Era uma estrela socialista em ascensão quando António José Seguro o castigou à boleia do “aos banqueiros alemães até lhes tremem as pernas”, frase que se lhe colou como uma segunda pele. Desiludiu-se com António Costa quando o então autarca de Lisboa recuou à 25.ª hora no embate contra Seguro. Reaproximou-se pela mão de Duarte Cordeiro, o seu eterno número dois, e foi importante na vitória de Costa contra Seguro. A relação que mantinha com muitas figuras ligadas à esquerda fez dele o “pivô da geringonça”. Resistiu várias vezes em integrar o Governo, mas, depois de ter sido secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, acabou por chegar ao cargo de ministro das Infraestruturas e Habitação. E os problemas começaram aí.

“A relação entre Pedro Nuno Santos e António Costa tinha esfriado dois anos e meio antes [em 2013], quando Costa se preparou para desafiar Seguro (…) O jovem deputado ficara desapontado (…) A frustração ainda durou ano e meio, até Costa assumir finalmente o desafio a Seguro. Tempo suficiente para sedimentar em alguns jovens turcos do PS (Pedro Nuno Santos era um deles) a desconfiança face a António Costa.”

O relato consta do livro Como Costa Montou a Geringonça em 54 Dias, da jornalista do Observador Rita Tavares e de Márcia Galrão, à época jornalista da revista Visão e hoje assessora de Pedro Nuno Santos. E sintetiza bem uma relação que foi feita de altos e baixos – na reta final, sobretudo baixos. Indefetível, desiludido, braço direito, candidato a herdeiro, rival, e, por fim, “maçã podre“, como lhe chamam no PSD. Do Olimpo à porta pequena em sete anos.

De resto, há dois momentos delicados na coabitação entre ambos. O primeiro aconteceu em 2018, quando Pedro Nuno Santos, então o rosto do sucesso da ‘geringonça’, em ex aequo com Costa, apareceu num congresso socialista a reclamar os méritos de uma solução que salvou a pele do líder socialista e a vida política do PS – ao ponto de o líder socialista se sentir na necessidade de deixar uma frase mortal para as aspirações de Pedro Nuno: “Anuncio desde já que não meti os papéis para a reforma”.

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Daí para cá, nunca mais Pedro Nuno Santos ousou pôr-se em bicos de pés tal como fizera nesse congresso. Mas a esquerda continuou a suspirar por ele — ainda antes das legislativas e da maioria absoluta do PS, muitos bloquistas e comunistas defendiam que António Costa era um bloqueio à convergência à esquerda e apostavam tudo no fracasso do líder socialista e na futura e eventual liderança de Pedro Nuno para reconstruir as pontes à esquerda.

Ainda assim, e apesar do ralhete que lhe deu no conclave socialista, António Costa acabou por lhe confiar a pasta das Infraestruturas e da Habitação. Na altura, muitos no PS (inclusive apoiantes de Pedro Nuno) anteciparam o pior: António Costa acabara de entregar um presente envenenado ao seu potencial herdeiro; Pedro Nuno Santos achou que ia enganar o destino, mas o futuro veio a dar razão aos que temiam o pior para o putativo sucessor de Costa.

O “pivô da geringonça” tornou-se o grande rosto da nacionalização da TAP. A (falta) de Habitação continuou a ser uma dor de cabeça e o novo aeroporto de Lisboa tornou-se o grande calcanhar de Aquiles: sem que até hoje alguém tenha explicado exatamente o que aconteceu, Pedro Nuno atravessou-se por uma solução que Costa, assim que regressou de uma aventura europeia, se prontificou por afastar, desautorizando por completo o seu ministro.

Nessa altura, as casas de apostas apontavam todas no mesmo sentido: Pedro Nuno Santos não iria resistir ao choque. Não era para menos, uma vez que o ministro esteve com um pé e meio fora do Governo. No entanto, e depois de um pedido de desculpas que entrou diretamente para o ranking dos momentos mais delicados da história dos vários governos, o ministro segurou-se e António Costa enterrou o assunto. Ou não.

Na polémica e recente entrevista que deu à revista Visão, e depois de ter desvalorizado por completo todos os casos que têm afetado o Governo – incluindo a demissão de Miguel Alves, aquele que deveria ter sido o seu braço direito – o primeiro-ministro não resistiu a dizer que a única polémica verdadeiramente grave que tinha atingido o Governo foi aquela que envolveu Pedro Nuno Santos e o despacho sobre o novo aeroporto. O cartão amarelo – ou alaranjado – era evidente.

De Tecmacal a pior

Desde essa altura, Pedro Nuno Santos ficou na berlinda. Se as coisas estavam mal, pioraram à boleia da participação que Pedro Nuno Santos detém na empresa do pai e dos contratos feitos com o Estado, o que motivou ataques de toda a oposição. Aliás, esse terá sido um dos casos que mais desgastou o ministro nos últimos e que o fez repensar a exposição pública a que estava sujeito pelo facto de ser ministro.

No início de outubro, o Observador noticiou que a empresa beneficiou de um ajuste direto, o que não só constitui uma incompatibilidade, como a sanção prevista na lei para os casos em que um titular de cargo político detém mais de 10% de uma empresa em conjunto com um “ascendente” e faz um contrato público é a demissão.

O Ministério de Pedro Nuno Santos disse não existir qualquer incompatibilidade, escudando-se num parecer da Procuradoria-Geral da República. Mas esse parecer foi feito em relação à anterior lei de incompatibilidades e impedimentos (de 1993). O parecer distingue, inclusive, os casos em que as empresas são dos titulares dos cargos e aquelas em que as sociedades são apenas propriedade de familiares.

O parecer em que o então ministro se tentava escudar não abordava a situação em causa, já que o titular do cargo e o familiar têm ambos participações: Pedro Nuno Santos só tem 1% da empresa, mas, em conjunto com o pai — que tem 44% — e outros familiares, o que ultrapassa em muito os 10% apontados na lei.

Apesar de a bancada do PS ter tentado reduzir o tempo de audição, doze dias depois do caso ter sido noticiado, Pedro Nuno Santos teve de ir ao Parlamento dar explicações sobre o caso. Na altura, o ministro disse que as dúvidas sobre a interpretação da lei eram “legítimas” e assumiu que acataria o que o Tribunal Constitucional decidisse sobre o caso — mesmo que a sanção pudesse ser a sua saída, algo que, depois desta demissão, fica sem efeito.

A ideia de que estaria dependente de uma decisão judicial para saber se continuava no cargo, bem como o facto de a sua família ter sido envolvida com esta notícia, terão sido essenciais para que Pedro Nuno Santos se sentisse agastado. O Observador saber que o agora ex-ministro já estava há muito a ponderar uma saída do Governo; o caso “Alexandre Reis” precipitou tudo.

Em cima de tudo isto, e politicamente mais doloroso, Pedro Nuno Santos, que tanto se esforçou para justificar a nacionalização da TAP, acabou a defender (sem grande convicção, como registou toda a oposição) a futura privatização da companhia aérea.  Tudo somado, o socialista sai antes de subscrever a solução que vai nascer algures em 2023.

O Porsche da “incoerência” que tornava Pedro Nuno numa esquerda caviar

O primeiro grande amargo de boca veio de alta cilindrada.  A família de Pedro Nuno Santos fez fortuna no setor do calçado e, ser privilegiado, nunca ajudou quem se quer afirmar como um rosto da esquerda e alguém que frequentemente se assume como alguém que está do lado do povo. Surgiu então um problema para o governante do PS: como tinha possibilidades (o próprio foi administrador da empresa da família, onde ganhava bem), o socialista comprou um Porsche 911.

A compra do carro de luxo acabou por ser notícia e Pedro Nuno Santos quis desfazer-se do carro. Em entrevista ao Observador, em outubro de 2018, o então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares confessava que vendeu o carro por coerência ideológica: “Eu e o meu pai sempre gostámos de carros. Mas admito que foi um erro.”

Pedro Nuno Santos explicou na altura o porquê de se ter arrependido da compra. “Com o trabalho que faço, julgo que é um mau sinal, que não é coerente com aquilo que quero fazer e com a forma como quero estar na política. Era uma despesa que, para mim, era supérflua e que não se justificava.” E acrescentava: “Às vezes, fazemos coisas na nossa vida de que nos arrependemos. Obviamente que não fiz nada de errado, não tenho sequer um discurso moralista sobre gastos ou consumo, mas de facto não tinha sentido.”

O então governante defendia na altura que “os homens de esquerda têm o direito, tendo capacidade económica, para a usarem naquilo que entenderem”, assegurando que não tinha “nenhum discurso moralista sobre isso”.  No entanto, insistia que continuar a ter um carro era um erro. “O meu pai tem um carro que também circula nas redes sociais, é empresário, trabalhou para o ter, está no direito dele. Eu não me sentia bem.”

Mas isso foi noutra vida. Agora, e depois de ter liderado as investidas contra Seguro, depois de ter sido instrumental na formação da ‘geringonça’, depois de ter ascendido à posição de ministro (e não um ministro qualquer, cai à boleia de uma das muitas polémicas em que se viu envolvido. Grande parte do aparelho socialista (que sempre suspirou por ele), terá de decidir se mantém fiel ou se parte para outra perante o revés de Pedro Nuno Santos. Manterá a influência ou tornar-se-á uma promessa nunca concretizada?

PSD celebra trapalhadas de Pedro Nuno. Mas quer “maçã podre” por perto