“Temos pela frente as semanas mais difíceis da pandemia.” O alerta é de Manuel Carmo Gomes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e foi feito esta terça-feira durante a reunião de especialistas no Infarmed para balanço da situação epidemiológica em Portugal. O cenário previsto para os próximos 15 dias é sempre assustador, mesmo que o Governo opte pelo confinamento total para tentar travar a pandemia: “Dificilmente evitaremos os 14 mil casos daqui a duas semanas.” A média de mortes será nessa altura de 150 por dia e os internamentos em cuidados intensivos rondarão os 700 doentes, segundo as previsões do epidemiologista.
Sem medidas restritivas, o futuro é ainda mais negro: a 19 de janeiro, o país estará a braços com mais de 18 mil contágios por dia e, a 26 de janeiro, o valor chegará aos 37 mil casos, defendeu o especialista. No melhor cenário possível, com confinamento, apenas daqui a 6 semanas Portugal terá estabilizado as novas infeções entre os 7 mil e os 3.500 casos por dia.
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Muito mais cedo do que o esperado, os óbitos alcançaram a previsão do especialista. Esta terça-feira, segundo o mais recente balanço da Direção Geral da Saúde, o país registou 155 mortes, o valor mais alto de sempre, e havia 599 camas ocupadas por doentes Covid em unidades de cuidados intensivos de todo o país.
Também Henrique Barros, presidente do Conselho Nacional de Saúde, apontou o cenário de aumento de mortes como inevitável. Lembrando que a letalidade entre os mais velhos ronda os 20%, o epidemiologista afirmou que podemos esperar a morte de 600 dos cerca de 3.000 idosos, com mais de 80 anos, infetados nos primeiros dias de janeiro. São eles, os mais velhos, “a locomotiva das mortes” em Portugal.
Para prever o futuro a curto prazo, os modelos matemáticos de Carmo Gomes baseiam-se no que aconteceu nas vagas anteriores da pandemia: uma aceleração “exponencial”, um pico e, depois, uma descida do número de diagnósticos positivos. Em concreto, o investigador usou os dados da desaceleração verificada entre 16 e 28 de março de 2020, altura em que Portugal vivia o primeiro confinamento total e que incluiu o encerramento de escolas, passando-se do ensino presencial para o ensino à distância
Assim, se o país conseguir “uma desaceleração semelhante àquela que tivemos no início da primeira onda”, no espaço de duas semanas chegaremos ao pico, os 14 mil casos, número que “não é aceitável”, sublinhou Carmo Gomes. Depois, serão precisas três semanas sempre a descer para chegar aos 7 mil casos diários — se a queda for semelhante à da primeira onda. Continuando nessa lógica, e com a mesma queda percentual, serão necessárias outras três semanas para que os números estabilizem entre os 7 mil e os 3.500 casos diários. Olhando para o calendário, isso poderá acontecer apenas por volta de 9 de março.
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Sobre os cuidados intensivos, e apesar de as projeções apresentadas apontarem para os 700 doentes internados, Carmo Gomes acredita que o país vai “ultrapassar essa linha”, o que fará aumentar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde.
Quanto às mortes, e apesar dos números desta terça-feira, as suas previsões colocam o número diário nos 154 óbitos daqui a 12 dias, a 24 de janeiro. “Dificilmente evitaremos os 140, 150 óbitos por dia”, defendeu o epidemiologista, frisando que, se o cenário se concretizar, Portugal atingirá a 9 de fevereiro, aproximadamente, os 12 mil mortos (valor acumulado), “um valor muito preocupante”.
“Portanto, penso que nós temos pela frente as semanas mais difíceis desta epidemia. A única boa notícia é que, depois disto, estou convencido de que só pode melhorar, mas vai levar tempo”, concluiu Manuel Carmo Gomes.