Discurso de encerramento do XXII Congresso do PCP
Há força e forças suficientes, se organizadas e mobilizadas, para enfrentar a política de classe ao serviço dos poderosos e pôr fim às desculpas esfarrapadas de que nunca há dinheiro para aumentar salários e reformas, valorizar carreiras e profissões, fixar profissionais nos serviços públicos (…); mas pasme-se, há sempre razões e recursos públicos disponíveis para mais descidas do IRC e transferências de recursos públicos para os grupos económicos.
Não é novidade para ninguém que o PCP defende que a riqueza está mal distribuída e que os recursos do país não devem ir parar às mãos dos “grupos económicos”. O que pode ser novidade, espera o PCP, é que o PS de Pedro Nuno Santos, que se anunciava como um protagonista da ala esquerda socialista, seja mais facilmente colado à direita depois de ter viabilizado o Orçamento do Estado de Luís Montenegro. Neste discurso, Paulo Raimundo refere a medida que os comunistas mais condenam que os socialistas tenham deixado passar — a descida do IRC, embora num ponto percentual e não em dois, como o PSD inicialmente pretendia — para meter no mesmo saco todos os que fazem a chamada “política de direita”. A esperança do PCP é que isto lhe possa dar mais espaço para fazer oposição, apresentando-se como alternativa à esquerda e o verdadeiro voto de protesto contra o Governo. Não por acaso, no seu discurso ao congresso João Ferreira falava especificamente no objetivo de ir colher apoios à “base social e eleitoral” do PS, confiando que os socialistas deram o flanco quando ajudou a viabilizar a governação do PSD.
Precisam de um Partido em que possam confiar, que não ceda ao oportunismo perante as dificuldades, que seja um porto seguro de firmeza e de coragem, que seja portador da confiança, da esperança e um farol da possibilidade de vencer as dificuldades por maiores que elas sejam.
A mensagem ficou clara: apesar de durante o congresso o PCP ter reconhecido que está em dificuldades, o partido não está disposto a alterar a sua essência nem as suas políticas. Isto mesmo foi assegurado pelos dirigentes de topo do partido durante todo o fim de semana, lembrando sempre que os comunistas não podem “ceder” ou “vergar” à pressão ou às “caricaturas” de que são alvo. Por isso mesmo, o PCP assume que teve dificuldades em passar a mensagem em temas polémicos, como a sua posição sobre a guerra na Ucrânia, mas não altera o conteúdo das mesmas. Durante o congresso, Jerónimo de Sousa foi um dos nomes que mais frisaram a necessidade de o PCP ser “diferente”, garantindo que esse é o segredo da sua “longevidade” centenária. Não se admitem por aqui tentações de começar a mudar de posições ou convicções políticas para obter ganhos eleitorais ou mediáticos — uma acusação que se faz repetidamente no interior do PCP a partidos como o rival Bloco de Esquerda.
O País precisa de todos os que cá procuram uma vida melhor e dispensa o bafiento e desviante discurso do ódio, do racismo e da xenofobia.
Uma referência curta resultou num dos maiores apupos de todo o congresso. A razão é simples: tanto a referência ao “discurso de ódio” como a que faria segundos depois, a propósito das mensagens políticas que são baseadas em “demagogia e mentiras” mas são entendidas como “mensagens novas”, terão sido associadas a partidos como o Chega. E sobre o Chega o PCP tem uma postura diferente das que têm os partidos vizinhos: ao contrário do PS e do Bloco de Esquerda, o PCP acredita que fazer oposição ativa e empenhada ao Chega só serve para dar mais palco ao partido, pelo que prefere quase sempre ignorá-lo ou fazer referências curtas como esta. Mesmo que dentro do partido se reconheça que uma possível consolidação do Chega poderá ser uma das maiores dores de cabeça para o PCP nas próximas eleições autárquicas. O Observador questionou Paulo Raimundo, em entrevista durante o congresso, sobre se temia o fator Chega nessas próximas eleições e o secretário-geral foi perentório: “Não podemos partir para as eleições autárquicas voltando a fazer um frete ao Chega, colocando o Chega como se fosse o alfa e o ómega das eleições autárquicas. Farei um esforço muito grande para não dar mais esse palanque ao Chega”.
Mobilizemos comunistas, ecologistas, mobilizemos independentes, mobilizemos todos independentemente das suas opções partidárias, para dar ainda mais força a um projeto que não se confunde com nenhum outro e que queremos que se alargue, cresça e vá mais longe, desde logo com mais candidaturas. Quem tem um projeto autárquico sem paralelo como o nosso e com provas dadas; quem tem eleitos ligados às populações como são os da CDU, só tem razões para ter confiança para a batalha das eleições autárquicas.
A estratégia do PCP para as eleições autárquicas fica plasmada aqui: a ideia é chamar “independentes” e quem mais se quiser juntar, mas o projeto do PCP “não se confunde com nenhum outro” — pelo que alianças alargadas com outros partidos da esquerda, nomeadamente em Lisboa, ficam fora de questão. O partido há muito decidiu que, ao contrário do que desejam Bloco de Esquerda e Livre, juntar-se a uma coligação em Lisboa serviria sobretudo para apoiar um candidato do PS e dar um selo de aprovação às políticas de Fernando Medina e António Costa na autarquia da capital. Por isso, não considera que formar uma megacoligação de esquerda seja uma boa ideia — mesmo que sirva para derrotar Carlos Moedas. O PCP sabe, de resto, que tem um desafio grande nestas autárquicas, seja por competições partidárias (os maiores adversários deverão ser o PS e o Chega) ou pela dificuldade de substituir 11 dos seus 19 presidentes de câmara, uma vez que estão a terminar o terceiro e último mandato legalmente permitido. Estas eleições serão cruciais para o PCP tentar mostrar que consegue inverter a tendência de perda dos ciclos eleitorais anteriores e manter um dos seus maiores pilares, a par da influência sindical: a influência autárquica.
Não desistimos da paz e estaremos, como sempre estivemos, na primeira linha de exigência. Lá estaremos já no próximo dia 18 de Janeiro em Lisboa nessa manifestação sob o lema «É urgente pôr fim à guerra! Todos juntos pela Paz!». E seremos, com toda a certeza, muitos, porque são muitos e cada vez mais os que não aceitam o caminho da guerra e do desastre para onde querem arrastar o povo.
O PCP não altera a sua posição sobre a guerra da Ucrânia, ainda que admita que podia ter feito alterações na forma como a sua mensagem foi recebida e que houve “erros de perceção” sobre o que defendia. Ainda assim, o partido está agora convicto de que, passados dois anos e meio do início da invasão, e depois de a Europa ter investido muitos milhões na defesa do país, o público pode estar mais recetivo à sua mensagem. Por isso, o partido foca-se na ideia do cansaço com a guerra e no excesso de recursos desviados para a “economia de guerra”, em vez de serem dedicados a gastos sociais. A ideia de que o conflito vai ter de acabar com uma solução política, e não uma vitória militar da Ucrânia, é agora mais bem recebida, acredita o PCP — daí dizer que “são cada vez mais os que não aceitam o caminho da guerra”.
Tomar a iniciativa pelo reforço do partido, concretizando o movimento geral de reforço que agora decidimos. Um movimento que exige de todo o Partido a tomada de medidas concretas tendo como elemento central a responsabilização de quadros, alargando a nossa capacidade de intervenção para chegar mais longe, para intervir em mais frentes, para mobilizar mais gente.
Paulo Raimundo quer um partido mais ativo, mais forte e mais ligado às pessoas e aos trabalhadores. Por isso, boa parte do congresso foi dedicado a deixar alertas sobre medidas de organização interna. Desde logo, o PCP diz ter “responsabilizado” mais 1042 quadros, a quem deu novas responsabilidades, e planeia fazê-lo com outros mil militantes. Só assim, diz o partido, pode organizar-se melhor e chegar a mais pessoas, reforçando a sua própria direção e organização. A outra vertente em que o PCP reconhece que precisa de melhorar o seu trabalho é na comunicação e na transmissão da mensagem política do partido, uma vez que se queixa de que os meios de comunicação deturpam ou silenciam os seus posicionamentos — ou até que o “apagam” das televisões.
Quem achava que vínhamos ao XXII Congresso para carpir mágoas, mais uma vez se enganou. Quem esperava que confundíssemos resistência com desistência, encontrou aqui um partido consciente do terreno que pisa, das dificuldades e do exigente quadro que o nosso povo enfrenta, mas que aqui está, a resistir. Quem esperava isolamento, encontrou um partido ligado à vida e à realidade.
Esta será a mensagem principal que o partido quis deixar ao longo do seu congresso: o PCP sabe que é visto há muito como um partido em definhamento, que soma derrotas nas últimas eleições legislativas, autárquicas e europeias e que está a ter dificuldades em compensar as saídas e mortes de militantes com as novas entradas. E apesar de em quase todas as intervenções se ter ouvido o reconhecimento dessas dificuldades, Raimundo não quis sair do congresso sem uma palavra de esperança e, mais uma vez, um apelo à união dos militantes. Em tempos difíceis, a mensagem de “resistência” — muitas vezes lembrando os tempos difíceis a que o PCP já resistiu, incluindo os anos de clandestinidade — é a que melhor resulta para animar os militantes. O líder comunista deixa ainda outro recado: apesar das posições mais polémicas que tomou nos últimos anos, nomeadamente sobre a pandemia ou sobre a guerra na Ucrânia, o PCP garante que não está “isolado” e que se mantém “ligado à realidade”. Ainda assim, essa ligação à realidade — ou melhor, aos trabalhadores e ao eleitorado — tem de ser trabalhada e reforçada, como o próprio PCP reconhece, sob de as perdas se tornarem irreversíveis.