Tímido, modesto, reservado, envergonhado. Estava uma entrevista apalavrada com este socorrista desde a véspera, mas, nos primeiros minutos com o Observador, Taras Volodimerovich, 44 anos, tentou tudo para se esquivar. Primeiro procurou passar a outro colega a responsabilidade de prestar declarações. Depois, invocou que ia estar ocupado, a analisar a estrutura de um armazém bombardeado duas semanas antes, nos arredores de Kiev, onde arderam 500 toneladas de comida, desde peixe a chocolates. A seguir acedeu a falar por breves instantes, mas sempre a desvalorizar-se e a omitir detalhes importantes — uma humildade que ainda torna afinal mais admirável o seu gesto.
Nas primeiras respostas, em pé junto ao armazém destruído, este inspetor do Serviço de Emergência ucraniano referiu que desde que a guerra começou a sua equipa tem participado na extinção de incêndios que resultam de bombardeamentos, no resgate de pessoas atingidas pelas derrocadas e na retirada de civis de zonas ocupadas, nomeadamente de Bucha, Hostomel e Irpin.
Como é que fizeram o resgate de civis dessas zonas?
Esta evacuação realizou-se enquanto ocorriam bombardeamentos. Estava tudo destruído. Ajudámos crianças, idosos e aqueles que não conseguiam deslocar-se sozinhos até aos autocarros e ambulâncias.
A sua equipa tinha coletes à prova de balas?
Não, nem armas. Salvámos as vidas usando apenas os nossos uniformes e equipamentos.
Algum elemento da sua equipa foi ferido durante essa operação?
Sim, também temos vítimas. Em Dymarka, um membro da nossa equipa, quando já estava a conduzir para casa depois do serviço, foi alvo de disparos.
Também resgataram pessoas de edifícios bombardeados?
Sim, claro. Em Borodyanka, foi necessário retirar pessoas feridas e algumas mortas de um edifício depois de uma derrocada. O chefe do corpo de bombeiros até recebeu uma condecoração do Presidente pela sua coragem durante a evacuação. Mas esse homem não está aqui hoje.
O vídeo com a homenagem de Zelensky depois da operação de resgate
Impaciente, Taras diz que tem mesmo de ir ao armazém destruído e esquiva-se a continuar. Alguns colegas da equipa de resgate que ouviram parte da conversa começam a fazer comentários e piadas sobre quem foi o herói condecorado pelo Presidente. E mostram um vídeo onde se vê afinal o próprio Taras, juntamente com outros socorristas, a ser homenageado pessoalmente por Zelensky, que entra na sala e lhes diz: “Bom dia! Parabéns, rapazes. Nós respeitamos o vosso trabalho e sabemos que a vossa missão é a mesma dos militares: proteger os nossos cidadãos. A Ucrânia está grata a cada um de vocês”.
No vídeo surge depois um alto funcionário a dizer que o Presidente decidiu atribuir-lhes a Ordem da Coragem de 3.º grau, pela forma como resgataram os civis na sequência dos bombardeamentos.
Sem que Taras esteja a ouvir, uma colega socorrista explica que Taras e outros quatro socorristas foram homenageados por terem sido os primeiros a oferecerem-se para conduzir esta operação de resgate de civis em zonas ocupadas pelos russos, ajudando a retirar até 5 mil pessoas por dia de Bucha e Irpin, incluindo duas dezenas de feridos.
Outro colega de Taras diz ao Observador que a condecoração do Presidente “foi merecida”, por o socorrista se ter oferecido para ir aos territórios ocupados pelo inimigo: “Ele foi lá nos primeiros momentos, quando a situação estava muito difícil, e tomou decisões para conduzir o resgate de civis em Bucha, debaixo de fogo. Juntava as pessoas e colocava-as nos autocarros. A evacuação prolongou-se por vários dias. E além disso ainda ajudou a salvar algum do nosso equipamento”.
“Nós levantávamos as mãos e dizíamos que somos civis e pacíficos”
Procuramos de novo Taras, para tentar que ele conte melhor a história desta operação de resgate.
Como é que tomou a decisão de ir resgatar pessoas aos territórios ocupados pelo inimigo?
Decidi arriscar porque as pessoas estavam à nossa espera. Ligavam para nós, para o número de emergência, a dizer que estavam lá sentadas nas caves há 12 dias e não conseguiam sair. Foram abertos corredores para retirar de lá as pessoas em colunas de autocarros. Quem quisesse podia tentar ir até lá, mas não existia nenhuma obrigação ou ordem do comando.
Que riscos enfrentou?
Havia disparos, rockets e tanques BTR. Quando os soldados russos saíam desses tanques, nós levantávamos as mãos e dizíamos que somos civis e pacíficos, que tínhamos crianças e idosos. [Taras simula novamente o gesto, levando as mãos ao ar] Revistavam-nos para ver se tínhamos armas e deixavam-nos ir.
Qual foi a emoção de conseguir salvar aquelas pessoas?
Senti uma grande responsabilidade, porque atrás de mim estavam 25 autocarros com civis. E tive de negociar com pessoas que não são nossas amigas para conseguirmos avançar de forma segura.
Não teve medo de ser um alvo?
Os bombardeamentos e tiroteios continuavam e acertaram em dois autocarros. Qualquer coisa poderia acontecer.
“Já não vou a minha casa desde o primeiro dia de guerra. Estou sempre no trabalho”
Taras é socorrista há 25 anos e trabalhava em Irpin, localidade às portas de Kiev onde ainda hoje se verificam violentos combates entre ucranianos e russos. O seu conhecimento do terreno e das pessoas ajudou seguramente na operação de retirada de milhares de civis, muitos transportando apenas um saco com bens pessoais.
No dia 24 de fevereiro, no fim da madrugada, recebeu um alerta no telemóvel, como os outros socorristas, para se reunirem no quartel de bombeiros em Irpin. “Às 5h da manhã eu já tinha acordado devido ao barulho de uma explosão, mas ainda não tinha percebido que era o começo da guerra.”
Pelas 10h ou 11h da manhã, em Hostomel, viu aviões em direção ao aeroporto Antonov e percebeu que não eram aviões comerciais ucranianos, mas sim aviões militares, que começaram a bombardear o aeroporto. “No território do aeródromo tínhamos um quartel de bombeiros. Dois dos nossos funcionários ficaram feridos e um chefe foi mortalmente atingido. Saíram numa ambulância para apagar o fogo resultante do bombardeamento, mas dispararam contra eles”.
Taras tem um filho de 18 anos, que já está longe de Kiev com a mãe. “Já não vou a minha casa desde o primeiro dia de guerra. Estou sempre no trabalho”. Neste momento, enquanto não é seguro voltar a Irpin, Taras e os outros socorristas foram transferidos para outro quartel.
Qual foi o momento mais difícil desde que começou a guerra?
Eu apago fogos e ajudo em evacuações há 25 anos.
O que sentiu quando o Presidente lhe deu a medalha?
Eu disse que a medalha não é minha, mas sim de toda a equipa.
Onde está a medalha agora?
Está em cima da mesa, no trabalho. A felicidade não está na medalha.