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Em poucos dias, Itália passou de dois infetados para mais de 600, o que faz do país o terceiro do mundo com maior número de infeções e também o terceiro em número de mortos
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Em poucos dias, Itália passou de dois infetados para mais de 600, o que faz do país o terceiro do mundo com maior número de infeções e também o terceiro em número de mortos

AFP via Getty Images

Em poucos dias, Itália passou de dois infetados para mais de 600, o que faz do país o terceiro do mundo com maior número de infeções e também o terceiro em número de mortos

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O caso italiano. Ninguém espera os assintomáticos, as pessoas que propagam o vírus sem nunca ficarem doentes

Os assintomáticos — pessoas infetadas, mas não doentes — podem explicar como é que Itália passou em poucos dias de 2 casos para mais de 600. Como não têm sintomas, estão a propagar o vírus sem saber.

O paciente zero em Itália continua a fazer a sua vida normal. Vai trabalhar, bebe o café no sítio do costume e janta num restaurante com um grupo de amigos. O problema? Não tem sintomas e não imagina que possa estar infetado com o novo coronavírus. Nunca ficará doente, mas vai contagiando os que estão à sua volta. Esta é a hipótese mais provável para explicar o que aconteceu em Itália, segundo vários especialistas ouvidos pelo Observador. A hipótese de um erro das autoridades ou de negligência de um hospital será menos importante para explicar o sucedido do que uma característica do vírus que ainda está a ser estudada: pode ser propagado por quem tenha infeções assintomáticas, ou seja, por quem está infetado, mas não tem sintomas.

“Itália surpreendeu pela dimensão súbita”, diz Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, que garante que “nenhum sistema de saúde do mundo consegue impedir a entrada de um caso de coronavírus importado”.

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Será assim, “importado”, que ele chegará a Portugal, acredita o médico infectologista Francisco Antunes. Já Nuno Taveira, que faz trabalho de investigação em HIV, hepatite B, C e febre amarela, tem a convicção de o Covid-19 já chegou ao território nacional: “O vírus já anda a passear nas ruas de Portugal, provavelmente em casos assintomáticos ou em pessoas que têm sintomas ligeiros e que confundem o que têm com uma constipação.”

Podemos, então, falar em erro na forma como o governo de Giuseppe Conte, em Itália, lidou com o surto de coronavírus? Nem Ricardo Mexia nem Francisco George, antigo diretor-geral de Saúde, apontam nesse sentido. “O importante é identificar eventuais erros, se é que eles sequer existiram, e perceber quais foram. Existindo, devemos identificá-los e corrigi-los para que não se repitam”, diz Francisco George.

“O vírus já anda a passear nas ruas de Portugal, provavelmente em casos assintomáticos ou em pessoas que têm sintomas ligeiros e que confundem o que têm com uma constipação.”
Nuno Taveira, investigador da Faculdade de Farmácia

Com base no conhecimento que temos hoje sobre o novo coronavírus, o que as autoridades podem fazer está a ser feito, defende Francisco Antunes, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Eventualmente, no futuro, quando novas descobertas forem feitas sobre o Covid-19, até se pode vir a concluir que algumas decisões não foram as mais acertadas, mas, neste momento, é impossível dizê-lo.

Os cordões sanitários, o isolamento e a quarentena, o despiste de casos suspeitos e as recomendações de prevenção são o melhor que se pode fazer nesta altura. “É fundamental travar a cadeia de transmissão. Se há medidas coletivas, que são implementadas pelo Serviço Nacional de Saúde, há outras importantíssimas que são individuais: têm a ver com a educação das pessoas, a lavagem de mão, a etiqueta respiratória, permanecer em casa se estiverem doentes e ligar para a Linha Saúde 24 antes de ir para um hospital”, defende o médico infectologista.

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Em poucos dias, Itália passou de dois infetados para 650, somando-lhe ainda 17 vítimas mortais, o que fez do país o terceiro do mundo com maior número de infeções e também o terceiro em número de mortos.

O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, foi rápido a apontar o dedo a um hospital local, acusando-o de não ter seguido o protocolo de segurança, o que teria facilitado a cadeia de propagação do vírus. A defesa da honra veio do presidente do governo regional da Lombardia, no norte de Itália, onde surgiu a bolsa de infetados. Attilio Fontana considerou as declarações de Conte “inaceitáveis” e uma “estratégia desesperada” para se desviar das críticas de que ele próprio tem sido alvo, acusado de não responder com rapidez à situação de emergência.

Apesar de Itália ter sido um dos primeiros países a cancelar voos diretos da China, logo no final de janeiro, não fez o mesmo com aqueles que faziam escala noutros países europeus, o que permitiu que cidadãos e viajantes de zonas infetadas entrassem no país.

Em Portugal, Ricardo Mexia defende que o mais importante nesta fase é que toda a gente — profissionais de saúde e cidadãos comuns — tenha acesso a toda a informação possível. Quanto à resposta do Serviço Nacional de Saúde, espera que esta não falhe. “O SNS tem estado a funcionar com dificuldades, tem sido difícil preencher algumas escalas, tem havido encerramento de urgências e, perante um cenário em que se avoluma o número de idas às urgências, as fragilidades tornam-se mais complicadas. Mas acredito que as autoridades vão arranjar os meios necessários, humanos e materiais, para responder a esta situação.”

O problema de ser assintomático

Embora referindo que não conhece os detalhes de Itália, Ricardo Mexia assume que não tem de ter havido necessariamente um erro. “Se calhar não correu nada mal”, defende. O que poderá estar na origem do descontrole do surto é o facto de as autoridades estarem a ter “dificuldade em encontrar o caso importado”, ou seja, o paciente zero que levou o vírus para o país.

Há suspeitas de quem essa pessoa possa ser, mas nenhuma garantia. Certo é que o paciente 1 foi Mattia, um homem que, apesar de ter uma agenda social preenchida, não esteve em nenhuma zona infetada. É a partir dele que as autoridades italianas estabeleceram a cadeia de propagação do vírus, onde se inclui a sua mulher, grávida de 8 meses. A 1 de fevereiro, num jantar com vários amigos, estava uma pessoa regressada da China. Não tinha sintomas e nunca os testes que lhe foram feitos deram positivo. Especula-se que possa ter sido ele a transmitir o vírus ao amigo Mattia, mas não passa disso: especulação.

Duas semanas depois, o período que é apontado como comum para a incubação do vírus, Mattia sente os primeiros sintomas, no fim de semana de 15 de fevereiro. Na segunda-feira, dia 17, vai ao médico. É enviado para casa, já que não tem ligações à China, mas Mattia continua a piorar. No dia seguinte, regressa ao centro de saúde, mas só na madrugada de 19 de fevereiro é finalmente hospitalizado em Codogno. Pelo caminho, nunca esteve em isolamento. Contagiou várias pessoas e profissionais de saúde.

“Habitualmente não há esta dificuldade de sermos capazes de apontar o paciente zero, mas estamos a falar de uma dinâmica muito rápida, há muita informação sobre as vias de transmissão que ainda não temos. Há variáveis que ainda não controlamos: um dos dados é que é possível transmitir o vírus sem sintomas”, esclarece Ricardo Mexia. “A origem em Itália pode ter estado em alguém que não esteve doente”, explica o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, o que torna tudo mais difícil.

“Se desenhar uma pirâmide com três andares, no vértice tem os casos sintomáticos e graves. No meio estão os menos graves e na base as infeções assintomáticas. Quantos mais casos de assintomáticos houver, maior vai ser o risco de transmissão”
Francisco Antunes, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Nuno Taveira, investigador da Faculdade de Farmácia e professor catedrático no Instituto Universitário Egas Moniz, não tem muitas dúvidas de que o vírus terá andado a propagar-se nas ruas de Itália antes de ter sido detetado.

“É evidente que o vírus andou muito tempo a passear, a ser transmitido por pessoas que não estariam sintomáticas ou em que a sintomatologia era muito ténue. As pessoas sentiam-se bem, e andavam por ali a contaminar outras pessoas. É o que vai acontecer em todos os países e em Portugal. Está a acontecer neste momento. Não chamaria a isso um erro, uma vez que a maioria das transmissões são por pessoas assintomáticas ou ligeiramente sintomáticas, com algo que seria parecido com o síndrome gripal”, defende o também professor catedrático.

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Sobre o Covid-19 diz que ainda há muitas dúvidas sobre quem transmite o vírus e como. “É um assunto ainda em estudo. Até se fala da hipótese de poder ser transmitido quando as pessoas já estão convalescentes, o que não seria inédito, já acontece com o ébola.”

Quando o vírus é mais patogénico, ou seja, quando a doença provocada é mais grave, quem tem sintomas mais rapidamente procura ajuda médica e o diagnóstico tende a ser mais simples

AFP via Getty Images

Se há mais pessoas sem sintomas, há mais contágio

“Em qualquer doença infecciosa, há aqueles cuja infeção é assintomática”, explica Francisco Antunes, sublinhando que só quando há sintomas é que se pode falar de doença. Para explicar como tudo acontece, começa por desenhar uma figura geométrica. “Se desenhar uma pirâmide com três andares, no vértice tem os casos sintomáticos e graves. No meio estão os menos graves e na base as infeções assintomáticas. Quantos mais casos de assintomáticos houver, maior vai ser o risco de transmissão”, explica.

A explicação é simples. Quando o vírus é mais patogénico, ou seja, quando a doença provocada é mais grave, quem tem sintomas mais rapidamente procura ajuda médica, o diagnóstico tende a ser mais simples e a contenção é feita rapidamente. “É pior para a pessoa, que tem sintomas mais graves, mas é mais fácil de controlar. Se os sintomas forem ligeiros, é bom para a pessoas, mas o vírus não é contido e a transmissão vai continuar”, esclarece.

As primeiras infeções assintomáticas não aconteceram em Itália. Na Alemanha, quando o surto estava ainda contido na China, os ocupantes do primeiro avião que chegou com repatriados foram divididos em dois grupos: os que se sentiam mal e os que se sentiam bem. Entre os primeiros, todos os testes deram negativo. Entre os segundos, dois testes foram positivos.

Os dias passaram e nenhum dos dois cidadãos chegou a desenvolver sintomas da doença. Tal e qual como o paciente zero em Itália, que continuará a beber café no sítio do costume, sem consciência de que poderá a estar a infetar quem se encontra à sua volta.

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