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O Vaticano anunciou no passado sábado à noite que um milhão e meio de pessoas marcaram presença na Vigília no Parque Tejo, com o Papa Francisco. Comunicado citava "autoridades locais". PSP diz que não contou pessoas, autarquia de Lisboa também não e comité organizador da JMJ idem
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O Vaticano anunciou no passado sábado à noite que um milhão e meio de pessoas marcaram presença na Vigília no Parque Tejo, com o Papa Francisco. Comunicado citava "autoridades locais". PSP diz que não contou pessoas, autarquia de Lisboa também não e comité organizador da JMJ idem

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O Vaticano anunciou no passado sábado à noite que um milhão e meio de pessoas marcaram presença na Vigília no Parque Tejo, com o Papa Francisco. Comunicado citava "autoridades locais". PSP diz que não contou pessoas, autarquia de Lisboa também não e comité organizador da JMJ idem

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O mistério do milhão e meio de pessoas no Parque Tejo para ver o Papa. "Autoridades locais" não confirmam contagem avançada pelo Vaticano

Matemático diz que, em teoria, é possível que tenham estado 1,5 milhões de pessoas no Parque Tejo para ver o Papa. Mas PSP, CML e JMJ garantem que não fizeram a contagem — e passam bola aos próximos.

Na altura poderá ter até causado estranheza, mas foi assim desde o início da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que na passada semana deixou Lisboa em estado de sítio: os números de assistência de peregrinos nos eventos foram (quase) sempre anunciados à imprensa portuguesa pelo próprio Vaticano, com a exceção a acontecer no primeiro dia do evento, ainda o Papa Francisco não tinha viajado para Lisboa.

Na terça-feira à noite, coube à porta-voz da Fundação da JMJ, Rosa Pedroso Lima, a apresentação do número de peregrinos presentes no Parque Eduardo VII para assistir à Missa de Abertura, presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa: “Entre 180 e 310 mil”, segundo uma “estimativa das entidades envolvidas”, nomeadamente Polícia de Segurança Pública (PSP), operadores de telecomunicações e Metropolitano de Lisboa.

Desde então e até domingo, as comunicações do género ficaram sempre a cargo da Santa Sé — e, não sem surpresa, porque os eventos passaram a contar com a participação do Papa Francisco, entretanto chegado ao país, o número de participantes foi sempre em crescendo.

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Na quinta-feira, na cerimónia de Acolhimento dos peregrinos que participavam na Jornada, cerca de 500 mil pessoas estiveram no Parque Eduardo VII; no dia seguinte, 800 mil juntaram-se para assistir à Via-Sacra. No sábado, deslocada a JMJ para a zona Oeste da cidade, um milhão e meio de pessoas estiveram na Vigília do Parque Tejo, e, no dia seguinte, a Missa do Envio, celebrada por Francisco, teve outros tantos peregrinos a assistir.

Quando questionadas, agora que o evento chegou ao fim, sobre como foram feitas as contas que permitiram chegar a tão elevado número — sobretudo tendo em conta o número, avançado pelo COL, o Comité Organizador Local da JMJ, de peregrinos inscritos oficialmente no evento, 354 mil —, as ditas "autoridades locais" não assumiram sequer a paternidade da contagem

Em todas as ocasiões, o Vaticano atribuiu a contabilização da assistência às “autoridades locais”. O que, voltando ao início, pode ter parecido estranho no primeiro dia, mas a partir daí acabou por se entranhar, tendo em conta a natureza do evento e a presença extraordinária do chefe de Estado do Vaticano e representante máximo da Igreja Católica.

Problema: quando questionadas, agora que o evento chegou ao fim, sobre como foram feitas as contas que permitiram chegar a tão elevado número — sobretudo tendo em conta o número, avançado pelo COL, o Comité Organizador Local da JMJ, de peregrinos inscritos oficialmente no evento, 354 mil —, as ditas “autoridades locais” não assumiram sequer a paternidade da contagem.

Meio milhão de pessoas no Parque Eduardo VII em Lisboa para a JMJ

Contactada pelo Observador, a Câmara Municipal de Lisboa, a par da de Loures uma das principais parceiras da organização, explicou que “não tinha a missão de controlo das entradas nos recintos dos eventos da JMJ” e acrescentou ainda que essa tarefa foi “realizada pelo COL (Fundação JMJ – Igreja) e pela PSP”.

Também ao Observador, a comissária Patrícia Firmino, um dos elementos da PSP na Célula de Comunicação de Segurança da JMJ, garantiu que aquela força de segurança não avançou quaisquer números ao longo de toda a semana, e passou a bola ao COL, como organizador do evento.

Por sua vez, Rosa Pedroso Lima, em nome da Fundação da JMJ, desmente a PSP e diz que tudo o que a organização portuguesa fez foi citar o Vaticano. “Nós nunca avançámos números sobre o balanço”, assegura.

Na Missa do Acolhimento, no Parque Eduardo VII, terão estado cerca de meio milhão de peregrinos, anunciou a Santa Sé

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Completado o círculo, esta quinta-feira de manhã o gabinete de imprensa da Santa Sé explicou ao Observador que os números divulgados “foram fornecidos pela Gendarmeria Vaticana e pelas autoridades locais”. Já a pergunta seguinte — “Que autoridades locais?” — ficou sem resposta.

Na impossibilidade de saber como foi feita a contagem de participantes na Vigília e na Missa do Envio, respondemos a 7 perguntas sobre o que está em causa (mais uma extra, sobre outra contagem de cabeças polémica em Portugal).

A uma semana da JMJ, há 347 mil jovens inscritos. D. Américo Aguiar espera entre 1 milhão e 1,2 milhões de participantes

“Adorei a JMJ mas não gosto que me mintam.” O que se diz nas redes sociais sobre a lotação do Parque Tejo?

As dúvidas começaram a ser partilhadas logo no domingo, não apenas em Portugal mas também no Brasil, país que, de resto, também já organizou uma Jornada Mundial da Juventude — em julho de 2013, na missa de encerramento, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, terão estado 3,7 milhões de pessoas, revelou na altura o diretor executivo, com base nas informações avançadas pela Prefeitura local. Em 1995, nas Filipinas, tinham sido ainda mais os peregrinos reunidos para ver e ouvir o Papa, então João Paulo II: cerca de 4 milhões.

No Twitter, houve quem tivesse comparado, através de matemática simples, mas com dados de origem não revelada, as dimensões da Avenida Paulista, em São Paulo, também no Brasil, com as do Parque Tejo. Se uma tem 280 hectares e “comporta 950 mil pessoas espremidas”, como é que no Parque Tejo, que “tem 100 hectares”, “vai caber 1,5 milhão?”.

Outro post, também no Twitter e igualmente partindo dos 100 hectares de dimensão, que equivalem a um milhão de metros quadrados, defende que, partindo do princípio de que cada pessoa deitada ocupa “pelo menos 2 metros quadrados”, no máximo só poderiam estar 500 mil pessoas no Parque Tejo. “Adorei as Jornadas, mas não gosto que me mintam”, acusa o utilizador daquela rede social, que garante ainda ter estado no local “de visita”, onde terá constatado que “as partes finais estavam longe de estar cheias”.

Por fim, outro utilizador, partindo de uma medida inferior, 70 hectares, assinala outra questão: “Contando com sacos cama, tendas, outras estruturas, WC’s, dá no máximo 700 mil pessoas.”

Qual era o tamanho do Campo da Graça instalado nos terrenos do Parque Tejo?

De acordo com a Câmara Municipal de Lisboa, sobre esta questão não há lugar para dúvidas. “O recinto ‘Campo da Graça’ tinha um total de 100 hectares, atravessados pelo rio Trancão, que divide os concelhos de Lisboa e Loures: 38 hectares em Lisboa, no Parque Tejo-Trancão, e 62 hectares no concelho de Loures”, pode ler-se na resposta enviada esta quarta-feira por e-mail ao Observador.

Cada hectare equivale a 10 mil metros quadrados, o que significa que, no total, o espaço onde terão estado 1,5 milhões de peregrinos a ouvir o Papa, no passado fim de semana, tinha um milhão de metros quadrados.

Como estavam ocupados esses 100 hectares?

A partir do mapa do recinto, disponibilizado pela Fundação JMJ, é fácil perceber que, apesar da dimensão total de 100 hectares, o espaço útil deixado livre para peregrinos é substancialmente menor.

O recinto foi dividido por quatro setores, entre Lisboa e Loures

Ao todo, o “Campo da Graça” estava organizado em quatro setores repartidos por 84 frações, onde foram instalados, no total, 108 bebedouros e 59 postos de primeiros socorros, mais duas tendas grandes para o mesmo efeito, uma em cada extremo do recinto, no lado de Lisboa e no de Loures.

Para além disso, havia ainda 39 espaços com instalações sanitárias, cada um deles com várias casas de banho no interior, e 17 espaços de restauração, um deles grande, do tamanho de uma das frações, junto à porta 3, no setor A.

O "Campo da Graça", para onde a JMJ se transferiu no sábado à tarde, estava repartido por quatro setores, ao longo de 100 hectares e dois municípios

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Também livres de peregrinos estavam ainda a zona do polémico altar-palco, que, ao todo, ocupava uma “área de implantação” de 3.250 metros quadrados; e todos os corredores de segurança, por onde o papamóvel circulou com Francisco a bordo ao final da tarde de sábado e, novamente, no domingo de manhã, antes da Missa do Envio.

Como é que a matemática conta multidões?

“Uma das formas mais comuns é tentar obter uma amostra da densidade das pessoas, mediante uma fotografia, por exemplo, para perceber quantas pessoas estão em cada unidade/área. Depois é só multiplicar a área total da zona ocupada pela multidão por essa densidade”, explica ao Observador Óscar Felgueiras, o matemático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto que durante a pandemia se tornou conhecido por ajudar as autoridades de saúde a tomar o pulso à pandemia.

“A ideia é tentar pegar numa amostra pequena que seja representativa da área total, e multiplicar depois o número de pessoas que há nessa pequena amostra pela área total”, explica o especialista, lembrando que o número obtido será sempre uma “estimativa” e acrescentando também que o modelo só resulta caso a distribuição de pessoas pelo espaço seja mais ou menos homogénea.

“Se a moldura for muito heterogénea e as pessoas estiverem mais apertadas em alguns sítios e mais à larga noutros, a margem de erro será sempre maior”, explica. “Mas para se fazer uma contagem com precisão total, será sempre preciso contar as cabeças todas — e ninguém vai fazer isso.”

É ou não matematicamente possível que 1 milhão e meio de pessoas tenham estado no Parque Tejo a ver o Papa?

Ressalvando que, para fazer uma avaliação mais fidedigna, teria sempre de saber que área foi de facto ocupada pelos peregrinos no Parque Tejo — “Nunca são 100 hectares, a área pode ser muito grande, mas há sempre zonas que estão sem ninguém, e alguns corredores de acesso, por exemplo” —, Óscar Felgueiras risca uma série de números no ar antes de finalmente dar uma resposta.

"O que está aqui subjacente é que, em média, cada metro quadrado está a ser ocupado por uma pessoa e meia, ou seja, em cada dois metros quadrados — estamos a falar de um retângulo de dois por um — existem três pessoas. É assumir que nos 100 hectares estariam, em média, três pessoas em cada 2 metros quadrados, e isso não me parece completamente implausível"
Óscar Felgueiras, matemático

“Um milhão e meio, a dividir por 100, são 15 mil pessoas por cada hectare, o hectare é 100 por 100, são 10 mil, portanto… ok, não me parece completamente descabido, é uma pessoa e meia por metro quadrado. Apesar de tudo, não é extremamente denso…”, vai raciocinado ao telefone, para finalmente determinar: “Não, não é impossível”.

“O que está aqui subjacente é que, em média, cada metro quadrado está a ser ocupado por uma pessoa e meia, ou seja, em cada dois metros quadrados — estamos a falar de um retângulo de dois por um — existem três pessoas”, explica o matemático. “É assumir que nos 100 hectares estariam, em média, três pessoas em cada 2 metros quadrados, e isso não me parece completamente implausível”, determina.

Neste vídeo cabem 1,5 milhões de pessoas

Questionado sobre se a matemática continua a ser válida, mesmo sabendo à partida que nem todo o espaço constante desses 100 hectares estava livre e disponível para ser ocupado por peregrinos, mantém que sim: “O que estou a assumir é que é uma média, portanto haverá zonas com mais e com menos densidade. Zonas que estarão vazias, quase, e depois zonas com mais pessoas. Admito que nas zonas de maior densidade possam ter estado, por exemplo, quatro pessoas por metro quadrado, e com certeza que há fotografias em que se encontram pessoas com essa proximidade. Não tenho qualquer tipo de evidência para contrapor essas estimativas.”

Estas contas também são válidas para a noite?

Se em pé um peregrino só ocupa “o espaço dos pés”, na horizontal as contas são bem diferentes, pelo que a resposta também tem necessariamente de ser outra, diz Óscar Felgueiras: “A densidade de pessoas por metro quadrado é necessariamente menor, uma pessoa deitada vai sempre ocupar mais do que uma pessoa em pé.”

Logo a seguir, passa às contas: “Digamos que uma pessoa mede 1,7 metros e que terá meio metro ou 60 centímetros de largura. Mais roupa e algum tipo de cobertura, é difícil ocupar menos de 1 metro. Ora, 1 metro por 1,7 metros, dá logo 1,5 metros quadrados. Isso significa que em 3 metros quadrados caberiam duas pessoas. Isso é uma densidade muito menor, porque, em pé, em 3 metros quadrados, no limite podemos ter até 12 pessoas, se estiverem muito juntas. Já se estiverem muito juntas, mas deitadas, às tantas podemos conseguir ter 3 pessoas em 3 metros quadrados, mas não mais do que isso”, estima.

No final, diz, podem ter estado a dormir no Parque Tejo (não apenas nos setores reservados para isso mesmo mas também nos corredores de acesso, feitos de terra batida e gravilha, revelaram no local vários peregrinos ao Observador), 700 mil pessoas, não mais. “E tinham de estar deitadas umas em cima das outras, quase”, ressalva ainda.

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Qual é a técnica utilizada pela PSP para contar manifestantes?

Em vez de contarem as pessoas num determinado espaço e de replicarem depois esse número para a dimensão total do recinto em que se encontram, os agentes da PSP fazem ao contrário.

“Pela dimensão do espaço onde os manifestantes vão estar, e de acordo com as barreiras físicas que montamos, fazemos uma espécie de rácio, de quantas pessoas cabem por metro quadrado”, explica a comissário Patrícia Firmino. “Normalmente damos 3, 4 pessoas por metro quadrado, já no limite. Sendo que isso também depende do cariz da manifestação. Se for algo que sabemos que vai ser pacífico, não há problema de as pessoas estarem mais próximas umas das outras; mas se tiver algum risco acrescido já tentamos dar uma margem de segurança maior, para que a massa humana não esteja tão aglomerada”, diz a agente da PSP, concedendo que sim, no caso da JMJ e tendo em conta a “tranquilidade” dos envolvidos, podiam facilmente estar 4 pessoas em cada metro quadrado.

"Pela dimensão do espaço onde os manifestantes vão estar, e de acordo com as barreiras físicas que montamos, fazemos uma espécie de rácio, de quantas pessoas cabem por metro quadrado. Normalmente damos 3, 4 pessoas por metro quadrado, já no limite. Sendo que isso também depende do cariz da manifestação"
Comissário Patrícia Firmino, PSP

Por serem eventos sem “controlo de bilhética”, acrescenta ainda, “todos os números que avançamos são exemplificativos, nunca conseguimos confirmar pessoa a pessoa”. Nestes casos, explica ainda a porta-voz da PSP para a JMJ, as contagens de multidões estão muito dependentes da experiência, que os agentes envolvidos vão acumulando necessariamente em eventos semelhantes.

Lembra-se do dia em que 800 mil pessoas encheram o Terreiro do Paço?

Se não se recorda, é porque nunca aconteceu — se bem que a organização da manifestação “Que se Lixe a Troika”, que no dia 2 de março de 2013 saiu às ruas do país inteiro, tenha garantido à imprensa que sim, no total teriam sido 800 mil os manifestantes no Terreiro do Paço, ultrapassando em larga escala as primeiras previsões, que apontavam para o meio milhão de pessoas naquela zona de Lisboa.

As contas que os jornais fizeram na altura foram idênticas às que a PSP faz, sempre que tem de estimar cabeças mas não pode controlar entradas nem contabilizar bilhetes: mediram a dimensão do espaço e multiplicaram-no pela densidade expectável — a oscilar entre as duas e as quatro pessoas por metro quadrado.

Contabilizou o Público, através de uma medição feita por Google Earth, juntos, Terreiro do Paço e Cais das Colunas tinham 44 mil metros quadrados — isto já a contar com o espaço ocupado pelo palco montado pela organização e pela estátua equestre de D. José I (aquela que deu origem à adivinha popular sobre a pata direita do cavalo do “Reformador”). Se ali tivessem estado duas pessoas por metro quadrado, a manifestação teria contado com 88 mil participantes; se não coubesse nem mais uma agulha no recinto, e em cada metro quadrado estivessem quatro pessoas, tinham ali estado 176 mil participantes. Para chegar aos 800 mil, teriam sido precisas cerca de 18 pessoas em cada espaço de um por um. Só às cavalitas uns dos outros.

Atualizado quinta-feira, 10 de agosto, com a resposta do Vaticano

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