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A revisão do INE às contas nacionais — capaz, como veremos, de surpreender até economistas — trouxe alterações significativas, mas, em 2018, não altera o essencial: a economia portuguesa teve um acréscimo de produção acima da média europeia, só que, analisando a tabela dessa competição, será que Portugal é mesmo o “campeão do crescimento”, como reclama o ministro das Finanças?
O que parece certo é que, daqui para a frente, a tarefa de fazer o país crescer será um pouco mais difícil, por via dos riscos internacionais. Justifica, ainda assim, a ideia de que pode vir aí “um vendaval”?
E a carga fiscal, é ou não é a maior de sempre? — E porquê? São ou não importantes os juros baixos do BCE? Há ou não há mais cativações do que noutros governos? E até que ponto pode o Governo subir o salário mínimo? Numa conversa com o economista Miguel St. Aubyn, do Conselho de Finanças Públicas, procuramos responder a algumas das dúvidas que poderão persistir entre os eleitores, depois do fogo cruzado dos partidos em período eleitoral.
Quem é Miguel St.Aubyn?
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Miguel St. Aubyn é professor catedrático de Economia do ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa. Doutorado em Economia pela London Business School, da Universidade de Londres, ensina desde 1989 macroeconomia e economia da educação em cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento no ISEG e noutras faculdades.
Hoje é vogal executivo do Conselho de Finanças Públicas, tendo sido escolhido (a par de Paul De Grawe) para o conselho em meados de 2017.
Comecemos pela “bomba” de última hora — que revisão é esta às contas nacionais?
Para o caso de termos esquecido que a economia não é uma ciência exata, aí está a revisão do Instituto Nacional de Estatística para nos chamar (mais uma vez) à terra — o novo olhar sobre as contas portuguesas melhorou substancialmente as taxas de crescimento em 2017 (de 2,8% para 3,5%) e 2018 (de 2,1% para 2,4%).
De cinco em cinco anos, com mais informação disponível, o INE e muitos outros gabinetes de estatística de países europeus refazem as contas nacionais — o INE espanhol, por exemplo, fez a revisão também este mês. “O que mais me surpreendeu foi a dimensão da alteração”, diz Miguel St. Aubyn. “É algo que nós já sabemos — não medimos convenientemente a atividade económica e tudo o que o INE faz é uma aproximação a uma realidade, por muito difícil que nos possa ser admiti-lo — mas não estava à espera”. O economista do CFP esperava “alteraçõezinhas”, mas “foi, de facto, bastante mais”.
E há repercussões, porque é potencialmente diferente tomar decisões com um crescimento de 2,7% ou de 3,5%. Os valores divulgados inicialmente “condicionaram todo o discurso, condicionam decisões políticas”, afirma Miguel St. Aubyn. Nunca é demais lembrar: “Também por erros de medição, todas as decisões são tomadas num contexto de incerteza”.
“Haverá informação que se vai tornando mais precisa à medida que passou algum tempo”, admite St. Aubyn, mas “é um bocadinho aborrecido que os números sejam assim tão pouco precisos numa primeira leitura”.
O PIB de um país — o somatório de tudo o que é produzido ou consumido — inclui o pequeno almoço que pagou esta manhã, a roupa que comprou no início do ano e, entre muitas outras pequenas contas, até a droga, a prostituição e o contrabando no país são contabilizados pelo INE — a economia paralela valia cerca de 15% do PIB em 2017.
O gabinete de estatísticas recebe informação de mais de 350 mil empresas, do Banco de Portugal, do Estado (nomeadamente dados fiscais), da Segurança Social, de inquéritos a famílias e empresas e muitas outras fontes. Dois exemplos: no caso da droga, o INE baseia-se no inquérito do Instituto da Droga e da Toxicodependência (para saber taxas de prevalência de consumo) e em estudos e relatórios internacionais (entre os quais da ONU); no caso da prostituição, recorre ao Projecto Auto-Estima e à European Network for HIV/STI Prevention and Health Promotion among Migrant Sex Workers (TAMPEP).
O ritmo a que todas estas fontes de informação chegam ao INE varia e algumas delas geram problemas na medição do PIB. Miguel St. Aubyn refere, por exemplo, que “uma dificuldade importante, pela natureza dos números, diz respeito ao turismo”, em que o dinheiro gasto por um estrangeiro em Portugal representa a exportação de um serviço. “Como é que vamos saber todos os turistas que entraram e que saíram e quanto é que gastaram dentro do nosso território?”, questiona St. Aubyn. “Nós não sabemos, é humanamente impossível, temos de fazer uma estimativa”.
E por causa de pequenas incertezas como essas, nem sempre todas as contas encaixam: “Deveria bater certo que as nossas exportações para Espanha, por exemplo, fossem iguais às importações que Espanha faz de Portugal. E nós às vezes vamos ver e há ali qualquer coisa que não bate muito certo”.
O economista sublinha ainda que “é sempre difícil saber se determinadas despesas finais são despesas de investimento ou de consumo — e isso também acontece nestas revisões, em que aumenta o investimento, diminuindo o consumo”.
No final, após receber nova informação, como um passo de magia, o crescimento sobe, em 2017, de 2,8% para 3,5% e, em 2018, de 2,1% para 2,4%. Há cinco anos, na revisão anterior, a recessão em Portugal foi agravada em cinco décimas (para -1,8%) em 2011, e em oito décimas (para -4%) em 2012. Já em 2013, num contexto de crescimento, a revisão trouxe uma melhoria de três décimas (para +1,1%). E para termos mesmo a certeza de que a realidade está em constante mudança, a revisão feita este ano trouxe ainda ajustamentos adicionais de algumas décimas em todos esses anos do período da Troika — nuns casos para cima, noutros para baixo.
A medição do PIB tem uma influência extraordinária na vida económica e política dos países e há, por isso, muitas outras contas que têm de ser refeitas: a carga fiscal, o défice e a dívida (calculados em percentagem do PIB) ou os cálculos para se saber se os pensionistas vão receber aumentos acima da inflação em 2020. O timing — há muito calendarizado — não podia ser mais problemático: a “bomba” caiu no arranque da campanha eleitoral.
PIB. Portugal perde na comparação com países do mesmo campeonato?
Contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que a economia portuguesa cresceu pelo menos 2% neste século: 2007 (+2,5%), 2016 (+2%), 2017 (+3,5%) e 2018 (+2,4%). E também é um facto que Portugal cresceu no ano passado acima da média Europeia (2,4% contra 2,0% UE28) — o que já se verificava antes da revisão do PIB pelo INE — levando Mário Centeno a reclamar para Portugal o título de “campeão do crescimento”.
Só que não deixa de ser verdade que, mesmo com essa revisão de três décimas em 2018 (para 2,4%), a economia portuguesa só cresce mais do que os países ricos da União Europeia, não alcançando as taxas de crescimento dos estados-membros do mesmo campeonato (quase todos com entrada na UE nos últimos 15 anos).
À exceção da Grécia, todos esses países tiveram em 2018 taxas de crescimento real de pelo menos 3% (República Checa, Chipre, Estónia, Lituânia), 4% (Hungria, Eslovénia, Eslováquia e Letónia) ou até 5% (Polónia). A estes juntam-se ainda alguns dos mais ricos (Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Malta) e dos mais pobres (Croácia, Roménia e Bulgária).
Apenas oito países tiveram crescimento mais baixo do que Portugal em 2018 (Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Bélgica, Finlândia, Dinamarca, Suécia e Grécia) e, depois das revisões do INE, Espanha acabou por ter um crescimento igual.
O que justifica estas disparidades? Miguel St. Aubyn destaca, desde logo, a melhor localização, porque “vários desses países estão mais próximos do centro da Europa — proximidade que é física e até cultural provavelmente” —, mas reconhece que “provavelmente não estamos a tirar partido da localização geográfica que também temos”, junto ao Atlântico.
Depois, os países de Leste têm “uma força de trabalho mais instruída do que Portugal”. “A conjugação dessas duas coisas é importante para captar investimento estrangeiro”, lembra o economista do CFP.
“Portugal, depois do processo de ajustamento, teve dificuldades bastante grandes quer no investimento público, quer no investimento privado. Portanto, teríamos de pensar o que é preciso fazer para que esse investimento seja de qualidade”, sobretudo na componente privada, considera St. Aubyn: “Na nossa economia, a maior parte do investimento é privado — e é por aí que podemos ter uma dinâmica significativa”.
O economista defende também “um sistema fiscal — sem abandonar todos os aspetos de equidade que deve ter — que promovesse, de facto, o investimento empresarial e produtivo”, porque “o sistema fiscal tem de ser amigo do investimento e do crescimento económico”.
Relevante ainda é a questão da burocracia, porque “é possível que nalguns desses países haja uma administração pública mais eficiente”, e a lentidão do sistema de Justiça português, que “é percebida pelos investidores — afeta-os —, dificultando na prática o investimento produtivo e, à la longue, o crescimento económico”.
Os países do alargamento “vão aproveitando” essas vantagens — e o dinheiro de fundos estruturais — para subir no ranking. “É bom que os outros enriqueçam, mas nós também podíamos estar assim”, acredita St. Aubyn.
O problema não é de hoje. A esmagadora maioria dos países que aderiram à UE depois de 2004 (e que ainda hoje têm PIB per capita abaixo dos 90%) tiveram na última década crescimentos superiores. Portugal caiu, por isso, três posições nesse ranking europeu da riqueza em percentagem da população: do 18º lugar em 2009 até ao 21º no ano passado.
Vem aí “vendaval”? António Costa está ou não a dramatizar os riscos externos?
“É fundamental manter esta trajetória, prosseguir a consolidação das nossas contas públicas, de forma a estarmos ao abrigo de qualquer vendaval”, disse António Costa numa entrevista recente ao Expresso. Foi um aviso contra os riscos externos que a economia enfrenta — e “tem razões para isso”, defende Miguel St. Aubyn.
E qual é o risco mais preocupante? “Um risco que eu acho que não é nada tranquilizador é a situação em Itália. É um país grande, por isso tudo o que se passa em Itália tem um potencial muito maior para afetar o que se passa na Europa — muito mais do que problemas num país mais pequeno como Portugal ou Grécia”, diz o economista, lembrando que Itália “tem uma dívida pública muito elevada, portanto o problema ali tem de ser gerido cuidadosamente. Se não for, terá efeitos de contágio que não serão bons para o resto da economia europeia, para os mercados financeiros”.
Outros fatores de risco incluem a incerteza em relação ao Brexit, as penalizadoras disputas comerciais entre os EUA e a China e os riscos geopolíticos (designadamente no Médio Oriente). Frequentemente, são as crises financeiras que originam recessões — foi o caso da última. Mas o grande risco, desta vez, é que aconteça o contrário: uma recessão económica que acabe por causar uma grave crise financeira, abalando um setor que ainda não se refez da última crise e sofre com as taxas de juro baixíssimas ou negativas que marcaram os últimos anos e que está para continuar.
Alemanha em recessão. “Vendaval” ou oportunidade para Portugal?
Nas últimas semanas, agravaram-se os receios de que a maior economia da zona euro, a Alemanha, esteja a cair em recessão. E uma recessão na Alemanha (que, recorde-se, vem de uma “década dourada”) não significa necessariamente que isso irá provocar uma recessão generalizada em todo o bloco, mas é um risco que pode materializar-se, têm avisado economistas.
Em concreto, para um país como Portugal, isso pode significar uma desaceleração das exportações para a Alemanha — embora seja importante lembrar, por exemplo, que quando é produzido um carro na AutoEuropa esse carro não vai necessariamente para o consumidor alemão, mas para o consumidor de todo o mundo.
Saber se Portugal se ressente muito ou pouco de uma possível recessão na Alemanha também irá depender da capacidade dos empresários de encontrarem outros mercados. E há que estar atento, também, a oportunidades que possam surgir no âmbito de eventuais iniciativas de estímulo económico que o governo alemão poderá vir a lançar.
Seja como for, St. Aubyn chama a atenção para os estudos económicos, baseados na história, que indicam que um qualquer país tem, a cada momento, uma probabilidade de 55% de ter uma recessão algures durante os cinco anos seguintes. “Isto significa que não podemos partir do pressuposto de que uma recessão não acontece”, afirma o economista. E, pela probabilidade histórica, se pensarmos num período de 10 anos, “já começamos a ter muita sorte se não tivermos uma recessão, portanto temos de estar equipados para isso”.
Há ou não a maior carga fiscal de sempre?
Se as empresas produzem mais, pagam mais impostos. E se empregam mais trabalhadores, há mais contribuições para a segurança social e mais rendimento disponível. Ao gastarem esse dinheiro, também eles pagam mais impostos. Todo este aumento da receita fiscal em “bola de neve” é possível num período de expansão económica sem que haja aumento das taxas — e é esse o argumento central do Governo para explicar o aumento da carga fiscal numa legislatura marcada pelos anúncios de redução de impostos.
Se houve, de facto, aumento ou diminuição das taxas já lá iremos. Para já, convém dizer que “há uma sensibilidade dos impostos — da maior parte deles — ao ciclo económico”, como explica Miguel St. Aubyn. “Há uma série de aspetos que podem levar a que essa reação dos impostos à conjuntura seja mais do que proporcional, o que explicaria, em parte, que pudéssemos ter um aumento maior dos impostos quando a economia está numa fase de relativa expansão e uma maior diminuição quando temos recessão”.
Por exemplo, “quando há uma recessão, as pessoas consomem menos, mas podem consumir ainda menos certos bens ou serviços que têm uma taxa de IVA maior e podem refugiar-se em bens e serviços mais essenciais, que têm uma taxa mais baixa. Podem, por exemplo, não comprar automóveis. Esse é um caso evidente, porque há uma perda que não é proporcional — se não comprarmos um carro, não se paga o IVA nem o imposto automóvel.”
Da mesma forma, “o facto de a economia crescer, com mais emprego, traz mais contribuições, mais consumo, um aumento do IVA mais do que proporcional”. Mas, para isso, tem de haver “um consumo maior nos bens que estão sujeitos a uma taxa maior”. Portanto, pode ter havido um efeito “bola de neve” na receita fiscal à boleia do bom comportamento da economia.
Em sentido contrário, quando há crescimento económico, o valor de impostos arrecadados em percentagem do PIB também desce. Foi esse o efeito automático desta revisão estatística do INE, em que, de um momento para o outro, a carga fiscal passou de 35,4%, em 2015, para 34,9%, em 2018 — porque o PIB foi revisto para cima. É, em todo o caso, a maior carga fiscal de sempre.
Esta questão atravessou toda a legislatura e o ministro das Finanças chegou a argumentar este ano que para podermos comparar a carga fiscal com anos anteriores convém ter em conta a dimensão do défice. Isto porque um governo que acumule saldos negativos estará a deixar mais impostos para o futuro. Um exemplo: se o défice deste ano fosse de 3%, como chegou a ser no passado, isso significaria empurrar 6 mil milhões de euros para a dívida, que seria paga por futuras gerações. A isto Mário Centeno chama de “pressão global fiscal”.
“Foi uma inovação no debate público”, considera Miguel St. Aubyn. O que o ministro das Finanças quer dizer é que “se diminuirmos os impostos agora vamos ter problemas mais à frente”. O economista do CFP reconhece pontos de contacto com uma teoria económica — a “equivalência ricardiana”, proposta pelo economista David Ricardo — mas “tem sido considerada uma curiosidade teórica”, sem reflexo em indicadores palpáveis e que permitam a comparação internacional.
Questão diferente é a influência nessa carga fiscal de subidas e descidas das taxas. É verdade que houve alívio fiscal em sede do IRS (eliminação da sobretaxa de IRS e aumento da progressividade), redução do IVA na restauração e, mais recentemente, desagravamento do IVA sobre espectáculos culturais e da eletricidade e gás para quem tem menos rendimento, mas, para Miguel St. Aubyn, “não houve nada de particularmente espetacular de diminuição dos impostos por parte deste governo”.
E também houve várias subidas nesta legislatura, que “abafaram” parte do alívio fiscal. Destaque para os aumentos do imposto sobre os combustíveis, do imposto sobre o tabaco, do imposto de selo e do Imposto Sobre os Veículos. E a criação do Adicional ao IMI (sobre património de valor elevado), de um imposto sobre as bebidas com açúcar e um outro sobre o excesso de sal.
Conclusão: depois da revisão do INE, a receita fiscal e as contribuições em percentagem do que Portugal produziu subiu quatro décimas em quatro anos, de 34,4%, em 2015, para 34,9%, no ano passado.
Colocando em contexto, “se nós compararmos a carga fiscal portuguesa na Europa, ela aparece ali no meio, não podemos dizer que somos um país de carga fiscal elevadíssima — porque não somos”, lembra St. Aubyn. Um total de 13 países em 28 tinham, em 2017, mais carga fiscal do que Portugal na União Europeia.
Mário Centeno cativou despesa como nunca?
O outro lado da moeda da carga fiscal é saber que despesa e que serviços públicos temos para os impostos que pagamos. Questões de qualidade são mais complexas de definir — embora tenham sido noticiados vários exemplos de degradação — mas é possível perceber que, em termos quantitativos, a despesa pública não acompanhou o crescimento da economia. Miguel St. Aubyn nota que, apesar de tudo, houve alteração nos serviços públicos, porque “a evolução da despesa pública em percentagem do PIB diminuiu” — de 48,2% do PIB, em 2015, para 44%, em 2018.
Ou seja, em percentagem do PIB, desde 2015, as receitas fiscais e contribuições subiram quatro décimas; enquanto as despesas desceram muito mais — quatro pontos percentuais. E “só assim se explica que o saldo orçamental se tenha aproximado do equilíbrio”, refere Miguel St. Aubyn. O défice desceu de 4,4% para 0,4% nos últimos quatro anos. Ao mesmo tempo, a dívida baixou de 131,2% para 122,2%. No essencial, “o que o Governo faz é uma continuidade do que tinha vindo a ser feito”, considera o economista do CFP.
A forma mais célebre de controlar despesa é, desde 2016, a cativação de despesa. Nesse ano, “houve um recurso anormalmente elevado desse instrumento”, mas “depois voltou ao normal, a partir de 2017”, diz Miguel St. Aubyn.
Os cálculos do Conselho das Finanças Públicas no relatório sobre a evolução orçamental no ano passado, com base em dados da Direção-Geral do Orçamento, confirmam esta ideia. O dinheiro que o Governo guardou à partida, em janeiro, até é maior do que nos anos anteriores (escalou dos 1,2 mil milhões de euros, em 2014, até aos 1,8 mil milhões de euros em 2017, recuando para 1,5 mil milhões em 2018), mas o que acabou retido no final de 2017 (506M€) e de 2018 (486M€) foi inferior aos valores de 2014 (546M€) e 2015 (518M€).
Por outras palavras, Mário Centeno assumiu um maior poder à partida, mas, à exceção de 2016, acabou por libertar mais dinheiro face ao valor que estava retido (como se pode ver no gráfico do CFP). As despesas cativas vão sendo autorizadas pelo ministro das Finanças ao longo do ano, à medida que cada departamento do Estado encontra receitas para “libertar” esses gastos.
“As cativações que existem são o que costuma ser feito”, nota Miguel St. Aubyn, que diz exisitir “alguma razão de ser” para este instrumento “já antigo”.
Apoiado na “geringonça”, o PS governou à boleia dos juros baixos do BCE?
António Costa já reconheceu a enorme importância das poupanças que foi possível obter com os juros da dívida pública, que baixaram de forma acentuada entre 2013 e 2015 e, sobretudo, a partir de 2015, ano em que Mario Draghi e o BCE anunciaram a primeira “bazuca” (o programa de intervenção nos mercados com a compra de dívida) e cortaram os juros para níveis negativos. Sem isso, a política não poderia ter sido a mesma — designadamente a velocidade de reposição de rendimentos — sob pena de desequilibrar as contas públicas.
Ora, o impacto direto sobre as contas públicas não é imediato — traduz-se em poupanças que se vão gerando gradualmente. Através das obrigações do Tesouro, o principal instrumento de financiamento do Estado, o IGCP vai criando várias “linhas” de financiamento, cuja taxa de juro paga anualmente é fixada no momento da emissão — e vale para os 5 ou 10 anos seguintes, ou qualquer outro que seja o prazo.
Ou seja, só à medida que se vão fazendo novas emissões é que os juros mais baixos vão contribuindo, gradualmente, para baixar o custo médio da dívida e, assim, poupar nos euros que todos os anos têm de ser pagos para remunerar as várias linhas. Outro efeito é a possibilidade de usar os juros baixos no mercado para emitir nova dívida e, com esses encaixes, antecipar reembolsos de dívida aos investidores e, também, ao FMI, o que também gera poupanças significativas.
Porém, o efeito mais importante dos juros baixos não esteve no Estado, mas nas famílias e empresas, diz Miguel St. Aubyn. “As famílias portuguesas, em regra, devem alguma coisa. E as prestações diminuíram em resultado da baixa das taxas de juro, aumentando o rendimento disponível”.
Qual é o reverso da medalha, no caso das famílias, designadamente as mais jovens? Uma parte das pressões no mercado imobiliário deve-se, precisamente, às “distorções” criadas pelos juros “artificialmente” baixos que temos na economia: porque aumenta a procura e reduz as alternativas de investimento (levando alguém com poupanças a preferir investir em imobiliário e não, por exemplo, colocar dinheiro em depósitos a prazo). Isso também faz subir os preços das casas — ou seja, por outras palavras, os níveis atuais de juros são ótimos… para quem já tem as casas; para quem as quer comprar (pode beneficiar de prestações mais leves, neste momento) mas provavelmente estará a pagar um preço mais elevado.
Aumentar mais o salário mínimo faz sentido ou já “começa a ser difícil”?
No programa eleitoral do PS, além de se destacar que nesta governação o salário mínimo — que mais de 750 mil pessoas recebem em Portugal — subiu quase 20% (em termos nominais), apenas existe um compromisso de, dentro da concertação social, chegar-se a “um acordo de médio prazo sobre salários e rendimentos, a trajetória plurianual de atualização real do salário mínimo nacional, de forma faseada, previsível e sustentada, que tenha em conta a evolução global dos salários e dos principais indicadores económicos”.
Os vários partidos da oposição são um pouco mais concretos, de tal forma que o tema tem sido um dos principais assuntos desta campanha. O PSD diz ser “favorável a que, em sede de concertação social, os parceiros sociais continuem a subir o valor do Salário Mínimo Nacional”, que deverá na próxima legislatura ter “uma subida significativa, não inferior à dos últimos cinco anos”. O PSD já indicou que não quer em 2023 um salário mínimo inferior a 700 euros.
O CDS não tem referência ao salário mínimo no programa eleitoral, mas o coordenador desse trabalho, Adolfo Mesquita Nunes, comentou à imprensa que “Portugal tem um salário mínimo baixo”. “O crescimento económico deve ser repartido por todos, e, em tempos de crescimento económico, o salário mínimo deve aumentar também”, comentou o centrista.
À esquerda, o Bloco de Esquerda diz querer ver consagrado um salário mínimo nacional de 650 euros a partir de 1 de janeiro de 2020. E defendeu que a recuperação do salário mínimo deve continuar “ao longo da legislatura a um ritmo mais acelerado que os 5% médios da legislatura para beneficiar um milhão” de trabalhadores. Já o PCP indicou logo no 1º de Maio que defende um salário mínimo de 850 euros.
Finalmente, o PAN quer “aumentar gradualmente o Salário Mínimo Nacional em 50 euros por ano, fixando-o em 800 euros no termo da legislatura para os trabalhadores da administração pública e do sector privado”.
Estas são algumas das propostas com que os partidos se comprometem com o eleitorado. Mas em algumas destas propostas existe um certo grau de “ingenuidade”, defende Miguel St. Aubyn, porque parece haver quem “pense que se pode, de alguma forma, decretar subidas de salários”.
“Nós, em Portugal, temos um salário mínimo que é infelizmente próximo do salário médio [que não chega aos 950 euros, segundo os últimos dados]. O que nos diz mais sobre o salário médio do que sobre o salário mínimo”, diz o economista ligado ao Conselho de Finanças Públicas. Essa comparação entre o salário mínimo e o salário médio também foi feita pelo primeiro-ministro, António Costa, que comentou que os dois estão “muito encostados”, o que faz com que “comece a ser difícil haver mais aumentos significativos”.
Uma coisa é certa, afirma Miguel St. Aubyn: “É verdade que as recentes subidas do salário mínimo não tiveram as consequências negativas sobre o emprego que alguns temiam” — no sentido de poder achar que uma subida do salário mínimo poderia ter o efeito negativo de inibir as contratações ou criar dificuldades às empresas, que poderiam ter de despedir.
Mas, atenção, “provavelmente uma das razões por que esse efeito não se verificou terá sido que o timing acabou por não ser mau: foi uma altura de expansão e, provavelmente, isso até contribuiu para que, de facto, quem recebe o salário mínimo também tenha podido beneficiar de mais frutos dessa expansão”. Ou seja, “há aspetos redistributivos no salário mínimo que são positivos e que não podem ser ignorados — até porque quem aufere o salário mínimo muitas vezes não tem um poder reivindicativo particularmente grande”, diz o economista, dando a entender que numa fase de menos fulgor económico, não é impossível que esses efeitos negativos da (eventual) subida do salário mínimo possam verificar-se.
Mais do que no salário mínimo, “o problema, quanto a mim, está nos salários em geral”, diz Miguel St. Aubyn. “Todos nós gostaríamos que os salários aumentassem, de alguma forma, e a solução para isso está na produtividade”.
“É comum as pessoas acharem que estão a ser acusadas de preguiçosas quando se fala em baixa produtividade, mas não é nada disso — tem a ver com a maneira como se produz e aquilo que se produz; tem a ver com o investimento em capital produtivo, equipamentos mais modernos e em qualificação dos recursos humanos”.