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Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Coordenado pela psiquiatra Dulce Bouça, o Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar abriu em janeiro de 2023 na Clínica Psiquiátrica de São José, em Lisboa

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

Coordenado pela psiquiatra Dulce Bouça, o Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar abriu em janeiro de 2023 na Clínica Psiquiátrica de São José, em Lisboa

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

O hospital de dia que trata pessoas com anorexia, bulimia e alimentação compulsiva

Neste projeto para doenças do comportamento alimentar trabalha-se a relação com o corpo, a comida e os outros, em programas intensivos de duas (ou mais) semanas, todos os dias, das nove às cinco.

“Ontem fui sair com amigos para comer um gelado. E comi. Isto era impensável há uns meses. Não foi totalmente confortável, mas já não tive aqueles sentimentos tão negativos, aquela culpa, aqueles cálculos mentais de calorias.”

Leonor tem 19 anos e uma anorexia nervosa. A doença, diagnosticada em março de 2022, começou a manifestar-se três meses antes. Nesse período perdeu 13 quilos. Muito para quem tinha um peso normal. Agora, que tem trabalhado estas questões em terapia, percebe que talvez venha de trás a má relação com a comida e com o corpo, mas foi em dezembro de 2021 que entrou numa espiral obsessiva com a perda de peso.

Nesse mês teve Covid e ficou confinada ao quarto – Natal e Fim de Ano passados completamente sozinha. Começou a fazer exercício em excesso e a comer por defeito. O pouco que ingeria tinha de ser cozido ou grelhado, sem hidratos nem gorduras. Prolongou o isolamento para além da Covid, afastando-se completamente de amigos e família, o tempo passado na escola permitiu-lhe deixar de comer sem que ninguém notasse, começou a mentir, a disfarçar, a falhar em tudo, menos nas notas. O controlo e o perfecionismo que impunha ao corpo e aplicava na restrição alimentar prolongavam-se no desempenho escolar.

Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Doze doentes, todas mulheres, jovens e adultas, já passaram pelo RIPA (Resposta Integrada para Perturbações Alimentares). A maioria ficou um mês, sendo 15 dias o período mínimo do programa

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Os vídeos do Tik Tok sobre dietas e exercício e silhuetas perfeitas não ajudaram. “Torna-se um desafio ter o controlo absoluto sobre o corpo, em relação ao qual, na verdade, temos uma perceção errada”, diz Leonor. “Estamos magras, mas nunca o suficiente. A atitude de controlo leva-nos a pensar que conseguimos parar quando quisermos, mas a doença não nos deixa. Não conseguimos. Nunca é suficiente.”

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O pai foi o primeiro a notar que alguma coisa não estava bem. Em março de 2022, Leonor começou a ser seguida pela psiquiatra Dulce Bouça e a recuperar, com avanços e recuos. O plano alimentar prescrito era seguido à risca, nem uma caloria a mais. Ainda o controlo. O Natal desse ano trouxe a ameaça de uma recaída e foi então que surgiu a hipótese do Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, na Clínica Psiquiátrica de São José, em Telheiras, Lisboa.

“Ontem fui sair com amigos para comer um gelado. E comi. Isto era impensável há uns meses. Não foi totalmente confortável, mas já não tive sentimentos negativos, a culpa, os cálculos mentais de calorias.”
Leonor, 19 anos, diagnosticada com anorexia nervosa

“A primeira coisa que fiz, assim que entrei, foi comparar-me fisicamente com as outras pacientes. Pensei: ‘Eu já estive assim e sei que não quero voltar a estar’. O clique foi instantâneo e fez-me perceber que não podia estar rígida como estava em relação ao plano alimentar, que tinha de voltar a um peso saudável, repor os níveis nutricionais, recuperar a menstruação. E estou a conseguir.”

Os 15 dias na instituição trouxeram-lhe um conhecimento maior sobre a doença e um amadurecimento que têm sido muito importantes para voltar à vida normal. “Ouvimos as outras experiências e partilhas e identificamos as causas das coisas. Conhecer estas pessoas acaba por ser inspirador, porque se quero que corra bem para elas também tenho de fazer para que corra bem para mim.”

“As pessoas não compreendem que isto é uma doença”

Leonor fez parte do grupo inaugural do Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que abriu em janeiro de 2023. Criado por iniciativa do psiquiatra Pedro Varandas, diretor da Clínica Psiquiátrica de São José, em Telheiras, que pertence às Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus – uma Instituição Particular de Solidariedade Social de caráter religioso com unidades de saúde mental em todo o país – já passaram pelo RIPA (Resposta Integrada para Perturbações Alimentares) 12 doentes, todas mulheres, jovens e adultas. A maioria ficou um mês, sendo 15 dias o período mínimo do programa.

Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O processo de recuperação passa por criar uma relação mais saudável com o corpo e com a comida. Isso inclui um plano alimentar, prescrito no início do programa, para fazer na instituição e fora dela

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“Menos do que isso não resulta nada”, garante Dulce Bouça. “Mesmo 15 dias é pouco.” A psiquiatra coordena este projeto, único em Portugal, diz, que junta doentes com perturbações do comportamento alimentar [anorexia nervosa, bulimia nervosa, alimentação compulsiva], num hospital de dia, onde, das 9h00 às 17h00, de segunda a sexta-feira, se partilham experiências e vivências e se desenvolve um conjunto de atividades e intervenções terapêuticas individuais e de grupo.

O objetivo é iniciar o processo de recuperação e criar uma relação mais saudável com o corpo e com a comida, que passa pelo cumprimento de um plano alimentar, prescrito no início do programa, para fazer na instituição – que fornece três refeições por dia (meio da manhã, almoço e lanche) – e fora dela.

O cumprimento deste plano é um dos maiores desafios para estas doentes.

Um desafio com que Sara, 30 anos, se debateu. Tal como Leonor, integrou o primeiro grupo do RIPA e foi a doente mais difícil que por aqui passou até agora. Ela própria o reconhece. Tanto que, na última semana do programa (que no caso de Sara durou um mês), se optou pelo internamento na Clínica Psiquiátrica de São José – nas três semanas anteriores tinha ficado em casa de uma tia, em Lisboa.

“Trabalhamos para que, no final, as pessoas digam: ‘decidi recuperar a vida, retomar o curso, voltar às aulas, ir trabalhar’. Quando saem daqui, as que já tinham consultas habituais voltam a elas. As que não tinham iniciam acompanhamento.”
Dulce Bouça, psiquiatra, coordenadora do projeto

Há vinte anos que Sara luta com uma anorexia nervosa. Há cerca de dez escalou para anorexia purgativa, porque à restrição alimentar juntou o vómito autoinduzido e o uso de laxantes e diuréticos. É alta, sempre foi magra, sempre fez exercício – bailarina dos 3 aos 16 anos –, mas sempre teve uma relação de conflito com o corpo e a alimentação.

Internamentos devidos à doença não lhe são estranhos. O primeiro aconteceu aos 11 anos, o segundo aos 12, ambos no Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa. Já não conseguia andar, não comia nada, não bebia sequer água. Nos últimos vinte anos esteve internada seis vezes por causa da anorexia, o período mais longo durante quatro meses, no Hospital de Santa Maria. Dos internamentos devidos à desnutrição e falta de potássio já perdeu a conta.

“Os meus pais sofreram imenso e a minha irmã, dois anos mais nova, também porque a atenção era toda para mim. Ela é a pessoa que mais me apoia, mas é difícil. Ainda hoje a maioria das pessoas, até alguns médicos, não percebe o que se passa. Não compreendem que isto é uma doença. Acham que basta começar a comer, que basta parar de vomitar, que é só querer. Mas não é.”

“Já não me lembrava de ter tanta energia”

“É tal e qual uma adição”, explica a psiquiatra Dulce Bouça, que já seguia a Sara antes de ela entrar para o programa RIPA e que considerou que este podia ser um passo importante no sentido da recuperação. Não correu como esperado, mas teve o seu impacto.

Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Além da psiquiatra Dulce Bouça e da enfermeira Cláudia Santos, a equipa tem três psicólogas, uma nutricionista, uma terapeuta ocupacional e professores de atividades físicas e expressão dramática

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“Já depois de ter estado cá, a Sara foi várias vezes ao hospital com falta de potássio porque não conseguia parar de comer e vomitar e foi-lhe dito pela Psiquiatria [do hospital a que recorreu, na região onde vive], que estava assim porque queria. Isto é inadmissível, eu escrevi para lá a protestar. O colega da Medicina Interna, onde acabou por ficar internada, foi mais sensível ao problema que o da Psiquiatria. Há muito desconhecimento e má informação sobre estas doenças.”

Dulce Bouça sabe do que fala: trabalhou quase trinta anos na equipa do Hospital de Santa Maria dedicada às doenças do comportamento alimentar e luta há décadas para aumentar o conhecimento sobre as mesmas e para dar as melhores respostas a estas doentes.

“Já deixei alguns comportamentos purgativos e os laxantes, que tomava há anos. É uma vitória para mim. O caminho é para a frente. Pode ser com altos e baixos, como tem sido a minha vida, mas desta vez vou conseguir.”
Sara, 30 anos, diagnosticada com anorexia nervosa

Depois de oito dias de internamento, sempre a soro, e de um compromisso com a psiquiatra, Sara sente que está a começar a melhorar. “Já consegui deixar alguns comportamentos purgativos, deixei os laxantes, que tomava há anos, e isso é uma enorme vitória para mim. Ainda ocupa muito a minha cabeça e o meu dia, mas já não me lembrava de ter tanta energia. Antes, só o ato de levantar uma chávena de chá era um peso, tinha de segurar com as duas mãos. O caminho é para a frente. Pode ser uma montanha-russa, com altos e baixos, como tem sido ao longo da minha vida, mas acredito que desta vez vou conseguir.”

“O mais importante nem foram os dez quilos que perdi”

Mariana, 28 anos, está a conseguir. Desde os 6 anos que tem compulsão alimentar. Já nessa idade comia às escondidas. Latas de atum. O facto de os pais terem percebido muito cedo que havia um problema não ajudou. Não lhe era permitido comer doces, não lhe era permitido repetir, não lhe era permitido petiscar. As restrições alimentares e as comparações constantes com o irmão mais novo agravaram o problema em vez de o resolverem. Ainda assim, Mariana nunca teve excesso de peso. Mas os 60/65 quilos para 1,60m de altura eram avaliados como tal, não por ela.

Quando entrou para a faculdade, a ansiedade e depressão exacerbaram a má relação com a comida e uma série de dietas “malucas” levaram-na a entrar num ciclo “iô-iô”, em que alternava restrição e excesso, ora engordava, ora emagrecia, agudizando a compulsão alimentar. Em 2022, chegou aos 110 quilos. A ameaça à saúde tornou-se real: risco de diabetes, risco de colesterol, ansiedade social, isolamento. Já não se tratava apenas de uma questão estética (nunca se tratou, mas na sua cabeça sim).

Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Dulce Bouça e a psicóloga Lara Castro Nunes reúnem com as quatro jovens que darão início ao novo grupo terapêutico de acompanhamento no Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar

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Foi então que procurou ajuda. Antes de se submeter a uma cirurgia bariátrica [em que é reduzido o volume do estômago] para perda de peso, sentiu que para resultar deveria antes fazer um programa de reeducação alimentar e ter acompanhamento de psiquiatria e nutrição. Surgiu a possibilidade do hospital de dia e Mariana agarrou-a. Ia por 15 dias, ficou um mês. Perdeu peso. Deixou de ter pensamentos intrusivos. Deixou de fazer “binge eating” [comer compulsivamente].

“O mais importante nem foram os dez quilos que perdi, foi ter conseguido parar as compulsões. Continuava a ter vontade de comer, mas já conseguia controlar e isso foi uma vitória. Foi importante estar com outras pessoas com distúrbios alimentares, ainda que diferentes do meu.”

Mariana fez a cirurgia bariátrica há uma semana e acredita que a vida dela vai mudar. A psiquiatra Dulce Bouça, que a acompanha, também.

“Conseguimos ver o que os outros veem quando olham para nós”

Partilhar o dia-a-dia, durante duas ou três semanas ou um mês, com outras pessoas que têm o mesmo problema faz abrir os olhos e tomar consciência e isso é essencial, concordam as quatro novas doentes do Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar.

Laura é uma delas. Tem 18 anos, veio estudar para a universidade, em Lisboa. No ano passado intensificou-se a anorexia nervosa em relação à qual estava em negação. De tal forma que pediu ajuda aos pais e à irmã. Acompanhada no último mês por Dulce Bouça, deparou-se com a incapacidade de cumprir sequer metade do plano alimentar prescrito pela médica. E pensou que o hospital de dia poderia ser uma solução.

“Tem-se a ideia de que estas doentes querem emagrecer, mas elas querem é sentir-se bem com o corpo. Há um estigma associado a estas doenças, o que é um fator dificultador da procura de ajuda. Tentamos desmontar isso.”
Cláudia Santos, enfermeira

“Precisava de uma abordagem mais forte e achei que esta seria a solução ideal, porque estar em contacto com pessoas que estão a passar pelo mesmo ajuda bastante, tanto na compreensão da doença como na possibilidade de nos vermos refletidas noutra pessoa. Conseguimos ver o que os outros veem quando olham para nós e isso é importante para a tomada de consciência da doença e para a decisão de recuperar.”

Laura valoriza os três primeiros dias de tratamento e o trabalho de conexão entre a mente e o corpo. “Isso é muito importante porque essa relação está extremamente danificada. Tem sido esgotante trabalhar esse equilíbrio, mas é muito importante”.

Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Há trinta anos que a psiquiatra Dulce Bouça trabalha em doenças do comportamento alimentar e luta para aumentar o conhecimento sobre as mesmas e para dar boas respostas a doentes com estas patologias

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Cristina, 17 anos, concorda, mas o maior desafio tem sido cumprir o plano alimentar. Com anorexia nervosa há três anos, devido à qual é acompanhada em psicologia e pedopsiquiatria e por causa da qual já esteve internada, a jovem não estava habituada a fazer refeições de três em três horas e a jantar e tomar o pequeno-almoço. “Mas tenho de me consciencializar de que tenho que fazer isto, porque os últimos meses, desde janeiro, têm sido complicados e eu sei que preciso deste apoio.”

“Aqui trabalhamos as emoções em relação ao corpo”

É para apoiar estas jovens e todos aqueles que lutam com doenças do comportamento alimentar que a enfermeira Cláudia Santos trabalha no recém-criado hospital de dia, pelo qual passaram até agora três grupos. Movimenta-se pelo espaço com familiaridade e apresenta-o. Uma cozinha e sala de refeições ampla, tornada acolhedora para não parecer um refeitório; uma sala de reuniões onde, daqui a pouco, ela, a psiquiatra Dulce Bouça, uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional farão uma reunião de equipa para apresentar e discutir os casos das quatro novas doentes que iniciaram o programa, mas que é também a sala onde se trabalha a expressão plástica; o espaço onde neste momento está a decorrer um grupo terapêutico com a psicóloga Lara Castro Nunes, a psiquiatra Dulce Bouça e as quatro jovens; o consultório onde decorrem as sessões individuais e o espaço de enfermagem onde daqui a pouco irá decorrer uma sessão online de follow-up com ex-utentes.

“O hospital de dia abre às nove da manhã e a primeira coisa que fazemos é conversar um bocadinho sobre o dia anterior, as dificuldades que tiveram depois de sair daqui, nos seus contextos, e tentamos encontrar estratégias para que no dia seguinte corra melhor”, diz a enfermeira Cláudia.

“Continuava a ter vontade de comer, mas já conseguia controlar e isso foi uma vitória. Foi importante estar com outras pessoas com distúrbios alimentares, ainda que diferentes do meu.”
Mariana, 28 anos, diagnosticada com compulsão alimentar

Depois começam as atividades terapêuticas diferentes: psicoterapia individual, psicomotricidade, técnicas de relaxamento, ioga, tai chi, terapia ocupacional, expressão dramática e expressão artística. E, pelo meio, tempo livre, que as doentes podem ocupar como quiserem.

Os desenhos enormes que forram a parede da sala de reuniões são testemunhos de um trabalho de reflexão sobre a relação com o corpo e as emoções associadas a este, a gestão e a expressão emocional e a ligação aos outros. “Tem-se a ideia de que o que estas doentes querem é emagrecer, mas o que elas querem é sentir-se bem com o corpo”, explica a enfermeira Cláudia. “E aqui trabalhamos isso: as emoções em relação ao corpo. Há um estigma associado a estas doenças, o que é um fator dificultador da procura de ajuda, e que tentamos desmontar.”

Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O custo do programa para as utentes é de cinquenta euros por dia, que pode ter comparticipação dos diversos subsistemas ou seguros de saúde. A capacidade estimada é de dez doentes por grupo

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

Ana, 19 anos, estudante universitária, e outra das quatro novas doentes, demorou a procurar ajuda. Só agora começou a perceber que está doente. Reconhece que esteve em negação durante muito tempo relativamente à anorexia. Seguida em psicologia, psiquiatria e terapia familiar devido a depressão e ansiedade, só quando o corpo começou a dar sinais – perda de cabelo, fragilidade da pele e das unhas, ausência de menstruação –, é que a família percebeu que poderia haver uma perturbação do comportamento alimentar e a terapeuta encaminhou para a psiquiatra Dulce Bouça. “Vim para aqui para tomar a decisão de aceitar o tratamento, mas continuava em negação e só o contacto e as conversas com elas é que me ajudaram a perceber que estamos todas a passar pelo mesmo e que há fatores comuns que têm a ver com a doença e que eu achava que eram defeitos meus.”

Marta, 18 anos, também só agora procurou ajuda especializada nesta área, apesar de se debater há três anos com perturbações do comportamento alimentar que começaram com uma dieta levada ao extremo e culminaram numa compulsão alimentar. Tal como as novas companheiras, está a descobrir, através da partilha de experiências e das atividades propostas, o problema que tem e a forma de o tratar. “É muito diferente sermos acompanhadas semanal ou mensalmente por um psicólogo e estarmos aqui diariamente com acompanhamento especializado e com pessoas que passam pelo mesmo que nós.”

“Abrir outros interesses e caminhos”

Desmontar a doença para recuperar a vida e a saúde. É nisto, simplificando o que é muito complexo, que Dulce Bouça trabalha há várias décadas. Durante quase trinta anos no Hospital de Santa Maria, até se ter reformado, e atualmente em clínica privada e nas Irmãs Hospitaleiras de Lisboa, a cumprir um projeto que sempre quis criar mas nunca conseguiu.

“Há anos que luto para criar um Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar. Até que o diretor desta clínica, o psiquiatra Pedro Varandas, que foi meu colega em Santa Maria, me convidou para coordenar este projeto. Era o que eu queria, deixar uma coisa destas a funcionar, quando me retirasse”, conta Dulce Bouça, que tinha uma ideia clara do que um hospital de dia nesta área deve ser.

A manhã começa com uma conversa sobre o dia anterior e as dificuldades que tiveram depois de sair do hospital, nos diferentes contextos. A equipa procura estratégias para que corra melhor no dia seguinte.

“Não deve ser fechado nem ultra vigiado. Deve ser um espaço lúdico, de liberdade, mas também de compromisso e responsabilidade, onde as pessoas estão entre as nove da manhã e as cinco da tarde e onde devem ter várias atividades que as tirem desta zona da alimentação e do corpo e do peso e que lhes possam abrir outros interesses e caminhos.”

Por isso é que o projeto de Resposta Integrada para Perturbações Alimentares inclui atividades físicas (que noutros locais até estão proibidas), ioga, tai chi, passeios nos jardins, tempos livres para ler, dormir, ver um filme, trabalhar ou conversar. “Um espaço onde as pessoas possam decidir fazer outras coisas além das terapias psicológicas, das consultas comigo, das conversas com a enfermeira.”

Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Reportagem sobre saúde mental: O Hospital de Dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que fica na Clínica Psiquiátrica de São José de Telheiras -- Irmãs Hospitaleiras -- é um programa que tem como objetivo proporcionar ao utente um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal, estética e relacional, permitindo ao utente recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o seu corpo. 29 de Março de 2023 Irmãs Hospitaleiras, Telheiras TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

De segunda a sexta, das nove às cinco, a enfermeira Cláudia Santos ajuda a dinamizar os grupos e a desenvolver atividades e intervenções terapêuticas

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Em termos de intervenção terapêutica, há uma psicóloga que faz terapia duas vezes por semana e dois grupos terapêuticos – “um mais interpessoal, psicodinâmico e compreensivo sobre a doença, muito intenso, do qual elas saem muito mexidas e a pensar muitas coisas, e outro com uma abordagem mais cognitivo-comportamental para aprender a identificar as emoções que levam aos comportamentos errados, à restrição, à compulsão, ao vómito e aos outros comportamentos purgativos”.

Da equipa técnica, além da psiquiatra Dulce Bouça e da enfermeira Cláudia Santos, fazem parte três psicólogas, uma nutricionista, uma terapeuta ocupacional e os professores de expressão dramática, expressão artística, ioga, tai chi e psicomotricidade, que trabalham para proporcionar às utentes um tratamento que promova melhoria da saúde global, intervenção terapêutica em várias dimensões, médica, psicológica, nutricional, corporal e relacional, permitindo-lhes recuperar um regime alimentar adequado e reconciliar-se com o corpo.

“Queremos ser um exemplo”

“O hospital de dia está indicado para quem não está bem fisicamente, na restrição, na compulsão ou no vómito autoinduzido, já está nisto há algum tempo e não teve tratamento ou está estagnada na situação e não sai dela, como se estivesse habituada à doença”, diz a psiquiatra. “Trabalhamos para que, ao fim de 15 dias, três semanas ou um mês, as pessoas digam: ‘eu decidi recuperar a vida, retomar o curso, voltar às aulas, ir trabalhar, o que for’. E, quando saem daqui, as que já tinham consultas habituais voltam a elas e as que não tinham iniciam acompanhamento.”

O custo do programa para as utentes é de cinquenta euros por dia, que pode ter comparticipação dos diversos subsistemas ou seguros de saúde, a capacidade estimada é de dez doentes por grupo e o hospital de dia está aberto a todas as pessoas com problemas de perturbações do comportamento alimentar, a partir dos 16 anos. É sempre realizada uma primeira consulta de avaliação com a psiquiatra, para perceber se esta é uma resposta adequada ao caso, e então estabelecido um plano, discutido com a/o utente e a família.

Alargar, ampliar, chegar a mais doentes é a ambição de Dulce Bouça, que defende que esta é uma solução que deveria servir de exemplo e ser replicada. “Espero que atrás deste projeto venham outros hospitais de dia. Se existissem respostas destas no Serviço Nacional de Saúde simplificaria imenso, porque as doentes que são seguidas na consulta poderiam ser orientadas  e até poderia prevenir alguns internamentos completos”.

Mas, ressalva a especialista, iniciativas destas “têm de ser geridas e orientadas por pessoas com experiência nesta área. Não é qualquer um que pode fazê-lo. As doenças de comportamento alimentar são muito graves, muito problemáticas e muito mal compreendidas, tanto pela sociedade como pelos próprios médicos.”

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

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Com a colaboração de:

Ordem dos Médicos Ordem dos Psicólogos

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