ele era adepto do Sporting, mas não o sabia um fanático. Aliás, nunca conversámos sobre futebol. E cheguei a dar-lhe algumas vezes boleia durante as campanhas eleitorais. É curioso.”
Curioso é igualmente descobrir quem sugeriu a Bruno de Carvalho a contratação de Nuno Saraiva para o cargo de diretor de comunicação do Sporting: Luís Bernardo, o atual diretor de comunicação… do Benfica. “É verdade que o escolheu. Quando saiu do Sporting de comum acordo com o presidente Bruno de Carvalho, prometeu-lhe que antes de sair faria a reestruturação da comunicação do clube. E sugeriu o Nuno para diretor”, explica fonte próxima do processo ao Observador. Ou seja, Luís Bernardo, que conhecia Nuno Saraiva da política, escolheu-o para o lugar que então desempenhava no Sporting, antes de se transferir para o mesmo cargo no clube rival, o Benfica. E é a partir de lá que ataca (e é atacado) por Francisco J. Marques, agora um aliado de Saraiva. E assim se faz a comunicação dos “grandes” do futebol português.